De: Paulo Maldos
Para: Jornalistas Livres
Dom Pedro Casaldáliga chegou no Brasil, vindo da Catalunha, e foi para o Araguaia, região plena de exclusão e violência. Quanto mais conhecia a história e a situação locais, mais se comprometia e se tornava um porta-voz dos excluídos: dos posseiros, dos indígenas, das prostitutas, das vítimas de trabalho escravo.
Foto de Douglas Mansur: Exposição “90 anos de, 90 fotos de Pedro Casaldaglia”
Seu olhar solidário e amoroso pousava sobre todas as feridas da nossa sociedade e, mesmo em tempos de ditadura, as tornava públicas por meio de poemas, artigos, entrevistas e cartas pastorais. Através de sua prática religiosa e de sua palavra pública, Dom Pedro foi construindo identidades e alianças entre campo e cidade, entre norte e sul, estudantes e posseiros, intelectuais e indígenas, religiosas e religiosos de todo o país. Sua ação, seu olhar, sua palavra, abarcaram também os povos da América Central, de Nicarágua e El Salvador, imersos em revoluções populares e lutas por libertação.
Seu amigo, o bispo Dom Oscar Romero, de San Salvador, foi assassinado numa missa por extremistas de direita. Na pequena Ribeirão Cascalheira, o padre João Bosco Penido Burnier, foi assassinado ao seu lado, quando juntos defendiam mulheres que estavam sendo torturadas pela polícia. Seu companheiro de pastoral no Araguaia, o padre Francisco Jentel, foi expulso do país pelos militares.
Sua frase “Deus é grande, a mata é maior”, manchete de imprensa à época, causou impacto e expandiu nossas noções de fé e luta, de território e teologia, de ousadia e coragem nos duros momentos de um governo feito de latifúndio e terror de Estado. O poder das suas palavras vem da verdade que estas expressam de maneira direta, cortante, reveladora e libertadora. Dom Pedro, com suas andanças, presença, poesia e solidariedade extrema, marcou para sempre as vidas dos excluídos, assim como de milhares de militantes das causas populares do Brasil e da América Latina.
Foto de Douglas Mansur: Exposição “90 anos de, 90 fotos de Pedro Casaldáliga”
Algo da boa radicalidade das nossas lutas populares passadas e atuais vem da humanidade intransigente deste catalão de Balsareny, que se enraizou no sertão brasileiro e que, como um posseiro, ocupou nossas almas, nossa compreensão do mundo, nosso sentido da história, nossa disposição de luta. Habita por aqui com uma só intenção evangélica: nos libertar de todo o mal que destrói o humano e nos impede de amar. Para tanto, sua única arma é a palavra, que usa com a maestria dos maiores profetas e escritores.
Dom Pedro fez deste mundo uma promessa de Revolução, profundamente amorosa e radical, para todos os condenados da Terra. Ninguém como ele transforma revolta e sonhos em palavras, e assim nos anima, assim nos liberta, assim nos purifica, assim nos humaniza imensamente.
De Balsareny até São Félix do Araguaia, Dom Pedro cantou suas muitas aldeias e, assim, cantou e encantou o mundo e o tempo que nos tem tocado viver.