O Brasil profundo, muitas vezes desconhecido da enculturação e do projeto elitista da escolarização alienante e desonesta, nos priva do conhecimento crítico e nos mantém numa situação de assimilação da ordem imposta.
Compreender a contemporaneidade brasileira em sua crise ética, moral e econômica, é entender que somos copartícipes da luta de classes, na qual a humanidade desde os primórdios coexiste.
A oposição entre as desiguais classes da sociedade não é apenas um conflito.
Está correlato às questões econômicas, políticas, sociais, e envolve a sociedade como um todo.
Tem seu surgimento na Idade Média, quando as classes dominantes como os reis e a burguesia, batalhavam contra os trabalhadores com violência.
O exercício autoritário das classes dominantes sobre as classes inferiores ou exploradas são as gêneses deste conflito secular. Canudos, de Antônio Conselheiro, é um clássico exemplo desta luta.
Essa pequena aldeia que surgiu no século XVII nos arredores da Fazenda Canudos às margens do rio Vaza-Barris, no interior da Bahia, mostra de forma clara um dos primeiros movimentos da luta de classes no Brasil.
Ali, sertanejos amarrados a um universo obsoleto de compreensões, mas cruamente subversivos porque ambicionavam enfrentar a ordem social vigente, segundo valores distintos e até avessos aos dos seus antagonistas, afrontaram uma sociedade constituída na propriedade territorial e no poderio do dono, sobre quem vivesse em suas terras.
Os fiéis de Antônio Conselheiro eram vistos como um grupo crescente de lavradores que saíam das fazendas e se estabeleciam em si e para si, sem patrões nem mercadores, uma ameaça para época e para a contemporaneidade.
Canudos desafiou a ordem, projetando-se num novo paradigma social, calçado na ausência dos donos do latifúndio escravagista e sem as autoridades exploradoras.
Ali se estabeleceu a luta de classes onde o sertanejo oprimido e flagelado se insurgiu contra a sua condição, não assimilando, mas se indignando, e sendo agente transformador de sua miserável existência.
O massacre que se sucedeu aos subversivos de Canudos é a face mais primitiva do poder das classes dominantes, que não aceitam o questionamento ou a perda de sua condição dominadora.
Antônio Conselheiro foi um dos que ambicionaram uma ordem social diferente das estruturas arcaicas do autoritarismo e do latifúndio improdutivo, e da exploração da mão de obra forjada no coronelismo.
Refletir sobre Canudos é conjecturar que o Brasil de hoje se mantém, ainda que de forma mais sofisticada, uma sociedade onde a luta de classes se torna essencial para sua equidade.
As crises que vivenciamos estão fundamentadas em uma elite amoral, antiética e coronelista. Afinal, somos todos Conselheiro na construção de uma nova Canudos.
Henrique Matthiesen é Bacharel em Direito e Jornalista