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Censura

Agentes do Estado invadem universidades em todo o país às vésperas do 2º turno

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Reportagem publicada originalmente pelo Brasil de Fato 

Por Pedro Ribeiro Nogueira, com edição de Katarine Flor

Com a proximidade do segundo turno, fiscais de tribunais eleitorais, policiais federais e militares, a mando de juízes ou seguindo a solicitação de estudantes, invadiram universidades públicas em todo o país para interrogar, intimidar e apreender materiais, além de ordenar a retirada de comunicados do ar. A prerrogativa usada pelos juízes é a de que os materiais constituem campanha para o candidato Fernando Haddad (PT).

Na manhã desta quinta-feira (25), policiais federais armados adentraram Associação Docente da Universidade Federal de Campina Grande (ADUFCG) obedecendo a um mandado de busca e apreensão, expedido pelo juiz eleitoral Horácio Ferreira de Melo Junior, para recolher o “Manifesto em Defesa da Democracia e da Universidade Pública”, assinado pela entidade sindical e aprovado pela categoria em Assembleia. Eles também levaram o HD do computador da assessoria de imprensa do sindicato docente.

“Esse manifesto tem esse teor, [e repercute] a defesa irrestrita do nosso sindicato, o Andes, da democracia, das liberdades democráticas, da defesa da universidade pública, gratuita e de qualidade, laica, socialmente referenciada. Não é um material ou manifesto que faz menção à defesa de uma candidatura ou de outra. É claro que o teor político do manifesto acaba se chocando com uma candidatura que de certa forma vai de contrário a essa bandeira”, contou Tiago Neves, professor de psicologia e diretor social da ADUFCG.

Manifesto apreendido pela PF da ADUFCG. Foto: Reprodução

Ainda na Paraíba, homens, que se apresentaram como membros do Tribunal Regional Eleitoral (TRE), estiveram na quarta-feira (24) na Universidade Estadual da Paraíba para interrogar uma professora.

“Fiscais sem documentos comprobatórios, com a jaqueta do TRE, invadiram a sala de aula de uma professora para investigar a denúncia de que estaria acontecendo propaganda para um candidato. Obviamente que não estava. A professora estava trabalhando um conteúdo a partir da exibição de um filme e eles foram embora”, disse o presidente da associação docente da universidade, Nelson Júnior, em declaração nas redes sociais.

“Queremos que os professores continuem trabalhando com os seus conteúdos. A liberdade do debate político está presente na nossa sociedade. Não pode pedir voto nos espaços da universidade, mas pode discutir o conteúdo político e programático. Afinal de contas vivemos em uma democracia”, protestou o presidente da associação.

Em outro episódio, na terça-feira (23), policiais invadiram a Universidade Federal Fluminense (UFF), em Niterói, para remover uma bandeira antifascista, que não continha qualquer menção à nenhum dos candidatos. A Universidade Federal de São João Del Rei (MG) recebeu também nesta quarta-feira um Mandado de Notificação que ordena a retirada do ar da Nota da Universidade Federal de São João del-Rei a favor dos princípios democráticos e contra a violência nas eleições presidenciais de 2018, assinada pela Reitoria da instituição. Eles têm 48h para retirar o conteúdo do ar.

Primeiros parágrafos do manifesto da UFSJ. Foto: Reprodução;

“A violência que atinge hoje grupos minoritários de nossa sociedade – negros, índios, quilombolas, LGBTI+, pessoas com deficiência, mulheres – está se alastrando para grupos que sejam contrários à doutrina de um dos candidatos. A própria universidade, ambiente necessariamente democrático, plural, de produção de conhecimento, arte e cultura tem sua própria existência ameaçada nesse contexto de violência e de desrespeito à democracia”, afirma a nota da universidade.

Enquanto dava uma aula sobre fake news, na disciplina de Mídias Sociais, do curso de Ciências Sociais da Universidade Estadual do Pará (UEPA), o professor Mário Brasil teve sua aula invadida pela Polícia Militar. O acontecido foi relatado em nota pública do Sindicato dos Docentes da UEPA:

“O professor Mário Brasil relatou que, durante uma de suas aulas, ao solicitar aos alunos que fotografavam seus slides, falou, em tom de brincadeira, que os mesmos não fizessem Fake News com aquelas imagens. Por isso, uma das alunas se ofendeu, entendendo como indireta à sua pessoa e se retirou da sala. Posteriormente, o pai da referida aluna entrou na universidade acompanhado de policiais que abordaram o docente inquirindo-o e coagindo-o a se deslocar à delegacia para prestar esclarecimentos. O professor sabiamente se recusou e informou que somente compareceria acompanhado do seu sindicato e advogados e buscou o diálogo entre os presentes. Neste momento, os policiais desistiram da ação”, informou.

Para o geógrafo e professor da UEPA, Daniel Sombra, o acontecido “constitui um claro precedente contra a autonomia universitária, a pluralidade de pensamento, o respeito às tradições das ciências sociais e o cerceamento à liberdade de pensamento”.

Em outra violação da autonomia universitária, o juiz Rubens Witzel Filho emitiu, nesta quinta-feira (25), um mandado de notificação para a Universidade da Grande Dourados (MS) proibindo a realização da aula pública “Esmagar o fascismo”, que seria realizada no mesmo dia, às 10h, nas dependências da universidade.

Mandado usado na Universidade Federal de Campina Grande. Foto: Reprodução

Lembranças de chumbo

Para Eleonora Menicucci, socióloga e professora titular de saúde coletiva da Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP), a situação é de preocupação e apreensão, dado que esses ataques representam um duro golpe contra a autonomia universitária.

“A única época em minha história de vida em que não tiveram, em que não tivemos, foi na época da ditadura civil-militar. Mesmo assim, custou-se para invadir as universidades e isso me preocupa enormemente. É uma censura ao pensamento, é uma censura ao conhecimento e ao saber”, afirmou a socióloga.

Menicucci ressalta que pensamento, conhecimento e saber só são o que são se estão dentro de uma prática social: “E essa prática social é a manifestação dos contrários. Os estudantes e professores e funcionários que são o tripé que compõe a universidade, tem que ter inteira liberdade de se manifestar”.

Pontífica Universidade Católica de São Paulo, PUC-SP, que teve seu campus invadido pelas forças de repressão em 1977, com a prisão de diversos estudantes, e seu teatro incendiado, se manifestou hoje para “repudiar toda manifestação de ódio, intolerância e constrangimento de qualquer ordem, contrária à igualdade individual e coletiva, política, econômica, social, racial e de gênero, do conjunto da população brasileira, conforme o que estabelece a Constituição”.

A nota afirma que “atualmente encontra-se em risco a defesa dos interesses do povo brasileiro, de seus trabalhadores, bem como dos mais frágeis e vulneráveis, que constitui o alvo prioritário de nossas ações” e declararam se juntar “aos que conclamam por um amplo movimento de união que permita um futuro com a garantia da justiça social e a plenitude de acesso ao bem-estar pelo conjunto do povo brasileiro.”

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Censura

Censura. Ilustrador do cartaz do Facada Fest é intimado pela Polícia

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Censura no Festival Facada Fest

Texto e fotos: João Paulo Guimarães, para os Jornalistas Livres

Paulo Magno, ilustrador responsável pelos cartazes icônicos do festival paraense de punk rock Facada Fest, que ocorreria no ano de 2019, foi chamado na manhã do dia 1º de julho para prestar depoimento na Polícia Federal em Belém do Pará, no dia 2 de julho.

O depoimento se deu com a presença dos advogados André Leão, representante do coletivo Advogados Antifascistas, que atua há cinco anos em causas relacionadas a Direitos Humanos e ilegalidades cometidas pelo Estado e o advogado Pedro Cavalero, que atua há mais de 20 anos na área de Direito Administrativo e na defesa dos direitos dos servidores públicos nos seus sindicatos de base, além de ser presidente da Comissão de Moradia da OAB e que acompanha e representa os produtores do Festival Facada Fest desde o início da polêmica.

Censura no Festival Facada Fest

Sede da Polícia Federal, em Belém do Pará

A intimação para a Oitiva, foi feita através de ligação telefônica pelo próprio delegado da Polícia Federal, Alexandre Brabo, que explicou para os advogados, ser a única forma encontrada para intimar, devido a pandemia.

Um ano após as denúncias que envolvem o vereador Carlos Bolsonaro e o então Ministro da Justiça na época, Sérgio Moro, o episódio voltou a ganhar luz em meio a uma onda de perseguições a cartunistas e chargistas no Brasil como Renato Aroeira, que usam de sua liberdade de expressão e da arte para fazer críticas ao atual governo de Jair Bolsonaro, apoiador confesso da Ditadura Militar e da tortura.

Sérgio Moro já falou o seguinte: “Considero grave o ato de publicar cartazes ou anúncios com o presidente da República ou qualquer cidadão decapitado, empalado ou esfaqueado”. Na época da declaração, Moro ainda era Ministro da Justiça.

A censura já está a todo vapor

Outro chargista e artista foi recentemente assediado pelo governo federal por publicar uma charge em que mostra Jair Messias Bolsonaro pintando uma cruz vermelha da saúde e transformando em uma suástica nazista. Uma das muitas críticas ao presidente sem partido que incentiva seus apoiadores, que entre outros absurdos pedem a volta da Ditadura, a invadir hospitais de campanha pelo país.

Não é de hoje que a arte critica os governos, sejam eles de esquerda ou direita. Chargistas e cartunistas sempre usaram da irreverência e inteligência para ilustrar falhas em administrações públicas. Uma forma de expor suas opiniões e que serve como termômetro social das mazelas administrativas pelo país. Mas é no Governo Bolsonaro que as tentativas de censura e intolerância se mostram mais ferrenhas. O governo já deixou claro que não aceita qualquer tipo de crítica e utiliza todo seu aparato legal para impor o medo nos adversários políticos e impedir investigações relacionadas à família do presidente. Com a recente interferência no comando da Polícia Federal do Rio de Janeiro, fica claro que o episódio envolvendo Paulo Magno e o Facada Fest é só mais um caso de tentativa de censura à imprensa e assédio à arte.

Censura no Festival Facada Fest

Os cartazes do Festival Facada Fest

Sobre o caso, Paulo Magno se posiciona:

“Eu não gosto de exposição e minha esposa sabe disso, mas eu acho importante pra não deixar esse tipo de coisa acontecer. Eu acho que já faz muito tempo não acontecia essa intimidação com ilustradores, chargistas e cartunistas como aconteceu agora, esses tempos, com o Aroeira sobre a arte do Bolsonaro com a suástica e tal, e eu acho isso bem cretino porque sempre fizeram sarcasmo, esse tipo de arte, contra qualquer figura pública, político, artista e etc. Então é bem triste isso e a gente não pode se calar não.”

Sobre o depoimento, Paulo disse:

“O depoimento foi tranquilo e dentro do esperado. Mas a carga psicológica dessa situação não foi muito legal. Estar sentado em frente a um delegado dando explicações sobre o seu trabalho foi bastante constrangedor e desgastante. Em pleno 2020, ter que debulhar o significado das coisas que você desenhou é bem surreal.”

 

Censura no Festival Facada Fest

 

Intimidação e censura

“Eu nunca imaginei que um simples desenho fosse causar tanta indignação em alguns membros do governo. A meu ver, esse inquérito movido contra o Facada Fest e a mim de tabela, foi uma clara ação de intimidação e tentativa de censura. O que ainda me causa muita estranheza é esse processo estar correndo em sigilo. Acusação de apologia ao homicídio ou violência por conta de um desenho me causa grande estranheza. Imagina se eu tivesse pegado um tripé (simulando uma arma) e dissesse “vou fuzilar a direitalha?”, se defende Paulo.

A  situação já é absurda o bastante para acontecer em uma República que se diz democrática, mas o assédio a esses profissionais da comunicação acontecerem no contexto de uma crise pandêmica pela qual o Brasil vem passando, com a perda de mais de 60.000 brasileiros para uma doença que o Governo Federal ignora. Os advogados Andre Leão e Pedro Cavalero não ficaram surpresos com o bulling presidencial exercido através da Polícia Federal:

André Leão dos Advogados Antifascistas se posicionou sobre o caso:

“Não acredito que tenha ocorrido algo de errado no inquérito. A forma como ele foi iniciado é que é descabida pois é censura disfarçada de uma suposta ameaça de morte contra o Presidente. Inquéritos que estão em sigilo são incomuns pois em geral estão em sigilo para pedir prisão preventiva. O usual na oitiva é intimarem presencialmente. No caso do Paulo o próprio Delegado Alexandre Brabo ligou, sendo um protocolo utilizado na pandemia. Agora o Delegado conclui o inquérito e relata. Daí segue para a autoridade jurídica competente. Neste momento acredito que não mais. Se corresse, já teria um pedido de prisão preventiva”.

Pedro Cavalero complementou incisivo:

“Bem a defesa do Facada continua afirmando ser um inquérito sem base matérial de uma acusação. Estão confundindo arte, críticas dentro de um país democrático com um ataque à honra do Bolsonaro. Portanto, errado está tomar 3 horas do tempo de uma instituição, como a Polícia Federal, que deveria está atrás de quem matou Marielle, por exemplo. É comum a criminalização dos movimentos sociais. O depoimento do Paulo teve um fato diferente. Nós levamos os cartazes no original e o Paulo explicou para o delegado o que significava cada ilustração fazendo ligação com a conjuntura política da época. O único precedente pra isso foi somente na época da ditadura militar que a polícia também perseguia não só políticos contrários a suas ideias, mas artistas, bandas, escritores e a própria OAB Nacional que teve sua sede atingida com uma bomba”.

Situação absurda ou não, o Delegado Alexandre Brabo fará seu relatório. Ele pode arquivar o inquérito ou pode indiciar todos os indivíduos envolvidos, inclusive o ilustrador Paulo Magno, caso encontre indícios  de elementos considerados crime para então pedir o parecer do Ministério Público Federal. O MPF pode ou não pode abrir uma ação penal pública. Fiquemos atentos.

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O ilustrador Paulo Magno e advogados

Censura no Festival Facada Fest

O ilustrador Paulo Magno

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Justiça censura jornalista por crítica a colunista que apoia AI-5

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É o rabo abanando o cachorro! Com toda a mídia focada nas ações que o ministro do Supremo Tribunal Federal, Alexandre de Moraes, finalmente abriu contra as redes de fake news, seus financiadores e dos fascistas que ameaçam autoridades e instituições, em Mato Grosso o jogo foi invertido. Aqui, quem está sob ameaça da justiça é quem denuncia os participantes e apoiadores de atos antidemocráticos que pedem abertamente o fechamento do Congresso e a volta do Ato Institucional nº 5, o famigerado AI-5, que permitiu a censura à imprensa, as prisões políticas e, por consequência, a instituição da tortura, morte e desaparecimento de milhares de pessoas.

No início do mês, a juíza Maria Aparecida Ferreira Fago, do 2º Juizado Cível de Cuiabá, em decisão liminar, resolveu censurar duas postagens do jornalista Enock Cavalcanti, com mais de 30 anos de atividade nos principais veículos do estado. Nelas, o profissional publicou uma foto que retirou de uma postagem da colunista social Rosely Arruda Ferri no qual a também veterana na imprensa matogrossense posa ao lado de uma faixa com  a inscrição “AI-5 JÁ”, afixada na grade do 44º Batalhão de Infantaria Motorizado do exército em 19 de abril.

Colunista social posa com bandeira do Brasil ao lado de faixa que pede o AI-5 em dia de manifestações antidemocráticas em Cuiabá. Foto: redes sociais

Na primeira postagem censurada, no Facebook, Cavalcanti alertava outros jornalistas sobre a atitude da colega e questionava se a “cuiabania” tradicional se sentia representada por essa atitude. Já em seu blog Página do E (https://paginadoenock.com.br/), ele trazia um texto bem mais longo junto à imagem, falando sobre as manifestações verde-amarelas contra o governo de Dilma Rousseff e como tinham diminuído para as atuais que pedem abertamente a volta à ditadura.

No texto, Cavalcanti lembra vários jornalistas perseguidos em Mato Grosso durante o regime militar, entre os quais um está hoje “bem acomodado” no Tribunal de Contas do Estado. Ele cita, ainda, que já trabalhou com a colunista e lhe tem apreço, para em seguida pedir: “alguém mais chegado do que eu deveria visitá-la para um chá da tarde em louça delicada, conversar com calma, recordar à velha senhora alguns fatos históricos”. Em seguida, cita um longo trecho do poema de Vinícius de Moraes “O desespero da piedade” e termina publicando a Carta Aberta à Sociedade Brasileira em Defesa da Democracia, assinada por 20 dos 27 governadores de estado atuais, incluindo o de Mato Grosso, Mauro Mendes, do DEM.

O fato é que Roseli Arruda se irritou com as postagens e entrou com uma ação de indenização por danos morais no Tribunal Especial Cível contra o jornalista. Mas ao invés da juíza juntar as provas contra a colunista no inquérito sobre as manifestações golpistas ocorridas no estado, rapidamente arquivado pelo Procurador do Ministério Público Federal Carlos Augusto Guarilha de Aquino Filho, como mostra o próprio Enock Cavalcanti em seu blog, a doutora Maria Aparecida Ferreira Fago resolveu acatar a reclamação da colunista e antecipar a decisão impondo via liminar a censura sobre os posts sob multa diária de R$5.000,00  (veja a peça completa aqui).

Várias entidades, como o Sindicato dos Jornalistas de Mato Grosso, repudiaram a atitude. Para o Sindicato, “a concessão da decisão liminar é um duplo atentado à democracia, pois tolhe o exercício da liberdade de expressão e imprensa do jornalista Enock Cavalcanti e referenda o atentado aos Poderes Legislativo e Judiciário, vez que este foi um dos efeitos da decretação do Ato Institucional N°5 em 1968, quando o Brasil vivia sob ditadura.”

Em vídeo exclusivo para os Jornalistas Livres, Enock Cavalcanti explica o processo e a importância de nos unirmos nesse momento em que as forças mais reacionárias e violentas se levantam contra a jovem democracia brasileira.

https://vimeo.com/431634319

Como explica o também jornalista e professor de jornalismo Gibran Lachowski:

“Não foi pontual o que ocorreu em abril quando três bolsonaristas agrediram uma equipe de jornalismo da TV Brasil Oeste em frente ao Hospital Universitário Júlio Müller, em Cuiabá, impedindo que eles colhessem dados sobre casos de Covid-19. Também não foi pontual a ameaça feita no mesmo mês pelo deputado federal do Podemos/MT, José Medeiros, contra o jornalista Jacques Gosch, do RD News/Cuiabá, dizendo que uma futura notícia em seu desabono seria revidada “no tiro”. Como não é pontual que centenas de outras pessoas em várias cidades do país agridam jornalistas verbalmente e fisicamente, reforçadas pelo facínora Jair Bolsonaro. Como também não é pontual que o deputado estadual pelo PSL/MT, Silvio Favero, tenha feito postagem em redes sociais no dia 31 de março elogiando o golpe de 1964. Ou seja: a questão é maior. O foco é o combate ao bolsonarismo/fascismo, que significa a Defesa da Democracia. E deve envolver diversos setores da sociedade.”

 

 

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Militares fazem o que sabem de melhor: esconder os mortos

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Imagine uma epidemia que se alastra rapidamente e mata entre 10% e 20% dos infectados. Imagine que essa epidemia mata principalmente crianças e em especial as da periferia, com menor acesso ao saneamento básico e à saúde. Agora, imagine que por três anos os meios de comunicação sejam censurados nas reportagens sobre a epidemia, que os médicos sejam proibidos de dar entrevistas e que o Ministério da Saúde, controlado por militares, não divulgue os números corretos sobre a doença e as mortes. Isso já aconteceu no Brasil, e não faz tanto tempo assim.

Entre 1971 e 1974, pelo menos 60 mil pessoas de sete estados brasileiros (40 mil só em São Paulo, o epicentro da epidemia) foram infectadas pela bactéria causadora da meningite. Até hoje é impossível precisar quantos morreram. Mas para impedir o que achavam ser uma histeria dos médicos, os militares decidiram esconder esses fatos, e os mortos, da população. Centenas, talvez milhares de crianças, aliás, foram enterradas na mesma vala comum clandestina do cemitério de Perus, na capital paulista, onde eram jogados os corpos de dissidentes políticos torturados e mortos pelo Doi Codi.

Um ótimo vídeo curto sobre a epidemia de meningite e a maquiagem de dados da ditadura militar está disponível no canal Meteoro.doc. Ontem, o canal publicou um novo vídeo, tratando especificamente da atual maquiagem de dados e da disputa de narrativas entre o novo governo militar, que teoricamente ainda não é uma ditadura, e os meios de comunicação para se informar ou desinformar a população.

O tratamento governamental da epidemia de meningite dos anos 1970 só vai mudar em 1974, com um novo general no poder e a aquisição pelo governo de 80 milhões de doses da vacina. Sim, já havia vacina para a meningite e o governo sabia que se tivesse feito uma campanha de vacinação anos antes, teria poupado milhares de vidas. Mas pra que admitir um genocídio se podia dizer que havia um “milagre econômico”? É como disse a ex-secretária da Cultura, Regina SemArte: é muito peso carregar essa fileira de mortos.

Telegrama da Polícia Federal ordenando a censura nos dados sobre a epidemia de meningite. Fonte: Twitter do historiador Lucas Pedretti @lpedret. Como os telegramas não tinham pontuação, usavam a sigla VG para vírgula e PT para ponto final.

Assim, em julho de 1974, com a admissão oficial de que havia uma epidemia, o jornalista Clovis Rossi, então trabalhando no jornal O Estado de São Paulo, preparou uma grande reportagem de capa, intitulada Epidemia de Silêncio, na qual dizia: “Desde que, há dois anos aproximadamente, começaram a aumentar em ritmo alarmante os casos de meningite em São Paulo, as autoridades cuidaram de ocultar fatos, negar informações, reduzir os números referentes à doença a proporções incompatíveis com a realidade — ou seja, levando, deliberadamente, a desinformação à população e abrindo caminho para que boatos ocupassem rapidamente o lugar que deveria ser preenchido per fatos. Fatos que as autoridades tinham a obrigação, por todos os títulos de esclarecer ampla e totalmente”. Leia a matéria completa aqui.

Mas, claro, militares não gostam que digam quais são suas obrigações e publiquem que estão desinformando a população. Assim, a matéria de Rossi foi censurada e em seu lugar o Estadão publicou um trecho do poema Os Lusíadas, de Luís de Camões.

Por causa da Lei da Anistia, de 1979, os militares jamais foram responsabilizados criminalmente pelas mortes na pandemia e nem pelas torturas, mortes, desaparecimentos e ocultação de cadáveres de dissidentes políticos. Mas talvez a história não se repita com a pandemia de coronavírus. Ontem, o Supremo Tribunal Federal, atendendo a uma ação dos partidos Psol, PCdoB e Rede Sustentabilidade, determinou a divulgação diária das informações sobre os dados de Covid-19 até às 19h30, pelo Ministério da Saúde. E também ontem, o Tribunal Penal Internacional de Haia, na Holanda, decidiu analisar a denúncia do PDT de genocídio promovido pelo Governo Bolsonaro. Esse é um caso raro, já que normalmente o TPI só julga ex-governantes acusados de crimes contra a humanidade.

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