Jornalistas Livres

Tag: Racismo

  • O racismo de Bolsonaro contra populações indígenas, quilombolas e comunidades tradicionais

    O racismo de Bolsonaro contra populações indígenas, quilombolas e comunidades tradicionais

    Por: Alana Manchiner

    O projeto de lei, PL 1142/20, percorreu um longo caminho para chegar às mãos do presidente da república, Jair Bolsonaro, após câmara e senado aprovarem o Plano Emergencial para Enfrentamento à Covid-19 para as comunidades indígenas, comunidades quilombolas, povos e comunidades tradicionais para o enfrentamento à Covid-19. Na quarta-feira, 8, o presidente sancionou a lei, todavia com vetos a pontos importantes no tocante a execução das ações. 

    Em resumo o que foi vetado no PL deveria compor minimamente o plano, como acesso a água potável, materiais de higiene e desinfecção, leitos de UTI, aquisição de ventiladores pulmonares, material de informação sobre a doença, ponto de internet nas comunidades para solicitação do auxilio emergencial. Além de orçamento adicional e previsão de repasse de recursos a Estados e municípios para implementação do plano, o que impactaria diretamente nas populações mais afetadas pelo novo coronavírus.

     

    Na política de segurança alimentar e nutricional, o presidente veta a distribuição de alimentos, o que impacta diretamente as comunidades, segundo a liderança indígena, Zezinho Kaxarari, “ Nós recebemos cestas básica da FUNAI está com 3 meses, pra família grande não dá pra comer uma semana, a comunidade está precisando, estão sem trabalhar porque estão isolados”. 

    Os maiores prejudicados nos vetos são as comunidades quilombolas, pescadores artesanais e demais povos e comunidades tradicionais, Bolsonaro veta integralmente o artigo que trata da implementação de plano emergencial, bem como recursos para essas comunidades. 

    Esse retrato revela parte de um processo de omissão do governo federal mediante as desigualdades enfrentadas por essas populações, além do genocídio enfrentado desde a invasão colonizadora, hoje, enfrentam a displicência em relação ao impacto de uma pandemia com números alarmantes de óbitos, sobretudo em relação as comunidades mais vulneráveis. Essas comunidades estão na mira de Bolsonaro desde 2018, quando em reunião com representantes do agronegócio garantiu que, “Se eu assumir como presidente da República, não haverá um centímetro a mais para demarcação”.

    Foto: Leonardo Milano

    Nessa segunda-feira, 13, o Brasil alcança a marca de 72.100 mortes por coronavírus de acordo com o Ministério da Saúde, na região Norte do país, a Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (COIAB) informa que 102 povos indígenas da Amazônia foram atingidos, até o dia 10, chegaram ao número de 9.936 indígenas contaminados e 411 óbitos registrados em 71 povos indígenas da região. De acordo com Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB), no domingo (12), registraram 13.801 casos confirmados de covid-19 e 491 óbitos em todo o território brasileiro. O painel geral de dados do Ministério da Saúde não possui detalhamento por cor ou raça, o que pode ser fator de subnotificações entre populações indígenas, como art.19 do PL iria prever não fosse o veto. 

    Os vetos demonstram a falta de ação humanitária de um Estado que nega os direitos mínimos a suas populações originarias, podemos perder saberes milenares pela inercia de um projeto que não prevê politicas de zelo pelas comunidades tradicionais, esse é o retrato do racismo de Bolsonaro.

    Alana Manchineri, jovem comunicadora da COIAB/MATPHA

  • Jovem sofre abordagem racista e grava ação de segurança

    Jovem sofre abordagem racista e grava ação de segurança

    Alan Braz, de 24 anos, sofreu um ataque racista logo depois de sair do Assaí Mauá, uma grande rede atacadista, na noite da última terça-feira, 7. O jovem negro foi abordado por dois funcionários do atacadão depois de desistir de entrar no estabelecimento por estar muito lotado diante de uma pandemia (COVID19).

    “Eles já chegam falando ‘Ei, amigão!’. Pronto. Pensei que iam me acusar de roubar algo. Já tenho a precaução de, dentro de lojas, sempre deixar claro que não estou colocando nada na bolsa e quando saio, sempre tento mostrar a nota fiscal”, explicou Alan. Um dos funcionários que o parou estava fardado como segurança e usava máscara, já o outro não estava identificado e não usava máscara, os dois eram brancos. A rede Assaí pertence ao grupo GPA, da Rede Casino. A unidade do caso fica na Av. Antônia Rosa Fioravanti, 3270, na cidade da grande São Paulo.

    Mas a acusação da vez foi pior, “Eles perguntaram se eu estava com uma arma e pediram para revistar minha bolsa e me revistar. Falaram que uma mulher tinha me visto armado”. Alan negou a revista e, mesmo com medo passou a gravar a cena. “Muito lentamente peguei o celular e passei a gravar. Também gritei para que as pessoas em volta prestassem atenção. Percebi que eles esperaram eu estar no estacionamento, que estava escuro”.

    A gravação foi postada em suas redes sociais e viralizou. Nela é possível ver o segurança barrando a saída de Alan do estabelecimento enquanto esperavam a polícia que, segundo os seguranças, havia sido chamada.. Em um segundo momento também é possível ouvir um dos funcionário falando, depois do jovem já ter pedido para ir embora, “vai, caralho”. Alan percebeu o que tinha acontecido “eles entenderam que tinham feito merda. Provavelmente não tinha mulher [reclamando] e usaram isso para me revistar, mas como conheço meus direitos não deixei”. No vídeo é possível ver os dois funcionários voltado para o estabelecimento. Alan então foi “liberado” pelos seguranças antes que a Polícia, que teria sido chamada, chegasse ao local.

    “Resolvi voltar lá para dentro e pedi para falar com algum gerente ou encarregado. Alguém veio para falar comigo e disse que conversaria com os funcionários. Pedi para estar presente e saber qual seria o procedimento. Esse responsável falou que não seria possível”, contou o jovem, que voltou para casa e postou o vídeo nas redes sociais cobrando uma posição do atacadista. Na quarta, 8, Alan conseguiu contato com a Ouvidoria e descobriu que o funcionário que fez a abordagem não era mesmo um segurança, mas sim responsável pelo controle de temperatura dos clientes. “O primeiro protocolo a ter sido quebrado foi tentarem me abordar e revistar fora da loja. A segunda quebra foi ser uma pessoa que não tem nenhum tipo de treinamento fazer isso comigo”, explicou Alan a reportagem.

    Alan é lojista e trabalha com cultura, arte e a luta por direitos igualitários há 6 anos. Artista e Drag Queen. “Eu já fui indevidamente abordado por seguranças de estação de metrô ,de lojas e de supermercados diversas vezes e muitas delas eu nem consegui sentir essa raiva e revolta ,só sentia vergonha e culpa. Depois da recente revolta do BLM (Black Lives Matter), e de todos os crimes raciais que foram expostos e gritados eu não poderia fazer diferente, usei dessa inspiração para que a minha voz fosse escutada e para que muitas vozes que foram abafadas pela humilhação e vergonha pudessem se manifestar também”, explicou. O jovem também entrou com contato com o prefeito de Mauá, Átila Jacomussi (PSB), em busca de apoio. Até agora o grupo afirmou ter demitido o funcionário que acompanhava o segurança.  

    A rede, questionada sobre o episódio, o pedido de revista a alegação do porte de arma, respondeu em nota

    “O Assaí informa que, tão logo tomou conhecimento sobre o ocorrido, acionou imediatamente a loja de Mauá, iniciando assim um processo interno de apuração. A empresa conseguiu contato com o cliente Alan hoje (8) para se desculpar pela situação vivenciada por ele na loja e incluí-lo no processo de averiguação dos fatos. A partir das informações passadas por todos envolvidos e da checagem das imagens disponíveis, o Assaí concluiu que o fato do cliente sair pela porta de entrada do estabelecimento não justificou a abordagem no estacionamento pelo funcionário. Nestes casos, o procedimento correto é orientar o cliente a utilizar a porta de saída, se assim ele quiser. Dessa forma, o Assaí decidiu pelo desligamento do funcionário envolvido e está reforçando com todo o time de lojas a conduta esperada no relacionamento com os clientes. O Assaí não tolera nenhuma atitude discriminatória ou desrespeitosa, o que está explícito em seu Código de Ética e na Política de Diversidade e Direitos Humanos da companhia. Qualquer denúncia contrária a essa orientação é rigorosamente apurada e, se comprovada a veracidade, são tomadas imediatamente as providências necessárias”.

  • Nota do MNU repudia racismo de delegado em Pernambuco

    Nota do MNU repudia racismo de delegado em Pernambuco

    O Movimento Negro Unificado – MNU em Pernambuco, vem a público, por meio desta, repudiar veementemente, os insultos proferidos pelo senhor Delegado Antônio Resende, em uma live de conotação política, denominada “A HORA DO CABO É AGORA”, realizada no último dia 2 de julho de 2020, no perfil do seu Instagram, onde o repudiado se referiu reiteradamente de forma hostil às religiões de matrizes afro-indígenas, utilizando como subterfúgio, a disputa eleitoral com um concorrente supostamente de “Terreiro”.

    O racismo se apresenta em várias dimensões na nossa sociedade. Uma delas, é através do racismo religioso, muitas vezes cometido de forma sutil (bem ao estilo engenhoso do racismo estrutural brasileiro), porém, outras vezes de maneira escancarada, como engendrou o senhor Delegado Antônio Resende, quando escondendo-se por trás do manto da liberdade de expressão, do posto de autoridade policial, além de operador politico partidário em sua cidade, demoniza de deliberadamente a comunidade de Terreiro , utilizando para isto um veículo de comunicação em massa como a rede mundial de computadores, para divulgar discursos de a seguir:

    “Dar a chave da cidade para um catimbozeiro ir transformá-la em cidade da morte, não vai dar, porque a cidade vai ser de Jesus…”

    “…Não aceitamos mais esse tipo de gente, esse pai de santo vim pra cá tomar a cidade e oferecer a satanás mais não…

    “…Esse satanista não vai mais tocar as mãos na chave da cidade do Cabo não. É isso que eu tenho a dizer…”

    Entre outras frases de ódio religioso expressadas de forma antidemocrática pelo repudiado.

     

     

    Afirmamos que não toleraremos ataques racistas e ações correlatas, contra as comunidades de Terreiro do Município do Cabo de Santo Agostinho, bem como em todo o Estado de Pernambuco. E que tomaremos as medidas cabíveis, segundo dispõe a Lei Federal de nº1.288/2010, em seu artigo 24-VIII, que dispõe dos seguintes termos:

    “Art.24 -O direito à liberdade de consciência e de crença e ao livre exercício dos cultos religiosos de matriz africana compreende:
    VIII – a comunicação ao Ministério Público para abertura de ação penal em face de atitudes e práticas de intolerância religiosa nos meios de comunicação e em quaisquer outros locais.”

    Não obstante as provisões dos artigos 1º-I, 2º,3º e 4º, além dos artigos 55 e também o 54 da mesma lei que apregoam:

    “Art. 54. O Estado adotará medidas para coibir atos de discriminação e preconceito praticados por servidores públicos em detrimento da população negra, observado, no que couber, o disposto na Lei nº 7.716, de 5 de janeiro de 1989

    Art. 55. Para a apreciação judicial das lesões e das ameaças de lesão aos interesses da população negra decorrentes de situações de desigualdade étnica, recorrer-se-á, entre outros instrumentos, à ação civil pública, disciplinada na Lei no 7.347, de 24 de julho de 1985.”

    O Estado brasileiro, outrora autor de ataques policiais que devastavam terreiros de candomblé em Pernambuco destruindo representações religiosas e levando ao cárcere líderes religiosos após muita violência física e psicológica , agora ataca os cultos afro e afro-indígenas brasileiros de outra forma, renovando o modus operandi do racismo estrutural através de pessoas como o Sr. Delegado Antônio Resende, a quem reiteramos o nosso repúdio.

    Diante do exposto, recomendamos ao Ministério Publico e demais autoridades pernambucanas, que tomem as medidas cabíveis, em homenagem aos princípios republicanos brasileiros, consagrados na Carta Magna de 1988.

    Sabemos porque sentimos literalmente na pele o peso do racismo brasileiro e suas ações correlatas, e por isso afirmamos que a dor de uma comunidade de Terreiro é a dor de todo o nosso coletivo.

    Recife, 3 de Junho 2020.

    Movimento Negro Unificado – Seção Pernambuco.

  • Assistir “…E o Vento Levou” com extras não nos impede de gostar do filme

    Assistir “…E o Vento Levou” com extras não nos impede de gostar do filme

    Por James Cimino, especial para os Jornalistas Livres de Nova York

    Era uma vez um filme, vencedor de oito Oscar, indicado a 13, um dos primeiros grandes épicos do cinema, que tinha como pano de fundo a guerra civil americana, mas que mostrava a escravidão como algo “benigno”, quase que um refúgio para os ineptos negros, cuja missão nobre na Terra era servir os seus senhores brancos. Está é uma versão de “…E o Vento Levou” que, digamos, o vento levou do catálogo da HBO Max após o roteirista John Ridley (“12 Anos de Escravidão”) publicar um editorial criticando o caráter revisionista do filme.

    Apesar do debate infundado de que o filme estaria sendo censurado, ele volta para o catálogo do serviço de streaming, apenas duas semanas depois, em uma nova versão: mais completa, mais honesta, mais informativa, mais histórica, tudo isso sem cortar ou adicionar uma cena, um diálogo sequer no corte original de 1939, dirigido por Victor Fleming e estrelado por Vivien Leigh, Clark Gable, Olivia de Havilland, Leslie Howard e Hattie McDaniel.

    Agora, quem assistir ao filme verá um prólogo de cinco minutos apresentado pela professora de cinema da Universidade de Chicago Jacqueline Stewart em que ela aponta ao mesmo tempo a grandiosidade da obra e seus erros históricos. Após essa pequena introdução, começam os créditos: primeiro Clark Gable, o cafajeste Rhett Butler, embora quem apareça em quase todas as cenas do longa que tem cerca de 3 horas e 40 minutos seja o segundo nome, a inglesa Vivien Leigh, que interpreta a inescrupulosa e cativante heroína Scarlet O’Hara. Em seguida, aparecem os nomes de Leslie Howard, que interpreta o melancólico Ashley Wilkes, e Olivia de Havilland, a íntegra Melanie Hamilton. De Havilland, aliás, é a única atriz viva do elenco e completou nessa quinta-feira (2) 104 anos.

    Após a ficha técnica, elenco é reapresentado por núcleos. Hattie McDaniel, Oscar Polk e Butterfly McQueen, respectivamente os escravos Mammy, Pork e Prissy, aparecem no núcleo de Tara, obviamente após os atores brancos.  Os créditos do filme, aliás, representavam as desigualdades raciais e de gênero existentes na indústria do cinema e em uma sociedade ainda racialmente segregada por força de lei.

    Mas também os créditos representam o tamanho do cacife do artista. Clark Gable era a estrela do filme, e Vivien Leigh, embora tenha dado uma das duas grandes performances de sua vida e certamente uma das melhores da história do cinema, era apenas uma atriz inglesa iniciante, por isso o nome dele aparece primeiro. No caso dos coadjuvantes, no entanto, tanto Leslie Howard quanto Olivia de Havilland tinham o mesmo quilate, embora Melanie seja uma personagem que também apareça muito mais que seu marido Ashley. Que o nome de Howard apareça antes de De Havilland nos faz pensar no machismo que em muitos casos ainda persiste em Hollywood.

    Logo em seguida vem a primeira fantasia do filme: um texto introdutório que explica ao espectador que mundo é esse em que ele está entrando. E este mundo à parte, como diz textualmente a personagem de Olivia de Havilland, é “uma terra de cavalheiros e campos de algodão chamada O Velho Sul”. E continua: “Aqui neste belo mundo, o cavalheirismo rendeu sua última homenagem. Aqui foram vistos os últimos cavalheiros e suas belas; escravos e seus senhores. Procure este lugar apenas nos livros, porque ele nada mais é que um sonho a se recordar. Uma civilização que o vento levou…”

    Antes de continuar a analisar suas falhas e destacar seus acertos, é importante destacar outros dois extras que aparecem no catálogo da HBO Max logo abaixo do filme, além do prólogo. Em 2019, quando o filme completou 80 anos de lançamento, o canal TCM promoveu um debate chamado “…E o Vento Levou — Um Legado Complicado” com a participação da produtora Stephanie Allain, de “Cara Gente Branca”, da autora do livro “Frankly My Dear”, Molly Haskell, além da professora Jacqueline Stewart.

    E para celebrar o legado de Hattie McDaniel, a Mammy, primeira atriz negra da história a ganhar um Oscar, há um episódio de cinco minutos da série do canal TCM “What a Character” (“Que Personagem”) dedicado à atriz.

    Os erros

    A grandiosidade do filme nos cega para suas falhas no que diz respeito à escravidão. Mas também é importante mostrar que o material extra nos abre os olhos para o esforço que o produtor do filme, David O. Selznick, teve em não repetir o legado de “Birth of Nation”, de D.W. Griffith, que provocou o renascimento da Ku Klux Klan. O uso da palavra “negro”, por exemplo, foi negociada com a NAACP (Associação Nacional para o Avanço das Pessoas de Cor, na sigla em inglês), para, ironicamente, dar mais veracidade à história.

    Aliás, o longa elimina a Ku Klux Klan de uma sequência em que Scarlet é atacada ao atravessar de carroça pelo meio de uma favela. No filme, ela é salva por um ex-escravo de sua fazenda. Posteriormente, seu marido Frank Kennedy e o nobre Ashley Wilkes vão vingar sua honra e incendeiam a favela, não sem antes matar alguns negros. No livro, quem pratica essa vingança é a KKK, conforme explicar a professora Jacqueline Stewart. “No livro, aqueles personagens fazem parte da KKK.”

    A principal crítica feita durante o painel de 80 anos do filme, no entanto, é sobre o caráter dos escravos neste fantasioso mundo que ignora a brutalidade da escravidão sobre a qual essa sociedade foi erigida. Nele, os negros são ou serviçais, nobres por sua devoção a seus senhores brancos, ou ineptos.

    Segundo a professora da universidade de Chicago, a secessão é retratada como “causa perdida” não apenas na indústria do entretenimento, mas também na academia. Segundo ela, “…E o Vento Levou” relata uma “perda irreparável” desse modo de vida.

    Inclusive, quando os Yankees (os soldados da União) se aproximam de Atlanta, vemos uma cena em que Scarlet cruza com os escravos de Tara que estão marchando, sorridentes e felizes, para a linha de frente, onde irão cavar trincheiras para os confederados.

    “No filme, a escravidão é vista como benigna. Há uma suposta nobreza nisso, porque mantém o negro em seu lugar devido, que na verdade é um lugar feliz e seguro, enquanto que após a guerra, no período imediatamente posterior à abolição, a reconstrução, tudo cai por terra. Ou seja, os negros não têm capacidade de se guiarem a si mesmos”, complementa a professora.

    A autora Molly Haskell também aponta esse retrato “demonizante” do pós guerra, segundo ela como se a abolição tivesse sido uma falha completa, já que os negros acabam se tornando ou favelados ou se aliando aos malvados Yankees. No entanto, Haskell destaca que o filme dá ao sul o que eles não tiveram na vida real: a fantasia da vitória.

    Mas o filme também deixa implícito que o trabalho dos escravos nos campos de algodão não era necessariamente honrado. Quando Scarlet e as irmãs trabalham na colheita de algodão após Tara ter sido saqueada pelos Yankees, vemos elas ficarem com as mãos calejadas, emagrecendo, terem os cabelos desgrenhados, os vestidos sujos e rasgados e cada vez menos parecerem com aquelas beldades do começo do filme que disputavam os “cavalheiros” nos churrascos na fazenda.

    No entanto, logo depois, vemos o pai de Scarlet, já delirante após a guerra, falando para a filha que não estava gostando do jeito que ela tratava Mammy e Prissy. “Devemos tratar muito bem os nossos servos, especialmente os escurinhos (darkies, em inglês)”, num diálogo que claramente tem como intuito dizer que os escravos eram tratados com humanidade.

    Isso não era verdade nem mesmo nos bastidores do filme, quando nem havia mais escravidão. Butterfly McQueen, que interpreta a mentirosa Prissy, teve que negociar com o diretor uma cena em que Scarlet a esbofeteia. Segundo os debatedores, durante a filmagem, Vivien Leigh foi orientada a bater de verdade em McQueen. Em resposta, ela não estava entregando o resultado desejado pelo diretor. Ela então disse ao diretor que só daria a performance desejada se aquela branca não batesse mais em sua cara.

    A força do filme é feminina

     

    Apesar de tudo isso, como ainda conseguimos gostar do filme e nos emocionar com ele? Essa foi a primeira questão respondida pelas debatedoras: a força das personagens femininas, especialmente, Scarlet e Mammy, mas também Melanie.

    “Scarlet é inescrupulosa, maltrata todos que ela ama, mas além da excitação de ver uma mulher tão dona de si, especialmente no sul, onde os homens brancos não possuíam apenas os escravos, mas também suas mulheres, eu acho que a gente torce por ela porque Rhett, Mammy, Melanie e Ashley a amam apesar de todos seus defeitos”, analisa Molly Haskell.

    A produtora Stephanie Allaine diz que o que sempre a atraiu no filme foi o fato de Scarlet ser uma personagem que não é submissa, mas que se coloca em pé de igualdade com os homens. Mesmo em uma cena em que Rhett Butler, ferido de ciúme, ameaça esmagar sua cabeça com as próprias mãos, ela não se intimida: “Tire suas mãos de mim, seu bêbado idiota!”, diz a altiva personagem.

    “Ela é resiliente, não desiste nunca. Mas o filme tem outra personagem que me atrai muito que é a Mammy, que é inteligente, sábia e destemida. Ela é a consciência do filme. E, além disso, ela é a única que enfrenta Scarlet e, com astúcia, a convence a fazer o que é certo.”

    No filme, aliás, Mammy é um papel muito maior que no livro, graças ao produtor David O. Selznick e à performance cativante de Hattie McDaniel, que em inglês não tem os cacoetes ridiculamente racistas da dublagem brasileira. Até a autora do livro, Margareth Mitchell, apontou que, na plantation, nenhuma escrava, por mais status que tivesse dentro de casa, gritaria da janela com uma sinhazinha como acontece no filme.

    Filme é anti-guerra

     

    “…E o Vento Levou” pode ser um filme que romantiza a escravidão, mas seus dois protagonistas são os maiores críticos da Confederação e da guerra que dela se sucedeu. Isso fica bem claro na primeira aparição de Rhett Butler, quando os sulistas estão reunidos na fazenda de Ashley Wilkes se vangloriando de um ataque do general Robert E. Lee que forçou o exército do presidente Lincoln a recuar. Butler, um homem de reputação duvidosa, explica que o sul não tem sequer uma fábrica de canhões e que a única coisa que eles têm são escravos, algodão e arrogância. Em uma cena posterior, ele diz a Scarlet que aquela guerra é um desperdício em nome da teimosia em se manter no passado.

    Mas, novamente, é o no cinismo de Scarlet O’Hara que vemos talvez a maior declaração de repulsa ao regime escravagista do sul. Quando ela assume a madeireira de seu marido, contrata prisioneiros de guerra sulistas para cortar árvores para seu negócio. Eles lhes são apresentados por um feitor, que lhe pede “carta branca” para lidar com eles.

    O nobre Ashley faz uma objeção dizendo a ela que a tal carta branca significa liberdade para bater e subnutrir os prisioneiros, que ele prefere contratar negros libertos, mas Scarlet se opõe dizendo que o preço que eles cobram iria quebrar o negócio. Ashley então diz que se recusa a lucrar às custas de trabalho forçado e do sofrimento dos outros. Ela, então, lhe dá um xeque-mate: “Você não era tão seletivo assim quando possuía escravos.”

    Neste ponto da narrativa, Scarlet já havia jurado por Deus que jamais passaria fome novamente, nem que precisasse matar, roubar ou trair. Também havia decidido vencer os Yankees em seu próprio jogo, ou seja, ela se torna uma yankee, nem que seja às custas de seu próprio povo.

    Para as debatedoras, essa postura da personagem torna o filme um crítica à guerra civil americana. “Scarlet não é mais aquela menina simplória, mas sobrevivente como é ela vai fazer de tudo para vencer. Porque no fundo ela não acredita na guerra nem naquela filosofia ultrapassada que a originou. Scarlet na verdade se torna a antítese do sul.”

    Portanto, a experiência de assistir a “…E o Vento Levou” com todo esse debate e contextualização não apenas é mais rica intelectualmente, como tampouco nos impede de gostar do filme apesar e também, por que não, por causa de suas contradições. Ao contrário, todo esse material nos abre os olhos para o caráter insidioso daqueles que usam o cinema para moldar a realidade e reescrever a história, como bem aponta, ao fim do debate, uma pessoa da plateia.

    “Acho que estamos sendo muito tolerantes com o retrato que se faz dos confederados, não apenas no filme. Hoje você faz uma tour por Charleston e eles mostram um lugar onde foi um mercado, mas não dizem que era um mercado ‘de escravos’. Nas plantations, a mesma coisa. Você vê em algumas delas uma placa explicando que ‘aquela plantation foi construída com trabalho não remunerado’, como se aquelas pessoas tivessem ido voluntariamente trabalhar ali.”

  • Mais um caso de racismo. Desta vez, nas Lojas Americanas, em Brasília

    Mais um caso de racismo. Desta vez, nas Lojas Americanas, em Brasília

    No começo da noite o dia 30/06, Marcus Vinícius Siqueira Silva, de 18 anos, foi fazer compras em uma filial das Lojas Americanas na região central do Gama (St. Central – Gama, Brasília – DF, 72405-610), em Brasília. A partir do momento em que Marcus entrou na loja, passou a ser observado de perto e de forma constrangedora pela segurança. Constrangido, Marcus contou à mãe a situação.  A mãe de Marcus questionou a segurança, que respondeu de forma irônica, e em seguida tentou partir para cima da mãe do rapaz; um outro funcionário da loja conteve a colega, e a afastou dos clientes. A irmã de Marcus filmou a parte final do ocorrido.

    Depois do ocorrido, a família registrou um boletim de ocorrência na delegacia de polícia.

    Nas redes sociais, Marcus e sua irmã relataram o que aconteceu:

    “Fomos comprar chocolates nas Lojas americanas do Setor Central – GAMA no dia 30/06/20 ás 18:30h. Eu, Marcus Vinicius, estava olhando alguns produtos do meu interesse nas @americanascom, logo percebi que a funcionária da loja estava me observando e perseguindo demais e comecei a me senti desconfortável e constrangido com aquela situação;  foi aí que comentei com a minha mãe, que começou a observa-la melhor;  eu ficando constrangido com toda a situação, escolhi os ítens rapidamente e parti direto para o caixa. Chegando no caixa minha mãe pediu para falar com o gerente da loja; logo a atendente falou que ele não se encontrava no momento, minha mãe se distanciou, eu e minha irmã ficamos para pagar o que iríamos levar, mas mesmo assim a funcionária não tirava os olhos de mim; acredito que ela tenha me julgado pelo jeito que estava vestido e pela minha cor. Quase indo embora minha mãe chegou a perguntar para a funcionária o porque daquela situação toda e então a funcionária (segurança das lojas americanas ) afirmou que eu estaria me entregando, com tom de arrogância e deboche. A partir disso minha mãe sem acreditar no que estava acontecendo, falou que não tinha razão para aquilo tudo, e a funcionária com tom de deboche e rindo da situação partiu pra cima da minha mãe, o funcionário que aparece no vídeo afastou a segurança pro fundo da loja onde ela continuou confrontando minha mãe. Foi aí que minha irmã começou a gravar o vídeo e logo depois fomos embora.”, diz Marcus.

    Vídeo gravado por marcos, onde relata o caso.

    Boletim de ocorrência:

    À reportagem dos Jornalistas Livres, a assessoria de imprensa das Lojas Americanas respondeu de forma genérica, sem dar maiores explicações:

    “A Lojas Americanas repudia todo e qualquer ato de discriminação e informa que está apurando o ocorrido.”

    Att,

    Vitória Christino
    Assistente de Comunicação

  • Lançado vídeo da campanha “Com racismo não há democracia”

    Lançado vídeo da campanha “Com racismo não há democracia”

    Em nosso passado, formamos quilombos, forjamos revoltas, lutamos por liberdade, construímos a cultura e a história deste país. Hoje, lutamos por uma verdadeira democracia, exercício de poder da maioria, e conclamamos aqueles e aquelas que se indignam com as injustiças de nosso país.

     

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    NÃO HÁ DEMOCRACIA SEM ENFRENTAR O RACISMO.

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    “Enquanto houver RACISMO, não haverá DEMOCRACIA.

    Nós, população negra organizada, mulheres negras, pessoas faveladas, periféricas, LGBTQIA+, que professam religiões de matriz africana, quilombolas, pretos e pretas com distintas confissões de fé, povos do campo, das águas e da floresta, trabalhadores explorados, informais e desempregados, em Coalizão Negra por Direitos, viemos a público exigir a erradicação do racismo como prática genocida contra a população negra.

    O Brasil é um país em dívida com a população negra – dívidas históricas e atuais. Portanto, qualquer projeto ou articulação por democracia no país exige o firme e real compromisso de enfrentamento ao racismo. Convocamos os setores democráticos da sociedade brasileira, as instituições e pessoas que hoje demonstram comoção com as mazelas do racismo e se afirmam antirracistas: sejam coerentes. Pratiquem o que discursam. Unam-se a nós neste manifesto, às nossas iniciativas históricas e permanentes de resistências e às propostas que defendemos como forma de construir a democracia, organizada em nosso programa.

    Esta convocação é ainda mais urgente em meio à pandemia da Covid-19, quando sabemos que a população negra é o segmento que mais adoece e morre, que amplia as filas de desempregados e que sente na pele o desmantelamento das políticas públicas sociais. Em meio à pandemia de Covid-19, o debate racial não pode mais ser ignorado.

    Neste momento, em que diferentes setores se unem em defesa da democracia, contra o fascismo e o autoritarismo e pelo fim do governo Bolsonaro, é de suma importância considerar o racismo como assunto central.

    “Estamos vindo a público para denunciar as péssimas condições de vida da comunidade negra.” Este trecho, retirado do manifesto de fundação do Movimento Negro Unificado Contra a Discriminação Racial, de julho de 1978, é a prova de que jamais fomos ouvidos e

    de que sempre estivemos por nossa própria conta.

    Essa é uma luta que não começa aqui, mas que se materializou no pensamento e na ação de homens e mulheres que, em todos os momentos históricos em que a brutalidade foi imposta ao povo negro, levantaram suas vozes e disseram: NÃO!

    imagem comracismonaohademocracia

    Não há democracia, cidadania e justiça social sem compromisso público de reconhecimento do movimento negro como sujeito político que congrega a defesa da cidadania negra no país. Não há democracia sem enfrentar o racismo, a violência policial e o sistema judiciário que encarcera desproporcionalmente a população negra. Não há cidadania sem garantir redistribuição de renda, trabalho, saúde, terra, moradia, educação, cultura, mobilidade, lazer e participação da população negra em espaços decisórios de poder. Não há democracia sem garantias constitucionais de titulação dos territórios quilombolas, sem respeito ao modo de vida das comunidades tradicionais. Não há democracia com contaminação e degradação dos recursos naturais necessários para a reprodução física e cultural. Não há democracia sem o respeito à liberdade religiosa. Não há justiça social sem que as necessidades e os interesses de 55,7% da população brasileira sejam plenamente atendidos.

    O racismo deve ser rechaçado em todo o mundo. O brutal assassinato de George Floyd demonstra isso, com as revoltas, manifestações e insurreições nas ruas e a exigência de justiça racial. No Brasil, nos solidarizamos com essa luta e com esses protestos e reivindicamos justiça para todos os nossos jovens e para a população negra. E, entre muitos que não podemos esquecer, João Pedro presente!

    Em nosso passado, formamos quilombos, forjamos revoltas, lutamos por liberdade, construímos a cultura e a história deste país. Hoje, lutamos por uma verdadeira democracia, exercício de poder da maioria, e conclamamos aqueles e aquelas que se indignam com as injustiças de nosso país.

    Porque a prática é o critério da verdade.”

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    por Coalizão Negra Por Direitos

    Vídeo: João Wainer