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INDÍGENA

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“Si indio fue la palabra con la que nos oprimieron, indio será la palabra con la que nos liberaremos”. Assim se expressa Ariruma Kowii Maldonado, falante de quichua no Equador e reputado intelectual da América Latina (Kowii 2007, 118). Por sua vez, João Maria Tapiri Rodrigues do Brasil reflete: “meu lado branco vai morrer sem entender meu lado índio” (citado em Ramos 1998, 284). Tal é o grau de complexidade quando se trata de conceitos interétnicos. Começo pelo evento fundador, como diz Paul Ricoeur (1978), que gerou a problemática do ser indígena, o ponto de encontro – ou, melhor dizendo, desencontro – entre o velho e o novo mundo.

 

 

 

 

 

Em busca de novos espaços, segundo Carlos Fuentes (1992), ou de apetecidas especiarias (Zweig 2012), os europeus empreenderam o que talvez tenha sido a maior aventura humana da história mundial. Muniram-se da tecnologia de última geração para enfrentar vastos oceanos desconhecidos, mas também do imaginário da época para arrostar seres, humanos ou não, que viessem a encontrar, como o elaborado perfil do Homem Silvestre (Bartra 1997). Num processo de ensaio e erro verdadeiramente assombroso, encontraram a América. O Novo Mundo passou então a ser um imenso laboratório onde os europeus se ocuparam com singulares experiências na ciência e arte de dominar a alteridade humana e não humana.

Se dermos crédito à história não totalmente crível de que Cristóvão Colombo, fundeado no Caribe, se imaginava na Índia (Hulme 1986), e por isso chamou de índios aos humanos que lá encontrou (Todorov 1985), podemos igualmente supor que ele, Américo Vespucci ou qualquer outro navegador europeu, tendo nomeado América o novo continente, passaria a chamar seus habitantes de americanos. Mas não, esse título estava reservado para um futuro contingente humano que faria da hibridização norte atlântica o seu tanque de compostagem geopolítica. Sintomaticamente, o deslocamento do termo índio da Índia para a América desvela mais do espírito europeu do que aparece ao olhar desatento. Desde os primeiros contatos, os habitantes das Américas foram alvo de abusos, discriminação e preconceitos criados à imagem dos “outros” da Europa. O extremo oriente e o oriente próximo transformaram-se em laboratórios europeus na fabricação de alteridades inferiorizadas e subalternas, como bem demonstrou Edward Said (1979). Portanto, não surpreende que o termo índio fosse plasmado à imagem de um subcontinente tido como cultural e politicamente deficiente, numa operação metonímica bem ao gosto europeu. A palavra índio encheu-se então de uma possante carga semântica negativa que vem atravessando os séculose hoje ainda é usada como insulto em muitos países americanos. A ironia contida no léxico geopolítico contemporâneo está em nos referirmos à Europa como “Ocidente” – um hemisfério desenvolvido, esclarecido, produtor e consumidor de democracias – quando basta olhar para o globo terrestre e ver que quem está a ocidente do “mundo civilizado” são exatamente esses “índios” que a Europa e seus descendentes americanos dilapidaram ao longo de séculos ininterruptos. Como diz a Wikipedia, “a América é o único continente a situar-se com seu território totalmente dentro desse hemisfério” – o hemisfério americano!

A inabilidade europeia de se debruçar sobre a riqueza do específico, do local, tem levado gerações de descobridores e colonizadores a generalizar a realidade do mundo indígena, à moda do “quem viu um, viu todos”. O resultado é uma visão uniforme, calculadamente desinformada e perniciosa que opera em perfeita harmonia com a vocação expansionista e dominadora do “Ocidente”, fazendo de magníficos mundos humanos uma imensa tabula rasa à espera da conquista e da dita civilização. Essa incapacidade de apreciar a beleza da alteridade multivariada está intimamente unida a uma deficiência léxica – que também é ideológica – das línguas europeias para reconhecer o valor do outro legitimamente distinto de si mesmo e para discernir o específico, o sui generis. De que palavra ou palavras dispõem as nossas línguas indo-europeias para se referir ao uno e ao múltiplo ao mesmo tempo? Que eu saiba, nenhuma(s). Contrastemos, então, a rigidez euroamericana com a disposição indígena de se abrir para o outro, como tanto insistiu Lévi-Strauss (1993) .

A Europa conquistadora respondeu à sua perplexidade face ao mundo americano com os instrumentos que lhe eram próprios, ou seja, aplicar automaticamente o seu imaginário pregresso, confortavelmente digerido ao longo de séculos (homens silvestres, antípodas, monstros) ao ponto de aqueles homens do mar não acreditarem no que seus próprios olhos realmente viam. Por exemplo, a beleza e sedução das mulheres Tupinambá da costa brasileira, liricamente cantadas no relato da descoberta do Brasil (Caminha 1963 [1500]) foi imediatamente substituída por imagens de depravação e canibalismo. Os “índios” brasileiros tornaram-se assim a epítome da selvageria americana e o novo continente transformou-se num palimpsesto de imagens sobrepostas advindas da história greco-cristã (as Amazonas, por exemplo). A América profunda, sustentada por sociedades plurais e igualitárias, sofreu uma deformadora cirurgia ao ser invadida pelo “sentido colonial sostenido en fundamentos universalizantes y excluyentes” e pela institucionalização da invasão europeia “a través de la fundación de villas, ciudades, iglesias, centros educativos, también con la implementación de un sistema judicial, un sistema político y la construcción de una ideología que se fundamentó en la exclusión y en el racismo. En suma, la maquillaje de América” (Kowii 2007, 115-116).

Ao longo do tempo, reações como essa de Ariruma Kowii têm provocado uma espécie de consciência incômoda em alguns setores da sociedade dominante. Hoje há um certo constrangimento em se pronunciar o vocábulo “índio”, que vem sendo substituído pelo mais ameno “indígena” ou por termos como nativo, ameríndio, originário, autóctone ou mesmo aborígene. No dicionário Aurélio da língua portuguesa, todos esses termos denotam habitante natural, primitivo, da terra, em oposição ao estrangeiro. No entanto, o sentido de inferioridade se mantém no senso comum. Não é por acaso que o movimento nativista brasileiro do século XIX evocou a figura do índio para construir um sentido de nacionalidade própria, independente de influências estrangeiras.

Tentativas mais enérgicas de romper a pecha da inferioridade incluem a insistência canadense na expressão First Nations e na mais anódina Native Americans estadunidense. Porém, a reação mais contundente é aquela apresentada acima por Ariruma Kowii e por muitos outros indígenas das Américas: transformar um estereótipo negativo em conceito político em prol da legitimação da diferença. O custo da colonização da consciência só é minimizado quando os povos originários das Américas conseguem reunir as forças e os instrumentos para encetar o caminho inverso: a consciência da colonização, na feliz expressão de Jean e John Comaroff (1991, 224). Essa é a condição sine qua non para o nascimento da crítica indígena à razão colonial. Tomar noções arraigadas nas mentes colonizadoras, como é a de índio, extrairlhes a virulência moral e transformá-las de insulto em louvor é uma operação que nada tem de simples. Depende do trabalho da história que com seus cruéis servidores – esbulho, morte, desordem, agonia – esculpe e fortalece novas consciências e novos atores nessa arena de infinitas contradições, que é o campo interétnico. O continente americano pode-se jactar de ser um cenário em que da dor e do caos brotaram seres humanos com uma resiliência provavelmente inédita na história do planeta. Chamem-nos índios, indígenas, nativos, ou o que seja, mas meio milênio de destruição não tem sido capaz de extirpá-los do prodigioso celeiro que é a humanidade.

Quem é indígena e quem não é? Oficialmente, o reconhecimento étnico depende dos poderes estabelecidos. Nos Estados Unidos, ele se faz através do blood quantum, um dogma político racista e genocida, segundo os próprios indí- genas (Jaimes 1992). No Brasil, é considerado índio quem assim se reconhece e é reconhecido. Há ainda os fenômenos wannabe, índios amadores que enfurecem os “originários”, e etnogênese, indianidade redescoberta que cobra da história a responsabilidade pelo apagamento étnico e demanda do Estado medidas de reconhecimento. Trata-se, portanto, de um campo aberto para configurações e reconfigurações, de disputas por tradição e território tendo por marco o aparato ideológico que atende pelo nome de indígena.

 

ALCIDA RITA RAMOS –  Graduada em geografia pela Universidade Federal Fluminense (1959), de mestrado em Antropologia na University of Wisconsin, Madison (1965) e de doutorado em Antropologia na mesma universidade (1972). É professora titular emérita da Universidade de Brasília e pesquisadora 1-A do CNPq. Tem-se dedicado ao estudo das sociedades indígenas, em especial, Yanomami, e atualmente desenvolve pesquisas sobre indigenismo comparado na América do Sul, focalizando o Brasil, a Argentina e a Colômbia. Além de uma centena de artigos, é autora de Sanumá Memories: Yanomami ethnography in times of crisis (1995) e Indigenism: Ethnic politics in Brazil (1998), ambos publicados pela University of Wisconsin Press.

BIBLIOGRAFIA  -Bartra, Roger. 1997. Wild Men in the looking glass. The mythic origins of European otherness. Ann Arbor: University of Michigan Press. Caminha, Pero Vaz. 1963 [1500]. Carta a El Rei D. Manuel (Leonardo Arroyo, organizador). São Paulo: Dominus Editora S.A. Fuentes, Carlos. 1992. El espejo enterrado. México: Fondo de Cultura Económica. Hulme, Peter. 1986. Colonial Encounters: Europe and the native Caribbean, 1492-1797. Londres: Methuen. Jaimes, M. Annette. 1992. Federal Indian identification policy. A usurpation of indigenous sovereignty in North America. In The state of Native America. Genocide, colonization, and resistance (M. Annette Jaimes, organizadora), pp. 123-138. Boston: South End Press. Kowii Maldonado, Ariruma. 2007. Memoria, identidad e interculturalidad de los pueblos del Abya-Yala. In Intelectuales indígenas piensan América Latina (Claudia Zapata Silva, compiladora), pp. 113-125. Quito: Universidad Andina Simon Bolivar/Abya-Yala.

Publicado originalmente na Revista América Crítica. Vol. 1, n° 1. Itália, giugno 2017.

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LUTA ANTIRRACISTA PRECISA ACERTAR A ‘CABECINHA’ DE WILSON WITZEL

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Há anos a tática sobre segurança pública no Rio se concentra em operações espetaculares que resultam, de tempos em tempos, em um derramamento de sangue, com direito a traficantes, moradores de comunidades e policiais mortos.

O roteiro todos já conhecem. Unem-se policiais de diversos batalhões, eles invadem determinada localidade com poder de fogo muito superior, e terminam matando principalmente a ponta da cadeia do tráfico, a base da estrutura das facções, enquanto seus líderes comandam tudo de longe ou de dentro dos presídios, e no dia seguinte um novo comando paralelo se instala no mesmo lugar.

É uma máquina de moer gente. Mata-se loucamente, e no dia seguinte é como se nada tivesse mudado.

A situação é esta porque em certos locais do Rio a única chance de um jovem criado em situação de miséria comprar um tênis da moda é segurando uma arma que ele não sabe atirar direito. A parcela da população favelada que sobra do espaço da cidadania, por motivos que vão desde abandono familiar, déficit educacional ou imposição de terceiros, é seduzida por uma rede comércio ilegal que promete dignidade no contexto da extrema exclusão e sacrifica a vida destas pessoas como copos descartáveis.

São quase sempre jovens negros, no tráfico, na polícia ou nas casas vizinhas ao confronto entre eles. E suas mortes não comovem nem de perto tanto quanto o cãozinho morto na porta do Carrefour.

É assim desde que a abolição foi seguida pela recusa em absorver os negros no mercado formal de trabalho e a imigração de estrangeiros brancos para substituí-los. A pobreza se perpetuou a partir da negligência em gerar oportunidades e condições de vida saudável, e nela a criminalidade floresceu desde sempre.

Se soubesse da história do Rio, Wilson Witzel, o novo governador eleito no estado, que repete a palavra matar o tempo todo para agradar os ouvidos de uma classe média tanto preocupada com roubos quanto é racista, adepta de praias segregadas, odienta do funk, do samba e de pagode, faria algo para interromper a espiral macabra que corrói sua sociedade por dentro.

Alteraria o atraso social com políticas públicas inteligentes de ensino integral, cooperativas de trabalho, reforma do sistema penitenciário, investimento em tecnologia da informação e preparo de suas polícias. Enfrentaria o racismo com mais educação e cultura, e não faria coro com privilegiados que gostam de se remeter aos negros com termos tipicamente usados para animais, como “abate”.

Em 2010, o Rio viu Sérgio Cabral vencer Fernando Gabeira aproveitando-se, em parte, da crença de que o adversário era veado e maconheiro. Dali seguiu-se uma bandalheira que resultou, nos últimos anos, no colapso total das contas públicas. Já não há mais espaço de tempo para novos demagogos. E nem a população suporta mais mentiras no lugar de competência. Algo melhor que matar precisa vir à cabeça do novo governador. E eu sugiro que superar o seu racismo entranhado seja o melhor começo.

Por: Rodrigo Veloso – Colaborador dos Jornalistas Livres morador do Rio do Janeiro formado em Relações Internações

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OS BACHARÉIS DA RESISTÊNCIA

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Artigo de Rodrigo Perez Oliveira, professor de Teoria da História da Universidade Federal da Bahia, com ilustração de Duke

 

O ano de 2005 é chave para a compreensão da crise brasileira contemporânea. Foi aí, no chamado “mensalão”, que se desenhou pela primeira vez aquela que, na minha percepção, é a característica mais importante da crise: o ativismo político dos profissionais da lei.

Desde 2005 que juízes, desembargadores, ministros dos tribunais superiores e procuradores são personagens recorrentes na crônica política. Depois de 2014, a Operação Lava Jato se tornou palco para a fama desses profissionais. Mais do que nunca, o Brasil é a República dos Bacharéis.

Os marqueteiros da Operação Lava Jato afirmam que pela primeira vez na história do Brasil os empresários milionários sentiram na pele o peso da lei. É uma meia verdade. Se é meia verdade, por consequência lógica, é meia mentira também.

Os empresários presos atuavam no ramo da construção civil e de obras de infraestrutura. Os agentes econômicos envolvidos com atividades financeiras e especulativas não foram incomodados. Somente os mais ingênuos são capazes de acreditar que Marcelo Odebrecht ou Léo Pinheiro são mais corruptos que os executivos do Itaú ou do Santander, que também financiavam campanhas eleitorais, que também estabeleciam relações nada republicanas com a classe política.

Por que uns foram presos, enquanto os outros estão aí, lucrando bilhões todos os anos?

A seletividade da Operação Lava Jato é óbvia e salta aos olhos de qualquer um que queira enxergar a realidade. A narrativa do combate à corrupção está sendo utilizada como pretexto para o desmanche do Estado e dos investimentos públicos em infraestrutura, o que favorece os interesses ligados ao capital financeiro nacional e internacional. A comunidade jurídica brasileira colaborou com esse projeto, ajudou a desmontar parques industriais, levando empresas nacionais à falência, sempre com o pretexto do “combate à corrupção”.

Como bem disse Eugênio Aragão, ex-ministro da Justiça, a Justiça brasileira “prometeu acabar com os cupins, mas acabou ateando fogo à casa”.

Porém, seria um erro dizer que a comunidade jurídica é um bloco homogêneo, que todos os seus integrantes se movem na mesma direção. Alguns momentos na cronologia da crise mostram que o cenário não é tão simples, que há bacharéis dispostos a confrontar a hegemonia daqueles que entregaram seus serviços aos interesses do capital financeiro internacional.

Destaco aqui três nomes: Rodrigo Janot, Rogério Favreto e Marco Aurélio de Mello.

Em algum momento da crise, os três contrariaram interesses hegemônicos. Meu objetivo aqui é relembrar esses episódios e sugerir que a resistência democrática não pode abrir mão da institucionalidade. Ir às ruas e disputar o imaginário das pessoas não significa deixar de operar por dentro das instituições burguesas, explorando suas contradições. Uma coisa não exclui a outra. Uma coisa complementa a outra.

 

Rodrigo Janot

Rodrigo Janot foi empossado pela presidenta Dilma Rousseff como procurador geral da República em 2013, sendo reconduzido ao cargo, também por Dilma, em 2015. Janot foi personagem protagonista em alguns dos momentos mais agudos da crise brasileira, no período que compreendeu a derrubada de Dilma Rousseff e a ascensão de Michel Temer.

Sinceramente, não sou capaz de definir a identidade ideológica de Rodrigo Janot, de dizer se ele é de esquerda ou de direita. Talvez ele não pense a realidade nesses termos. Antes de se tornar procurador geral da República, Janot tinha atuação engajada na defesa dos direitos da população carcerária. No segundo turno das eleições presidenciais de 2018, Janot se manifestou a favor da candidatura de Fernando Haddad.

26 de agosto de 2015. Sabatina de recondução de Janot à chefia da Procuradoria Geral da República. Senado Federal. A crise institucional se aprofundava e começava a se desenhar no horizonte o golpe parlamentar que meses depois derrubaria Dilma Rousseff.

A oposição, liderada por senadores do PSDB e do DEM, colocou Janot contra a parede. Ana Amélia, Aécio Neves, Aloísio Nunes, Antonio Anastasia exigiam que a PGR denunciasse a presidenta Dilma Rousseff. Foram quase 12 horas de uma sabatina tensa e atravessada pelo partidarismo político. Por inúmeras vezes, Janot disse que não havia indícios suficientes para fundamentar uma denúncia contra a presidenta da República.

Janot não denunciou Dilma enquanto ela estava no exercício do mandato.

Já com Temer, o comportamento de Rodrigo Janot foi completamente diferente. Foram duas denúncias, em pleno exercício do mandato. A primeira denúncia foi apresentada em junho de 2017. A segunda veio três meses depois, em setembro.

Michel Temer precisou acionar suas bases na Câmara dos Deputados para barrar as duas denúncias. Precisou liberar verbas para os deputados aliados. Precisou gastar capital político. Acabou lhe faltando fôlego político para aprovar a Reforma da Previdência, que era a grande agenda do seu governo. Capital político tem limite, igual a peça de queijo: diminui um pouco a cada fatia retirada.

Se Temer não conseguiu aprovar a Reforma da Previdência, parte da derrota pode ser explicada pelas flechas disparadas por Rodrigo Janot, que acabou colaborando para defender os direitos previdenciários dos trabalhadores brasileiros do ataque do capital especulativo.

Qual era o seu objetivo? Comprometimento com uma agenda social-democrata? Um republicanismo genuíno que parte do princípio de que não pode existir seletividade na aplicação da lei? As duas coisas juntas?

Não dá pra saber. Fato mesmo é que ao desestabilizar Michel Temer, Janot contrariou os interesses do rentismo.

 

Rogério Favreto

Quem acompanha a trama da crise brasileira lembra bem do dia 8 de julho de 2018. Era manhã de domingo e o país foi sacudido pela notícia que dividiu a sociedade, deixando metade da população em estado de graça e a outra metade babando de ódio.

“Lula vai ser solto!”. Assim, estampado em letras garrafais em todos os veículos da imprensa.

Rogério Favreto, desembargador do Tribunal da 4° Região em diálogo direto com lideranças petistas, autorizou um habeas corpus de urgência, determinando a soltura imediata de Lula.

Todos os envolvidos sabiam que Lula não seria solto. Lula nem fez as malas. O objetivo ali era tático: levar as instituições burguesas a extrapolar os limites da própria legalidade.

Sérgio Moro despachou estando de férias e negou o habeas corpus, o que ele não poderia fazer. Moro contrariou a ordem de um superior, subvertendo a hierarquia do Poder Judiciário.

Thompson Flores, presidente do Tribunal da 4° Região, cassou a decisão de Favreto, o que somente poderia ser feito pelo colegiado dos desembargadores.

Em um ato de resistência, Rogério Favreto deixou claro para o mundo que Lula é um preso político que a todo momento inspira atos de exceção.

 

Marco Aurélio Mello

Marco Aurélio Mello, tendo mais coragem que juízo, vem sendo a voz da resistência no Supremo Tribunal Federal. Eu poderia dar vários exemplos de ações de Marco Aurélio em defesa da Constituição, da legalidade democrática e da soberania nacional. Fico apenas com dois.

1°) Em 19 de dezembro de 2018, na véspera do recesso do Judiciário, Marco Aurélio soltou um bomba: em decisão autocrática determinou que a Constituição fosse respeitada, ordenando a libertação de todos os presos condenados em segunda instância, o que beneficiaria o presidente Lula.

É que a Constituição é clara. Só pode prender depois do trânsito em julgado. Se está errado ou não é outra discussão. Constituição não se questiona, a não ser para fazer outra Constituição.

Liminar pra cá, liminar pra lá. Procuradores da Lava Jato convocando entrevista coletiva para dizer como STF deveria agir. Mais uma vez a sociedade dividida. Novamente, Lula nem fez as malas, pois experimentado que é, sabia muito bem que não seria solto.

Dias Toffoli, presidente do STF, derrubou a decisão de Marco Aurélio, contrariando o regimento interno da Casa, que diz que somente a plenária do colegiado é legítima para anular ato autocrático de um ministro.

Se Lula não estivesse preso, o regimento seria respeitado. Lula não é um preso comum.

2°) Na última semana, vimos outro embate entre Marco Aurélio e Dias Toffoli. Dessa vez, o motivo foi a venda dos ativos da Petrobras. Marco Aurélio, outra vez em decisão autocrática, proibiu a venda, num ato de defesa da soberania nacional. Dias Toffoli autorizou a venda, se alinhando aos interesses privados e internacionais.

Apresentei três exemplos, de três profissionais da lei que em algum momento da crise contrariaram os interesses que hoje ditam os rumos da política brasileira. Não existiu nenhuma articulação entre eles. Os exemplos mostram apenas que as instituições burguesas não são homogêneas, que existem contradições que devem ser exploradas.

A resistência democrática, portanto, precisa se equilibrar sobre dois pés. Um nas ruas, agitando e apresentando soluções para o nosso povo, que já vai começar a sentir na pele as consequências de um governo ultraliberal, autoritário e entreguista. O outro pé deve estar bem fincado nos corredores palacianos, onde se desenrolam as tramas institucionais.

Precisamos, sim, de líderes populares, de líderes que saibam falar ao coração do povo, que entendam as angústias da nossa gente. Precisamos também de articuladores, de conhecedores da lei e dos regimentos, de lideranças versadas no jogo jogado nos bastidores. Resistência democrática é trabalho de equipe.

 

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Armai-vos uns aos outros

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Por José Barbosa Junior
O presidente da República Fundamentalista de Vera Cruz (antigo Brasil – porque agora nada pode ser vermelho), decretou nesta terça-feira algumas flexibilizações na Lei que regulamentava a posse de armas, o que, na prática, significa que ele liberou geral. A proposta anterior, de no máximo duas armas por cidadão, passou para quatro armas, sendo liberadas outras mais, conforme a necessidade apresentada pelo futuro portador.
Em resumo, a barbárie está liberada oficialmente em nosso país. “Cidadãos de bem” agora vão poder, finalmente, matar os bandidos que lhe atormentam a vida. Por bandidos leia-se pobres, pretos, pardos e párias, que de já tão coisificados, tornaram-se sem valor e pessoalidade em sua existência.
O que mais me choca, porém, é que Bolsonaro foi eleito e é apoiado, inclusive e principalmente nesta questão, por gente que se afirma cristã. Isso mesmo! Gente que diz seguir aquele nazareno marginal que afirmou que “bem-aventurados são os pacificadores, pois eles serão chamados filhos de Deus”, aliás o mesmo que afirmou que “quem vive pela espada, morrerá pela espada”.
Parece estranho. E é.
Mais estranho ainda porque em toda a campanha do atual presidente, ele fez questão de repetir o versículo que diz “e conhecereis a verdade e a verdade vos libertará”.
A verdade é que a liberação de armas só gerará mais violência num país que respira violência.
A verdade é que mais mulheres serão vítimas de feminicídio, já que seus maridos machões agora poderão ter suas armas para suprirem seus outros fracassos.
A verdade é que mais LGBT’s morrerão nas mãos de homofóbicos que disfarçam seus preconceitos em discursos machistas e religiosos.
A verdade é que agora fica mais fácil planejar o suicídio, endêmico numa sociedade cada vez mais doente e adoecedora, refém de um sistema que empurra pessoas à depressão (sem contar as depressões que independem de fatores externos) e num país onde adolescentes cada vez mais se matam por conta de bullying e outras coisas mais. Ah! E sem falar no alto índice de suicídio entre pastores, tema cada vez mais recorrente nos últimos anos.
A verdade é que as brigas de trânsito, de bares, de baladas agora serão resolvidas na base do “quem saca primeiro”, porque com essa liberação a ideia de que o outro possa estar armado será sempre evidente e, entre ele e eu, é melhor que eu saque antes dele.
A verdade é que temos um governo violento, que ampara e incita à violência, que não esconde o prazer na tortura e na morte dos inimigos. Isso legitima e legitimará a barbárie!
Em nome da verdade… no governo mais mentiroso que já temos! E eu aguardo o dia da liberdade! Ela virá… mais cedo ou mais tarde!

*Teólogo e Pastor da Comunidade Batista do Caminho em Belo Horizonte.

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