Nas mãos, uma folha de caderno emoldurava trinta versos do jogral exclamado a olhos atentos e vozes em uníssono. A estudante relembrava, a cada frase proferida por meninas e meninos dentro da sala de aula, que a luta contra o projeto de “reorganização” do governador Geraldo Alckmin (PSDB) ainda não havia terminado. “Sabia que mais de mil salas foram fechadas?”, alertava em referência ao levantamento feito pela Apeoesp neste ano sobre a atuação da Secretaria de Estado da Educação de São Paulo. No dia 15 de fevereiro, o ano letivo das escolas públicas começava. No entanto, a luta secundarista não cessou com a revogação oficial do plano para 2016.
Por isso, com o objetivo de unir e fortalecer o movimento, pequenos grupos de alunos de diversas escolas passaram a visitar outros colégios, a compartilhar as experiências que tiveram antes e após o levante para os que não haviam participado das ocupações e dos protestos nas ruas. Uma forma de mostrar que os problemas presentes no ensino não eram isolados,
mas vivenciados pela maioria frequentadora da rede estadual. A primeira a receber a intervenção na semana de retorno às aulas foi a E.E. João Kopke, localizada na região central de São Paulo.
Enquanto o professor de Matemática anunciava o cronograma do ano para sua disciplina, um braço estendido ao fundo da sala o questionou sobre o trancamento de seis classes no prédio. “Isso é um fenômeno no Brasil inteiro, ninguém quer mais estudar”, respondeu. Foi a oportunidade para que mais vozes contestassem a postura do docente sobre o assunto.
“Não é o povo que não quer estudar, o governo não dá condições para isso. Nós vimos em outubro com a tentativa de fechamento das salas”, rebateu uma jovem.
O debate sobre o decreto que estipulava a divisão por três ciclos (Ensino Médio e Fundamental I e II) e encerrava o funcionamento de 94 instituições de ensino do estado pautava a intervenção. Foram mais de 200 ocupações, forte repressão policial durante as manifestações, com direito a tanques israelenses da Polícia Militar paulista, e uma declaração de “guerra” contra os secundaristas pelo ex-chefe de gabinete da Secretaria, Fernando Padula. As ações consistiam em discutir o que tudo isso significou e o que poderia estar por vir.
Na aula de Filosofia, um aluno, que não havia participado do levante secundarista, indagou sobre a finalidade da proposta do grupo: “por que mudar agora se ninguém ligava para a escola antes?”. Com a fala firme, um dos interventores explicou: “toda a revolução tem um estopim, o nosso estopim foi a reorganização. Todo mundo já estava indignado com o que estava acontecendo e de repente empurraram a reorganização para gente. Eu nunca pensei que estaria no Kopke hoje, eu sou de outra escola, e estamos todos juntos pela mesma causa. Onde eu estudo era muito difícil ter consciência política, o diretor ficava vigiando os professores de Sociologia e Filosofia porque eles são militantes”.
Desconstruindo filas de carteiras e desenhando uma roda em que todos pudessem olhar uns para os outros, a equipe propôs, durante o segundo horário de Filosofia, uma dinâmica para a turma. “O que você quer mudar na sua escola?” era o ponto de partida para que cada um expressasse como deveria ser o lugar onde aprender seria o equivalente a ter a melhor experiência possível.
As demandas coletivas dos estudantes serão formuladas em um documento a ser entregue à Secretaria pelo advogado e coordenador de políticas públicas da organização Minha Sampa, Guilherme Coelho.
Uma escola pública sem grades. “Aqui parece uma prisão, a gente vê, literalmente, o sol nascer quadrado”, apontou uma aluna para as janelas, gerando aplausos por parte do restante que havia se sentido contemplado com a percepção da colega. “São vários portões até a gente chegar à secretaria [da escola], não era para a gente ter acesso?”, questionou outra sobre a dificuldade de diálogo com funcionários e direção.
Uma escola pública acessível. “Nós tínhamos um aluno cadeirante no ano passado e o nosso elevador está quebrado. Será que a nossa escola é inclusiva?”, questionou o professor.
Uma escola pública que tenha todos os espaços ocupados. “Há um portão que tranca a biblioteca, a gente não tem acesso”, indicava um. “A quadra fica fechada durante o intervalo”, pontuava outro. “A gente tem laboratório de química, mas não usa”, afirmava mais um estudante.
Uma escola pública que proporcione um ambiente pedagógico adequado. “Já aconteceu várias vezes de faltar comida para alunos. Eles davam bolacha de água e sal, quando davam. Na ocupação, quando acabava, a gente fazia, não tinha problema”, contou uma jovem.
“Falta papel higiênico no banheiro das meninas”, destacava outra. “Bebedouro em todos os andares”, propunha mais um sobre descer quatro lances de escada para beber água.
Uma escola pública democrática e participativa. “A gente deveria escolher o nosso diretor”, sugeriu uma aluna. “Por que não escolher as matérias que a gente quer ter ou por que não ter aulas diferentes?”, questionava outra.
Todas as falas buscavam uma mesma meta: uma escola pública para a vida. Ocupando o patrimônio que são delas e deles por direito, a sala irradiava os últimos versos do jogral repetido pela turma:
“Vocês vão ficar quietos? A escola é sua. Lute por ela!”
Observação: os nomes dos estudantes e das respectivas escolas foram ocultados a pedido do grupo de ação, por segurança contra possíveis retaliações.
A escola popular Eduardo Galeano foi o primeiro local a ser destruído durante despejo violento que começou no dia 12 de agosto deste ano, pela Polícia Militar, e que se seguiu por três dias, no acampamento quilombo Campo Grande, município de Campo do Meio, em Minas Gerais. Após dois meses do despejo, é lançado o curta documentário “Sonhos no chão, sementes da educação” com depoimentos de educandos, educadores e representantes do setor de educação do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) sobre a situação atual do acampamento.
Quadro negro no acampamento Quilombo Campo Grande, Campo do Meio (MG). Foto: Lucas Bois / Jornalistas Livres
“Ser analfabeto é a gente ficar no escuro e uma pessoa no escuro, ela não é ninguém”. Essa frase dita no documentário por Adão Assis Reis, explica a importância do acesso à educação contextualizada para alcançar a luz do conhecimento. Aos 59 anos, ele se mostra pronto para voltar à sala de aula assim que a escola for reconstruída. Muitos outros trabalhadores e trabalhadoras rurais poderiam ter a chance de seu Adão, mas os dados vem demonstrando o contrário. Um levantamento de dados do Censo Escolar de 2019, do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP), sobre o número de estabelecimentos de ensino na Educação Básica apontou que, entre 1997 e 2018, foram fechadas quase 80 mil escolas no campo brasileiro. A Escola Popular Eduardo Galeano entra para a estatística não só como mais uma, mas como exemplo de uma política de fechamento de escolas do campo que acontece há anos no país.
Desenho de uma criança do acampamento Quilombo Campo Grande, ao relembrar o dia do despejo e derrubada da Escola Eduardo Galeano. Frame do documentário “Sonhos no chão, sementes da educação” (2020).
O MST chegou a lançar uma campanha de denúncia em 2011, intitulada “Fechar escola é crime”. E em 2014 foi aprovada a lei (12.960/2013) que obrigou a realização de consulta às comunidades antes do fechamento de escolas do campo, indígenas e quilombolas. Mas parece que não surtiu muito efeito. A própria escola Eduardo Galeano foi fechada pelo governo de Minas Gerais no início de 2019, logo após outra tentativa de desejo no assentamento quilombo Campo Grande em 2018 e reaberta pela resistência do Movimento. “Quando começou o governo de Romeu Zema (Novo) nós recebemos a triste notícia que a Escola seria fechada. E a justificativa era poucos educandos. Eram duas salas aonde chegamos a ter 75 pessoas matriculadas. E, na maioria das vezes, nós mesmos que mantivemos a escola funcionando com nossos recursos porque mesmo sendo uma escola reconhecida, não era garantida pelo Estado”, explica Michelle Capuchinho do setor de Formação do MST.
Ciranda das crianças do acampamento Quilombo Campo Grande, Campo do Meio (MG). Frame do documentário “Sonhos no chão, sementes da educação” (2020).
O curta documentário descreve como o despejo e a destruição da Escola impacta diretamente inúmeras famílias, sobretudo crianças e adolescentes. Isso somado a um período onde o isolamento social e medidas de proteção à saúde deveriam ser prerrogativas à gestão estadual no enfrentamento à Covid-19. O MST alega que o despejo foi feito de forma ilegal, já que o processo judicial abrangia 26 hectares inicialmente e depois, sem justificativa e transparência das informações, foi ampliada para 53 hectares no último despacho da Vara Agrária que culminou no despejo de 14 famílias. Cerca de 450 famílias permanecem na área da usina falida Ariadnópolis, da Companhia Agropecuária Irmãos Azevedo (Capia), que encerrou as atividades em 1996.
Ficha técnica Curta-documentário: “Sonhos no chão, sementes da educação” Imagens e edição: Lucas Bois Roteiro: Raquel Baster e Lucas Bois Duração: 22 minutos Ano: 2020
A Justiça Federal deu um chega-pra-lá nos militares do Colégio Militar de Belo Horizonte e proibiu o retorno às aulas presenciais a partir da próxima segunda-feira, 21, a exemplo do que outras instituições do Exército pretendem fazer no país. A instituição tem cerca de 750 alunos, 42% do sexo feminino. Dezenas de pais de alunos são contrários à volta às aulas, mesmo com uma série de protocolos a serem adotados. Durante a ditadura, as instalações da escola abrigaram presos políticos, que foram vítimas de tortura no local.
A retomada das atividades escolares na unidade do Exército provocou discussões tanto na Prefeitura de Belo Horizonte quanto no Ministério Público Federal e, como medida de segurança, o Sindicato dos Trabalhadores Ativos, Aposentados e Pensionistas do Serviço Público Federal (Sindsep-MG) entrou na Justiça com um pedido em tutela de urgência para continuidade do regime remoto de aulas, o que foi acatado com a fixação de uma multa de R$ 5 mil por dia, caso ocorra descumprimento da determinação.
Colégio do bairro Pampulha foi usado para abrigar presos políticos durante a ditadura
Sem prejuízo
Na quarta-feira, 16, a direção do Colégio Militar encaminhou às famílias um comunicado informando sobre o retorno obrigatório às aulas na unidade, exceto para os alunos que comprovassem pertencer a grupos de risco para o novo coronavírus. Porém, para o sindicato, o retorno não é necessário, uma vez que os alunos não estariam sendo prejudicados pelo sistema de aulas on-line. Pela avaliação dos professores, os estudantes estão respondendo bem às aulas.
“Nós estamos conversando com os professores há mais de um mês, logo que eles perceberam que seriam convocados para um planejamento presencial das atividades e que incluía desde então o retorno às aulas na própria escola. Nós entendemos que não é necessário um retorno presencial quando tudo pode ser feito remotamente. Sabemos que a cidade está em processo de reabertura, mas achamos que não há necessidade de colocar mais pessoas nos ônibus e nas ruas se os alunos estão respondendo bem às aulas remotas. As aulas estão tendo qualidade”, ressaltou a diretora do Sindicato, Jussara Griffo, ao jornal O Tempo.
Segundo Jussara, o Colégio Militar tinha determinado que retornariam apenas aqueles funcionários que não compõem grupos de risco para a pandemia do novo coronavírus, mantendo em regime remoto, portanto, aqueles com idades superiores a 60 anos e portadores de comorbidades. “Se algumas pessoas permaneceriam em casa, entendemos que o trabalho pode ser mantido remotamente, então não há necessidade de retornar também os outros. Para quê colocar alunos em risco, famílias e professores? Se os alunos estão respondendo bem às aulas remotas, podemos mantê-las”, declarou.
O comunicado feito pelo colégio indicava que haveria um revezamento entre turmas e a adoção de medidas sanitárias relacionadas à Covid-19 para garantir a segurança de estudantes, funcionários e familiares. O retorno contradiz as políticas municipal e estadual que ainda mantêm as aulas suspensas nas redes pública e particular de Minas Gerais. Autoridades da Prefeitura de Belo Horizonte declararam nessa sexta-feira, 18, que poderia procurar a Justiça para pedir a proibição da retomada do ano na unidade militar. Em uma mesma direção, o Ministério Público Federal determinou que o diretor do colégio, o coronel Marco José dos Santos, explicasse à Justiça com um prazo máximo de 24 horas quais estudos técnicos e protocolos de segurança justificariam o retorno às aulas presenciais.
Barbacena
Desde o dia 26 de maio mais de 200 alunos da Escola Preparatória de Cadetes do Ar (Epcar) em Barbacena, no Campo das Vertentes, em Minas, testaram positivo para Covid-19. No dia 22 de junho, o Ministério Público Federal emitiu recomendação ao diretor de Ensino da Aeronáutica, major-brigadeiro do Ar Marcos Vinícius Rezende Murad, e ao comandante da Escola Preparatória de Cadetes do Ar, brigadeiro do Ar Paulo Ricardo da Silva Mendes, para suspender imediatamente todas as aulas e demais atividades acadêmicas presenciais. A Epcar é uma escola de ensino militar sediada em Barbacena que admite alunos de idade entre 14 e 18 anos por meio de concurso público. No local, estudantes de várias cidades de todo o Brasil vivem em regime de internato e, por isso, dormem em alojamentos e têm aulas em horário integral.
Única vereadora preta de Natal celebra cota do fundo eleitoral para candidaturas negras
Divaneide Basílio (PT) acredita que a decisão do Tribunal Superior de Eleitoral, que determina distribuição proporcional do fundo eleitoral e partidário para candidaturas negras vai incentivar a participação de mais negros e negras na política
O Tribunal Superior Eleitoral determinou que a partir de 2022 os fundos partidário e eleitoral terão que ser usados de forma proporcional para as candidaturas negras. A decisão é estendida também para o uso do tempo no rádio e na TV das campanhas.
O posicionamento do TSE é fruto de uma consulta feita pela deputada federal Benedita da Silva (PT-RJ), que solicitou a destinação de 50% da verba para candidaturas negras, uma vez que conforme dados do IBGE o Brasil tem 55% da população nesse recorte.
A medida foi anunciada pelo presidente do TSE, ministro Luís Roberto Barroso, e tem a intenção de reduzir o desequilíbrio na participação eleitoral e no financiamento de campanhas das candidaturas de negras e negros. Essa deliberação se soma à determinação de 2018, que obriga o repasse de percentual fixo de 30% do fundo eleitoral para candidaturas de mulheres.
A subrepresentação das mulheres nos espaços de poder do Brasil, e em especial das mulheres pretas, é uma realidade. As mulheres são 51% da população brasileira, mas governam apenas 12% das prefeituras. Já as mulheres pretas administram apenas 3% dos municípios mesmo representando um contingente de 27% da sociedade.
E mesmo as cidades governadas por mulheres são proporcionalmente menores do que aquelas que contam com homens na chefia do Executivo. Apenas 7% da população no país moram em municípios administrados por mulheres, brancas ou pretas. Do total de prefeituras governadas por mulheres, 91% são de municípios com até 50 mil habitantes
Os dados estão disponíveis para consulta pública e foram divulgados pelo Instituto Alzira, organização que desenvolve ferramentas para contribuir com o aumento na participação das mulheres na política.
Para ela, a decisão do TSE deve garantir maior representatividade nos parlamentos:
– Acompanhamos com lupa esse debate, esse tema é algo para nós muito significativo porque vai garantir a ampliação da representatividade. Uma parlamentar como a Benedita da Silva (PT-RJ) provocando esse debate só reforça que a representatividade importa e que nós podemos disputar em condições de igualdade. Porque essa é uma pauta de todo o país. Eu sou a única negra em Natal, mas na maioria dos estados também é assim”, destaca.
Divaneide comemora e compara a decisão do TSE válida para 2022 com a obrigatoriedade do repasse de 30% para as candidaturas femininas.
– O processo, apesar de lento, já representa para as mulheres um avanço. Uma mudança de postura, com isso mais mulheres estão percebendo que poderiam se candidatar, tem melhores condições pra isso. Não é fácil conciliar a vida doméstica com o trabalho. E é uma mudança que nós, no PT, já iniciamos com o projeto Elas por Elas, garantindo formação. Lançamos esse projeto dm 2018 e hoje já é uma realidade e tem ajudado a nos fortalecer. No Rio Grande do Norte o Elas por Elas ajudou na capacitação das mulheres, contribuiu com o planejamento da campanha e aumento o nível de debate”, disse.
Além da questão financeira, a parlamentar que tentará a reeleição em 2020 acredita que a decisão do TSE estimula o envolvimento da população negra do debate político. O próprio Instituto Alzira reconheceu o avanço já notado em 2018 embora a subrepresentação seja latente.
Divaneide não acredita que haverá uma disputa por mais espaço entre candidatos negros e candidatas negras. A pauta antirracista, segundo ela, vai unir o candidatos.
– Vai ser bom pra todo povo negro. A pauta antirracista é de todo mundo, negro e negra. Nós mulheres negras estamos fazendo um debate para aprimorar o gênero de classe e raça. Vamos fazer um Elas por Elas com recorte de mulheres negras. Essas interfaces não são para colocar um grupo em superioridade, mas para mostrar que aquele grupo representa mais de uma identidade”,