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  • Tortura: os campos de concentração do estado do Pará

    Tortura: os campos de concentração do estado do Pará

    Este é Patrick Macedo Ramos Paiva de 33 anos. Em uma das fotos ele está com a saúde normal e seus 65 quilos habituais. A outra foto retrata o mesmo Patrick, depois de sair da Colônia no dia 04 de maio deste ano, uma das unidades prisionais em Santa Isabel, onde se encontra o Presídio de Americano no Estado do Pará.

    Por João Paulo Guimarães, dos Jornalistas Livres

    Patrick, sobrevivente aos maus tratos no Estado do Pará. Foto: João Paulo Guimarães
    Patrick, sobrevivente aos maus tratos no Estado do Pará. Foto: João Paulo Guimarães

    “Não há no nosso protocolo tortura e espancamento. Não é esse o nosso protocolo. Nós temos hoje um protocolo que garante como nunca dignidade ao preso.” Jarbas Vasconcelos – Secretário de Administração Penitenciária

    O uso feito, pelo Secretário de Administração Penitenciária, da palavra “dignidade”, em uma entrevista ao vivo para o TeleJornal Bom Dia Pará, não é apropriado para a realidade na qual o sistema carcerário do Pará vive. A barbárie, a tortura, a privação dos direitos básicos e o assédio a profissionais do sistema penitenciário, assim como aos advogados dos reclusos, se transformaram em política pública no Estado do Pará, sancionada pelo Governador Hélder Barbalho.

    Patrick foi preso por dois assaltos. Um dos assaltos foi em uma escola na Ilha de Mosqueiro. Desse, Patrick assume a autoria. O outro assalto, à casa de um policial militar, ele nega. Diz que foi coagido a assumir. Pegou 13 anos. Já estava preso há quatro anos e dois meses e lhe faltariam apenas 15 meses para que alcançasse a liberdade condicional. Patrick cumpria pena na Cadeia da Vila em Mosqueiro quando foi transferido para a Colônia em Americano, onde ficou por um ano e oito meses.

    No dia 15 de fevereiro foi constatado que Patrick adquiriu pneumonia. O quadro evoluiu para a tuberculose. Ele conta que havia feito um teste para trabalhar na área externa do presídio como “roçadeiro” e passou, mas no exame final a médica constatou que ele não poderia trabalhar devido à perda exagerada de peso.

    O detento não recebia medicamentos baratos como o sulfato de salbutamol, que funciona em quadros de asma, bronquite ou enfisema pulmonar, nem tampouco um simples Tylenol, analgésico para febre ou dores de cabeça. Foi internado em Castanhal e dois dias depois saiu para tratamento domiciliar.

    Ao sair, Patrick não foi pesado. Agentes avisaram-no que conheciam sua família e que se falasse algo sobre como foi tratado lá dentro eles saberiam onde encontrá-lo.

    Patrick, sobrevivente aos maus tratos no Estado do Pará. Foto: João Paulo Guimarães
    Patrick, sobrevivente aos maus tratos no Estado do Pará. Foto: João Paulo Guimarães

    Patrick conta que ainda vive sob o terror psicológico constante mesmo dentro de casa. O medo de, ao acordar, ser mandado de volta para o Presídio de Americano, a lembrança das torturas e situações que ocorriam antes dos Procedimentos (ações executadas pelos agentes prisionais para se certificar de que os reclusos não estejam portando armas brancas ou celulares), tudo isso aterroriza Patrick. Nos procedimentos, os presos são obrigados a ficarem nus, sentarem no chão com as mãos na cabeça, de pernas abertas para que cada preso na fila fique encaixado no outro, dificultando ações com movimentos rápidos, de modo a aumentar a segurança dos agentes.

    “Lá, eles batiam nas celas com as armas, acordavam a gente de madrugada, entravam nas celas de quatro a cinco horas da manhã já com bomba de efeito moral e spray de pimenta. Alguns presos se defendiam com o colchão e esses que se defendiam eles tiravam da cela e batiam mais. E então ficava todo mundo nu concentrado num campo. Todos os pavilhões. Um colado no outro. Toda essa violência pra tomar café às seis e meia. Diziam que não era pra olhar para eles senão a gente ia apanhar. Todo o tempo eram ameaças.”

    Patrick terá de fazer pelo menos seis meses de tratamento para recuperar a saúde e seu advogado vai tentar conseguir um laudo médico para que ele não retorne à detenção. Em sua casa, Patrick conta que dormia no chão do corredor das celas, onde existe uma enorme população de ratazanas. Como esses roedores transmitem a leptospirose, essa é uma doença muito comum entre presos e agentes. Ele também conta que eram 240 presos só em uma das celas, dormindo sem colchão e na maioria das vezes com o chão molhado. A capacidade de cada cela é de 160 presos.

    Patrick, sobrevivente aos maus tratos no Estado do Pará. Foto: João Paulo Guimarães
    Patrick, sobrevivente aos maus tratos no Estado do Pará. Foto: João Paulo Guimarães

    Torturas no sistema prisional do Pará

    A tragédia de Patrick, infelizmente, é vivida cotidianamente pelos cerca de 20 mil detentos do Pará. Para que se tenha uma idéia, o Estado detém um recorde sinistro: lá os presos morrem 5 vezes mais que média verificada em presídios do país. Em julho de 2019, uma rebelião no presídio de Altamira acabou com 58 detentos mortos, boa parte esquartejada e degolada.

    Na origem dessa situação de violência estão a tortura, a privação dos direitos básicos e o assédio a profissionais do sistema penitenciário, assim como aos advogados dos reclusos. Segundo a revista eletrônica Consultor Jurídico, advogadas de presos têm sito obrigadas a se submeter a revista íntima como pré-condição para que entrem na carceragem para atender a seus clientes. Para piorar, os defensores não têm conseguido nem sequer se reunir reservadamente com os presos, já que são obrigados a se encontrar com eles em locais abertos, cercados por agentes penitenciários.

    À Consultor Jurídico, Viviane de Souza das Neves, uma das denunciantes da revista íntima das advogadas, afirmou que imposições absurdas como essa estão sendo adotadas desde que o atual secretário da Administração Penitenciária, Jarbas Vasconcelos, assumiu o posto, em janeiro de 2019. “A gestão começou a afetar diretamente as pessoas custodiadas, as famílias das pessoas custodiadas, e aqueles que frequentam as unidades prisionais, que são os advogados criminalistas”, diz. E acrescenta:

    “Não estamos mais conseguindo entrar no presídio a hora que a gente precisa, não conseguimos mais ter entrevistas com nossos clientes de forma pessoal e reservada, estamos tendo que nos submeter à revista. Estamos sendo hostilizados, tratados como braços das facções, como criminosos.”

    Por outro lado, agentes prisionais em estado probatório, uma vez aprovados em concurso estadual e feito o curso de quatro meses ministrado pelo Comando Operações Penitenciárias (COPE), são impossibilitados de assumir cargos dentro das unidades prisionais porque o secretário Jarbas Vasconcelos prefere contratar em regime de comissionamento (em confiança).

    Não é caos. É política pública anti-direitos humanos, para manter os detentos dóceis e fragilizados no intuito de se garantir a ordem e a aprovação da sociedade, que quer os presos longe do convívio sociais -custe o que custar. O governador Helder Barbalho também coloca-se, assim, a favor das diretrizes truculentas da administração no Governo Federal.

    A violência física, a tortura, a privação de sono e de alimentação, além de abusos sexuais, enquadrados como estupro, são uma realidade infernal dentro dos estabelecimentos prisionais administrados pela Secretaria de Administração Penitenciária do Pará.

    Aqui está uma lista de algumas das práticas da SEAP, lidas pela Deputada Federal Sâmia Bomfim, na Comissão de Defesa dos Direitos da Mulher em audiência pública que ocorreu na Câmara Federal:

    1. Superlotação
    2. Falta de acesso à água
    3. Falhas na assistência médica
    4. Número limitado e restrito de refeições
    5. Maus tratos a presos com transtornos mentais
    6. Espancamentos com cabos de vassoura
    7. Existência de um calabouço de tortura
    8. Uso de spray de pimenta tanto para homens quanto para mulheres (detentos e parentes apontaram a morte, por asfixia, de um interno após o uso de spray de pimenta)

    “Deus é maravilhoso”

    “Estou levando meu filho para morrer em casa” (Dona Risoneide Alvez – Mãe de Patrick)

    Dona Risoneide Alvez Ramos Paiva tem 50 anos. Perdeu recentemente o marido, mas é uma mulher simpática e alegre, mesmo vivenciando a realidade relatada aqui. A mãe de Patrick conta como foi reencontrar o filho nesse estado:

    “A última visita que fiz pra Patrick ele estava bem, tomado banho, tirado a barba e de cabelo cortado. Duas visitas que eu fiz pra ele, ele tava bem. Isso foi antes da intervenção da Força do Departamento Penitenciário Federal, enviada para o Pará depois do massacre de Altamira. Depois da intervenção, eu fiquei seis meses sem ver ele. Quando eu vi o Patrick nessa situação, dia 6 de maio, meu mundo desabou. Você olha pro lado olha pro outro e diz: O jeito é levar pra morrer em casa. Mas Deus é maravilhoso e ele tá aí. Pesando 36 quilos.”  

    Foto: João Paulo Guimarães

    Outro lado. A secretaria de administração penitenciária tenta explicar a situação:

    A SEAP, há alguns dias, através de duas notas oficiais, negou todas as acusações e diz se encontrar em meio a um complô de forças antagonistas que têm o interesse em enfraquecer a administração carcerária do Estado do Pará. Também critica as denúncias e desmerece advogados de detentos assim como nega a utilização de protocolo interno de tortura e maus tratos para com os reclusos.

    Jarbas Vasconcelos, titular da SEAP, em entrevista ao vivo para o Bom Dia Pará no dia em que o Massacre de Altamira, o segundo maior massacre do Brasil, fazia um ano. 

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  • Sistema prisional no DF: bomba biológica prestes a explodir

    Sistema prisional no DF: bomba biológica prestes a explodir

    Até a data de ontem (19), 548 internos e 200 policiais penais foram infectados, totalizando 748 casos oficiais, segundo apurou reportagem do Metrópoles. No último domingo (17), a Papuda, maior presídio do DF, registrou a primeira morte, de um policial penal. Cerca de 3,1 mil testes foram aplicados nos presídios, segundo dados divulgados pela Secretaria de Saúde do GDF (Governo do Distrito Federal). A cada quatro testes, um dá positivo.

    Superlotação

    O Distrito Federal possui quase 17 mil pessoas em privação de liberdade e,  destas, 3.390 não têm condenação; há ainda um déficit de, pelo menos, 5.400 vagas. Em artigo disponível no Fórum Brasileiro de Segurança Pública, Camila Prando – Professora da Faculdade de Direito da UNB, afirma que mais de 15% das pessoas em privação de liberdade na Papuda estão contaminadas pela COVID-19, uma taxa 36 vezes maior que no restante do país, e 31 vezes a proporção de contaminação do Distrito Federal, segundo cálculos do Projeto Infovírus. (dados de 26.04/2020).

    Familiares sem notícias 

    “Não queremos impunidade, lutamos por dignidade humana; há clara substituição de privação de liberdade por pena de  (iminência) morte” (familiar de pessoa em privação de liberdade na Papuda, DF).

    Desde que as medidas de isolamento social foram tomadas pelo GDF, as visitas no sistema prisional foram canceladas, e os familiares estão sem qualquer notícia sobre situação de seus parentes privados de liberdade. Nem mesmo os representantes da sociedade civil, responsáveis por fiscalizar as condições dentro dos presídios, estão podendo entrar, afirmou um familiar (que não quis se identificar) à reportagem dos Jornalistas Livres. 

    Descaso: justiça nega pedido de liberação para pessoas do grupo de risco

    No começo de março – antes do surgimento do primeiro caso de Covid-19 no sistema prisional do DF, a Defensoria Pública do Distrito Federal ingressou, no Tribunal de Justiça do DF,  pedido de soltura das pessoas pertencentes ao grupo de risco com comorbidades, além da  progressão de regime, determinando a soltura das pessoas, cuja progressão para o regime semiaberto e aberto estivesse próxima. 

    No dia 21 de março, a Juíza titular da Vara de Execuções Penais do Distrito Federal, Dra. Leila Cury, decidiu isolar ainda mais as pessoas privadas de liberdade. Veja o despacho da juíza aqui

    Como medida preventiva, a juíza  também determinou a suspensão das visitas nas unidades prisionais, o que criou outro problema: apesar de ser obrigação do Estado fornecer  materiais de higiene pessoal, atualmente são os familiares das pessoas presas que fazem isso e, sem acesso de familiares aos presídios, há falta de abastecimento de produtos de higiene pessoal, segundo relatório da comissão de direitos humanos. 

    Apenas no dia quatro de maio, quase um mês depois do sistema prisional do DF registrar os primeiros casos de Covid-19, é que a justiça tomou providências quanto ao restabelecimento de acesso, por parte das pessoas privadas de liberdade, a itens de higiene pessoal e outras necessidades, que seriam obrigação do estado, mas que são providas pelos familiares dessas pessoas. Veja determinação da juíza Leila Cury aqui.

    Mesmo após o surgimento dos primeiros casos de covid-19 em prisões do DF, e apesar de ter sido apresentado novo pedido de providências pela Defensoria Pública à Vara de Execuções Penais para liberação de pessoas pertencentes ao grupo de risco, requerendo a concessão de prisão domiciliar em caráter humanitário,  a juíza titular Leila Cury negou o pedido, afirma o relatório da CDH-DF a que tivemos acesso. 

    Canal de denúncias

    Para ajudar no enfrentamento da pandemia nos presídios, a CDH-DF criou um canal de atendimento ​via ​Whatsapp (61-999041681), para o recebimento das demandas da população, além de um formulário na página web da Câmara Legislativa, para o recebimento de denúncias acerca da violação de direitos no sistema carcerário do DF. 

    Até o momento, foram registradas 215 denúncias. As mais comuns, dizem respeito a: 

      • insatisfação dos familiares sobre a proibição das visitas e solicitação de canal ágil de comunicação com os internos;
      • insatisfação com as condições de salubridade das unidades prisionais;
      • insatisfação com a qualidade e a quantidade de alimentação fornecidos;
      • solicitação de atendimento às pessoas com problemas crônicos e graves de saúde;
      • insatisfação com o fato de os presos que estavam no semi-aberto terem sido colocados, na prática, no regime fechado;
      • solicitação de entrega de material de limpeza;
      • solicitação de prisão domiciliar nos casos das pessoas que estão em regime semi-aberto, ou que apresentam problemas de saúde ou são idosas;
      • incomunicabilidade com as pessoas em restrição de liberdade;
      • falta de informações e disponibilização de dados, como  nomes das pessoas contaminadas;
      • mesmo após a determinação judicial, as sacolas de alimentos não estão chegando aos presos.

    “as unidades superlotadas tornaram-se bombas biológicas”

    A situação nos presídios do DF é grave, e tende a explodir. Em artigo publicado no Correio Braziliense, Camila Prando – professora de direito da Universidade de Brasília, afirma que as unidades prisionais do DF se tornaram verdadeiras bombas biológicas.

     “Com a suspensão das visitas dos familiares desde o dia 13 de março e, mais recentemente, dos atendimentos presenciais de advogados, as unidades superlotadas tornam-se bombas biológicas de exposição à morte, que não contam com o necessário controle social de averiguação das condições reais do sistema prisional. A isso se agrega o fato de que o juízo tenha instituído um grupo de monitoramento emergencial da Covid-19 sem que nenhuma das associações de familiares de presos esteja em sua composição, descumprindo assim o art. 14 da Recomendação do Conselho Nacional de Justiça.” (Camila Prando)

    Para o deputado Fábio Félix (PSOL-DF), presidente da CDH-DF, “O DF virou a grande vergonha nacional em número de pessoas infectadas no sistema prisional”. 

    “O DF virou a grande vergonha nacional em número de pessoas infectadas no sistema prisional. Quero lamentar muito a morte do policial penal Francisco Pires, no final de semana, e a morte hoje do interno Álvaro Henrique. Estamos vivendo uma situação de alerta máximo, e os familiares sequer têm tido informação sobre aqueles que estão lá dentro. O mandato continuará acionando o poder público e se articulando com a sociedade civil, familiares, Frente pelo Desencarceramento e a OAB com o intuito de garantir a comunicabilidade entre apenados e suas famílias e na busca de garantia de condições mínimas para estas pessoas que estão sob a responsabilidade do Estado. Nesse sentido, quero ressaltar o excelente trabalho que tem feito a Defensoria Pública, a quem recentemente apoiamos, via emenda parlamentar, com 120 mil reais para compra de equipamentos de videoconferência que irão garantir a comunicação dos internos com seus familiares.” (Fábio Félix)

    Depoimentos de familiares de pessoas em privação de liberdade em diversas regiões do Brasil

    Covid na prisões – Vidas em Risco

    “o estado leva nosso filho bom para prisão e, no momento, a gente sabe que ele tá ruim de saúde”

    Atualização: na tarde da última terça-feira (19), foi registrada a primeira morte de pessoa privada de liberdade no sistema prisional do DF. Um homem de 32 anos, que estava internado no Hospital Regional da Asa Norte, em Brasília, faleceu, vítima de Covid-19. A certidão de óbito a que tivemos acesso, diz que o homem era portador de tuberculose, HIV e neurotoxopasmose. No entanto, nossa reportagem apurou que família da vítima não foi avisada da existência de tais comorbidades. A neurotoxoplasmose é uma forma grave de toxoplasmose, doença parasitária causada pelo parasita Toxoplasma gondii, presente em fezes de gatos e alimentos contaminados por estas. Outra reportagem do Metrópoles teve acesso exclusivo a um vídeo que mostra as condições de insalubridade a que os em privação de liberdade estão submetidos, como a falta de acesso de água potável.

  • Coronavírus chega ao sistema prisional de SP

    Coronavírus chega ao sistema prisional de SP

    A Secretaria Estadual da Administração Penitenciária (SAP) e governo Doria fazem modificação e restrições as visitações, mas não impede totalmente visitas, como denuncia Sindicato dos Funcionários do Sistema Prisional do Estado de São Paulo (SIFUSPESP), em nota:

    Um servidor do Centro Hospitalar do Sistema Penitenciário, na capital, é o primeiro caso confirmado de coronavírus no sistema prisional paulista. O Sindicato dos Funcionários do Sistema Prisional do Estado de São Paulo (SIFUSPESP) também recebeu e está apurando informações sobre outro servidor com sintomas do vírus, lotado na Penitenciária “A.E.V.P. Cristiano de Oliveira”, de Flórida Paulista, no interior do estado.

    Há suspeita de contágio de um detento de um dos Centros de Detenção Provisória (CDP) de Pacaembu, no interior paulista. Na cidade, a prefeitura municipal decretou nesta quinta (19) a proibição de entrada e permanência de visitantes em hotéis, pensões e outros estabelecimentos que hospedam visitantes das unidades prisionais.

    Depois de apresentar febre alta e dificuldade para respirar – sintomas considerados típicos do coronavírus, um detento do Centro de Detenção Provisória (CDP) I de Pinheiros, na capital, pode ter colaborado para a infecção de um pavilhão inteiro da unidade prisional. O caso aconteceu nesta quarta-feira (18).

    De acordo com relatos de policiais penais presentes no atendimento do sentenciado, ele teria tido contato com pelo menos 35 outros presos que estavam na mesma cela antes de ser isolado. Para piorar, esses presos que estavam no mesmo local se espalharam pelo pavilhão e podem ter infectado ainda mais detentos.

    Na Penitenciária Feminina da Capital (PFC), em Santana, na zona norte paulistana, uma detenta com os sintomas do coronavírus passou por atendimento médico nesta terça-feira (17). Segundo informações recebidas pelo sindicato, ela passou por exames, mas não foi feito teste para o diagnóstico do vírus.

    A detenta acabou liberada pelo médico, com a recomendação de que volte ao atendimento se sentir falta de ar. A presa retornou à penitenciária, onde segue dividindo a cela com as demais detentas.

    Na Penitenciária 1 de Lavínia, um detento com sintomas de gripe faleceu há duas semanas, mas ainda não saiu o resultado do exame para identificar se o vírus foi ou não a causa da morte.

    Barrar visitas e trânsito de detentos

    O prenúncio de uma possível infestação pelo COVID-19 no sistema prisional possui relação direta com a demora da Secretaria de Administração Penitenciária (SAP) e do governo de São Paulo em suspenderem as visitas bem como o trânsito de sentenciados como forma de minimizar os riscos de proliferação do vírus. Em resolução publicada no Diário Oficial deste 19 de março, a SAP restringiu apenas visitantes a partir da 60 anos e os menores de idade, mantendo os demais.

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    As novas regras para visitas de presos, que passam a valer a partir deste sábado (21):

    – Cada preso poderá receber apenas 1 visitante por fim de semana;
    – Está proibido o ingresso de menores de idade, acima de 60 anos ou de pessoa que se enquadre nos demais casos do grupo de risco definido pelos órgãos de saúde;
    – A exemplo do que já foi feito no final de semana passado, os visitantes continuam a passar por triagem na entrada: aqueles com sintomas de enfermidades não poderão entrar. Segundo nota da http://www.sap.sp.gov.br/


    O SIFUSPESP enviou ofício à SAP no último 13 de março, mas ainda não teve qualquer resposta à reivindicação de suspensão total e imediata das visitas e do trânsito dos presos entre as unidades prisionais. Por isso, o sindicato protocolou uma ação civil pública nesta quinta-feira (19) junto ao Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, reivindicando um plano de contingência imediato com uma série de medidas contra a contaminação pelo coronavírus no sistema prisional paulista.

    O sindicato quer a adoção imediata de um protocolo específico para proteger servidores com doenças crônicas, como diabetes, problemas respiratórios e cardiovasculares, que agravam o quadro do coronavírus, o fornecimento de equipamentos de proteção individual e coletiva e equipe médica para avaliação dos trabalhadores.

    O sindicato reivindica ainda que a SAP e o governo estadual garantam condições para que os atendimentos aos detentos sejam feitos ao máximo dentro das próprias unidades, restringindo o trânsito externo apenas aos casos urgentes.

    FONTE:
    Departamento de Comunicação – Sindicato dos Funcionários do Sistema Prisional do Estado de São Paulo (SIFUSPESP)
    www.sifuspesp.org.br
    www.facebook.com/sifuspesp.sindicato

    A imprensa tradicional não está noticiando os casos já constatados, e a sociedade civil vem manifestando muita preocupação quanto às condições precárias e desumanas dos presídios, para conter uma contaminação desta natureza. Matéria da Agência Pública por exemplo, levanta dados recentes sobre a contaminação por tuberculose na população carcerária.

    Mais de 10 mil: essa foi a quantidade de casos confirmados de tuberculose entre detentos em 2018 no Brasil. […]
    Presos brasileiros têm 35 vezes mais casos de tuberculose que população livre.

    Há uma epidemia de tuberculose nos presídios, confirma Carla Machado, professora do Departamento de Medicina Preventiva e Social da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Ela pesquisa epidemiologia e métodos quantitativos em saúde e alerta: devido às condições nas penitenciárias, “é uma questão de tempo até que o novo coronavírus esteja instalado entre a população carcerária”.

     

     

     

     

     

  • Centro Acadêmico de Direito da USP faz carta em que pede renúncia de Ministro da Justiça

    Centro Acadêmico de Direito da USP faz carta em que pede renúncia de Ministro da Justiça

    O Centro Acadêmico XI de Agosto, da Faculdade de Direito da USP (FDUSP), se pronunciou de forma contundente e pedindo a renúncia em carta endereçada ao Ministro da Justiça, Alexandre de Moraes, em razão dos massacres ocorridos nos presídios de Manaus e Roraima. O CA XI de Agosto, uma das agremiações estudantis mais antigas do país (fundado em 1903), teve atuação politica em diversos momentos históricos. A carta recebe um significado maior por terem sido da FDUSP o presidente Michel Temer e o Ministro Alexandre de Moraes.

    O documento critica a forma como o presidente chamou os massacre de Manaus e Roraima, “acidente”, vendo cinismo na declaração que exime de responsabilidade o Estado sobre o sistema carcerário brasileiro, que  segundo a carta está falido. Assinala que a postura isenta o Estado de seu papel no “contexto de hiperencarceramento, alimento pela criminalização da pobre e da juventude negra.” e aponta para a situação das prisões brasileiras que “constituem verdadeiros depósitos de pessoas”. Levanta os números dos sistema no qual existem 622 mil presos, sendo que destes  61,67% são pretos e pardos, e 56% por jovens entre 18 e 29 anos. Além de, no total do sistema, 40% serem presos provisórios. Relembra também um relatório da ONU no qual são apontados o racismo institucional, a prática de tortura e maus tratos no sistema prisional. E aponta que a retorica neoliberal que defende a privatização dos presídios fica em xeque uma vez que a unidade prisional de Manaus onde ocorreu um dos massacres era administrada pela iniciativa privada.

    A carta critica também o novo Plano Nacional de Segurança Pública, lançado pelo Ministro logo após os massacres, por ser  “formulado a portas fechadas e fundamentalmente focado em policiamento e no recrudescimento da política de drogas” além de apresentar “incompatibilidade entre meios e fins declarados” e carecer de “respaldo científico” e ter sido lançado de forma reativa [aos massacres].

    Termina com o pedido de renúncia pela “postura omissa e inábil” que “o torna absolutamente incompatível com a posição de Ministro da Justiça”.

    A carta é assinada por importantes nomes do magistratura nacional, entidades e movimentos sociais, professores, intelectuais e académicos, além de advogadas e advogados.

     

     

     

     

     

  • A prisão dos pais condena os filhos?

    A prisão dos pais condena os filhos?

    Por Leo Drumond e Natália Martino | Projeto Voz para os Jornalistas Livres

    Nossa população carcerária é muito jovem e a maioria dos condenados têm filhos. Qualquer estatística ou uma simples observação dentro de unidades prisionais confirmam isso. Quase nada se sabe, porém, sobre essas crianças e adolescentes que crescem sem os pais, apartados pela cadeia. Os dados oficiais não os contemplam, não sabemos quantos são, com quem vivem ou que tipo de auxílio recebem. O senso comum já nos faz imaginar que eles são negativamente impactados pelas prisões dos pais e várias pesquisas confirmam isso. Ainda assim, não existem políticas públicas para eles. Por isso, o recente trabalho de Rafael Posada, apresentado como dissertação do seu mestrado na Faculdade de Ciências Econômicas da UFMG, é importante. Ele ilumina alguns dos aspectos mais cruéis e mais desconhecidos do Sistema Carcerário.

    Vespasiano_MG, 10 de Abril de 2013 10 anos do Choque de Gestao Na foto, a detenta Shirley da Fonseca e seu filho Lazaro Henrique no Centro de Referencia a Gestante Privada de Liberdade. Foto: LEO DRUMOND / NITRO
    A detenta S.F. com seu filho no Centro de Referencia a Gestante Privada de Liberdade (MG). Foto: Leo Drumond / VOZ

    A partir de uma pesquisa com 718 pessoas presas de 19 estabelecimentos penais da Região Metropolitana de Belo Horizonte, Posada chegou às seguintes conclusões. Entre os filhos daqueles que estão encarcerados, 9,7% já esteve ou está atualmente em situação de conflito com a lei. Quando o recorte é feito para aqueles que são menores de idade, entre 12 e 17 anos, a taxa é de 5,7%. É muito? Bom, a taxa de jovens infratores no Brasil corresponde, ainda de acordo com o pesquisador, a 0,1% dos adolescentes. Ou seja, ser filho de alguém que cumpre pena de privação de liberdade aumenta em 59% a chance de ser apanhado pelo Sistema de Justiça. Então, a resposta é sim, é muito.

    Ibirite_MG, 18 de Abril de 2015 Projeto Maes do Carcere Na foto, Patricia, que esta em casa com condicional usando tornozeleira eletrônica Foto: LEO DRUMOND / NITRO
    Na foto, a detenta P., que esta em casa com condicional usando tornozeleira eletrônica
    Foto: Leo Drumond / VOZ

    Os que acreditam que o “fruto não cai longe da árvore” e a criminalidade é uma tendência genética deveriam parar de ler este texto por aqui. Não estamos falando de biologia, estamos falando de dinâmicas sociais. Posada destaca que a maioria desses filhos já apresentava, antes do encarceramento de um dos pais, uma série de desvantagens econômicas que os colocavam mais vulneráveis e mais suscetíveis a entrar em conflito com a lei. Isso sem contar o aspecto do preconceito racial ainda determinante no Sistema de Justiça Criminal. A questão é que a prisão de um dos progenitores adiciona mais desvantagens em relação mesmo aos seus pares sem pais presos.

    Sao Joao Del Rei_MG, 24 de agosto de 2016 A Estrela - Edicao de Sao Joao del Rei Imagem: A ESTRELA
    Recuperando da APAC de São João Del Rei com seu filho durante a visita íntima. Foto: André Gustavo / A ESTRELA

     

    Aos cuidados de uma nova família

    Algumas observações feitas durante as entrevistas levaram o pesquisador a crer que parte do problema está no estigma criado ao redor dessas crianças e adolescentes. “Tem uma reunião de pais na escola e as pessoas dizem que a mãe daquele aluno não foi porque está presa. E ninguém está preparado para lidar com isso”. O pesquisador fala de discriminação entre os colegas e de perseguição policial. Segundo ele, alguns relatos indicam que esses jovens acabam sendo mais visados pelos policiais que patrulham suas comunidades. Há, ainda, mudanças nas condições financeiras e na rotina das crianças e adolescentes, sem contar o impacto de saber que os pais estão presos.

    O mais determinante na perpetuação do ciclo de violência tende a ser a ruptura abrupta da estrutura familiar – o que é muitas vezes mais grave quando quem está presa é a mãe, que na maioria dos casos é a que tem a guarda e se responsabiliza pelo cuidado dos filhos. Assim, a pesquisa concluiu que as chances de um adolescente cuja a mãe está presa entrar em conflito com a lei é mais de 10 vezes maior do que nos casos dos pais encarcerados. Parte da explicação pode estar no fato de que, quando o pai está preso, o filho costuma permanecer com a mãe. É o que acontece em 57% dos casos. Mas quando é a mãe que está atrás das grades, apenas 12% dos filhos ficam com os pais e 34% acabam com os avós. No caso das mulheres presas, há ainda uma maior porcentagem de crianças que acabam em abrigos: 4,5%, contra 0,1% no caso dos pais.

    Na foto, o garoto A., que vive com sua mãe em unidade prisional para grávidas e lactantes. Foto: LEO DRUMOND / VOZ
    Na foto, o garoto A., que vive com sua mãe em unidade prisional para grávidas e lactantes.   Foto: Leo Drumond / VOZ

     

    Ao se analisar o impacto da prisão na vida dos filhos dos condenados, Posada também tratou da vida pregressa dos presos e algumas questões merecem destaque. Mais de um quarto das mulheres entrevistadas disseram ter vivenciado a prisão de um dos pais antes de serem presas e entre os homens a porcentagem é de 12,5%. Além disso, 20% dos homens e 32% das mulheres declararam terem sido vítimas de violência na infância. Quando o assunto é escolaridade, fica evidente de que classe social estamos falando. Mais de 50% das mulheres e de 60% dos homens têm escolaridade muito baixa, ou seja, não completaram nem o Ensino Fundamental. “A população carcerária é caracterizada por biografias nas quais a intervenção do sistema educativo é precária, enquanto a intervenção do sistema penal é total”, salienta Posada.

    O trabalho de Posada é essencial por levantar estatísticas até então inexistentes. Torna ainda mais óbvio o que já se diz há anos: não haverá redução de criminalidade sem programas de universalização de educação e de oportunidades e sem se repensar o Sistema de Justiça Criminal voltado para a segregação de determinados grupos – especialmente no quesito Lei de Drogas. Os que defendem o encarceramento em massa, que enfrentem calados a violência dos filhos daqueles que prenderam.

     

    Sobre o pesquisador

    Colombiano, Rafael Posada é antropólogo e iniciou sua trajetória de trabalho com a população carcerária por um motivo banal, que ele atribui à sorte: “foi o emprego que consegui”. Atuou, assim que saiu da faculdade,  em uma pesquisa realizada pelo governo colombiano nas cadeias do país. Conta que tinha todos os preconceitos que qualquer um tem com essa população. “Quando comecei a trabalhar, todos me diziam para ter cuidado, que eles eram nervosos, perigosos. Aí cheguei para fazer a pesquisa e o guarda me deixou sozinho com 50 presos. Pensei ‘nossa, eles vão me matar’”, recorda-se. Não mataram. “Me trataram normalmente e eu entendi com o tempo que atrás de alguém que cometeu o homicídio é também um pai, um tia, um parente de alguém. Ou seja, podia ser um parente seu. É um ser humano”, diz. Posada nunca mais mudou de área e agora já está no doutorado analisando de forma mais detalhada os dados coletados para a dissertação do mestrado.

  • Limpinhos, mas ordinários?

    Limpinhos, mas ordinários?

    Entenda as principais críticas feitas a dois modelos de prisões que não são administradas pelo Estado

    Na terceira matéria sobre o sistema prisional, vamos tratar das principais críticas dirigidas aos dois modelos alternativos de prisões apresentados nas matérias anteriores (confira aqui e aqui): as Associações de Proteção ao Condenado (APACs) e o Complexo Penitenciário de Ribeirão das Neves (CPPP).

    Corredor do regime fechado da APAC de Itaúna (MG)

    Sentenças por lucros

    Críticos do modelo privado de gestão de presídios, adotado no CPPP, reforçam os perigos de se tratar o sistema prisional como uma questão de lucro. Nos Estados Unidos, berço do modelo, muitas são as denúncias, por exemplo, de vendas de sentenças — nas quais os juízes receberiam propinas para condenar, negar habeas corpus e para enviar sentenciados a unidades específicas. No último ano, foram presos o dono de dois centros de detenção para crianças e adolescentes, Robert Mericle, e dois juízes, Mark Ciavarella Jr. e Michael Conahan, sob essas acusações.

    O empresário estaria pagando os juízes para enviarem jovens para suas unidades — essas empresas privadas recebem por número de presos abrigados, vale lembrar.

    O episódio ficou conhecido como “kids for cash” (crianças por dinheiro) e na revisão das penas de todos aqueles que foram enviados às unidades, mais de 4 mil crianças e adolescentes foram liberados porque não deveriam ter sido sentenciados.

    Monitoramento dos presos no presídio PPP em Ribeirão das Neves (MG)

    Em um artigo no site da União Americana das Liberdades Civis (ACLU), o ex-diretor do Departamento de Correções de Oklahoma, Justin Jones, ressaltou que o único objetivo de um presídio privado é o lucro — a legalidade, a justiça e a segurança da população não passariam de estratégias de marketing. No mesmo texto, ele diz ainda que lobistas desses presídios privados investem pesado na desmoralização de políticos que defendem penas alternativas e reformas no sistema penitenciário.

    É no mínimo incômodo pensar que nas discussões recentes sobre a redução da maioridade penal, pesou sobre vários dos políticos as acusações de que eles estariam defendendo a redução para beneficiar empresas interessadas em investir em presídios privados no Brasil. As semelhanças podem não ser mera coincidência. No contrato do CPPP, o Estado é obrigado a manter no mínimo 90% da lotação do presídio durante os anos de vigência do contrato (sobre isso, lei matéria do jornal El Pais).

    Blindagens e revistas vexatórias

    Outra fonte de críticas é a blindagem em torno dos presos, que, no caso do CPPP, são impedidos de conversar com a imprensa, a não ser aqueles indicados pela direção, e a quem são oferecidos advogados ligados à administração prisional. A situação dificultaria qualquer denúncia de violação de direitos e abriria espaço para a má orientação jurídica dos internos — já que o advogado pode ter mais interesse em manter o preso lá para aumentar o lucro da empresa do que em conseguir para ele um legítimohabeas corpus, por exemplo. Também se critica a falta de uma fiscalização eficiente por parte do Estado.

    Na primeira unidade prisional totalmente privada do país, o CPPP, não foi resolvida uma das principais questões relacionadas aos direitos humanos no sistema carcerário: a revista vexatória. Nela, mães, avós, esposas e filhas de detentos são obrigadas a tirar a roupa, abaixar e levantar sobre espelhos, mostrar os órgãos genitais e situações humilhantes afins para visitar os presos. A situação afasta familiares, que é um dos principais pilares para a ressocialização, e poderia ser evitada com equipamentos como detectores de metais e aparelhos de raio-x.

    A revista vexatória já foi formalmente proibida ou restringida em dez estados brasileiros, mas ainda é uma prática comum. E o CPPP a adota sem pudores.

    Acesso de visitantes ao presídio PPP em Ribeirão das Neves (MG)

    APAC: afronta ao Estado Laico?

    Os críticos dos métodos da APAC apontam para o alto índice de fugas como uma debilidade do método — mas não existem dados que comprovem a afirmação. Outro problema seria o de que para o satisfatório funcionamento do método é necessário que as unidades sejam pequenas, adequadas para um número médio de 200 presos — portanto, seria necessária uma quantidade enorme de unidades para abrigar toda a população carcerária do país. E, para isso, seria preciso convencer centenas de comunidades a abraçar o modelo, o que essencial para seu funcionamento pleno.

    Reza antes do almoço na APAC de Itaúna (MG)

    Também é altamente criticada a forte presença da religião no local, o que não seria desejável em um Estado que se diz laico. Os internos participam de orações diárias e o não comparecimento a esses momentos é considerado falta disciplinar.

    É permitido a eles escolher sua religião e a unidade oferece aconselhamento com um representante daquela sigla religiosa — a maioria é de evangélicos, mas há também católicos e já foram relatados casos de espíritas. Não é aceito, porém, o pronunciamento como ateu, receber aconselhamento religioso é parte do método.

    APAC: sistema disciplinar

    O sistema disciplinar da APAC é feito de faltas leves, médias e graves. Qualquer passo fora do esperado pode ser punido. As faltas leves e médias — que incluem não cuidar adequadamente da higiene pessoal ou se atrasar para o trabalho, por exemplo — são resolvidas por um conselho formado pelos internos, que define as sanções, que vão de advertências a dias “de tranca”, ou seja, sem sair da cela. Faltas graves são resolvidas pelo juiz — uso de celulares ou drogas, agressões físicas e pederastia podem levar à expulsão da unidade e encaminhamento para um presídio comum. E isso ninguém quer.

    Pátio do regime fechado da APAC de Itaúna (MG)

    O desejo de se permanecer na APAC tem como motivação principal o tratamento dado às famílias. “Aqui minha mãe entra sorrindo, feliz, vê que eu estou bem”, conta um dos recuperandos.

    Os visitantes não são submetidos a revistas íntimas e são encorajados a participar do dia a dia da unidade como voluntários. A confiança — entre diretoria, visitantes e recuperandos — é uma das bases do modelo. Esse é o único ponto de consenso entre todos. Sobre as demais regras, muitas são as reclamações.

    A disciplina, segundo muitos deles, seria mais rígida do que no sistema comum. “Aqui qualquer coisa leva ao aumento da pena, não pode fazer nada que o Dr. Paulo tira os benefícios todos”, dizem referindo-se ao juiz da comarca, que frequentemente determina, por exemplo, a retirada do benefício do regime semiaberto diante de alguma falha do recuperando. “Quando eles chegam até aqui, a família e o Estado já falharam em ensinar a disciplina, essa é a última chance de eles aprenderem”, explica o juiz.