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Tag: Saúde Indígena

  • Em Santarém (PA), indígena picado por cobra morre por falta de atendimento

    Em Santarém (PA), indígena picado por cobra morre por falta de atendimento

    Em carta, povo Kumaruara denuncia descaso do poder público com a saúde indígena

    No começo da noite do último domingo (4), Alberto Castro Bispo, indígena do povo Kumaruara, faleceu, vítima de uma picada de cobra, e do descaso do poder público. Alberto foi picado pela manhã, mas só conseguiu ser atendido no final da tarde. A SESAI (Secretaria de Saúde Indígena) alegou que não tinha horas de voo disponíveis de helicóptero para fazer o atendimento, nem marinheiro para pilotar a lancha até a aldeia.

    Neste momento, a esposa de Alberto está em Santarém, tentando liberar a liberação do corpo de seu companheiro; também encontra dificuldade para conseguir, com a SESAI, transporte até a aldeia. Parentes de Alberto estão em frente à SESAI, protestando contra o descaso na saúde indígena.

    A reportagem dos Jornalistas Livres está acompanhando o caso. Segue a carta do povo Kumaruara.

    CARTA/MANIFESTO DE REVOLTA DO POVO KUMARUARA

    É com pesar que o povo Kumaruara comunica que está em LUTO.

    Uma perda que poderia ter sido evitada, os povos da floresta continuam padecendo e morrendo pela falta de assistência médica dentro da Amazônia, sem posto de saúde, rádio transmissão e ambulancha para socorro.

    Sr. Alberto Castro Bispo, pertencente do povo Kumaruara, aldeia Mapirizinho nas margens do rio Tapajós foi picado por uma cobra surucucu, neste domingo (04/10/20) por volta de 9 horas da manhã no meio da floresta, quando conseguiu chegar na aldeia se arrastando pedindo socorro era 11 horas, a hora em que a aldeia começou se mobilizar, entrando em contato com órgão competente SESAI e SAMU para fazerem remoção do paciente.

    No primeiro momento a SESAI justificou que não tem “hora vôo” para fazer remoção de helicóptero e nem marinheiro para lanchas e ambulânchas da SESAI, transporte que chegou no mês de julho em Santarém. Estamos há meses esperando que a SESAI faça contratação dos barqueiros.

    O SAMU respondia que a ambulancha da SEMSA estava fazendo outro serviço de remoção na região do Lago Grande, e que só iriam ser possível busca-lo ás 17 horas. Ou seja, apenas 1 ambulancha disponível para fazer socorro em uma extensa região de rios.

    Os postos de saúde até as comunidades mais próximas (Suruacá e Parauá), tem a distância de 15 km, mas de nada adiantava levar porque não tem soro antiofídico nas UBS dentro da Amazônia. Isso é inadmissível!

    Estamos tristes e revoltados, já passamos por tantas humilhações, foi com muita luta que conseguimos o helicóptero para DSEI GUATOC fazer remoção dos indígenas do Baixo Tapajós. E agora com o desmonte desse governo genocida/etnocida que continua matando os povos indígenas, corta tudo da noite para o dia. Isso tudo acontecendo, em meio uma crise sanitária mundial, a pandemia da COVID-19, ainda temos que sobreviver as invasões nos territórios de madeireiros, garimpeiros, sojeiros, etc.

    O parente chegou às 19h em Alter do Chão, desacordado, tarde demais. Perdemos mais um Kumaruara por negligencia do desgoverno, que trata sem importância a vida de quem mora do outro lado do rio. Esse é um caso relatado, de muitos que acontecem na Amazônia com indígenas, quilombolas e ribeirinhos, continuamos sem acesso a saúde pública de qualidade dentro da nossa realidade.

    Já estamos há 4 anos vinculados ao DSEI GUATOC (sede em Belém), sentimos muita dificuldade em atuar como controle social. As equipes que entram em área de forma ambulantes, e é um trabalho exaustivo, que depende até de força corporal para carregar malas, isopor com gelo, rancho e aparelho respiratório, que agora nesse período de verão aumenta ainda mais as dificuldades de deslocamento de uma aldeia para outra.

    Por isso, reiteramos novamente ao Poder Legislativo a criação de um próprio DSEI para região do Baixo Tapajós. Pedimos ao Ministério Público Federal e Estadual, que fiscalize as prestações de conta do dinheiro público direcionados as políticas públicas de saúde, neste município.

    Não suportamos mais viver, vendo os parentes morrerem em nossos braços. Queremos ser olhados e assistidos de forma digna como seres humanos. VIDAS INDÍGENAS IMPORTAM!!!

  • Competência cultural e a atuação profissional no contexto da atenção à saúde dos povos indígenas

    Competência cultural e a atuação profissional no contexto da atenção à saúde dos povos indígenas

    um olhar sobre o Parque Indígena do Xingu

    por Evelin Placido dos Santos, Anna Luiza de Fátima Pinho Lins Gryschek, Clayton de Carvalho Coelho

    O Brasil é marcado por uma grande diversidade cultural, presente inicialmente pelos povos originários ou indígenas, e a partir da colonização, pela contribuição dos europeus e dos povos africanos. Imigrações posteriores, advindas do mundo todo contribuem, ainda, para esta diversidade. Temos, dispersos em todo território nacional, em torno de 817.963 indígenas, distribuídos em cerca de 230 povos, falantes de 180 línguas (IBGE, 2010). 

    A interculturalidade é um fenômeno atual no campo de atuação dos profissionais de saúde, que desempenham atividades com uma grande diversidade de pessoas, no que diz respeito ao gênero, à raça, à etnia ou religião. Em princípio, estes profissionais não deveriam reconhecer as necessidades das pessoas apenas pelas doenças que estas apresentam, mas de acordo com suas experiências narradas isoladamente ou de forma contextualizada. 

    Os profissionais devem estar culturalmente sensíveis para realizar um cuidado em saúde fundamentado em singularidades de ações, motivados para atuarem neste contexto e preparados para realizarem adequações ou adaptações de condutas condizentes às situações de saúde/doença das pessoas ou comunidades.

    Os povos indígenas em nosso país, através da Política Nacional de Atenção à Saúde Indígena (PNASPI), têm garantido o direito a uma atenção diferenciada, com respeito às suas especificidades étnicas e culturais e às suas diferentes situações de risco e vulnerabilidade. Porém, a aproximação entre a teoria e a prática da atenção à saúde destes povos está sendo construída de forma ainda incipiente. 

    A população indígena representa cerca de 0,4% da população nacional, sendo o menor estrato racial da população brasileira, porém, apresentando indicadores de saúde 2 a 3 vezes piores, quando comparados com aqueles da sociedade envolvente, com altas taxas de doenças endêmicas, carenciais e crônicas. 

    Constituem-se historicamente numa população marginalizada, de subordinação política, exploração econômica, discriminação social e inadequação do atendimento em saúde, decorrente da falta de coerência das políticas públicas de saúde e educação indígenas. Essas políticas deveriam ser baseadas nos direitos e necessidades dessas populações, reconhecidos na Constituição Brasileira de 1988. Entretanto, ainda se observa estagnação no processo de construção de um modelo assistencial de fato diferenciado e que certamente resultaria numa política com eficácia e participativa.

     Seguramente a atenção à saúde em populações indígenas, incluindo as ações de imunização, tem peculiaridades. Estamos diante de um cenário de grande diversidade cultural, diferentes visões de mundo, e distintas formas de compreender o processo saúde-doença. Nesse contexto, o profissional de saúde, deve estar preparado para atuar de maneira sensível às diferenças culturais para, assim, garantir a qualidade do trabalho, buscando, de fato o caminho da já mencionada, atenção diferenciada.

     O cuidado culturalmente competente surgiu como o mantra da prática contemporânea de enfermagem após a Segunda Guerra, imbuído com fórmulas e instruções para os prestadores de saúde, sobre como tornar-se culturalmente sensível e enaltecer a diversidade, preparando os enfermeiros para um mundo de prática em que a diversidade é a mandamento norteador do cuidado. A competência cultural é essencial para oferecer o “diferencial” da escuta e compreensão do indígena e do seu universo. O desenvolvimento desta competência resulta da disposição dos profissionais de saúde em despirem-se de seus valores para entender a cultura indígena, relativizar seu conhecimento biomédico, desconstruir práticas etnocêntricas e demonstrar respeito à cultura indígena e interesse pela história do povo que irá atender.

    O conceito de competência cultural na enfermagem surge na Teoria da Enfermagem Transcultural, cuja missão é sensibilizar os enfermeiros sobre a diversidade cultural e promover cuidados culturalmente competentes, em que Pagliuca e Maia (2012) em uma revisão da Teoria da Enfermagem Transcultural, apontaram Leininger, Campinha-Bacote, Giger e Davidhizar, Orque Purnel e Paulanka, Spector, Andrews & Boyle como as principais referências teóricas que contribuem para o avanço da enfermagem transcultural. O termo competência cultural é novo na literatura de enfermagem e o mesmo precisa ser apresentado e disseminado.

    A compreensão ampla dos aspectos morais e culturais envolvidos em cada caso é essencial para a incorporação do conceito de competência cultural aos cuidados de enfermagem. Diante de uma identidade multicultural, que deve ser respeitada, o enfermeiro deve despir-se dos seus próprios preconceitos, criados a partir de sua identidade cultural, minimizando a sobreposição de uma cultura à outra.

    Os atributos comumente identificados de maneira mais significativa no surgimento do conceito de competência cultural, referem-se a um grupo de características que incluem conhecimento cultural, habilidade cultural, comunicação cultural e consciência cultural. Ainda, na literatura, é identificado como característica própria do conceito, um caráter pessoal. Dentre estas características individuais, destacam-se: a empatia, o respeito, a confiança, o vínculo, a flexibilidade, a franqueza, a humildade e a compaixão.

    O conhecimento cultural é marcado pela compreensão das características intraculturais e interculturais. Neste sentido, exige o conhecimento de regras ou padrões culturais específicos dentro de diferentes culturas e que interferem nas formas de viver de cada indivíduo. O conhecimento das singularidades de cada cultura, possibilita a compreensão das crenças, relações de gênero, papéis sociais, estrutura econômica, etnicidade, acessibilidade à educação, tradições, estrutura familiar, concepção do processo de saúde/doença e estilos de vida.

    As diferenças individuais são conhecidas no interior de uma mesma cultura que podem ser tão diversas quanto a de pessoas pertencentes às culturas diferentes. Cada indivíduo traz consigo diferentes tradições e práticas dentro de sua cultura. Quando se avaliam os modelos de enfermagem existentes, há poucas referências ao diálogo como um método de aprendizado sobre a cultura do outro. Inserir-se no diálogo depende de uma relação direta com o outro, em um processo de descoberta e aprendizado que pode ser mútuo e equilibrado. No entanto, o foco dos modelos de enfermagem aparentemente está em aprender “sobre” outra cultura em contraposição à aprender “com” outra cultura, aplicando o conhecimento encontrado, ao contrário da troca possibilitada pela conversação e pelo diálogo que permitiriam que se chegasse a um novo entendimento com base no conteúdo deste diálogo. 

    A comunicação cultural eficaz através de terminologia, de linguagem adequada a cada contexto e de ênfase no idioma, são habilidades culturais que devem ser melhoradas para a transmissão das informações de forma precisa, na discussão dos assuntos culturais de forma aberta, sugerindo respostas baseadas na cultura e avaliando etnicamente o significado que a cultura tem para as pessoas.

     Para desenvolver habilidade cultural é indispensável a aprendizagem de competências linguísticas, que incluem reconhecer a necessidade de tradutores e de métodos para romper as barreiras da comunicação. Destaca-se a variação dos padrões de comunicação entre culturas, sendo premente não negligenciar a comunicação não verbal, pois silêncio, olhar, toque têm significado cultural, e são fundamentais à clínica.

     A consciência cultural incorpora-se nas características individuais. Esse atributo é determinado pela orientação cultural de cada pessoa e pela capacidade em desenvolver a autenticidade, em um exercício de reconhecimento da própria identidade cultural (autoconsciência) e pela disponibilidade para entender as outras culturas. A consciência cultural é importante para o reconhecimento de preconceitos, dos estereótipos e as suposições sobre os padrões culturais manifestados em diferentes culturas, em uma atitude respeitosa dos diversos pontos de vista, contribuindo para diminuir as dissonâncias culturais e a imposição de uma cultura sobre outra. 

    O Parque Indígena do Xingu (PIX) compreende uma área de aproximadamente 2.800.000 ha, na região das cabeceiras do Rio Xingu, em uma região de transição entre o cerrado e a floresta amazônica, dentro do qual vivem atualmente 16 etnias, dos troncos linguísticos Karib (Ikpeng, Kuikuro, Kalapalo, Nahukua e Matipu), Aruak (Mehinako, Yawalapiti, Waurá), Tupi (Aweti, Juruna, Kaiabi e Kamaiurá), Macro-Jê (Kisêdjê), além de um povo de língua isolada (Trumai), compondo uma população total de aproximadamente 7330 indivíduos em 2020. Diante deste complexo contexto intercultural, buscamos evidenciar a importância do desenvolvimento da competência cultural pelos profissionais de saúde para atuarem com os povos indígenas.

    http://editora.redeunida.org.br/project/saude-indigena-praticas-e-saberes-por-um-dialogo-intercultural/

    imagens e edição por Helio Carlos Mello

  • O Eclipse do Sol

    O Eclipse do Sol

    É certo que o Sol se encontrava com sangue e para isso era necessário tomar certas providências.

    Nhãu” (Temepĩyãu nãu), anaconda-men. Drawing by Takara Wauja (1980). Acrylic on paper, 70 x 50 cm. Museum of Archaeology and Ethnology of the University of São Paulo, Vera Penteado Coelho Ethnographic Collection (WD80-303).

    Fico pensando num texto antigo,  Um Eclipse do Sol, de Vera Penteado Coelho, https://www.persee.fr/doc/jsa_0037-9174_1983_num_69_1_2229 , onde o  sangue do Sol afetava muita gente que necessitava proteção adequada para não ser contaminada.

    Pajé Itsautako Waurá, em cuidados com a saúde.

    Entre abusos de autoridade, minha cabeça sai do lugar, enquanto mais de mil morrem na peste, dia a dia. País doido o meu, poderes insanos, lambe saco, beija pés, no dito popular. Desde 1987 carrega advertências, vejo nas manchetes, um desembargador da república, desmascarado, de Santos.

    Queimam a Amazônia, o Pantanal, o Cerrado, a serviço do agro outros negócios,  ao ponto de negarem provimentos necessários à saúde dos povos indígenas e outras minorias.

    País pobre esse, sem milagres meu ou seu, na mente e perfídia dos homens e seus poderes. Nem ouso pronunciar nomes, palavras assim não devem sair da boca, alimentar insanidades de demônios.

    Sigmund Freud, médico neurologista e psiquiatra criador da psicanálise

    Talvez seja a psicopatologia de uma vida cotidiana, nem sei se Freud explicaria, mas vivemos  tempos de tirar o fôlego, um véu, o desvelar, viés, um país enigmático.

  • A saúde e os mártires indígenas

    A saúde e os mártires indígenas

    Amanhece mais um dia. É um sol, água fria. Há desalento na saúde indígena.

    Mais um boletim marca as notas tristes desses dias, mas sei, ser indígena é persistir, meter-se na luta, manter. O número de vítimas indígenas, nas terras do Brasil, só faz crescer com o avanço da pandemia do Covid-19. Tantas lideranças e seus pares partem, nos deixam órfãos entre nações.

     

     

    Aldeia Kalapalo - Alto Xingu
    Aldeia Kalapalo – por helio carlos mello©

     

     

     

    BOLETIM INFORMATIVO DO TERRITÓRIO INDÍGENA DO XINGU

     

    Ogopa Kalapalo, testou positivo para a Covid-19 no dia 07/07 e no dia 09/07 veio a óbito, devido a complicações respiratórias ocasionadas pelo novo coronavírus. Lamentamos muito por mais essa perda no Território Indígena do Xingu. É muito importante mantermos as medidas de prevenção e estarmos atentos à circulação do vírus. São 65 casos confirmados, 60 casos suspeitos e quatro óbitos, no TIX, sendo um deles registrado no município de Canarana. Em caso de sintomas, devemos procurar a equipe de saúde para seguir o tratamento recomendado.

     

    O número de casos nas cidades envolventes da TI Xingu está aumentando!!

     

    Canarana: 154 casos e 3 óbitos

    Querência: 304 casos e 7 óbitos 

    Barra dos Garças: 283 casos e 28 óbitos

    São Félix do Xingu: 784 casos e 8 óbitos

    Sinop: 779 casos e 34 óbitos

     

     Até hoje foram 22.233 casos confirmados e 419 óbitos na bacia do Xingu.

    “Mártires Indígenas”. Tintas acrílica e vinícula; algodão e penas de pássaros recolhidas nas aldeias, 60×80 cm.
    por Denilson Baniwa – “Mártires Indígenas”. Tintas acrílica e vinícula; algodão e penas de pássaros recolhidas nas aldeias, 60×80 cm.

    Atenção! É muito importante tomar cuidado com o uso de remédios não receitados pelos médicos! O remédio só deve ser usado com o acompanhamento do médico! Essa é uma orientação do Ministério da Saúde!

     

     A Barreira sanitária foi implantada! Ela tem a função de controlar as entradas e saídas para proteger o Terra Indígena do Xingu. É muito importante manter o isolamento social e evitar circular nos municípios próximos! 

     

     O número de casos positivos para a Covid-19 em Gaúcha do Norte aumentou de 39 para 54 em apenas uma semana. Não vamos circular nas cidades do entorno!

     

    Recado fundamental aos indígenas sobre as medidas de proteção:

     

    Uso da máscara caseira! 

    Distanciamento de pelo menos 2 metros de alguém que chegar de fora! 

    Lavagem das mãos com água e sabão!

    Uso do álcool gel!

     

     Fique atento! É importante que onde a doença já está sendo transmitida, toda a população siga as medidas de proteção!

     

    Projeto Xingu/UNIFESP
    http://projetoxingu.unifesp.br/

     

    http://projetoxingu.unifesp.br/

  • Missão com ministro da Defesa leva 66 mil comprimidos de cloroquina para indígenas de Roraima

    Missão com ministro da Defesa leva 66 mil comprimidos de cloroquina para indígenas de Roraima

     Por:  Fábio Zuker 

     

    O general Fernando Azevedo e Silva (de boné, na foto) participou da ação de combate a Covid-19. Medicamento é considerado por especialistas como prejudicial no tratamento do coronavírus e foi desaconselhado pela OMS (Foto: Ministério da Defesa)

     

    Uma missão interministerial de emergência em saúde pública de combate à pandemia da Covid-19 em populações indígenas de Roraima, que contou com a presença do ministro da Defesa, general Fernando Azevedo e Silva, e de representantes do Ministério da Saúde, levou 66 mil comprimidos de cloroquina 150 MG para o tratamento de indígenas de nove etnias das Terras Indígenas Yanomami e Raposa Serra do Sol. A ação entregou aos distritos Equipamentos de Proteção Individual (EPIs) como máscaras, luvas e aventais. Participaram da missão 24 profissionais de saúde das Forças Armadas e jornalistas de agências internacionais. Quatro aeronaves foram utilizadas pela ação.

    A cloroquina vem sendo reivindicada pelo presidente Jair Bolsonaro (sem partido) no tratamento da doença causada pelo novo coronavírus, embora o uso da droga seja desaconselhado pela Organização Mundial da Saúde (OMS). A entidade internacional suspendeu definitivamente os testes com hidroxicloroquina e nem sequer chegou a incluir a cloroquina em seu projeto de pesquisa internacional. Para a decisão, foram suficientes as conclusões negativas sobre efeitos adversos da cloroquina para um possível tratamento de Covid-19, conforme estudos de diversos países analisados pela OMS.

    Em entrevista à agência Amazônia Real, o médico sanitarista Douglas Rodrigues, do Departamento de Medicina Preventiva da Escola Paulista de Medicina da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), alertou para os perigos no uso da cloroquina entre indígenas: “a prudência, a ética, o bom-senso, falam pelo não uso. Mas, contra todas as evidências científicas, insistem em usar”, disse o especialista, que trabalha com populações indígenas e em isolamento voluntário na Amazônia há mais de 50 anos.

    A missão interministerial de emergência em saúde pública de combate à pandemia da Covid-19 em populações indígenas de Roraima aconteceu entre segunda-feira (29 de junho) e quarta-feira (1º de julho). “Trouxemos cerca de 4 toneladas de materiais de saúde para atender à comunidade local. O governo está preocupado com a saúde do brasileiro”, declarou o general Fernando de Azevedo e Silva, em coletiva de imprensa em Surucucu, na Terra Indígena Yanomami. De acordo com a nota divulgada pelo ministério, o general ressaltou que “nessa localidade não foi constatado nenhum caso de coronavírus entre indígenas”.

    Em Boa Vista, o Ministério Público Federal (MPF) foi acionado por Júnior Hekurari Yanomami, Presidente do Conselho Distrital de Saúde indígena do Dsei Yanomami, que requisitou nesta quinta-feira (2) a instauração de um inquérito Policial Federal sobre a missão militar.

    “O objetivo é apurar a distribuição de cloroquina às comunidades indígenas, o ingresso nos territórios sem prévia consulta de seus povos – em desrespeito à decisão de isolamento de muitas de suas comunidades -, a violação das regras de distanciamento social, a presença expressiva de meios de comunicação em contato com os indígenas e a eficiência de operação com vultoso gasto de recursos públicos”, disse o MPF em nota oficial.

    A missão interministerial de emergência em saúde pública de combate à pandemia da Covid-19, acompanhada pelo general Fernando Azevedo e Silva, enviou aos Distritos Sanitários Especiais Indígenas insumos para abastecer o Dsei Leste Roraima, para atender 49.706 indígenas de sete etnias dos 34 polos base de saúde, entre eles, Flexal e Ticoça; e de 37 polos do Dsei Yanomami para atender 25.486 indígenas em Surucucu, Auaris, Waikas e Maturacá.

    Além dos 66 mil comprimidos de Cloroquina que foram distribuídos pelo governo federal entre os dois Dseis, a missão levou para o tratamento de Covid-19 em indígenas, mais 24.500 comprimidos de 150 MG de cloroquina, 15.708 comprimidos de Azitromicina 600 MG Frasco 15 ml; 10 mil comprimidos de Prednisona de 20 MG; 59.480 comprimidos de Prednisona de 05 MG, além de 78 mil comprimidos de Paracetamol 500 MG, entre outros remédios. Foram também distribuídos de 5.360 testes rápidos (268 kits) para coronavírus.

    Os Dseis são estruturas federais vinculadas à Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai) do Ministério da Saúde. No Brasil, a Sesai atende a população aldeia, um total de 760.350 pessoas através de 34 Dseis no país. Na Amazônia Legal, são 25 Dseis que dão assistência para uma população de 433.363 pessoas. O coordenador da Sesai, coronel da reserva Robson Santos Silva estava na comitiva, acompanhando o general Fernando Azevedo e Silva. Em seu site, a Sesai disse que, durante a ação, foram realizados testagem para Covid-19. “Todos os indígenas testados durante a missão deram resultado negativo”. Indígenas do Vale do Javari questionaram a viagem de Robson Silva ao território, no Amazonas.

    Os efeitos da cloroquina

     

    Militares atendem indígenas na Terra indígena Yanomami (Foto: Agência Saúde)

     

    médico Douglas Rodrigues explica que os efeitos colaterais da cloroquina podem inclusive ser prejudiciais ao paciente acometido por Covid-19, pois enfraquecem ainda mais o corpo já sob ataque do novo coronavírus: “a cloroquina tem efeitos colaterais importantes. É um remédio horrível de se tomar. A pessoa passa muito mal, náuseas, dor de cabeça… São transitórios, embora como não tem um remédio que mate o vírus, quem tem que matar é você, o seu sistema imunológico. Você tem que estar bem, pois está sob ataque. Por isso, esses efeitos colaterais, mesmo que leves, tendem a piorar”.

    Além dos riscos gerados ao corpo da pessoa contaminada por debilitar sistema imunológico, o médico ressalta os possíveis danos causados pelo uso de cloroquina ao coração. Rodrigues afirma que “o mais sério dos efeitos colaterais é do lado das arritmias cardíacas. Aqui em São Paulo, todos os hospitais retiraram a cloroquina, inclusive para pacientes internados. O Hospital Albert Einstein soltou uma nota, de que estão convictos desta decisão”.

    O médico Douglas Rodrigues na Base do Xinane da Funai, em 2014 (Foto: Arquivo pessoal)

     

    A cloroquina é um medicamento utilizado normalmente para o tratamento da malária, e que em um primeiro momento da pandemia de Covid-19 mostrou-se promissora no tratamento da nova doença. Mas devido aos efeitos colaterais de testes realizados em diversas partes do mundo, inclusive no Brasil, o medicamento têm tido seu uso desaconselhado. Além do Hospital Israelita Albert Einstein que recomendou a não utilização de cloroquina para o tratamento da Covid-19, outras entidades médicas pediram a suspensão do uso do medicamento para casos leves de Covid-19, como fez o Conselho Nacional de Saúde (CNS).

    Pelas consequências possivelmente letais do uso de cloroquina, Douglas Rodrigues não mede palavras: “eu acho uma doideira fazer isso em área indígena. Você não tem como monitorar. É um efeito colateral relativamente raro, mas eu não consigo fazer nem um eletrocardiograma básico para afirmar que a pessoa pode ter uma predisposição à arritmia”.

    Para o médico Paulo Basta, da Escola Nacional de Saúde Pública da Fundação Oswaldo Cruz, o uso da cloroquina em populações indígenas “vai amplificar a vulnerabilidade por conta da restrição de acesso, do isolamento geográfico, a falta de um médico especialista, a falta de  um leito de um hospital disponível e a falta de monitoramento das funções cardíacas”.

    Paulo Basta ressalta que “existem estudos que afirmam que o uso da cloroquina, ou associado a outros antibióticos, como a azitromicina, esteve relacionado ao aumento no número de mortes por Covid-19”. Segundo o médico, existem ainda outras consequências graves quanto ao uso inadvertido da cloroquina para o tratamento da Covid-19. Como a cloroquina é utilizada usualmente para tratar da malária, com o seu uso generalizado para tratar a Covid-19 “corre-se  o risco de ocasionar uma seleção dos microrganismos”.

    “Eles [os microrganismos que causam a malária] podem sofrer mutações, e se criar uma situação em que a malária vivax, a forma mais comum da doença no país, se torne mais resistente à cloroquina. Um medicamento relativamente barato, produzido no país, pode se tornar ineficaz ao tratamento da malária”, alerta Basta.

    Outro efeito negativo ao qual o médico Paulo Basta chama atenção é a possibilidade de que o uso ampliado da cloroquina para a Covid-19 possa dificultar o diagnóstico da própria malária: “se o medicamento não for utilizado adequadamente, ele pode ocultar a malária. Porque os sintomas foram ocultados pelo uso da cloroquina”, reflete o médico.

    Paulo Basta também é taxativo: “a cloroquina como indicação terapêutica para a Covid-19 já se mostrou claramente ineficaz. E além de ineficaz, coloca o paciente em risco”.

    Outro medicamento enviado pela missão que recebe crítica de Paulo Basta é a prednisona. Trata-se de um corticoide da mesma classe da dexametasona, que, conforme estudos da Universidade de Oxford (Inglaterra), reduziram o percentual de mortes em casos graves de pacientes contaminados pela Covid-19. A missão interministerial enviada às terras indígenas de Roraima pretende distribuir 10 mil comprimidos de prednisona 20 mg e 59.48 comprimidos de prednisona 5mg.

    Basta chama atenção para os perigos do uso do medicamento: “o uso de corticosteróide é indicado só quando o paciente está [em estado] grave, e está iniciando um quadro de falência respiratória. Aí sim tem a indicação de fazer uso do corticosteróide e nesse sentido foi confirmado que ele salvou vidas. Mas usar prednisona de maneira profilática, como no caso da cloroquina, isso é o absurdo do absurdo: esse medicamento, se ele for utilizado de maneira crônica, sem acompanhamento, ele compromete o sistema imunológico”.

    Assim como alertou Douglas Rodrigues, para Paulo Basta, “o que a pessoa precisa é ter o sistema imune forte, para combater o vírus”.

     

    MPF questiona fala de general

     

    Militares levam medicamentos e insumos de combate à Covid-19 para indígenas
    (Foto: Agência Saúde)

     

    Nesta quinta-feira (2), Júnior Hekurari Yanomami, Presidente do Conselho Distrital de Saúde indígena do Dsei Yanomami, requisitou junto ao Ministério Público Federal a instauração de um inquérito Policial Federal sobre a missão militar. No ofício, ele solicita a averiguação “sobre a distribuição de cloroquina para tratamento de supostos contaminados por Covid-19”.

    Júnior Yanomami expôs preocupação com a entrada dos membros da missão interministerial na terra indígena. “Ao tempo em que solicito informar também a este órgão do Ministério Público Federal que, o Secretário Especial de Saúde Indígena e Coordenador da Funai de Brasília, estiveram presentes no Hospital de Campanha – APC, e no dia seguinte deram entrada na Terra Yanomami, o que nos causa preocupação, devido ser um local de tratamento para contaminados do Covid-19”.

    O ofício enviado ao Ministério Público Federal questiona também a realização dos testes dos membros da missão: “alegaram a realização do teste rápido para Covid-19 em todas as pessoas que participaram da ação, incluindo jornalistas que vieram de outros países, porém o teste rápido é indicado apenas entre o sétimo e décimo dia do início dos sintomas, como febre e tosse. Não é recomendado para uso em toda a população, uma vez que não consegue diagnosticar o início da doença, como explica o ex-Ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta”.

    Em nota, também publicada hoje, o MPF expressou preocupação com a fala do ministro da Defesa, Fernando Azevedo e Silva, de que a pandemia está controlada na Terra Indígena Yanomami e com a ausência de qualquer medida de proteção territorial em operação que supostamente busca enfrentar a disseminação da Covid-19, cujo principal fator de risco é o garimpo ilegal.

    “Diante da aparente tentativa de minimizar a gravidade da pandemia que se alastra diariamente na Terra Indígena Yanomami, o MPF ressalta que aguarda decisão do Tribunal Regional Federal da 1a. Região em recurso interposto na ação civil pública que busca obrigar o Poder Executivo Federal à única medida eficiente de proteção: a elaboração de um plano emergencial de ações para monitoramento territorial efetivo da Terra Indígena Yanomami, combate a ilícitos ambientais e extrusão de infratores ambientais que possam transmitir a Covid-19, inclusive à comunidade isolada Moxihatëtea, está exposta a um risco concreto de genocídio”, disse o MPF.

    A Polícia Federal já investiga um conflito, que aconteceu no dia 14 de junho, quando dois indígenas Yanomami foram mortos por garimpeiros na comunidade Xaruna, que fica região da Serra do Parima, município de Alto Alegre, em Roraima.  Segundo a Associação Hurukara, 20 mil garimpeiros estão dentro do território ilegalmente.

     

    O que diz o governo federal

     

    Jornalistas internacionais acompanharam a missão interministerial de combate à Covid-19 (Foto: Agência Saúde)

     

    A reportagem da Amazônia Real procurou os ministérios da Saúde e da Defesa para esclarecer o envio da medicação cloroquina aos povos indígena de Roraima e o questionamento do MPF sobre o ingresso dos militares sem a anuência dos povos indígenas de Roraima. Em resposta, o Ministério da Defesa disse “que não tem qualquer conhecimento sobre  o procedimento aberto pelo Ministério Público Federal em Roraima”.

    Sobre o envio da medicação Cloroquina pela missão interministerial de reforço no combate à Covid-19 em populações indígenas de Roraima, o Ministério da Defesa disse que, em parceria com o Ministério da Saúde e a Funai, vem realizando importantes ações de apoio à saúde dos indígenas, com atendimento médico e entrega de mais de quatro toneladas de material de saúde, e confirmou a entrega da medicação. “Os comprimidos de cloroquina, medicamento usado há mais de 70 anos para o tratamento da malária, doença infecciosa, que nos seis primeiros meses de 2020, já registra 48.681 casos só na região Amazônica”.

    “Assim, causaria profunda estranheza que o Ministério [MPF], que muito devia se preocupar com o bem-estar dos indígenas, busque criar obstáculos a tal apoio”.

    Em relação ao questionamento do MPF do ingresso em território indígena, o Ministério da Defesa disse que a comitiva esteve “em visita oficial ao Pelotão Especial de Fronteira Surucucu, Organização Militar do Exército Brasileiro, na qual acompanharam o atendimento aos indígenas, antes da visita ao Hospital de Campanha de Boa Vista. Além disso,  todos os integrantes da comitiva foram previamente testados por PCR e sorologia, com resultados comprovadamente negativos,  antes da realização da visita ao Pelotão”, finalizou a nota. (Colaborou Emily Costa e Kátia Brasil)

     

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  • Quando partem as vovós do mundo

    Quando partem as vovós do mundo

    Vai se configurando um vazio, um vácuo na guarda dos conhecimentos arcaicos, os saberes ancestrais irão agora guardar-se em pequenas valas entre os povos indígenas, seus territórios no solo do Brasil. A terra indígena, todas as TIs, homologadas, demarcadas ou não reconhecidas, vão se cobrindo de luto.

     

    A morte das matriarcas indígenas nos enchem de tristeza, saudade de um tempo que cessa. Partiu Bekwyjkà Metuktire, esposa do líder  Ropni Metuktire, o renomado cacique Raoni. Seu coração cansou desse momento de receios e medos.

    Acervo Projeto Xingu/UNIFESP©

    Também vai vovó Rita Raposo Macuxi, senhora do barro e das linhas, na Terra Raposa Serra do Sol. Tantas histórias partem com elas, nos deixam mais pobres.

     

    Ficamos nós aqui, contando estrelas no céu, pequenos pontos, tão diversos. Piscam, piscam, trazem uma noite fria de inverno.

    por Enoque Raposo©