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Tag: Tribunal de Justiça de São Paulo

  • INQUISIÇÃO: Fundamentalistas perseguem ONG de católicas e Justiça faz coro

    INQUISIÇÃO: Fundamentalistas perseguem ONG de católicas e Justiça faz coro

    Agora vai, Brasil! A 2ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo decidiu que a ONG Católicas Pelo Direito de Decidir não poderá mais usar a palavra “Católicas” em seu nome.

    Católicas Pelo Direito de Decidir existem desde 1993 e se caracterizam pela defesa intransigente da descriminalização e legalização do aborto. Segundo o grupo, no interior do catolicismo “há vozes diversas, há teologias diversas”. “Essa pluralidade existe, ainda que o pensamento único fundamentalista queira negá-la”, dizem elas, que se reivindicam feministas.

    As Católicas falam em fundamentalistas e foi exatamente uma organização fundamentalista dessas, a Associação Centro Dom Bosco de Fé e Cultura que resolveu levar aos tribunais sua contrariedade com o nome da ONG feminista.

    O Centro Dom Bosco parece não confiar muito na fé do rebanho católico e é reincidente em tentar calar divergências religiosas na Justiça, em vez de convencer os corações dos fiéis. Foi esse grupo da ultra-direita católica que processou a Igreja Universal do Reino de Deus por causa de uma revista em quadrinhos (!!??!) chamada “A Força”, porque conteria “mentiras e ofensas à Igreja Católica”. Os inquisidores do Centro Dom Bosco queriam que a Justiça retirasse de circulação a publicação. Perderam!

    Também foi o Centro Dom Bosco que processou o coletivo de humoristas Porta dos Fundos, depois que este produziu um especial de Natal em que retratou Jesus como homossexual. Os “guerreiros da fé” do Centro Dom Bosco queriam retirar o especial de Natal da plataforma de streaming Netflix e bani-lo pela eternidade. Mas perderam também.

    Agora, o grupo colhe uma recentíssima vitória, já que ainda passível de recurso, com a decisão do TJ de São Paulo. Se prevalecer, as Católicas terão de adequar o estatuto social e retirar a expressão “católicas” de seu nome em 15 dias, sob pena de multa diária de R$ 1.000.

    O relator, desembargador José Carlos Ferreira Alves, escreveu um textão de 61 páginas para justificar o acolhimento do pedido do Centro Dom Bosco. Coalhado de referências ao Código Canônico, ao Catecismo, a textos de clérigos ultraconservadores, a homilias papais, a ideólogos da Opus Dei e até, pasme-se, a Olavo de Carvalho, com a citação de sua obra “Católicas, uma ova”, lavrada naquele estilo inconfundível pela falta de educação, o relatório do desembargador parece esquecer que o Brasil é um País laico e não uma pequena paróquia de um obtuso rincão conservador.

    Quer o desembargador católico que “nenhuma associação adote a designação de ‘católica’, a não ser com o consentimento da autoridade eclesiástica competente, segundo as normas do cânone 312” [do Código Canônico]. O Código de Direito Canônico é o conjunto das normas que regulam a organização da Igreja Católica, a hierarquia do seu governo, os direitos e obrigações dos fiéis e o conjunto de sacramentos e sanções que se estabelecem pela infração das mesmas normas. Impor aos cidadãos brasileiros a obediência a esse tal Código Canônico é um ultraje à Constituição do Brasil.

    Ferreira Alves diz que o uso da expressão “católicas” constitui “flagrante ilicitude e abuso de direito (…) pela notória violação à moral, boa-fé e bons costumes na atuação [da ONG]”. Trata-se de acusação gravíssima que, entretanto, não dispõe de um único argumento que a ponha em pé.

    A guerra contra as mulheres: uma história de violências

    Acusar mulheres, identificando-as a seres imorais, dotados de má-fé e de comportamento maligno tem dado, desde sempre, ensejo a perseguições e a toda série de violências e iniquidades (incluindo a tortura) praticadas contra o gênero feminino desde o século 12. Agora não é diferente.

    As Católicas Pelo Direito de Decidir, que conheço desde seus primórdios, pela catequese feminista de Maria José Rosado, fundamentam sua militância na crença de que a Igreja de 2.000 anos é capaz de errar (muito) e de se auto-reformar mediante a crítica —muitas vezes heroica— dos dissidentes (ou hereges).

    Foi assim com Giordano Bruno e Galileu Galilei, opositores da tese segundo a qual a Terra estaria no centro do Universo. Pela sua petulante defesa da Ciência, Galileu acabou condenado por desobediência e por difundir conteúdos contra a doutrina católica. Com Giordano Bruno, foi pior. A Inquisição o considerou culpado e ele foi queimado na fogueira no Campo dei Fiori, em Roma, em 1600. No ano 2000, o Papa João Paulo II finalmente pediu desculpas por todos os erros cometidos pela Igreja Católica nos últimos 2.000 anos, incluindo o julgamento de Galileu Galilei pela Inquisição. Será que João Paulo II não era muito católico?

    Mas tem muito mais erros! A mesma Igreja Católica ainda hoje condena o divórcio, as pesquisas científicas com embriões humanos, a eutanásia e os contraceptivos artificiais, o sexo antes do casamento, a homossexualidade e o uso de preservativos. Apesar disso, o Papa Francisco acaba de dar seu OK às uniões civis entre homossexuais, mostrando que a Igreja (também ela) é permeável ao espírito do tempo, e que a luta dos homossexuais católicos por reconhecimento valeu a pena. Será que Bergoglio também não é muito católico?

    As Católicas consideram-se católicas, mas católicas que lutam contra o machismo e a misoginia das instituições católicas, que proíbem a ordenação sacerdotal de mulheres, mantêm o celibato clerical e estão na base dos milhares de casos de abusos sexuais cometidos contra meninos e meninas em todo o mundo.

    Quem são o desembargador José Carlos Ferreira Alves e seus colegas na 2ª Câmara de Direito Privado, José Joaquim dos Santos e Álvaro Passos, para dizer que elas não podem mais se dizer católicas? Ainda mais usando como argumento um código estranho ao ordenamento jurídico do Brasil, como é o Código Canônico?

    Ou será que vamos também usar o “Evangelho Segundo o Espiritismo”, de Allan Kardec, ou “As 95 Teses”, de Martinho Lutero, para orientar os juízes sobre quais condutas serão consideradas lícitas ou ilícitas pelos tribunais brasileiros?

    A decisão do TJ de São Paulo é mais um barbarismo a atestar que a generosa Constituição de 1988 está sob grande ameaça. É preciso resistir. Ou logo as fogueiras serão acesas!

    Homofobia, armas e Educação de meninos: Veja quem é e o que defende o Centro Dom Bosco
    https://www.facebook.com/watch/?v=608039206566114

  • 111 assassinatos em 25 minutos: ato marca os 27 anos do Massacre do Carandiru

    111 assassinatos em 25 minutos: ato marca os 27 anos do Massacre do Carandiru

    No aniversário de 27 anos de um dos maiores massacres do país, a Frente Estadual pelo Desencarceramento de São Paulo (FEDSP) junto com as redes Amparar e De Proteção E Resistência Contra o Genocídio também compuseram o ato. realizou um ato em memória das vítimas do Carandiru. Passadas quase três décadas do caso, um dos mais notórios em violações de direitos humanos. O julgamento corre há anos na justiça paulista e é recheado de revezes e apenas responsabiliza policiais.

    O ato começou por volta das 17:30h na praça da Sé, região central da capital, e contou com movimentos sociais e de Direitos Humanos. Mais cedo na mesma praça ocorreu uma violenta ação de PMs e GCMs contra pessoas em situação de rua, que habitualmente se abrigam no entorno da catedral.

    O massacre do Carandiru teve como saldo 111 presos mortos pela polícia, de acordo com relatos oficiais, mas ex-detentos estimam que o número pode ser ainda maior. A operação, que contou com mais de 300 policiais militares de diversos destacamentos da corporação, durou apenas de 25 minutos. Esse foi o tempo necessário para entrarem em todo o pavilhão e saírem, após a chacina, com 22 policiais feridos por armas brancas. Entre os 111 mortos vinte sete anos atrás, 84 deles eram presos provisórios, ou seja, não tinham sido condenados.

    O ato seguiu pelas ruas do centro, passando pela faculdade de Direito da USP E pela Secretária Estadual de Segurança Pública. Ao longo do caminho as palavras de ordem lembravam as diversas vítimas de violência policial e os problemas enfrentados por familiares de presos.

    Claudenir José dos Santos, 62, o Claudinho da Cidade, passou mais dias presos do que em liberdade na vida e estava no Carandiru durante o massacre “tomaram a minha vida nas mãos deles e eu queria ter uma oportunidade de vida um recomeço. Eu sou escritor… sou escritor e sou poeta, mas não tive como oportunidade. Estava mo massacre, vi tudo acontecer. Foi premeditado, foi uma covardia pela polida militar”, contou.

    Durante o ato diversas pessoas em situação de rua também falaram das situações que enfrentam na região central, como violência policial e descasos do poder público. As falas e movimentos que compuseram o ato não se restringiram ao caso específico do Carandiru. A todo momento se voltava a atenção para o genocídio da população negra e pobre.

    A FEDSP chamou o ato pelo Facebook na convocatória aponta os principais motivos para sua realização “O Massacre do Carandiru está longe de ser um caso isolado e a história das barbáries passadas e recentes… entre maio e julho de 2019, mais de 110 pessoas foram mortas em presídios de Manaus e Altamira, mas a dor, o sofrimento e a indignação com a violência e a tortura estruturando políticas estatais não chocam a sociedade, pois quem está sendo morto são pessoas excluídas” diz o início do manifesto que finaliza com “É um dia para celebrarmos a resistência daqueles que sobrevivem aos massacres cotidianos e ainda encontram forças para lutar em memória aos que o Estado atuou para tirar a vida”.

    Krick Cruz, 62, também ficou preso no Carandiru e contou o motivo de estar no ato “o brasileiro tem memória curta. A gente esquece o nosso passado, como a escravidão. Todos os anos estamos lembrando esses mortos. Mas não só do Carandiru e em presídios, mas tem ocorrido mortes nas quebradas também. esse ato é pra mostrar que tem pessoas que lembram” sobre o tempo no famoso presídio ele conta “passei vinte oito anos presos, vinte no Carandiru. Era um país. Cada pavilhao era um estado e cada galeria era uma cidade”.

    O ato terminou em frente ao Tribunal de Justiça, ao lado da Sé, onde o caso ainda segue. Algumas falas foram feitas e os nomes dos mortos relembrados.

    Relembre o episódio

    No dia dois de outubro de 1992, pela manhã uma rebelião se inicia no pavilhão 9. Ao longo da manhã a rebelião tentou ser controlada por agente penitenciários, mas por volta das 15h a PM chega ao presidio, que ficava na zona norte da cidade e onde hoje é o parque da juventude. A PM assumiu a operação, com o Cel. Ubiratan Guimarães no comando. Por volta das 15:20 o diretor do presidio, José Ismael Pedrosa, faz uma última interlocução com os detentos. O governador Luiz Antonio Fleury autoriza o secretário de Segurança Pública, Pedro Franco de Campos, a dar seguimento a entrada da Policia Militar.

    Entre as 15:20h e 15:30 a PM entra no pavilhão 9. Durante cerca de vinte minutos se dá o ataque policial, ao todo 102 presos foram baleados, sendo boa parte desses tiros no tórax ou na cabeça, de acordo com o laudo pericial. O laudo também indicou que a maior parte dos ataques se deu no 1° e 2° andares, mas ainda sim com mortes no 3° e 4° andares. As 17h termina a ação e os presos sobreviventes, obedecendo ordens da polícia, ficam nus e saem para o pátio. Por volta das 19h a PM manda que eles agrupem os cadáveres dentro do pavilhão. Na noite do dia dois Luiz Antonio Fleury anuncia oito mortos e a PM deixa o presido durante a madrugada. No dia seguinte, o saldo oficial de mortos é anunciado: 111 detentos.

    O presídio do Carandiru, teve sua construção iniciada na década de 20 do século passado, mas foi crescendo ao longo do século e chegou a ser considerado o maior presidio da América Latina, sendo que passou a maior parte de sua existência com superlotação e condições precárias. Após o massacre o presidio continuou a ser utilizado até que foi desativado nos anos 2000.

    Até hoje apenas uma pessoa foi condenada, o Cel. Ubiratan Guimarães que comandou a operação de dentro do presídio, a mais de 600 anos de prisão, em 2001. Ubiratan nunca cumpriu um dia de pena, por ter respondido em liberdade até se eleger deputado estadual em 2002. Em 2006 teve sua pena anulada, meses antes de morrer em circunstâncias suspeitas.

    Em 2013, o julgamento de 74 policiais envolvidos teve início e seguiu para júri popular. Foram condenados, por pelo menos quatro júris, entre o início do julgamento e 2014. Mesmo assim nenhum chegou a ser preso, uma vez que em 2016 a justiça paulista anulou, pela primeira vez, todos os julgamentos realizados até então e determinou um novo júri. Já em 2017 e 2018 o Tribunal de Justiça de são Paulo seguiu mantendo a anulação dos julgamentos. Hoje o caso espera o novo julgamento, sem data definida.

  • Justiça manda soltar militante por moradia

    Justiça manda soltar militante por moradia

    A 14ª Câmara de Direito Criminal do Tribunal de Justiça de São Paulo decidiu, hoje, soltar Angélica dos Santos Lima, do movimento por moradia. Ela estava presa desde o dia 24 de junho, quando foi deflagrada uma grande ofensiva para criminalizar as lideranças que lutam pelo direito constitucional por habitação digna e de qualidade, e que logrou, de imediato, as prisões de Edinalva Silva Franco, Janice Ferreira Silva, a Preta, e de Sidney Ferreira Silva, além da própria Angélica. Os mandados de prisão de outros 15 militantes da luta pela moradia também foram expedidos pela juíza Érika Mascarenhas, da 6ª Vara Criminal.

    A decisão da 14ª Câmara de Direito Criminal do TJ levou em consideração que Angélica é primária e de bons antecedentes, possui trabalho lícito e residência definida. Trata-se de medida judicial destinada a reduzir os evidentes danos da prisão preventiva (antes do julgamento de mérito), “a qual, nos termos do Código de Processo Penal, representa a mais extrema das restrições cautelares, cabível apenas em hipóteses excepcionais”, conforme consta no acórdão.

    Assim, Angélica será colocada em liberdade provisória, enquanto aguarda o julgamento, sendo adotadas as seguintes medidas cautelares previstas no artigo 319 do Código de Processo Penal: comparecimento mensal em juízo para informar e justificar suas atividades, bem como aos atos do processo; proibição de frequentar os locais de ocupação dos movimentos sociais; proibição de manter contato com vítimas e testemunhas, bem como com os demais acusados; proibição de ausentar-se da comarca, salvo prévia autorização judicial; recolhimento domiciliar no período noturno e nos dias de folga.

    São restrições, ainda, mas preferíveis ante a violência extrema de uma prisão antes mesmo do julgamento. Agora, é preciso ampliar esse benefício para todas as lideranças ainda presas ou sobre as quais incide a decisão da prisão preventiva. Liberdade para todos os presos da luta por Moradia!

    Veja também a entrevista com Milena Golveia, lutadora pela moradia:

  • Decisão que permite candidatura de Garotinho contradiz impugnação de Lula

    Decisão que permite candidatura de Garotinho contradiz impugnação de Lula

    por Rafael Tatemoto para Brasil de Fato

    O ex-governador Anthony Garotinho (PRP) obteve uma liminar no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) para continuar na disputa estadual do Rio de Janeiro neste domingo (16). O Tribunal Regional Eleitoral do Rio de Janeiro (TRE-RJ) havia impugnado sua candidatura no dia 6 de setembro. O argumento do TSE é que Garotinho ainda pode recorrer da sentença do TRE, portanto tem direito a continuar fazendo campanha eleitoral até serem esgotados os recursos jurídicos.

    Segundo advogados consultados pelo Brasil de Fato, a situação jurídica do candidato a governador do Rio de Janeiro é similar à de Luiz Inácio Lula da Silva (PT), que, no entanto, teve todas as tentativas de obtenção de liminares negadas.

    Para estes advogados, todas as candidaturas impugnadas com chance de recursos devem ser consideradas sub judice, ou seja, são casos que ainda podem ter uma nova determinação judicial. Se essa tivesse sido a posição do Judiciário sobre Lula, ele poderia ter obtido uma liminar.

    Fernando Amaral explica que o termo “sub judice” deve incluir candidaturas que pudessem ser debatidas em instância acima do TSE.

    “Esgotaria quando não tivesse mais recursos. Só há trânsito em julgado, ou seja, deixa de estar sob judice, quando esgotadas as fases recursais. E no registro, apesar de entender que para presidencial se inicia no TSE, na última instância eleitoral, há sempre possibilidade de recurso para o Supremo”, afirma.

    Destacando que a decisão sobre Garotinho encontra amparo na legislação, Bruno Caires também critica o entendimento que o Tribunal vem adotando para os julgamentos que se iniciam no próprio TSE.

    “A diferença que existe entre os dois casos é que o TSE  é o órgão legitimado para o pleito de presidente da República. A liminar [para Garotinho] foi concedida em relação a uma decisão do [Tribunal] Regional. A gente nunca teve uma impugnação de candidato a presidente da República, e foi dada essa interpretação [no caso Lula]. Eu entendo de forma diversa, cabendo recursos previstos em lei de competência do STF, seria incoerente dizer que o Eleitoral seria a última instância”, argumenta.

    Garotinho foi condenado em julho pelo Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro por improbidade administrativa. O TRE enquadrou o político na chamada Lei da Ficha Limpa, também aplicada pelo TSE no caso de Lula.

    O ministro do TSE, Og Fernandes determinou que a inelegibilidade seja suspensa até que o mérito da questão seja julgada por pelo próprio TSE. “O candidato cujo registro esteja sub judice poderá prosseguir na campanha eleitoral – inclusive com o nome e foto na urna eletrônica – até o julgamento pelo Tribunal Superior Eleitoral em única ou última instância”, afirma parte da decisão.

    Como Garotinho aguarda decisão sobre recurso ao próprio TSE, foi beneficiado pela interpretação do Tribunal.

    Segundo a visão de ambos advogados, com a impugnação no TSE, o Judiciário deveria ter concedido a liminar para que o PT decidisse continuar ou não com a candidatura de Lula, mesmo sob o risco de ter seus votos anulados entre o primeiro e o segundo turno, o que aconteceria caso o STF confirmasse a negação de sua candidatura.

    Notas

    1 Esse artigo foir originalmente publicado em https://www.brasildefato.com.br/2018/09/17/decisao-que-permite-candidatura-de-garotinho-contradiz-impugnacao-de-lula/

    2 Essa matéria recebeu o selo 044-2018 do Observatório do Judiciário.

    3 Para ler outras matérias do Observatório do Judiciário:
    https://jornalistaslivres.org/categoria/observatorio-do-judiciario.

  • Quando o inconsciente do juiz se revela na sentença

    Quando o inconsciente do juiz se revela na sentença

    por Agostinho Ramalho Marques Neto *

    A condenação do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva pelo juiz Sergio Moro, da 13ª Vara Federal de Curitiba, não foi surpresa, nem para os que por ela ansiavam nem para os que a temiam ou a ela se opunham. Foi o desenlace esperado e até mesmo anunciado daquilo que se tramava havia muito tempo. Os atos e declarações dos componentes da assim denominada Operação Lava Jato – desde delegados da Polícia Federal, passando por membros do Ministério Público Federal e chegando ao juiz acima mencionado, assumidamente integrante e sob muitos aspectos até mesmo “chefe” da referida operação, por mais incompatível que isso possa ser com a postura que se espera de um juiz – apontavam sempre no sentido de uma “convicção” de culpa que só enxergava como “provas” aquilo que a reforçasse, o que evidenciava que o processo não passava de uma encenação para que a preconcebida sentença condenatória fosse proferida.

    Não é meu objetivo neste pequeno texto pôr a ênfase da análise sobre o mérito em si da condenação, seja no que se refere à sua materialidade, seja no concernente à (in)observância das formas, limites e garantias processuais.

    Não posso deixar de registrar, entretanto, o meu indignado entendimento de que Lula foi condenado com base em meros indícios e presunções, que foram tomados como provas suficientes no julgamento.

    Isso ficou claro desde o início e atingiu seu ápice como espetáculo naquela patética cena e m que, empregando o recurso de um PowerPoint durante entrevista coletiva realizada ao vivo em rede nacional de televisão em setembro de 2016, procuradores federais, tendo à frente Deltan Dallagnol, apresentaram à população, de modo pretensamente “didático”, a tese acusatória de que o Estado brasileiro estaria tomado por vasta e sofisticada organização criminosa, cujo líder supremo seria o ex-presidente Lula.

    Uma vez estabelecido antecipadamente tal veredito, restava encontrar – e, se nada fosse efetivamente encontrado, restava inventar – as provas que fundamentariam a sentença condenatória.

    O famoso tríplex no Guarujá foi artificiosamente constituído enquanto prova, na falta de coisa melhor para a acusação, com a qual, por sinal, o comportamento do juiz muitas vezes se misturava. Essa confusão do lugar do juiz com o do acusador, essa alternância, na mesma pessoa, do trabalho de produzir provas contra o acusado e julgá-lo com base nessas mesmas provas, levou o juiz a tomar indícios, ilações e suposições como provas suficientes, na medida em que lhe pareciam ordenadas conforme uma narrativa “verossímil” que no entanto foi logo tomada como “verdadeira” e que sedimentou a convicção da culpa do réu, presente desde antes mesmo do início do processo e agora tornada inabalável. A certeza inabalável que então se instaura e determina a sequência dos atos processuais que culminarão na condenação contém traços paranoicos, conforme já examinei em outro lugar (1).

    Outro ponto que não posso deixar de registrar é a inusitada e suspeitíssima “coincidência” de ter sido a sentença condenatória de Lula proferida precisamente no dia seguinte àquele em que o Senado Federal aprovou a abominável “reforma” trabalhista que na prática aboliu os direitos dos trabalhadores. É preciso ser muito ingênuo para acreditar que tal “co-incidência” tenha sido fortuita.

    A condenação de Lula, ícone dos trabalhadores e candidato mais cotado para vencer as eleições presidenciais de 2018, obscurece, desvia para Lula o foco dos holofotes das “reformas” trabalhistas e da carga cerrada de acusações de delitos contra o ilegítimo presidente Michel Temer, e com isso reforça o desmonte da legislação do trabalho, ao mesmo tempo em que visa a afastar da disputa o único candidato com condições de, uma vez no exercício do cargo, empenhar-se com alguma chance de êxito no sentido de reverter o imenso retrocesso imposto no campo das relações de trabalho e dos programas sociais em geral.

    Se perguntarmos a quem tudo isso beneficia, veremos sem dificuldade que o grande favorecido é o capital, sobretudo o rentista e financeiro, dentro das condições impostas pelo modelo neoliberal dominante em nível internacional.

    É ele que mais decisivamente esteve por trás do golpe de 2016 que depôs Dilma Rousseff da presidência da República precisamente para implantar autoritariamente as tais “reformas”, que jamais obteriam o aval do voto popular. É perfeitamente coerente com esse objetivo que, ao mesmo tempo em que o juiz Moro condenava Lula, era negado seguimento a processos por improbidade movidos contra políticos comprometidos com as “reformas”, como a comissão de ética do Senado fez em relação a Aécio Neves e a Câmara dos Deputados em relação a Michel Temer. Estes, por sinal, são perfeitamente descartáveis na ótica das elites dominantes, para as quais o que de fato interessa é a aprovação das reformas que lhes garantam a exploração sem restrições dos trabalhadores e o aumento desmedido do seu enriquecimento, não importando que custo social isso possa acarretar. O que isso tudo evidencia é que, por trás da condenação de Lula, há um objetivo inconfessado que é o verdadeiro objetivo das elites economicamente dominantes: inviabilizar, no nascedouro, a candidatura de Lula à presidência da República em 2018.

    Mas essas e outras considerações de fundo jurídico e político não são o principal objeto do meu interesse neste trabalho. Elas foram e continuam sendo matéria de análises e artigos muito bem fundamentados de autoria de juristas, penalistas, processualistas e constitucionalistas renomados, que as têm examinado exaustivamente sob as mais diversas perspectivas. Vários desses autores têm trabalhos publicados no presente livro.

    O objetivo primordial deste trabalho é selecionar e pôr em evidência algumas passagens da sentença condenatória em que o juiz Sérgio Moro, acreditando que falava de Lula, ou do processo, ou das suas provas por ilação, ou que se queixava dos advogados de defesa, ou da imprensa, ou que rebatia críticas a ele dirigidas (tudo isso compõe o “conteúdo manifesto” da sentença), falava também e sobretudo de si mesmo, de sua posição subjetiva, de sua visão de mundo, do código moral implícito a seus atos e declarações, de sua concepção de direitos e garantias processuais e constitucionais e, acima de tudo, do que para ele significa fazer justiça, e qual o papel do juiz (ou seja, ele próprio, Moro) na perseguição desse alvo. Meu enfoque predominante será, portanto, de fundo psicanalítico, embora não me seja possível deixar de abordar também, aqui e ali, aspectos jurídicos e políticos do caso.

    Ele falava dessas coisas sem saber, talvez, que estava falando muito mais do que supunha. É aí que se situa o “conteúdo latente” de sua fala. Assim como acontece com os sonhos, toda fala, todo discurso (e a sentença judicial é uma forma de discurso) apresenta conteúdos manifestos e latentes.

    Estes últimos muitas vezes correspondem a representações e desejos recalcados e inconscientes, que não cessam de buscar expressão e satisfação. E se presentificam como acidentes da fala, como lapsos, atos falhos, atos sintomáticos, descontinuidades, hesitações, associações superficiais e como que “forçadas”. Esses acidentes, denominados por Lacan de formações do inconsciente, são as formas pelas quais o inconsciente se manifesta, os desejos recalcados afloram, fazendo emergir a verdade do sujeito, oculta tanto para os outros quanto para ele mesmo. É nesse contexto que os psicanalistas afirmam que os atos falhos têm função de verdade, evocando o ensinamento de Lacan segundo o qual verdade, em Psicanálise, é presença de inconsciente na fala. Brincando um pouco com as palavras, posso dizer que é na falha da fala que o inconsciente se revela, que o sujeito é “flagrado” e se trai.

    É aí, também, que os determinantes dos sintomas se manifestam. Nesse sentido, as sentenças dos juízes constituem, não poucas vezes, alusões e referências aos sintomas desses juízes. Se desviarmos um pouco o olhar do conteúdo manifesto da sentença, isto é, da sua dimensão de enunciado, e o pousarmos na dimensão de enunciação, ou seja, o lugar simbólico a partir do qual o enunciado é emitido, muito podemos apreender da posição subjetiva em que o juiz se coloca (mesmo que inconscientemente, e neste caso a coisa tem ainda mais força) ao proferir a sentença. A questão a considerar aqui é a seguinte: que posição de sujeito torna possível esse discurso?

    Trata-se, fundamentalmente, de uma posição de arrogância, própria de um sujeito que, encarnando visceralmente a função de “justiceiro”, identificando-se inteiramente com ela, se sente autorizado a impor a sua convicção – e a condenar com base nessa autorização –, não hesitando, quando lhe parece necessário para a consecução de tal propósito, em espezinhar os princípios e garantias constitucionais e processuais, como, por exemplo, o princípio da presunção de inocência, a observância do devido processo legal, o direito à ampla defesa e ao contraditório, que são verdadeiras “cláusulas pétreas” da cidadania numa sociedade democrática.

    Em síntese, quando a lei lhe parece um obstáculo à aplicação daquilo de cuja justiça ele tem certeza, ele simplesmente “cria” uma lei específica para aquele caso e aplica a sua justiça. Chegou mesmo a criar a figura de uma “propriedade de fato”, inexistente na legislação, mas que ele viu materializada na circunstância, para ele decisiva, de que o apartamento do Guarujá estava “reservado desde o início” para Lula e sua família e que por essa razão havia sido reformado pela construtora OAS, e utilizou essa criação como um dos principais fundamentos “fáticos” da condenação. Sempre em nome do Bem, é claro…

    E o fez respaldado na propaganda da grande mídia e no maciço apoio daí resultante que ele cultiva junto à opinião pública, que o enxerga como um herói nacional, e também amparado na cumplicidade de instâncias superiores do Judiciário, a começar pelo Supremo Tribunal Federal, que tem validado vários dos seus abusos, dando a impressão, não raras vezes, de fazê-lo por falta de coragem e de firmeza para assumir posições contramajoritárias.

    Esse apoio ao avanço de julgamentos penais de exceção encontrou um de seus mais escandalosos exemplos quando o Tribunal Regional Federal da 4ª Região validou, em 22 de setembro de 2016, com apenas um voto em contrário, medidas abusivas e excepcionais tomadas pelo juiz Sérgio Moro, dentre as quais o ilegal vazamento para a imprensa de conversa telefônica entre a então presidenta Dilma e o ex-presidente Lula, além do grampeamento dos telefones de escritórios de advocacia e da admissão como provas de elementos obtidos ilegalmente.

    Em texto publicado não muito depois de tão esdrúxula e perigosa decisão do TRF da 4ª Região, afirmei que “para tal decisão, o Tribunal baseou-se na premissa de que a operação Lava Jato não precisa seguir as regras dos processos comuns, e empregou, como fundamentos de tão insólito entendimento, argumentos que não encontram guarida na ordem jurídica vigente, nem tampouco sustentação ética consistente, como os de que vivemos uma ‘situação inédita’ que exige ‘soluções inéditas’, o que tornaria admissíveis ‘métodos especiais de investigação’ e ‘remédios excepcionais’” (2).

    Trata-se, evidentemente, da convalidação da posição perversa de um juiz que confunde o ato de julgar com o de legislar e não se acanha de julgar com base em provas que ele mesmo produz ou ajuda a produzir. E como acontece em toda posição perversa, há uma arbitrária imposição de limites para os outros e ao mesmo tempo uma supressão de todos os limites para os seus próprios atos. Isso transparece no item 961 da sentença, quando o juiz afirma que “prevalece, enfim, o ditado ‘não importa o quão alto você esteja, a lei ainda está acima de você’ (uma adaptação livre de ‘be you never so high the law is above you’)”. Moro parece nem desconfiar de que, nessa passagem, ele deixa escapar, implicitamente, que “você” é sempre o outro, o acusado , o réu, não o juiz que, no caso, não se considera abaixo da lei pela simples razão de ter – se identificado com ela.

    Em vários trechos de sua sentença, o juiz Moro se utiliza de um discurso denegatório que tem valor de ato falho. Freud introduziu o conceito de “denegação” (Verneinung) para designar aquelas situações em que o sujeito tenta afastar uma representação que de repente lhe ocorre, enunciando – a sob forma negativa, uma maneira de “repúdio, por projeção, de uma ideia que acaba de ocorrer” (3), um mecanismo de defesa que consiste em projetar para o exterior do sujeito um conteúdo que lhe é interior. Freud diz que a denegação é uma Aufhebung do recalque, que ao mesmo tempo traz à tona o conteúdo recalcado e mantém o essencial do recalque.

    Um dos exemplos que ele dá, e que se tornou famoso, é o de quando um sujeito diz em análise: “O senhor pergunta quem pode ser a pessoa no sonho. Não é a minha mãe”. Freud indica que a regra técnica a observar em tal caso é a de simplesmente suprimir a negativa e acolher apenas o conteúdo da declaração: “Então, é a mãe dele” (4).

    Como o espaço que me resta para concluir é extremamente exíguo, limito-me a apontar duas passagens da sentença em que Moro, rebatendo associações que a ele mesmo iam ocorrendo, utiliza um discurso visivelmente denegatório que, na tentativa de encobrir, acaba por escancarar pensamentos e sentimentos inconscientes que revelam o “conteúdo latente” que sobredetermina a sentença condenatória.

    Uma dentre inúmeras situações dessa espécie ocorre quando, no item 961 de sua sentença, após ter dedicado no início longas páginas para defender-se de acusações de abusos e falta de imparcialidade e para tentar demonstrar que não é suspeito para julgar Lula, Moro afirma que “por fim, registre-se que a presente condenação não traz a este julgador qualquer satisfação pessoal, pelo contrário”. Ora, o fato inusitado de um juiz sentir a necessidade de falar de seus próprios sentimentos, declarando, na sentença, que a decisão não lhe traz satisfação pessoal, é um eloquente indicativo de que ele primeiro (consciente ou inconscientemente, pouco importa neste contexto) admitiu experimentar, sim, essa satisfação, para em seguida negá-la sem observar ou pouco se importando com o fato de que existe uma afirmação anterior, implícita na negação. O adendo “pelo contrário” é o índice da denegação, “um certificado de origem, como se fosse um ‘made in Germany’” (5), como diz Freud. Basta, no caso, seguir a regra técnica que Freud indica e eliminar a partícula negativa, para que a satisfação denegada se revele como a causa oculta e determinante do desfecho da sentença. Essa denegação é forte candidata a vir a compor uma futura antologia de atos falhos reveladores das verdadeiras motivações de sentenças judiciais…

    Outra revelação de “conteúdo latente” da sentença ocorre quando o juiz, para fundamentar a sentença condenatória, se baseia, não em atos ilícitos comprovadamente praticados pelo acusado, como manda a lei, mas em avaliações de sua conduta e postura durante o desenrolar do processo e em declarações públicas por ele feitas. Com isso, o juiz se aproxima temerariamente de um direito penal de autor, em que o sujeito não é julgado pelo que fez, mas pelo que é, ou pelo que parece ser aos olhos do julgador.

    No item 958 da sentença, por exemplo, Moro afirma que, em sua defesa, Lula, orientado por seus advogados, tem adotado:

    “táticas bastante questionáveis, como de intimidação do ora julgador, com a propositura de queixa-crime improcedente, e de intimidação de outros agentes da lei, Procurador da República e Delegado com a propositura de ações de indenização por crimes contra a honra. […] Tem ainda proferido declarações públicas no mínimo inadequadas sobre o processo, por exemplo sugerindo que se assumir o poder irá prender os Procuradores da República ou Delegados da Polícia Federal. […] Essas condutas são inapropriadas e revelam tentativa de intimidação da justiça, dos agentes da lei e até da imprensa para que não cumpram o seu dever”.

    Moro vê aí “atos de hostilidade” contra os agentes da Justiça. Ainda que verdadeiros os conteúdos de tal afirmação, as declarações de Lula não são, por si sós, delitos prévia e expressamente tipificados no ordenamento penal, não podendo constituir, por isso mesmo, base para uma condenação. Além disso, propor ações em juízo é direito inalienável do cidadão, não podendo gerar consequências penais a não ser nos casos de litigância de má-fé e outros expressamente determinados por lei.

    Dando-se ou não conta disso, Moro se deslocou do lugar de juiz (lugar de imparcialidade, portanto) para o lugar de um contendor ou oponente do réu. Havia todo um fundo de verdade naquelas revistas de circulação nacional que estamparam em suas capas, na mesma semana, Moro e Lula como pugilistas ou gladiadores em plena luta… O juiz chega mesmo a reprovar, na sentença (item 795), o fato de que Lula, quando presidente, não promoveu emenda no sentido de desconsiderar a exigência constitucional de trânsito em julgado da sentença condenatória para o início do cumprimento da pena, bem como de não ter tentado reverter a jurisprudência então dominante no STF sobre a matéria.

    Essas considerações evidenciam que a sentença condenatória e a fixação da pena (alta o suficiente para garantir o início do cumprimento em regime fechado) obedeceram a critérios subjetivos do juiz, o que configura flagrante erro técnico.

    • Psicanalista. Professor universitário nas áreas de Filosofia do Direito e Filosofia Política. Membro fundador do Núcleo de Direito e Psicanálise do Programa de Pós-Graduação em Direito da Universidade Federal do Paraná.

    Referências

    1 MARQUES NETO, Agostinho Ramalho. “O Juiz como Protagonista do Espetáculo: a Paranoia como Metáfora para Pensar essa Posição”. IN: PRONER, Carol; CITTADINO, Gisele; TENENBAUM, Marcio & RAMOS FILHO, Wilson (organizadores). A Resistência ao Golpe de 2016. Bauru: Canal 6, 2016, p. 21

    2 http://emporiododireito.com.br/limites-a-atuacao-do-juiz

    3 FREUD, Sigmund. “A Negativa” [1925]. IN: FREUD, Sigmund. Edição Standard Brasileira das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud. Tradução de José Octavio de Aguiar Abreu, sob a direção-geral de Jayme Salomão. Rio de Janeiro: Imago, 1976, v. XIX, p. 295.

    4 Id. Ibid., v. XIX, p. 295

    5 Id. Ibid., v. XIX, p. 297

    Notas

    1 Esse artigo faz parte do livro “Comentários a uma Sentença Anunciada: o Processo Lula”. Para baixar o livro completo: https://drive.google.com/file/d/1T_TFknjaV5gVkgsGRg_bp0vlYQbmRfGO/view

    2 Essa matéria recebeu o selo 043-2018 do Observatório do Judiciário.

    3 Para ler outras matérias do Observatório do Judiciário:
    https://jornalistaslivres.org/categoria/observatorio-do-judiciario.

  • Como o PT e os advogados permitiram que se chocasse o ovo da serpente

    Como o PT e os advogados permitiram que se chocasse o ovo da serpente

     

    por Luis Nassif

    Os grandes escritórios de advocacia norte-americano têm investigadores privados contratados por eles para investigações independentes. Há uma desconfiança fundamentada com as investigações da policia e da promotoria, que quase sempre têm viés condenatório.

    É surpreendente que essa prática não tenha se estendido aos grandes escritórios de advocacia nacionais, especialmente quando a AP 470 escancarou a parcialidade da Procuradoria-Geral da República.

    Dia desses, o Extra publicou reportagem sobre um casal que decidiu investigar por conta própria o indiciamento do filho no Rio de Janeiro. Sozinhos, pai e mãe conseguiram imagens de vídeo que contradiziam as versões da polícia.

    Por tudo isso, jamais entendi o caso Visanet.

    Quando estourou o “mensalão”, em meio à barafunda de indícios, delações e o escambau, eu tinha apenas uma certeza: não houve desvios da Visanet. E o caso Visanet foi a espinha dorsal que permitiu à Procuradoria-Geral da República enquadrar o inquérito na modalidade organização criminosa e estender as ilações para dentro do governo.

    Minha certeza era baseada em indícios muito concretos. O marketing do Banco do Brasil tinha profunda implicância com Pizolatto. Depois, soube que o próprio Secretário de Comunicação Social, Luiz Gushiken também tinha desconfianças. Mas, os técnicos do marketing diziam que não tinha havido desvios porque, ao contrário da Petrobras, o BB dispunha de modelos eficientes de governança.

    Depois, um diretor do BB me passou a informação definitiva. Para abater os gastos de campanha do balanço, a Visanet precisava comprovar que os gastos foram realizados. Foi contratado, então, o respeitabilíssimo escritório Pinheiro Neto que atestou a comprovação de R$ 73 milhões da verba de R$ 75 milhões do marketing. Os R$ 2 milhões restantes não eram desvio, mas simplesmente despesas ainda não comprovadas – com fotos e documentos dos eventos patrocinados. O dinheiro foi gasto com a Globo, com a Abril e com patrocínios de eventos, todos devidamente documentados.

    Nem se diga o fato da Visanet não ser uma empresa pública, mas uma sociedade entre várias instituições, entre as quais o BB.

    Há anos tenho um grilo falante que sempre ameniza as críticas que tenho em relação ao Ministério Público Federal. E ele me dizia: não é possível, pois o inquérito passou por vários procuradores confiáveis, por dois Procuradores Gerais (Antonio Fernando de Souza e Roberto Gurgel) e pelo Ministro Joaquim Barbosa, ex-procurador da República. Cada vez que me dizia isso, em vez de me convencer da impossibilidade da manipulação, me deixava em pânico, pela comprovação de uma conspiração em andamento.

    Mas o argumento que me deixava balançado era outro: os réus estão sendo defendidos pelos maiores escritórios de advocacia do país. Eles não deixariam passar essa questão. Bastaria uma conversa com a diretoria do BB para saberem do trabalho da Pinheiro Neto que desmontaria definitivamente a acusação.

    Não houve nada disso. Nem mesmo depois das informações que demos aqui, no GGN, mencionando o tal trabalho. Havia também um inquérito da Polícia Federal que confirmava a não ocorrência de desvios. Mas Joaquim Barbosa manteve o inquérito sob sigilo, longe do alcance da defesa. E os advogados se limitaram a espernear, para ter acesso ao inquérito.

    Na entrevista com José Dirceu, indaguei a respeito disso. E ele admitiu que, apenas quando o inquérito da PF foi divulgado, com o sigilo quebrado pelo sub-relator Ricardo Lewandowski, os advogados conseguiram comprovar a falsidade da acusação. Mas, àquela altura, a sorte estava lançada.

    Com essa postura passiva, os advogados deixaram livres, leves e soltos, o Ministério Público e setores da Polícia Federal para construírem suas narrativas livremente, com o apoio acrítico da imprensa.

    Pior, a AP 470 foi uma graça divina, ao alertar o governo, com toda a estridência, do espírito conspiratório que se instalara na PGR, e, mais que isso, a metodologia de parceria com a mídia. Em vez dos factoides inverossímeis, do período anterior, a mídia tinha agora factoides oficiais, chancelados pela PGR e pelo Supremo. O efeito foi arrasador. Não se derrubou o governo devido à genialidade de Lula com a crise internacional, dois anos que o consagraram como um dos grandes estadistas mundiais.

    Mas a serpente continuava sendo alimentada diariamente pela mídia e os conspiradores continuavam infiltrados na máquina pública.

    Era nítido que haveria uma segunda rodada quando a economia vacilasse, conforme alertávamos aqui, em 2012. Mas o PT e os governos Lula e Dilma, não dispunham de nenhuma visão prospectiva sobre os fundamentos da conspiração. Mesmo com a comprovação da conspiração, envolvendo PGRs e Ministros do Supremo, trataram com absoluta leniência as nomeações de Ministros do Supremo, do STJ, o Procurador Geral da República, a Polícia Federal.

    Foi a crônica da morte anunciada da democracia brasileira.

    Espero que ainda haja tempo de segurar a besta do apocalipse que se avizinha.

    Notas

    1 Texto originalmente publicado em:
    https://jornalggn.com.br/noticia/como-o-pt-e-os-advogados-permitiram-que-se-chocasse-o-ovo-da-serpente-por-luis-nassif

    2 Essa matéria recebeu o selo 042-2018 do Observatório do Judiciário.

    3 Para ler outras matérias do Observatório do Judiciário:
    https://jornalistaslivres.org/categoria/observatorio-do-judiciario.