Em nota pública, a Comissão de Defesa dos Direitos Humanos Dom Paulo Evaristo Arns – Comissão Arns, manifesta seu mais veemente repúdio à declaração do vice-presidente da República, Hamilton Mourão, em entrevista para a rede alemã Deutsche Welle, de que o Coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra foi “um homem de honra, que respeitou os direitos humanos dos seus subordinados”. As palavras do vice-presidente, que é um general reformado do Exército, não apenas desonram as Forças Armadas, como agridem a dignidade dos que padeceram nas mãos deste torturador já condenado pela Justiça.
Não é de hoje que autoridades do atual governo exaltam a figura macabra do ex-chefe do DOI-CODI do 2. Exército, em São Paulo, de cujos porões emergiram inesquecíveis relatos de terror e sadismo contra cidadãos brasileiros. Para se ter ideia da barbárie autorizada como política da Estado, entre 1970 e 1974, a Comissão de Justiça e Paz da Arquidiocese de São Paulo, liderada por Dom Paulo, patrono da Comissão Arns, reuniu mais de 500 denúncias de tortura no DOI-CODI comandado por Ustra.
Passaram-se mais de 30 anos para que, finalmente em 2008, Ustra fosse reconhecido como autor de sequestro e tortura, em ação declaratória movida pela família Telles, cujos membros puderam sobreviver para testemunhar as crueldades perpetradas por este militar e seus “subordinados”, nos porões da ditadura.
Hoje e sempre, serão inaceitáveis homenagens a este violador da Carta Constitucional de 1967/9, do Código Penal Militar de 1969 e das Convenções de Genebra de 1949, como documentado no Relatório da Comissão Nacional da Verdade (CNV).
Ao proferir tais elogios, Hamilton Mourão conspurca, de saída, a honra dos militares brasileiros. Ao fazê-lo na condição de vice-presidente, constrange a Nação e desrespeita a memória dos que tombaram sob Ustra. E, ao insistir em reverenciar o carrasco, fere mais uma vez o decoro do cargo em que foi investido sob juramento de respeitar a Constituição. É ela que nos ensina: “Tortura é crime inafiançável, insuscetível de graça ou anistia”.
São Paulo, 9 de outubro de 2020.
Margarida Genevois, presidente de honra da Comissão Arns José Carlos Dias, presidente da Comissão Arns, ex-coordenador da Comissão Nacional da Verdade (CNV) Paulo Sergio Pinheiro, ex-presidente e fundador da Comissão Arns, ex-coordenador da Comissão Nacional da Verdade (CNV)
Assinam conjuntamente todos os demais membros da Comissão Arns (em ordem alfabética):
Ailton Krenak André Singer Antonio Claudio Mariz de Oliveira Belisário dos Santos Jr. Claudia Costin Dalmo de Abreu Dallari Fábio Konder Comparato José Gregori José Vicente Laura Greenhalgh Luiz Carlos Bresser-Pereira Luiz Felipe de Alencastro Manuela Carneiro da Cunha Maria Hermínia Tavares de Almeida Maria Victoria de Mesquita Benevides Oscar Vilhena Paulo Vannuchi Sueli Carneiro Vladimir Safatle
Este ano as atividades da Jornada de Luta Contra Tortura tiveram que ser feitas online. A últimas semanas foram marcadas por atos no mundo todo contra o racismo e a violência policial, depois da morte por tortura de um homem negro, o asfixiamento de George Floyd, nos Estados Unidos. Mesmo a enorme mobilização das redes para o assunto #VidasNegras Importam, na semana seguinte noticiamos a morte de mais um jovem negro, Guilherme Silva Guedes de 14 anos, vítima de tortura por agentes policiais em São Paulo. É por isso, que a Jornada de Luta contra Tortura é fundamental, e precisa ser renovada todo ano, principalmente no Estado de São Paulo, que tem a policia que mais mata.
A Jornada reúne diversos movimentos sociais que articulam ações de conscientização ao longo de três meses, até culminar num ato na praça da Sé no dia 26 de junho, Dia Internacional de Proteção às Vítimas de Tortura e Tratamento Degradante, instituído pelas Nações Unidas.
LEIA ABAIXO o MANIFESTO:
JORNADA DE LUTA CONTRA A TORTURA E EM DEFESA DOS DIREITOS HUMANOS
NÓS QUEREMOS RESPIRAR!
Vivemos no Brasil um período sombrio. Autoridades públicas brasileiras, fazendo uso e abuso das suas funções, perpetuam, sem nenhum constrangimento, violações de direitos humanos.
Desde a última ditadura civil-militar, a frágil democracia brasileira foi incapaz de superar os males de origem do país como o genocídio dos povos indígenas, da população negra e dos pobres nos campos, florestas e periferias brasileiras.
O Judiciário continua sendo a mão de ferro do encarceramento em massa. Enquanto o Brasil ocupa a sétima posição global em desigualdades, quase 800 mil pessoas encontram-se encarceradas. O Brasil é o terceiro país que mais encarcera no mundo. E o Estado de São Paulo é o que mais encarcera no país. Em todas as unidades de privação de liberdade espalhadas pelo país, homens e mulheres pobres e negros, incluindo adolescentes e unidades de destinadas a saúde mental, a tortura é praticada como método de controle da população encarcerada.
As chacinas e execuções sumárias impregnam as periferias e os noticiários do país e a tortura permanece sendo o método sistemático das polícias para incriminar, obter confissões forçadas, forjar provas, inclusive para criminalizar diversos movimentos e organizações sociais e populares que lutam contra este estado de violações de direitos humanos.
Gestores e agentes do Estado têm vindo a público estimular impunemente arbítrios praticados por policiais e autoridades ligadas à segurança pública.
A “guerra às drogas” declarada pelo Estado só fez aumentar a prática da tortura, o encarceramento em massa, a execução sumária e as chacinas. Somente no primeiro quadrimestre de 2020, 381 pessoas foram assassinadas por policiais militares e civis em São Paulo. As audiências de custódia, que visavam fazer os juízes verificarem se torturas, maus-tratos e arbitrariedades foram cometidas no momento da prisão, não têm dado resultado porque a maioria dos juízes não interroga o preso de modo que ele possa denunciar se foi torturado.
As “bancadas da bala” que atuam nos legislativos incentivam o “linchamento” dos povos indígenas, negros, LGBTs, ampliando o ódio contra os mais pobres. Querem mais armas para matar mais jovens negros nas periferias.
Juízes e policiais, bem como uma parte da população é imobilizada diariamente assistindo programas televisivos que estimulam o medo social, apóiam a tortura como método de vingança. Mas vingança não é justiça!
A tortura é uma prática herdada da colonização, aprimorada ao longo do período de escravização da população negra e que se estende até os dias atuais, entranhada, inclusive, na mentalidade de parte significativa dos órgãos de controle do Estado.
Neste momento de agressiva desigualdade e empobrecimento da maioria da população, o resultado será mais pessoas vulneráveis à perseguição e à violência policial. Terreno fértil para o uso da tortura praticada pelos agentes do Estado como uma perigosa arma de controle social, seguida pelas execuções sumárias, chacinas e o encarceramento em massa.
Preocupados com a prática sistemática da tortura e da violência dos agentes do Estado, especialmente policiais, somamos esforços com outras mobilizações pelo mundo que colocam o racismo como pilar estrutural das violações de direitos humanos e arbítrios do Estado, exigimos: basta de tortura neste 26 de Junho – Dia Internacional de Apoio às Vítimas da Tortura. Nós queremos respirar!
Exigimos, mais uma vez, que a Assembléia Legislativa do Estado de São Paulo e o Governo do Estado de São Paulo dêem demonstrações efetivas de que não são coniventes nem apoiam a tortura e a violência praticada pelos agentes do Estado, criando e implementando o Comitê e o Mecanismo de Prevenção e Enfrentamento à Tortura no Estado de São Paulo, com plenas condições de atuação, além de independência e autonomia, de acordo com o Projeto de Lei nº 1257/2014, em conformidade com o Sistema Nacional de Prevenção e Combate à Tortura (Lei nº 12.847/2013) e a obrigação assumida internacionalmente pelo Brasil no momento da ratificação da Convenção da ONU Contra Tortura e Outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanos ou Degradantes (Decreto nº 40/1991) e seu Protocolo Facultativo (Decreto nº 6.085/2007), reiteradamente cobrada pelos organismos internacionais.
Ao criar o Comitê e o Mecanismo de Prevenção e Enfrentamento à Tortura, o Estado de São Paulo dará um importante passo na proteção dos direitos humanos.
A TORTURA NÃO É COMPATÍVEL COM A DEMOCRACIA!
São Paulo, 26 de junho de 2020.
Com o intuito de mobilizar as pessoas que acompanham os Jornalistas Livres para a questão, e usando o recurso das entrevistas ao vivo, durante o mês de Junho, trouxemos diversos convidados, inicialmente usando o espaço do programa VOZ ATIVA que é apresentado por Ruivo Lopes.
ABRIMOS A JORNADA:
No dia 5 de junho, conversamos com Adriano Diogo, coordenador Nacional dos Direitos Humanos do PT, ex-Deputado Estadual, responsável, entre outras coisas, pela criação do SOS Racismo e da Comissão da Verdade do Estado de São Paulo- Rubens Paiva, que apuraram os crimes dos agentes do estado que ocorreram durante a Ditadura Militar.
No dia 12 de junho contamos com presença de diversos ATIVISTAS DA REDE DE PROTEÇÃO E RESISTÊNCIA AO GENOCÍDIO numa entrevista coletiva sobre OS BRASIS QUE(M) MATA E QUE(M) MORRE.
Dia 19 Junho conversamos sobre DIREITOS HUMANOS NA IMPRENSA BRASILEIRA, com o jornalista Flavio Carrança, diretor do Sindicato dos Jornalistas no Estado de São Paulo e coordenador da Comissão de Jornalistas pela Igualdade Racial; o jornalista Fausto Salvadori, editor do portal Ponte – Jornalismo e Direitos Humanos; e a também jornalista, Cecilia Bacha, editora dos Jornalistas Livre.
Esta semana (21 a 26 de junho) intesificamos as conversas, abordando em duas entrevistas ao vivo o tema do MECANISMO DE PREVENÇÃO E COMBATE À TORTURA. Primeiro no dia 23 de junho, conversamos com Arnobio Rocha da Comissão de Direitos da OAB-SP, Fernando Ferrari codeputado estadual da Bancada Ativista do PSOL e Lucas Paolo do Instituto Vladmir Herzog.
E hoje, 25.06 pudemos falar mais sobre o assunto com Adriano Diogo e Mateus Moro, defensor Público do Estado de SP, Coordenador do Núcleo Especializado de Situação Carcerária da DPE/SP, Membro do Comitê Nacional de Prevenção e Combate á Tortura e Mestre em Adolescente em conflito com a lei, e Sylvia Dinis Dias, Assessora Jurídica Sênior e Representante da Associação para a Prevenção da Tortura (APT) no Brasil Sylvia também trabalhou também para ONGs nos Estados Unidos prestando assistência jurídica para mulheres e crianças vítimas de violência e desenvolvendo campanhas de conscientização pública sobre igualdade de gênero e violência baseada no gênero.
Amanhã para encerrar a Jornada convidamos Regina Lucia dos Santos, do Movimento Negro Unificado, e Angela Mendes de Almeida, do Coletivo Merlino, para uma conversa sobre QUEM TORTURA E QUEM É TORTURADO NO BRASIL. NÃO PERCA!
O Ato na Praça da Sé em São Paulo, sempre contou a com a participação do público, que com o microfone aberto, faz falas sobre as dificuldades e injustiças que sofrem ou já sofreram no seu território.
Veja a cobertura #aovivo feita no ato do ano passado:
“Assistir a esse Policial sufocar George Floyd com o joelho no pescoço dele, algemado e indefeso, gritando por sua vida, com o rosto no chão, é a coisa mais repugnante e comovente que eu vi em muito tempo. Esse policial sabia que estava sendo filmado e mesmo assim assassinou [George Floyd] com arrogância e orgulho.
Isso tem de parar! Até que nós consigamos superar o Racismo na América, ninguém deveria poder portar uma arma na rua. Acima de tudo policiais.
Deus abençoe vc, George Floyd. Lamento muito por vc e pela sua família. E por todos os assassinatos sem sentido que aconteceram antes de vc. Será que isso vai terminar? Eu rezo a DEUS que acabe um dia.
Até lá, foda-se a Polícia!
É, eu disse isso. Eu não estou interessada em ser politicamente correta. Estou interessada em Justiça.”
Foi assim que Madonna protestou, nas redes sociais, contra o assassinato, nesta segunda-feira (25/5) de George Floyd, negro, 46 anos, por um policial de Minnesota, quando já estava rendido, algemado e jogado no chão. (Veja vídeo abaixo)
Um vídeo divulgado nas redes sociais mostra um policial ajoelhado sobre o pescoço de Floyd, enquanto ele suplica várias vezes: “Não consigo respirar”, “não consigo respirar”, “não consigo respirar”… Inútil. A agonia da vítima dura longos minutos: o policial apertando o joelho no pescoço no Floyd, os observadores pedindo para o agente que pare, os demais policiais garantindo que os populares não se aproximem e que o assassino siga torturando. Até que Floyd morre.
Floyd havia sido detido por suspeita de tentar passar um cheque frio em uma loja. Ele foi algemado e jogado no chão, quando o policial monstruoso resolveu posar para os celulares que filmavam a ação como um caçador sobre sua presa caída.
A cena nauseante termina com a chegada de uma ambulância. O policial retira seu joelho e o corpo de Floyd, já sem qualquer sinal de vida, é colocado em uma maca.
Em 2014, Eric Garner, morreu ao ser detido em Staten Island, Nova York. No momento da detenção, o homem queixou-se repetidamente, por 11 vezes: “Não consigo respirar”, enquanto um agente da polícia o estrangulava.
Segundo a polícia de Minnesota, Floyd morreu em decorrência de um “incidente médico”, durante uma “interação com a polícia”.
Nenhuma palavra sobre o joelho do policial, sobre asfixia, sobre a tortura e o desespero de Floyd. Os policiais envolvidos na ação foram demitidos sumariamente.
Hoje, centenas de manifestantes protestaram contra mais esse assassinato de um homem negro.
O que aconteceu em 1º de abril (e não em 31 de março) de 1964 foi um golpe de estado levado à frente por setores militares, com apoio do grande empresariado, da mídia hegemônica e suporte explícito (que poderia ser inclusive bélico, se fosse o caso) do governo dos Estados Unidos. Há uma abundância de provas documentais e testemunhais que impede qualquer historiador sério de negar esse fato. Análises e documentos históricos provam, ainda, que nunca houve uma “ameaça comunista”, nem uma “república sindicalista” e que a corrupção que havia no governo não era significativamente maior do que em qualquer outro período.
Os legados da Ditadura são igualmente incontestáveis. A extrema militarização das polícias estaduais e seu uso na tortura de dissidentes políticos moldou a atual atuação das PMs, que são as forças de segurança que mais matam em todo o mundo. A explosão da dívida pública e a hiperinflação (que chegou a 3% ao DIA) são resultado direto do “Milagre Econômico” de Delfim Netto nos anos 1970. O imenso poder das grandes empreiteiras para corromper o executivo surgiu nos esquemas milionários de superfaturamento em obras como a Ponte Rio Niterói. E os oligopólios midiáticos que temos até hoje foram construídos a partir da concessão de TV à Globo em 1964, suas afiliadas pertencentes a políticos em todo o Brasil (Família Sarney no Maranhão, Collor em Alagoas, Antonio Carlos Magalhães na Bahia…).
Se não bastasse tudo isso, ainda tivemos perseguições políticas, fechamento do Congresso, exílios, torturas, assassinatos, desaparecimentos forçados e todo pacote de autoritarismo e violação de diretos políticos e humanos que compõem uma ditadura clássica.
Essa página, contudo, jamais foi virada na história. Agora que temos o maior desafio de saúde pública mundial em 102 anos, unificar e coordenar os esforços nacionais era fundamental. Mas falta um/a homem/mulher no posto chave da presidência. O que temos prefere vender ilusões em pronunciamento de TV e comemorar um passado mentiroso de glórias ao dizer que “Oh… Hoje é o dia da liberdade”, referindo-se ao Golpe de 64. E não está sozinho! O sujeito que ocupa a vice-presidência publicou em uma rede social que “com a eleição do General Castello Branco, iniciaram-se as reformas que desenvolveram o Brasil”. Ontem, o Ministério da Defesa divulgou ordem do dia dizendo que o Golpe, que eles chamam de “movimento militar”, é um “marco para a democracia”.
Certamente esse apoio explícito a uma ditadura sangrenta como símbolo de ordem em meio às incertezas do futuro foi seguido em muitos lugares do Brasil. No Mato Grosso, por exemplo, o deputado estadual pelo PSL Sílvio Fávero, que teve uma postagem apagada pelo Instagram, denunciada por apologia a crime.
Essas manifestações levaram a notas de repúdio de diversos setores da sociedade. Um deles foi o Sindicato dos Jornalistas de Mato Grosso, que se pode ler abaixo:
VIVA A DEMOCRACIA!
HERZOG VIVE!
DITADURA NUNCA MAIS!
Neste 31 de março de 2020, completamos 56 anos do Golpe militar que resultou em 21 anos de ditadura no Brasil, 20 mil pessoas torturadas e mais de 400 mortos ou desaparecidos, conforme Comissão Nacional da Verdade.
A redemocratização ocorreu em 1985 após muita organização popular em defesa da Anistia, da Emenda pelas Diretas Já e na denúncia das torturas, perseguições e mortes a defensoras e defensores da democracia.
Se hoje temos eleições diretas para cargos públicos e a autonomia dos três poderes, ainda que com suas inúmeras fragilidades, foi porque lutamos e derrotamos a ditadura militar.
Nesta luta, centenas perderam a vida nos porões da tortura, como o jornalista Vladmir Herzog, que permanece vivo em nossa memória.
Por isso repudiamos com veemência a postura do deputado estadual pelo PSL de MT, Silvio Fávero, por manifestar seu apoio ao regime de ódio e tortura expresso pelo Golpe de 64.
Para que germes da ditadura não prosperem, dizemos em alto e bom som: ditadura nunca mais!
Viva a Democracia!
Herzog vive!
Sindicato d@s Jornalistas de Mato Grosso (Sindjor-MT)
(Gestão 2019-2020) Em defesa d@ jornalista
Outra importante instituição a protestar contra a exaltação mentirosa da Ditadura foi o Instituto Vladimir Herzog, como se vê abaixo:
O Instituto Vladimir Herzog vem a público repudiar de forma veemente a posição de membros do atual governo em relação ao golpe militar de 1964, que hoje completa 56 anos.
Em ordem do dia publicada neste 31 de março de 2020, o ministro da Defesa do Governo Federal, general do Exército Fernando Azevedo e Silva, classificou o golpe como um “marco para a democracia”. Mais tarde, o vice-presidente da República, o general de reserva do Exército Hamilton Mourão, se expressou em uma rede social dizendo que a ditadura militar promoveu “reformas que desenvolveram o Brasil”.
O atual governo, mais uma vez, manifesta uma posição absolutamente incompatível com o Estado Democrático de Direito, falseia a história e avilta o direito à memória e à verdade, previsto na Constituição.
Tal conduta não pode passar desapercebida e, por isso, nos somaremos a outras entidades para denunciar mais esta afronta à democracia a instâncias nacionais e internacionais, na expectativa de que medidas cabíveis sejam tomadas.
Definir o golpe de Estado e os 21 anos da ditadura militar como um “marco para a democracia” ou dizer que foram promovidas “reformas que desenvolveram o Brasil” é negar a gravidade dos atos cometidos durante esse período sombrio, marcado por violência, tortura, autoritarismo, corrupção, censura e gravíssimas violações de direitos humanos perpetradas contra cidadãos em todo o país.
Ao promoverem esse revisionismo histórico grosseiro e valorizarem o que aconteceu a partir de 1964, o ministro da Defesa e o vice-presidente evidenciam uma total dificuldade de compreender o esforço civilizatório e a escolha da humanidade por um futuro que conjugue liberdade, justiça, respeito e promoção dos direitos humanos, e se pavimente nos verdadeiros ideais democráticos.
Há mais de uma década, nós do Instituto Vladimir Herzog – entidade que leva o nome de um jornalista brutalmente torturado e assassinado pelas forças de repressão que sustentavam a ditadura militar – exercemos a missão de fazer com que a sociedade conheça o passado para entender o presente e construir o futuro.
Ainda hoje, no entanto, convivemos com o legado autoritário dos anos de chumbo, visível, por exemplo, na ausência de punição aos agentes públicos que perseguiram, torturaram, assassinaram e ocultaram cadáveres durante os 21 anos em que generais, passando-se por presidentes, governaram o país.
Esse legado de impunidade e autoritarismo é o que permite que agentes do Estado sigam matando, torturando e desaparecendo com corpos de cidadãos brasileiros, em sua grande maioria de pessoas pobres, pretas e periféricas.
Isso evidencia, de forma preocupante, que a tarefa de consolidar a democracia no Brasil ainda está incompleta e é indissociável da necessidade de se garantir o direito à justiça, à memória e à verdade a todos que sofreram – e ainda sofrem – com as gravíssimas violações de direitos humanos cometidas no passado e no presente.
Marco para a democracia e desenvolvimento para o Brasil será o dia em que militares – e todos aqueles que sustentaram a ditadura por longos 21 anos – reconhecerem os crimes cometidos por integrantes das Forças Armadas entre 1964 e 1985 e pedirem perdão às vítimas, seus familiares e à toda sociedade.
Marco para a democracia e desenvolvimento para o Brasil será o dia em que o Poder Judiciário – atento ao fato de que a República Federativa do Brasil se constitui em um Estado Democrático de Direito e tem como fundamento a dignidade da pessoa humana – processar e, se demonstrada a responsabilidade, punir os muitos torturadores já identificados do período.
Por tudo isso, encaramos o dia 31 de março como uma oportunidade para homenagear as crianças que foram covardemente sequestradas, as mulheres que tiveram seus familiares assassinados e desaparecidos, os pais que viram seus filhos serem torturados, indígenas, camponeses, trabalhadores e todos aqueles que foram submetidos a tanta desigualdade e precarização da vida, especialmente nas periferias e nas favelas, mas lutaram bravamente – muitas vezes sacrificando a própria vida – contra a ditadura, em defesa da democracia e de uma sociedade mais justa e igualitária.
A frase acima foi enviada por um colega a outro que tentava propor o diálogo para a resolução de um problema que estava ocorrendo em um grupo. O questionado, como jornalista, desejava apenas ouvir todos os lados, sem tomar decisões precipitadas ou virar um inquisidor. Já tinha passado pela mesma situação em anos anteriores e as consequências foram o medo e o silêncio.
A patrulha ideológica nunca o deixou respirar, ou melhor, refletir sobre o momento. Sem contar que essa tensão sempre esteve presente em diversos ambientes, da mídia ao trabalho. A discussão revelou o monstro do mal travestido de bem. O falante determinou o que era certo e, desta forma, culpou o rival pelas mazelas do mundo. “O inferno são os outros”, já dizia Sartre.
O falso profeta talvez não conhecesse o filósofo francês. Ele escolheu seus modelos em outros lugares. Com orgulho, dizia que seus líderes propunham o novo e “chutavam tudo” porque desejavam mudanças.
Seguir a tarefa foi fácil para o reaça, pois o script (para não dizer, as palavras) estava pronto. A escolha dos adversários a serem batidos, ou melhor, banidos, já estava decidida. Assim, o inquisidor fez a limpeza étnica, social, cultural, política e moral.
O inimigo foi excluído sem dó. O estímulo ao derramamento de ódio até a morte era uma constante. As pessoas que estavam no poder destruíram os adversários em comum. Em seguida, como era previsível, foram também classificadas assim e eliminadas em um ciclo interminável de perseguição.
Todos saíram machucados. O debate franco nunca foi estabelecido. Tentaram calar a boca dos sujeitos que escolheram o diálogo, mas aquela ignorância não conseguiu destruir a luta coletiva pela vida. Como muitos amigos pacifistas e adeptos da não-violência, ele estava armado de poesia. E com cultura (educação, saúde e muito amor) estava preparado para vencer o terror.
Em resposta à pergunta do começo dessa história (De que lado você está?), o jornalista reproduziu a mesma réplica ao questionamento de um velho professor de jornalismo: O LADO DA VERDADE.
Para ele, liberdade era um direito de expressão (e de imprensa). Ele realmente acreditava que a arte venceria! Pintariam o set, fariam muitas danças, exposições, shows, plantações, peças, filmes, posts e outras alegrias que ajudavam a combater a fome e a dor extra do corpo e da alma.
No final, antes da última torção, ainda ouviu uma frase do torturador: VOCÊ É MUITO INOCENTE.
Na última quarta-feira, 11, o juiz Carlos Alberto Corrêa Almeida Oliveira, da 25ª Vara Criminal de São Paulo, condenou a mais de três anos de prisão, os dois seguranças que torturam o jovem E.M.O, no supermercado Ricoy, da Avenida Yervant Kissajikian, zona sul de São Paulo.
Embora a condenação seja certa agora, na sentença não foi considerado que o crime de tortura foi praticado, somente, os crimes de cárcere privado, lesão corporal simples e “filmagem e divulgação de um adolescente pelado”. A pena total dos três crimes citados é de três anos e dez meses de reclusão, três meses e vinte dois dias de detenção e doze dias de multa.
Ao fundo o anexo do supermercado, onde o jovem foi torturado Foto: Lucas Martins / Jornalistas Livres
Depois da repercussão do vídeo, o jovem denunciou o ato que teria sido motivado pelo furto de uma barra de chocolate. Após o furto o jovem foi levado para um cubículo nos fundos do mercado, que era uma espécie de “sala de segurança”. Lá foi amordaçado e amarrado e passou mais de 30 minutos sendo chicoteado nu.
De acordo com o primeiro testemunho no inquérito policial, de autoria do segurança David ele “confessou que estava na sala de segurança” e que “ele filmava a as agressões sofridas pelo adolescente e aplicadas pelo corréu Valdir”. Já Valdir escolheu não se pronunciar. Ainda durante o inquérito, David mudou sua versão alegando que tinha pego o jovem roubando barras de chocolate e o levado para uma sala do mercado, momento em que o deixou no local com o supervisor de segurança e não viu o que aconteceu, negou, inclusive, que tivesse gravado a sessão de tortura. Depois Valdir assumiu que despiram o menino na revista e deram chicotadas para reprimilo por ter pego a barra de chocolate sem pagar. David o acompanhava.
A sentença
O juiz Carlos Alberto Corrêa Almeida Oliveira reconheceu que “não há dúvidas quanto à veracidade dos fatos imputados contra os acusados e a coautoria dos dois”, mas não os condenou por tortura como pedia o Ministério Público Estadual.
Para o magistrado, a lei que tipifica o ato de tortura não poderia ser utilizada no caso, uma vez que ela “ visava não atingir qualquer pessoa física que pratique um sofrimento físico e metal ao semelhante, como forma de castigo ou como de medida de caráter preventivo” e “teria uma intepretação vertical com base em uma ideia de autoridade, deixando de considerar a conduta horizontal, ou seja, de pessoas sem autoridade sobre a vítima”. A lei 9.445 de 1997 é a que regula o que se considera tortura no Brasil e deixa clara que:
“Constitui crime de tortura: I – constranger alguém com emprego de violência ou grave ameaça, causando-lhe sofrimento físico ou mental: a) com o fim de obter informação, declaração ou confissão da vítima ou de terceira pessoa; b) para provocar ação ou omissão de natureza criminosa; c) em razão de discriminação racial ou religiosa;” e no ainda destaca, no parágrafo quarto que “Aumenta-se a pena de um sexto até um terço: I – se o crime é cometido por agente público”
Mais adiante na sentença Carlos Alberto menciona que “a inércia do Estado pode levar à violência, em face do abandono de pessoas que se tornam criminosas, como pela reação das vítimas que não acreditam no Estado e reagem, desproporcionalmente, contra os criminosos passando a se tornarem criminosos também” e considera que “não ocorreu crime de tortura, uma vez que as agressões infringidas ao menos não foram com a finalidade de obter informações e também não forma aplicadas por que estava na condição de autoridade, guarda ou poder”.
O Ministério Publico já recorreu, na última sexta, 13.
Reações
Luana Vieira, do coletivo Uneafro, entende que a sentença está incorreta
“a tortura é a imposição de dor física, psicológica por prazer, crueldade, é um delito imprescritível e Inafiançável, como trás o Artigo 5º inciso XLIII da Constituição Federal, é um delito equiparado a crime hediondo. A Tortura independente de seu resultado existe apenas pelo ato de se causar sofrimento a alguém. O menino estava, sim, sob poder e autoridade desses agressores, sob responsabilidade do mercado e essa agressão foi utilizada como castigo em razão dos acontecimentos que o jovem estava sendo acusado” e aponta que “esses agressores deveriam estar sendo condenados a uma pena extremante severa e rígida, e seu cumprimento em regime fechado. O processo tem que retornar ao Ministério Público , para que se tenha uma nova definição jurídica e uma interpretação sobre o desfecho criminoso que ocorreu no supermercado Ricoy , não podemos aceitar essa decisão , não podemos naturalizar o genocídio e extermínio da população preta e pobre, matar , hostilizar e torturar corpos negros está cada dia mais legitimado pelo estado, na periferia a ação da polícia sempre foi truculenta e racista , a periferia , em especial os jovens que vivem dentro dela, são diariamente criminalizados e reduzidos a um estereótipo de criminosos, que, por sua vez resultam em ações violentas e repressivas por parte de um Estado que sua função seria de garantir a sua proteção, e não de extermina-los”
“Ele estava sim, sob o poder e autoridade dos agressores. Então devemos lamentar que o judiciário não considere ou não interprete adequadamente a lei para crimes de tortura, que não se aplica apenas em casos de agentes públicos, mas também em casos de agente privados. Principalmente aqueles que tem algum tipo de relação de poder, como no caso desses seguranças”. Opinião do advogado Constitucionalista, especializado na defesa de direitos da criança e do adolescente, Ariel de Castro
Numa das manifestações realizadas no bairro, em protesto ao fato, a rede Jornalistas Livres conversou com moradores do entorno da unidade do Ricoy, naAv. Yervant Kissajikian e ouviu de muitos a revolta com a violência sofrida pelo garoto, misturada com o medo das organizações criminosas que comandam o tráfico de drogas na região. Segundo moradores, esse tipo de ação de tortura acontece há muitos anos no mercado, mesmo antes de ser chamado de Ricoy. Há notícias que a rede se chamava Baratani e que há muitos anos atrás, registrou no bairro ocorrência muito parecida com a de E. M. O e que por isso, teve que mudar de nome, passando a se chamar Ricoy.
Fizemos diversas tentativas de conversa com o proprietário da rede Ricoy, que possui cerca de 49 lojas, mas não obtivemos sucesso. O protesto citado nesta reportagem, contou com cerca de 10 mil manifestantes.