Brasil é instado a tratar caso Marielle como Execução Extrajudicial

por Gustavo Aranda

Nessa terça-feira (20), o Brasil foi denunciado no Conselho de Direitos Humanos da ONU, por causa da execução política da vereadora Marielle Franco e do motorista Anderson Gomes. No discurso, lido por Mariana Tavares, negra, tataraneta de pessoas escravizadas e ativista de questões raciais, o governo brasileiro foi instado a “assegurar uma investigação imediata, imparcial e independente, processando os responsáveis materiais e intelectuais deste crime”. O texto ainda pede “a abertura para a possibilidade de o assassinato ter sido uma execução extrajudicial”. E exige “proteção efetiva aos sobreviventes desse ataque, como testemunhas-chave desta atrocidade”.

Além do discurso, foi entregue à relatora especial da ONU sobre execuções extrajudiciais, sumárias ou arbitrárias, Agnès Callamard, um vídeo e uma carta com denúncias que relatam a perseguição e os diversos casos de violência sofridos por aqueles que denunciam as arbitrariedades cometidas pelo 41º Batalhão da Polícia Militar em Acari. A tropa é a que registra o maior número de vítimas assassinadas por policiais no Rio de Janeiro, ocorrências que fizeram parte substancial das denúncias públicas feitas pela vereadora Marielle Franco. Ativistas de Direitos Humanos afirmam que o Brasil se recusa a colocar em prática as recomendações aceitas na Revisão Periódica Universal – RPU – 2017 (encontro em que os países se avaliam mutuamente quanto à situação de Direitos Humanos, gerando um conjunto de recomendações), para reestruturar e ampliar o financiamento do Programa de Proteção de Defensores dos Direitos Humanos.

Claramente constrangida, a missão diplomática brasileira presente em Genebra respondeu ao discurso de forma protocolar, reconhecendo a gravidade do ocorrido e se comprometendo a tomar as providências cabíveis.

Mais de 100 entidades participaram da denúncia e ajudaram a construir o documento apresentado na 37ª sessão do Conselho de Direitos Humanos.

Quem é Mariana Tavares

A missão de fazer a leitura do documento em plenário foi dada a Mariana Tavares, mestranda em “Antropologia e Sociologia do Desenvolvimento” no “Graduate Institute of International and Development Studies”, em Genebra – Suíça. Ela já trabalhou na ONU, em Brasília (DF), com Direitos Humanos e é militante da causa racial.

Mariana Alves Tavares, de Campinas, é tataraneta de escravos (Foto: Arquivo pessoal)

Mariana é uma jovem negra, nascida em Campinas, tataraneta de Sebastiana Sylvestre Correa, escravizada até os 29 anos, quando foi alforriada pela Lei Áurea. Sebastiana não realizou o sonho de aprender a ler e escrever. Por isso, lutou muito para que suas gerações futuras tivessem acesso à educação. Mariana ressalta que “sua tataravó deve ser lembrada por sua luta, e com muito respeito por sua história de resistência e perseverança”.

Sebastiana Sylvestre Correa, tataravó de Mariana (Foto: Arquivo pessoal)

Entrevistada pelos Jornalistas Livres, por telefone, Mariana Tavares relatou sua dificuldade em vencer a timidez e a pressão por apresentar um tema tão triste e complexo para a realidade brasileira. Contudo, ela “reconhece a importância de uma mulher afro-brasileira falando para outras mulheres afro-brasileiras”.

Mariana ficou sabendo da morte de Marielle na manhã de quinta-feira, um dia após a execução, e foi acometida por uma tristeza profunda. Para não ceder ao sentimento de impotência, se mobilizou na organização de uma manifestação em Genebra e, para tanto, procurou Paulo de Tarso Lugon Arantes, um dos articuladores da denúncia feita no Conselho da ONU. Foi, então, que Paulo falou sobre a denúncia e sugeriu que ela fizesse a leitura do discurso.

Mariana não só leu, como participou ativamente da confecção do discurso, ressaltando, porém, que “o documento é resultado coletivo de todas as organizações que participaram de sua elaboração. Minha contribuição tem o mesmo peso de todas as outras entidades”. Segundo ela, o texto inicial tinha o dobro do que foi apresentado e, por uma questão de tempo, algumas demandas das entidades foram retiradas do documento final.

Ela espera que o caso seja solucionado pelas autoridades e “seja aberta uma comissão transparente e independente para investigar e apurar a execução de Marielle e Anderson Gomes”. Acredita que “a Intervenção Militar deve ser revogada”. Para a ativista, a violência nas comunidades atingidas é de ordem estrutural, social e econômica. “Não será com mais repressão que os problemas históricos das comunidades pobres serão resolvidos”, afirma.

Mariana enxerga o Brasil hoje sendo cobrado pelo mundo: “A pressão política e diplomática não vem só do Conselho de Direitos Humanos, mas também do Parlamento Europeu e de diversos países que se manifestaram publicamente sobre o caso”.

“Foi chocante não só para os brasileiros que moram no Brasil ou no exterior. O mundo inteiro está comovido! Na faculdade, os professores comentam em aula, alunos se mobilizam e querem se informar sobre as consequências dessa tragédia”.

Na próxima sexta-feira (23), haverá uma manifestação na Place des Nations, Genebra – Suíça, em frente ao prédio da ONU, no mesmo dia do encerramento dos trabalhos do Conselho de Direitos Humanos. Mais de 700 pessoas, de diversas nacionalidades, confirmaram presença no evento, que será realizado em três línguas: Francês, Inglês e Português.

O texto do convite afirma que “Marielle Franco era uma ativista e líder política das favelas e do movimento feminista afro-brasileiro. Vereadora da cidade do Rio de Janeiro, defendia os direitos dos moradores das favelas e pessoas afrodescendentes. Em 14 de março, ela foi brutalmente executada depois de deixar um evento chamado ‘Jovens negras movendo as estruturas’. No caminho de volta para casa, Marielle foi baleada quatro vezes na cabeça e ela e seu motorista morreram no local”. O convite ressalta, ainda, que Marielle lutava contra a decisão federal de colocar as forças armadas no comando da Segurança Pública do estado do Rio de Janeiro: “ela temia que essa intervenção levasse à ocupação brutal das favelas e agravasse as condições de vida dos afro brasileiros.”

Em seu discurso na ONU, Mariana Tavares foi hábil na leitura, para que sobrasse dois segundos para um improviso. Em tom emocionado disse ao mundo: Marielle, PRESENTE!

Veja a denúncia feita no Conselho de Direitos Humanos da ONU

Marielle ONU

Brasil é instado a tratar caso Marielle como Execução Extrajudicial.Mariana Tavares levou ao mundo o discurso que ajudou a escrever e que fala tanto sobre seu país quanto sobre sua história e de sua família.Por Gustavo ArandaNessa terça-feira (20), o Brasil foi denunciado no Conselho de Direitos Humanos da ONU, por causa da execução política da vereadora Marielle Franco e do motorista Anderson Gomes. No discurso, lido por Mariana Tavares, negra, tataraneta de pessoas escravizadas e ativista de questões raciais, o governo brasileiro foi instado a "assegurar uma investigação imediata, imparcial e independente, processando os responsáveis materiais e intelectuais deste crime”. O texto ainda pede "a abertura para a possibilidade de o assassinato ter sido uma execução extrajudicial”, que é quando uma pessoa é morta por agentes do estado sem o amparo da lei. E exige "proteção efetiva aos sobreviventes desse ataque, como testemunhas-chave desta atrocidade”.Além do discurso, foi entregue à relatora especial da ONU sobre execuções extrajudiciais, sumárias ou arbitrárias, Agnès Callamard, um vídeo e uma carta com denúncias que relatam a perseguição e os diversos casos de violência sofridos por aqueles que denunciam as arbitrariedades cometidas pelo 41º Batalhão da Polícia Militar em Acari. A tropa é a que registra o maior número de vítimas assassinadas por policiais no Rio de Janeiro, ocorrências que fizeram parte substancial das denúncias públicas feitas pela vereadora Marielle Franco. Ativistas de Direitos Humanos afirmam que o Brasil se recusa a colocar em prática as recomendações aceitas na Revisão Periódica Universal – RPU – 2017 (encontro em que os países se avaliam mutuamente quanto à situação de Direitos Humanos, gerando um conjunto de recomendações), para reestruturar e ampliar o financiamento do Programa de Proteção de Defensores dos Direitos Humanos.Claramente constrangida, a missão diplomática brasileira presente em Genebra respondeu ao discurso de forma protocolar, reconhecendo a gravidade do ocorrido e se comprometendo a tomar as providências cabíveis.Mais de 100 entidades participaram da denúncia e ajudaram a construir o documento apresentado na 37ª sessão do Conselho de Direitos Humanos. Quem é Mariana TavaresA missão de fazer a leitura do documento em plenário foi dada a Mariana Tavares, mestranda em “Antropologia e Sociologia do Desenvolvimento” no “Graduate Institute of International and Development Studies”, em Genebra – Suíça. Ela já trabalhou na ONU, em Brasília (DF), com Direitos Humanos e é militante da causa racial.Mariana é uma jovem negra, nascida em Campinas, tataraneta de Sebastiana Sylvestre Correa, escravizada até os 29 anos, quando foi alforriada pela Lei Áurea. Sebastiana não realizou o sonho de aprender a ler e escrever. Por isso, lutou muito para que suas gerações futuras tivessem acesso à educação. Mariana ressalta que “sua tataravó deve ser lembrada por sua luta, e com muito respeito por sua história de resistencia e perseverança".Entrevistada pelos Jornalistas Livres, por telefone, Mariana Tavares relatou sua dificuldade em vencer a timidez e a pressão por apresentar um tema tão triste e complexo para a realidade brasileira. Contudo, ela "reconhece a importância de uma mulher afro-brasileira falando para outras mulheres afro-brasileiras”.Mariana ficou sabendo da morte de Marielle na manhã de quinta-feira, um dia após a execução, e foi acometida por uma tristeza profunda. Para não ceder ao sentimento de impotência, se mobilizou na organização de uma manifestação em Genebra e, para tanto, procurou Paulo de Tarso Lugon Arantes, um dos articuladores da denúncia feita no Conselho da ONU. Foi, então, que Paulo falou sobre a denúncia e sugeriu que ela fizesse a leitura do discurso.Mariana não só leu, como participou ativamente da confecção do discurso, ressaltando, porém, que “o documento é resultado coletivo de todas as organizações que participaram de sua elaboração. Minha contribuição tem o mesmo peso de todas as outras entidades”. Segundo ela, o texto inicial tinha o dobro do que foi apresentado e, por uma questão de tempo, algumas demandas das entidades tiveram que ser retiradas do documento final.Ela espera que o caso seja solucionado pelas autoridades e "seja aberta uma comissão transparente e independente para investigar e apurar a execução de Marielle e Anderson Gomes". Acredita que “a Intervenção Militar deve ser revogada". Para a ativista, a violência nas comunidades atingidas é de ordem estrutural, social e econômica. "Não será com mais repressão que os problemas históricos das comunidades pobres serão resolvidos”, afirma.Mariana enxerga o Brasil hoje sendo cobrado pelo mundo: "A pressão política e diplomática não vem só do Conselho de Direitos Humanos, mas também do Parlamento Europeu e de diversos países que se manifestaram publicamente sobre o caso”.“Foi chocante não só para os brasileiros que moram no Brasil ou no exterior. O mundo inteiro está comovido! Na faculdade, os professores comentam em aula, alunos se mobilizam e querem se informar sobre as consequências dessa tragédia”, comenta a estudante.Na próxima sexta-feira (23), haverá uma manifestação na Place des Nations, Genebra – Suíça, em frente ao prédio da ONU, no mesmo dia do encerramento dos trabalhos do Conselho de Direitos Humanos. Mais de 700 pessoas, de diversas nacionalidades, confirmaram presença no evento, que será realizado em três línguas: Francês, Inglês e Português. O texto do convite afirma que "Marielle Franco era uma ativista e líder política das favelas e do movimento feminista afro-brasileiro. Vereadora da cidade do Rio de Janeiro, defendia os direitos dos moradores das favelas e pessoas afrodescendentes. Em 14 de março, ela foi brutalmente executada depois de deixar um evento chamado 'Jovens negras movendo as estruturas'. No caminho de volta para casa, Marielle foi baleada quatro vezes na cabeça e ela e seu motorista morreram no local”. O convite ressalta, ainda, que Marielle lutava contra a decisão federal de colocar as forças armadas no comando da Segurança Pública do estado do Rio de Janeiro: "ela temia que essa intervenção levasse à ocupação brutal das favelas e agravasse as condições de vida dos afro brasileiros.”Em seu discurso na ONU, Mariana Tavares foi hábil na leitura, para que sobrasse dois segundos para um improviso. Em tom emocionado disse ao mundo: Marielle, PRESENTE!

Gepostet von Jornalistas Livres am Mittwoch, 21. März 2018

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