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Apertem os cintos: 2019 deu a largada!

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Por Rosane Borges*, especial para os Jornalistas Livres

Nem pompa, nem circunstância

A aurora de 2019 vem acompanhada de um novo(?) governo no Brasil que em sua tenra idade já exibe as rugas de um projeto arcaico que nos devolve para um passado que não passa. Carregando a faixa presidencial desde 28 de outubro, Jair Messias Bolsonaro sacramentou durante a posse o que vinha anunciando exaustivamente e cumprindo parcialmente.

A cerimônia deste 1º de janeiro não fugiu um milímetro do roteiro que embasou a campanha e, pelo que se viu, servirá de farol para o espetáculo de horrores que, a cada cena, antecipa os desdobramentos do próximo ato.

A “solenidade” da posse pode ser vista como um balão de ensaio do que nos aguarda nos próximos anos. Alguns lances dos discursos oficiais, sem atenuações semânticas, anunciam e põem em prática um programa de governo árido, pra dizer o mínimo. Nomeemos alguns deles:

  • “fim do politicamente correto” (ou seja, estão liberadas todas as formas discursivas e práticas de destituição dos grupos não hegemônicos);
  • “o Brasil retomará os fundamentos da tradição judaico-cristã” (em outras palavras: o Estado laico, que sempre respirou por aparelhos, foi extinto);
  • “o direito à legítima defesa” (em bom português: o desarmamento, o clima de faroeste, é apresentado como a principal política de segurança pública num país que diminuiu consideravelmente os índices de mortalidade graças, entre outras coisas, ao controle de armas, ainda que os números permaneçam exorbitantes);
  • “combate do gigantismo estatal” (trocando em miúdos: a velha frase “menos estado e mais mercado” desregulamenta práticas e acordos que davam um mínimo de decência para a dinâmica predatória do capitalismo);
  • “restabelecimento dos ‘padrões éticos e morais’ e da inversão de valores” (o presidente assinou MP em que retira a população LGBT das diretrizes dos direitos humanos). E para “restabelecer a ordem neste pais”, prometeu ainda “libertar” o Brasil “do socialismo.” (sic).

 

Derivam dessas orientações, nada republicanas, tampouco democráticas, a extinção do Ministério da Cultura, a retirada da Funai e do Incra da demarcação das terras indígenas e quilombolas, transferindo-a para o Ministério da Agricultura (leia-se, ruralistas), aprovação do salário mínimo com valor inferior ao aprovado pelo Congresso), etc., etc., etc.,  medidas que empurram os vulneráveis e as áreas fundamentais para o desenvolvimento do país, como cultura e educação,  para um limbo de incerteza jurídica e real.

A forma do acontecimento, novamente ela, o inusual, a quebra de protocolo, nos ensina muito mais que o conteúdo. Insisto: ao reacionarismo nos costumes e ao neoliberalismo na economia, correspondem uma decadência estética. Como esquecer da carona que Carlos Bolsonaro, o “Filho”, pegou no Rolls Royce presidencial, instalado como se guarda-costas fosse? Como não lastimar o discurso em libras da primeira dama, Michele, que se ofereceu a múltiplas interpretações? Impossível não sorrir e se assustar com o discurso sonoramente amplificado do vice Hamilton Mourão, como se tivesse dando ordens para a tropa. É possível fazer ouvidos moucos ao discurso do ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araujo? E a vergonha alheia da ministra Damares com o rosa,  o azul e outros que tais?

Incontornavelmente, alguns paralelos já foram estabelecidos. O espectro da expressão fascista se projetou nas sombras do discurso que fermentou os ânimos da assistência (“Esta é a nossa bandeira, que jamais será vermelha, só será vermelha se for do nosso sangue derramado para a manter verde e amarela”). O jornal português Público, sob a pena de Ana Sá Lopes, vê o vulto de Salazar no discurso oficial de Bolsonaro:

 

Para nós, portugueses, assistir ontem aos discursos de Bolsonaro trouxe reminiscências dos discursos de um homem que saiu do poder em 1968, embora isso tivesse acontecido por doença: Oliveira Salazar. Bolsonaro traz agora para ideologia oficial do Brasil tudo aquilo que foi a cartilha da ditadura portuguesa, o mesmo ódio às “ideologias”, a religião como parte do Estado, a defesa dos valores das famílias ultraconservadoras, o mesmo horror aos “vermelhos”. (…). A democracia brasileira é demasiadamente jovem, mas também as democracias jovens podem morrer.

 

Reorganização do sistema político: por uma ação conjunta de “fora”

Apesar dos pesares, é possível estabelecer parâmetros para construir um mínimo de civilidade. Que as democracias agonizam em várias partes do mundo, disso ninguém mais duvida. Esta parece ser a preocupação que vem tirando o sono de analistas ao redor do mundo, a exemplo dos professores de Harvard, Steven Levitsky e Daniel Ziblatt, autores do best seller “Como as democracias morrem?” e do espanhol Manuel Castells com o livro “Ruptura: a crise da democracia liberal”. “Como a democracia chega ao fim”, de David Runciman, completa o trio das obras que estão vendendo mais que cerveja no carnaval. A prescrição do remédio para a ascensão do autoritarismo tornou-se invariável: a necessidade premente da criação de frentes democráticas.

            Segundo o filósofo Marcos Nobre, professor da Unicamp, para além da criação de uma frente democrática é preciso, no caso brasileiro, que “as forças políticas que não estão alinhadas ao governo de Bolsonaro  repactuem concomitantemente as regras da democracia brasileira. Para o filósofo, “o impeachment de Dilma Rousseff ainda não acabou, uma vez que o sistema político não se reorganizou desde então e a eleição de Bolsonaro não foi de renovação, mas de destruição. E ele [Bolsonaro] precisa do colapso pra se manter no poder”.

Nobre diz ainda que o impeachment deflagrou uma guerra que teve início, mas que até o presente momento não chegou ao fim, a não ser que se reestabilize o sistema político. Lembra o professor que o impeachment de Collor não terminou em dezembro de 1992, mas sim em março de 1994, quando foi lançado o plano real, que era, ao mesmo tempo, um programa de estabilização econômica e política: “se no Governo Itamar você podia reorganizar o sistema de dentro do Governo, com Bolsonaro o desafio é muito maior, porque você tem que reorganizar de fora”.

A estabilização política não aconteceu com a ascensão de Temer que, ao invés de repetir o gesto de Itamar Franco, destinou-se a ser José Sarney, deixando uma extensa avenida para o aprofundamento do colapso, que foi e está sendo explorado por Bolsonaro. Nesse cenário caótico, Nobre adverte que precisamos distinguir as ameaças que irrompem do governo em exercício das que são provenientes da base da sociedade, que se sente autorizada, pela ambiência governamental, a dizer e a fazer coisas antes consideradas inadmissíveis, pelo menos na esfera pública, protegida por um manto de conforto.

 

Não estamos sós: o mundo em desalinho

Verdade seja dita: desestabilização política, descrença nos partidos tradicionais, desalento com as instituições, desaceleração econômica, insensatez democrática, guerras comerciais não são exclusividade nossa, mas fazem parte de uma tendência que se inclina para o centro do turbilhão. O mundo anda em desalinho e nada nos autoriza a afirmar que em 2019 o céu será de brigadeiro. Todos os elementos estão aí para que a nossa estranha temporalidade seja movida por pura nitroglicerina.

Os eventos caminham juntos e misturados, desenhando um ambiente tóxico em que incerteza, insegurança e medo converteram-se nas principais cifras que mobilizam ações de governos e cidadãos. Vejamos: ao invés de cooperação, os EUA optaram por uma política agressiva para manter supremacia; a China toda desenvolta procura se reequilibrar face a um processo de desaceleração econômica, mantendo reequilíbrio geopolítico global; a Rússia procura, o quanto pode, evitar um declínio acelerado, a despeito das investidas de Vladimir Putin; a União Europeia tenta, a todo custo, se curar de feridas narcísicas que ameaçam sua existência; o Oriente Médio se vê espreitado pelo signo da renovação, com Índia e Indonésia atentas às eleições em que escolherão seus presidentes.

E tem mais: na América Latina, teremos, em extremos opostos, os presidentes dos dois gigantes da região, Bolsonaro e Obrador, o que vem chamando atenção do planeta. Na África, a Nigéria (o país mais populoso do continente) e o Congo (segundo maior em superfície) enfrentarão o pleito eleitoral cercado de expectativas, embora sejam quase impossíveis projeções alvissareiras.

Olhe-se para onde se olhe o nacionalismo atravessa de ponta a ponta as estratégias de reação da maioria desses países. Duelos entre globalistas versus nacionalistas estão em alta na política global. Um rápido giro pelo mundo nos permitirá observar como as batalhas gravitam na órbita destes dois polos: elas serão a tônica da votação do novo Parlamento Europeu, considerada como um verdadeiro censo ideológico pancontinental. Na China, o governo apela internamente para o controle da população nesta fase de desaceleração econômica; na Índia também o viés nacionalista é adotado como plataforma por Narenda Modi para a recondução no cargo. O Brexit se tornou um pesadelo que teve no nacionalismo o fundamento para a insanidade da qual os britânicos se arrependem, depois da volta à lucidez.

 

É preciso estar atento e forte

Se, como insistia o geógrafo Milton Santos, “é preciso pensar globalmente e agir localmente”, de que maneira podemos evitar que a nossa jovem democracia pereça de envelhecimento precoce? Quais as vias alternativas para que a cidadania e a pluralidade retornem como bandeiras importantes para a sobrevivência de um país que se quer civilizado?  De que maneira almejar a vida num tempo em que a rede de proteção e direitos foi totalmente desmantelada e onde morte e destruição tornaram-se indutoras de mudanças em prol dos interesses do capitalismo de crise?

Retomando Marcos Nobre, é preciso disposição para reorganizarmos a vida política desde fora da institucionalidade, para criarmos estratégias de conexão e interação com outras pessoas em redes, sem restrição. Sabemos da dificuldade da criação e fortalecimento dessas redes, mas sabemos igualmente que povos historicamente discriminados no Brasil foram hábeis em antever as tragédias que começam ceifando vidas que são empurradas à margem.  Os mais atingidos nesse primeiro estágio do desmonte têm expertise para protagonizar qualquer iniciativa de reorganização da política que tem na composição de uma frente democrática os princípios que envolvem a todas(os) na manufatura de um projeto comum.

Costuma-se dizer que “os clarões fulgurantes de uma série de acontecimentos e casos extremos deixa muita gente cega”. O que parece ocorrer em nossas terras. Relembro Walter Benjamin, citado por mim em outro artigo, “Como foi possível o que é?” publicado aqui, nesta Carta depois da vitória no segundo turno: “nas circunstâncias ordinárias, a maior parte das pessoas acaba por ver, mas quando já é demasiado tarde, quando já se tornou impossível não ver e quando isso não serve mais a nada”.

Contra a cegueira, que parece generalizada, urge reaprender com os fenômenos de vidência. Lembrei naquele mesmo artigo que sob esse ponto de vista os feminismos negros se tornaram fenômenos de vidência: “parte da sociedade via o que ela continha de intolerável e via também a possibilidade de algo diferente”.

O filme Bird Box tornou-se metáfora para sintetizar os nossos dias. Entre a coragem e esperança guerreira de Sandra Bullock ainda prefiro a altivez de Rosa Parks, que ousou de olhos bem abertos reescrever a história com a coragem de quem via (e sentia) cotidianamente o intolerável e resolveu não mais ser parte disso.

São das vítimas, dos excluídos, dos terrivelmente outros que essa frente democrática poderá ganhar legitimidade para que a resistência, tão propalada em nossos dias, efetivamente o seja. Quem sabe, com a frente democrática, ao invés de proclamarmos um desalentado “bem-vindo ao deserto do real”, nos seja permitido ressoar um bem-vindo à vida, à cidadania e aos diversos modos de existência. Confabulemos!

*Rosane Borges, 42 anos, é jornalista, professora universitária e autora de diversos livros, entre eles “Esboços de um tempo presente” (2016), “Mídia e racismo” (2012) e “Espelho infiel: o negro no jornalismo brasileiro” (2004).

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LUTA ANTIRRACISTA PRECISA ACERTAR A ‘CABECINHA’ DE WILSON WITZEL

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Há anos a tática sobre segurança pública no Rio se concentra em operações espetaculares que resultam, de tempos em tempos, em um derramamento de sangue, com direito a traficantes, moradores de comunidades e policiais mortos.

O roteiro todos já conhecem. Unem-se policiais de diversos batalhões, eles invadem determinada localidade com poder de fogo muito superior, e terminam matando principalmente a ponta da cadeia do tráfico, a base da estrutura das facções, enquanto seus líderes comandam tudo de longe ou de dentro dos presídios, e no dia seguinte um novo comando paralelo se instala no mesmo lugar.

É uma máquina de moer gente. Mata-se loucamente, e no dia seguinte é como se nada tivesse mudado.

A situação é esta porque em certos locais do Rio a única chance de um jovem criado em situação de miséria comprar um tênis da moda é segurando uma arma que ele não sabe atirar direito. A parcela da população favelada que sobra do espaço da cidadania, por motivos que vão desde abandono familiar, déficit educacional ou imposição de terceiros, é seduzida por uma rede comércio ilegal que promete dignidade no contexto da extrema exclusão e sacrifica a vida destas pessoas como copos descartáveis.

São quase sempre jovens negros, no tráfico, na polícia ou nas casas vizinhas ao confronto entre eles. E suas mortes não comovem nem de perto tanto quanto o cãozinho morto na porta do Carrefour.

É assim desde que a abolição foi seguida pela recusa em absorver os negros no mercado formal de trabalho e a imigração de estrangeiros brancos para substituí-los. A pobreza se perpetuou a partir da negligência em gerar oportunidades e condições de vida saudável, e nela a criminalidade floresceu desde sempre.

Se soubesse da história do Rio, Wilson Witzel, o novo governador eleito no estado, que repete a palavra matar o tempo todo para agradar os ouvidos de uma classe média tanto preocupada com roubos quanto é racista, adepta de praias segregadas, odienta do funk, do samba e de pagode, faria algo para interromper a espiral macabra que corrói sua sociedade por dentro.

Alteraria o atraso social com políticas públicas inteligentes de ensino integral, cooperativas de trabalho, reforma do sistema penitenciário, investimento em tecnologia da informação e preparo de suas polícias. Enfrentaria o racismo com mais educação e cultura, e não faria coro com privilegiados que gostam de se remeter aos negros com termos tipicamente usados para animais, como “abate”.

Em 2010, o Rio viu Sérgio Cabral vencer Fernando Gabeira aproveitando-se, em parte, da crença de que o adversário era veado e maconheiro. Dali seguiu-se uma bandalheira que resultou, nos últimos anos, no colapso total das contas públicas. Já não há mais espaço de tempo para novos demagogos. E nem a população suporta mais mentiras no lugar de competência. Algo melhor que matar precisa vir à cabeça do novo governador. E eu sugiro que superar o seu racismo entranhado seja o melhor começo.

Por: Rodrigo Veloso – Colaborador dos Jornalistas Livres morador do Rio do Janeiro formado em Relações Internações

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OS BACHARÉIS DA RESISTÊNCIA

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Artigo de Rodrigo Perez Oliveira, professor de Teoria da História da Universidade Federal da Bahia, com ilustração de Duke

 

O ano de 2005 é chave para a compreensão da crise brasileira contemporânea. Foi aí, no chamado “mensalão”, que se desenhou pela primeira vez aquela que, na minha percepção, é a característica mais importante da crise: o ativismo político dos profissionais da lei.

Desde 2005 que juízes, desembargadores, ministros dos tribunais superiores e procuradores são personagens recorrentes na crônica política. Depois de 2014, a Operação Lava Jato se tornou palco para a fama desses profissionais. Mais do que nunca, o Brasil é a República dos Bacharéis.

Os marqueteiros da Operação Lava Jato afirmam que pela primeira vez na história do Brasil os empresários milionários sentiram na pele o peso da lei. É uma meia verdade. Se é meia verdade, por consequência lógica, é meia mentira também.

Os empresários presos atuavam no ramo da construção civil e de obras de infraestrutura. Os agentes econômicos envolvidos com atividades financeiras e especulativas não foram incomodados. Somente os mais ingênuos são capazes de acreditar que Marcelo Odebrecht ou Léo Pinheiro são mais corruptos que os executivos do Itaú ou do Santander, que também financiavam campanhas eleitorais, que também estabeleciam relações nada republicanas com a classe política.

Por que uns foram presos, enquanto os outros estão aí, lucrando bilhões todos os anos?

A seletividade da Operação Lava Jato é óbvia e salta aos olhos de qualquer um que queira enxergar a realidade. A narrativa do combate à corrupção está sendo utilizada como pretexto para o desmanche do Estado e dos investimentos públicos em infraestrutura, o que favorece os interesses ligados ao capital financeiro nacional e internacional. A comunidade jurídica brasileira colaborou com esse projeto, ajudou a desmontar parques industriais, levando empresas nacionais à falência, sempre com o pretexto do “combate à corrupção”.

Como bem disse Eugênio Aragão, ex-ministro da Justiça, a Justiça brasileira “prometeu acabar com os cupins, mas acabou ateando fogo à casa”.

Porém, seria um erro dizer que a comunidade jurídica é um bloco homogêneo, que todos os seus integrantes se movem na mesma direção. Alguns momentos na cronologia da crise mostram que o cenário não é tão simples, que há bacharéis dispostos a confrontar a hegemonia daqueles que entregaram seus serviços aos interesses do capital financeiro internacional.

Destaco aqui três nomes: Rodrigo Janot, Rogério Favreto e Marco Aurélio de Mello.

Em algum momento da crise, os três contrariaram interesses hegemônicos. Meu objetivo aqui é relembrar esses episódios e sugerir que a resistência democrática não pode abrir mão da institucionalidade. Ir às ruas e disputar o imaginário das pessoas não significa deixar de operar por dentro das instituições burguesas, explorando suas contradições. Uma coisa não exclui a outra. Uma coisa complementa a outra.

 

Rodrigo Janot

Rodrigo Janot foi empossado pela presidenta Dilma Rousseff como procurador geral da República em 2013, sendo reconduzido ao cargo, também por Dilma, em 2015. Janot foi personagem protagonista em alguns dos momentos mais agudos da crise brasileira, no período que compreendeu a derrubada de Dilma Rousseff e a ascensão de Michel Temer.

Sinceramente, não sou capaz de definir a identidade ideológica de Rodrigo Janot, de dizer se ele é de esquerda ou de direita. Talvez ele não pense a realidade nesses termos. Antes de se tornar procurador geral da República, Janot tinha atuação engajada na defesa dos direitos da população carcerária. No segundo turno das eleições presidenciais de 2018, Janot se manifestou a favor da candidatura de Fernando Haddad.

26 de agosto de 2015. Sabatina de recondução de Janot à chefia da Procuradoria Geral da República. Senado Federal. A crise institucional se aprofundava e começava a se desenhar no horizonte o golpe parlamentar que meses depois derrubaria Dilma Rousseff.

A oposição, liderada por senadores do PSDB e do DEM, colocou Janot contra a parede. Ana Amélia, Aécio Neves, Aloísio Nunes, Antonio Anastasia exigiam que a PGR denunciasse a presidenta Dilma Rousseff. Foram quase 12 horas de uma sabatina tensa e atravessada pelo partidarismo político. Por inúmeras vezes, Janot disse que não havia indícios suficientes para fundamentar uma denúncia contra a presidenta da República.

Janot não denunciou Dilma enquanto ela estava no exercício do mandato.

Já com Temer, o comportamento de Rodrigo Janot foi completamente diferente. Foram duas denúncias, em pleno exercício do mandato. A primeira denúncia foi apresentada em junho de 2017. A segunda veio três meses depois, em setembro.

Michel Temer precisou acionar suas bases na Câmara dos Deputados para barrar as duas denúncias. Precisou liberar verbas para os deputados aliados. Precisou gastar capital político. Acabou lhe faltando fôlego político para aprovar a Reforma da Previdência, que era a grande agenda do seu governo. Capital político tem limite, igual a peça de queijo: diminui um pouco a cada fatia retirada.

Se Temer não conseguiu aprovar a Reforma da Previdência, parte da derrota pode ser explicada pelas flechas disparadas por Rodrigo Janot, que acabou colaborando para defender os direitos previdenciários dos trabalhadores brasileiros do ataque do capital especulativo.

Qual era o seu objetivo? Comprometimento com uma agenda social-democrata? Um republicanismo genuíno que parte do princípio de que não pode existir seletividade na aplicação da lei? As duas coisas juntas?

Não dá pra saber. Fato mesmo é que ao desestabilizar Michel Temer, Janot contrariou os interesses do rentismo.

 

Rogério Favreto

Quem acompanha a trama da crise brasileira lembra bem do dia 8 de julho de 2018. Era manhã de domingo e o país foi sacudido pela notícia que dividiu a sociedade, deixando metade da população em estado de graça e a outra metade babando de ódio.

“Lula vai ser solto!”. Assim, estampado em letras garrafais em todos os veículos da imprensa.

Rogério Favreto, desembargador do Tribunal da 4° Região em diálogo direto com lideranças petistas, autorizou um habeas corpus de urgência, determinando a soltura imediata de Lula.

Todos os envolvidos sabiam que Lula não seria solto. Lula nem fez as malas. O objetivo ali era tático: levar as instituições burguesas a extrapolar os limites da própria legalidade.

Sérgio Moro despachou estando de férias e negou o habeas corpus, o que ele não poderia fazer. Moro contrariou a ordem de um superior, subvertendo a hierarquia do Poder Judiciário.

Thompson Flores, presidente do Tribunal da 4° Região, cassou a decisão de Favreto, o que somente poderia ser feito pelo colegiado dos desembargadores.

Em um ato de resistência, Rogério Favreto deixou claro para o mundo que Lula é um preso político que a todo momento inspira atos de exceção.

 

Marco Aurélio Mello

Marco Aurélio Mello, tendo mais coragem que juízo, vem sendo a voz da resistência no Supremo Tribunal Federal. Eu poderia dar vários exemplos de ações de Marco Aurélio em defesa da Constituição, da legalidade democrática e da soberania nacional. Fico apenas com dois.

1°) Em 19 de dezembro de 2018, na véspera do recesso do Judiciário, Marco Aurélio soltou um bomba: em decisão autocrática determinou que a Constituição fosse respeitada, ordenando a libertação de todos os presos condenados em segunda instância, o que beneficiaria o presidente Lula.

É que a Constituição é clara. Só pode prender depois do trânsito em julgado. Se está errado ou não é outra discussão. Constituição não se questiona, a não ser para fazer outra Constituição.

Liminar pra cá, liminar pra lá. Procuradores da Lava Jato convocando entrevista coletiva para dizer como STF deveria agir. Mais uma vez a sociedade dividida. Novamente, Lula nem fez as malas, pois experimentado que é, sabia muito bem que não seria solto.

Dias Toffoli, presidente do STF, derrubou a decisão de Marco Aurélio, contrariando o regimento interno da Casa, que diz que somente a plenária do colegiado é legítima para anular ato autocrático de um ministro.

Se Lula não estivesse preso, o regimento seria respeitado. Lula não é um preso comum.

2°) Na última semana, vimos outro embate entre Marco Aurélio e Dias Toffoli. Dessa vez, o motivo foi a venda dos ativos da Petrobras. Marco Aurélio, outra vez em decisão autocrática, proibiu a venda, num ato de defesa da soberania nacional. Dias Toffoli autorizou a venda, se alinhando aos interesses privados e internacionais.

Apresentei três exemplos, de três profissionais da lei que em algum momento da crise contrariaram os interesses que hoje ditam os rumos da política brasileira. Não existiu nenhuma articulação entre eles. Os exemplos mostram apenas que as instituições burguesas não são homogêneas, que existem contradições que devem ser exploradas.

A resistência democrática, portanto, precisa se equilibrar sobre dois pés. Um nas ruas, agitando e apresentando soluções para o nosso povo, que já vai começar a sentir na pele as consequências de um governo ultraliberal, autoritário e entreguista. O outro pé deve estar bem fincado nos corredores palacianos, onde se desenrolam as tramas institucionais.

Precisamos, sim, de líderes populares, de líderes que saibam falar ao coração do povo, que entendam as angústias da nossa gente. Precisamos também de articuladores, de conhecedores da lei e dos regimentos, de lideranças versadas no jogo jogado nos bastidores. Resistência democrática é trabalho de equipe.

 

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Armai-vos uns aos outros

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Por José Barbosa Junior
O presidente da República Fundamentalista de Vera Cruz (antigo Brasil – porque agora nada pode ser vermelho), decretou nesta terça-feira algumas flexibilizações na Lei que regulamentava a posse de armas, o que, na prática, significa que ele liberou geral. A proposta anterior, de no máximo duas armas por cidadão, passou para quatro armas, sendo liberadas outras mais, conforme a necessidade apresentada pelo futuro portador.
Em resumo, a barbárie está liberada oficialmente em nosso país. “Cidadãos de bem” agora vão poder, finalmente, matar os bandidos que lhe atormentam a vida. Por bandidos leia-se pobres, pretos, pardos e párias, que de já tão coisificados, tornaram-se sem valor e pessoalidade em sua existência.
O que mais me choca, porém, é que Bolsonaro foi eleito e é apoiado, inclusive e principalmente nesta questão, por gente que se afirma cristã. Isso mesmo! Gente que diz seguir aquele nazareno marginal que afirmou que “bem-aventurados são os pacificadores, pois eles serão chamados filhos de Deus”, aliás o mesmo que afirmou que “quem vive pela espada, morrerá pela espada”.
Parece estranho. E é.
Mais estranho ainda porque em toda a campanha do atual presidente, ele fez questão de repetir o versículo que diz “e conhecereis a verdade e a verdade vos libertará”.
A verdade é que a liberação de armas só gerará mais violência num país que respira violência.
A verdade é que mais mulheres serão vítimas de feminicídio, já que seus maridos machões agora poderão ter suas armas para suprirem seus outros fracassos.
A verdade é que mais LGBT’s morrerão nas mãos de homofóbicos que disfarçam seus preconceitos em discursos machistas e religiosos.
A verdade é que agora fica mais fácil planejar o suicídio, endêmico numa sociedade cada vez mais doente e adoecedora, refém de um sistema que empurra pessoas à depressão (sem contar as depressões que independem de fatores externos) e num país onde adolescentes cada vez mais se matam por conta de bullying e outras coisas mais. Ah! E sem falar no alto índice de suicídio entre pastores, tema cada vez mais recorrente nos últimos anos.
A verdade é que as brigas de trânsito, de bares, de baladas agora serão resolvidas na base do “quem saca primeiro”, porque com essa liberação a ideia de que o outro possa estar armado será sempre evidente e, entre ele e eu, é melhor que eu saque antes dele.
A verdade é que temos um governo violento, que ampara e incita à violência, que não esconde o prazer na tortura e na morte dos inimigos. Isso legitima e legitimará a barbárie!
Em nome da verdade… no governo mais mentiroso que já temos! E eu aguardo o dia da liberdade! Ela virá… mais cedo ou mais tarde!

*Teólogo e Pastor da Comunidade Batista do Caminho em Belo Horizonte.

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