Por Luiza Rotbart e Silmara Silva | Jornalistas Livres
O imóvel que supostamente pertence ao contrabandista Law Kin Chong, foragido da polícia, hoje é a habitação de 100 pessoas, que há um ano trabalham duro na revitalização do espaço. São 43 famílias compostas por 10 idosos, 25 crianças, 7 adolescentes, 49 mulheres e 13 homens adultos.
Os jornalistas livres fizeram a denúncia no mês passado sobre a situação do imóvel e das famílias.
A juiza Andrea de Abreu e Braga, da 10ª Vara Cível de São Paulo, não se sensibilizou com a causa e os apelos dessas famílias, disse: “aqui não é lugar para caridade, se querem caridade procurem uma freira”.
Somente após um ato que ocupou a Praça da Sé e a frente do Tribunal de Justiça de São Paulo na tarde de ontem, 28.11.2019, o Desembargador Almeida Sampaio, determinou a suspensão da reintegração de posse e declarou a nulidade absoluta dos atos processuais. A determinação do desembargador Almeida Sampaio impediu que mais de cem pessoas fossem para as ruas de São Paulo.
Suspenso o despejo depois de apelos e muita luta
A reintegração de posse (despejo) contra os moradores do local, estava marcada para domingo 01.12. A juiza Andrea de Abreu e Braga, da 10ª Vara Cível de São Paulo, foi irredutível na sua decisão, o que fez com que os moradores recorressem ao Tribunal de Justiça para reverter a decisão.
Os moradores haviam feito apelo também ao Vereador Suplicy, que enviou carta à Juiza este semana, veja a íntegra.
Excelentíssima Juíza Dra. Andrea de Abreu e Braga,
Fui procurado na semana passada pelos moradores da Ocupação Almirante Negro, cuja desocupação do imóvel está em discussão nos autos do processo 1026859-66.2019.8.26.0100, sob a responsabilidade de Vossa Excelência. Eles relatam que a operação de reintegração de posse estaria agendada para o próximo domingo (1º) e que não tiveram qualquer atendimento social e habitacional do Poder Público até o momento.
Como Vereador, tenho sido procurado semanalmente por diversas ocupações da cidade solicitando apoio para a articulação de atendimento às famílias que sofrerão algum processo de remoção. Inclusive, sou autor do Projeto de Lei nº 200/2019, que justamente estabelece um Protocolo Unificado para Remoções na cidade de São Paulo, e prevê, entre outros pontos, a articulação de serviços e equipamentos diversos para minimizar os danos sociais (e até humanitários) às pessoas que sofrem algum processo de remoção. Além do dilema da moradia, essa população geralmente já está em uma situação de vulnerabilidade grande, o que se agrava com uma medida dessas, principalmente para as famílias que têm filhos em idade escolar.
No presente caso, quando procurado, minha primeira atitude foi conversar com o Núcleo de Mediação de Conflitos da Secretaria Municipal de Habitação, que informou já ter encaminhado o relatório produzido pela SEHAB, solicitando, ao fim, a prorrogação do prazo para cumprimento da medida de reintegração de posse. Minha manifestação vai ao mesmo sentido. Tenho visto exemplos concretos do quanto uma remoção sem qualquer suporte do Poder Público agrava ainda mais situação de vulnerabilidade e pobreza de famílias que não têm moradia. Embora o direito de propriedade deva ser resguardado, é muito importante que os danos de uma medida como essa sejam reduzidos ao máximo. É importantíssimo para o desenvolvimento das crianças e adolescentes da ocupação que possam bem concluir seu ano letivo escolar, o que acontece em escolas da região.
Em outros casos em que meu gabinete atuou, tivemos êxito na articulação com juízes e promotores, a fim de encaminhar o caso para os cuidados do GAORP, que detém de maior força institucional para viabilizar esse atendimento social nesses casos. Diante disso, questiono a possibilidade de que seja adotado encaminhamento semelhante no presente caso, ou que, pelo menos, seja adiada a medida a fim de que se conclua o ano letivo das crianças e adolescentes e de que essas famílias não tenham que passar as festas de fim de ano na rua.
Coloco-me à disposição, dentro da competência institucional, para colaborar com o que for preciso em prol da boa solução dessa medida de remoção. Agradeço imensamente sua atenção e na oportunidade manifesto votos de elevada estima e distinta consideração.
Atenciosamente,
Eduardo Matarazzo Suplicy
Vereador
APELO DOS MORADORES
Os moradores também enviaram apelo, em carta aberta aos membros do judiciário, que finalmente se sensibilizaram, revertendo a decisão do despejo que estava marcado para o próximo domingo.
Abaixo, a nota que foi enviada pela comissão de moradores da Ocupação Almirante Negro:
Excelências
Do judiciário, do executivo, do legislativo e das forças de segurança, não deixem a injustiça prosperar.
Somos 43 famílias compostas por 10 idosos, 25 crianças, 7 adolescentes, 49 mulheres e 13 homens adultos. Ao todo, mais de 100 pessoas. Trabalhamos duro para sustentar as nossas famílias e por absoluta falta de condições materiais e desprezo do poder público, não encontramos meios para pagar aluguel. Vivemos com dignidade, mas em estado de necessidade. Frente a essas condições, em 18 de Abril de 2018 ocupamos o imóvel abandonado na Rua Carlos de Sousa Nazaré, 630 – Parque Dom Pedro II. Encontramos o prédio completamente destruído, sem fios elétricos, sem encanamentos, nem portas e janelas, pias, vasos sanitários. Servia como ponto de consumo de drogas. E por vezes, ocorria assassinato, e até um corpo foi encontrado na caixa d’agua. Possuía muito lixo, ratos, pernilongos criadouros de dengue. Enfim, era câncer um urbano.
De acordo com o código civil art. 1.228 é uma propriedade ilegal e abandonada. Seu suposto proprietário é o senhor Law Kin Chong, um fora da lei, contrabandista, constantemente às voltas com a polícia e a justiça. Entendemos que essa propriedade, além de abandonada, foi adquirida por recursos ilícitos. Não foi adquirida por execução do trabalho, mas pelas atividades do contrabando. Observando estas condições, ocupamos o imóvel e reconstruímos tudo: Alvenaria, elétrica, hidráulica, portas. Deixamos em condições de acomodar nossas famílias. Já moramos ali por mais de 1 ano. Trabalhamos no entorno e nossos filhos frequentam as escolas da região.
Entretanto, a juíza Andrea de Abreu e Braga, da 10ª Vara Cível de São Paulo, concedeu a reintegração de posse (despejo) contra todos os moradores do local. Violou nossos direitos assegurados pela nossa Constituição, pela Convenção de Direitos Humanos, pela Bíblia que tem a moradia como direito sagrado. Violou ainda o código civil que estipula requisitos para o direito à propriedade. Obedeceu a um pedido da esposa do injusto possuidor do prédio. E mais, solicitou forças policiais armadas para arrancar as famílias e suas crianças de seus lares. Para completar, se recusou a dialogar com os moradores. Disse que, “em 18 anos de carreira, nunca falou com populares, sempre por advogados”. Revelando assim, seu total desconhecimento da vida de nosso povo. E por esse comportamento da juíza, fica comprovado que o judiciário não faz justiça.
Por isso estamos aqui, para que as autoridades anulem essa sentença injusta e desumana. Para que respeitem nosso ordenamento jurídico e assegurem os nossos direitos. Queremos continuar morando no local porque deixamos o prédio apropriado para acolher as nossas famílias que correm o risco de irem parar nas ruas de São Paulo. Que o imóvel seja desapropriado e sejam abertos programas de financiamento de moradia popular que contemplem os trabalhadores de baixa renda, permitindo que as famílias continuem morando no local. Não podemos aceitar que as autoridades nos tratem como se fossemos sacos de lixo, para proteger os bens de um contrabandista.
São Paulo, 28 de novembro de 2019
Comissão dos Moradores da Ocupação Almirante Negro
SEGUE AQUI A COMEMORAÇÃO DA VITORIA DOS MORADORES