Jornalistas Livres

Tag: politica

  • Opinião: Hienas em espólio eleitoral

    Opinião: Hienas em espólio eleitoral

    Comissão aprova às pressas redução da maioridade penal em Brasília

    A irracionalidade, característica da negociação política utilitarista, se impôs ontem na comissão especial que discute a redução da maioridade penal.

    Sedentos pelos votos do campo conservador, que cresce dinamicamente entre os eleitores tradicionais de Dilma Rousseff, os partidos que fazem oposição ao governo encontraram um mínimo denominador comum que lhes permite vestir o estereótipo de justiceiros populares, enquanto a coalizão do governo — que carece de capital político — se poupou do desgaste inerente à derrota e deixou de atuar como bloco.

    Foi referendado o “parecer girafa” em que a redução acontece para crimes mais violentos, o que denota a pouca seriedade dos envolvidos, uma vez que trata-se de evidente resposta aos clamores populares insuflados pela mídia tradicional, com a super exposição artificial que esses crime tem tido. É de conhecimento geral que o aumento na gravidade das penas não implica em redução da disposição dos potenciais criminosos em executar os crimes.

    O posicionamento do PSDB abrandou a irracionalidade da proposta mas deixou claro que também se pauta pela opinião pública de forma populista.

    O ex-presidente Juscelino Kubitschek afirmou, sobre a derrota da ditadura nas urnas em 1974 e as implicações desse acontecimento, que estava solto o “monstro da opinião pública”. Pois agora está solto o monstro, acéfalo, e nós lhe oferecemos como primeira vítima as nossas crianças.

    Oferecemos ao monstro justamente os meninos e as meninas com menos recursos e capacidade de defesa. Fizemos e estamos fazendo isso enquanto coletividade, por meio de nossos legítimos representantes eleitos, que não criam consenso. Negociam e disputam tal qual hienas os espólios eleitorais uns dos outros.

     

  • “Me sinto humilhado”, afirma Sérgio Mamberti

    “Me sinto humilhado”, afirma Sérgio Mamberti

    Artista está sendo agredido pela internet após jornalista postar vídeo nas redes sociais e acusa-lo de incitar a violência e defender a corrupção

     “Parece que do dia para noite toda a minha trajetória de luta pela democracia e pelos direitos humanos foi esquecida”, afirma o ator Sérgio Mamberti (76), que vive, desde a manhã da quinta-feira (11), o que chamou de humilhação pública.

    Desde que o post de uma jornalista foi publicado, o artista recebe mensagens agressivas e ameaças via redes sociais. Segundo a afirmação da jornalista, Mamberti “convocou grupos black blocks, chamou as manifestações do povo brasileiro de piquenique de ricos e disse que a militância do PT não pode aceitar a prisão de membros do partido”.

    Entretanto, a profissional não entrevistou, nem procurou o artista para esclarecimentos sobre o trecho do vídeo publicado em sua página pessoal. “Minha afirmação foi distorcida e totalmente retirada do contexto”, garante o ator, que diz se sentir “invadido, vilipendiado e cerceado em seu direito de liberdade de expressão”.

    O trecho publicado do vídeo em questão, teria sido gravado durante uma reunião fechada do diretório do Partido dos Trabalhadores (PT), do qual o artista é membro e um dos fundadores. “O que fiz na reunião foi pontuar que, em todas as manifestações contra o aumento da tarifa de ônibus, e favor da melhoria das condições de trabalho dos professores, entre outras, os black blocks compareceram. Muitas vezes de forma agressiva e até atrapalharam reinvindicações legítimas. Entretanto, quando grupos se juntaram na avenida Paulista para pedir o impeachment presidencial, intervenção militar e o fim da corrupção, eles não apareceram”, explicou Mamberti, em entrevista aos #JornalistasLivres.

    “Defendo o direito irrestrito à manifestação e quem me conhece, conhece o meu trabalho e a minha história, sabe que eu nunca defenderia um ato de violência sequer. Muito pelo contrário. Apesar de não concordar com algumas das reivindicações feitas durante os atos organizados pelos grupos de direita, eu lutei durante toda a Ditadura e ainda luto pela liberdade de expressão acima de qualquer coisa”, disse.

    Sobre a acusação de defender da impunidade para crimes de corrupção, o ator é categórico na defesa da livre investigação e dura punição de quem é culpado, mas alerta para a supressão do princípio mais básico da Justiça, que é o da presunção da inocência, até que se prove o contrário. “Como cidadão quero muito mais investigação, esclarecimento e punição. E não se pode negar que o governo atual é o que mais tem se aprofundado na questão. Entretanto, o que se vê na imprensa são as pessoas sofrerem linchamento público com base em acusações que ainda não foram provadas e algumas vezes nunca o são. Aí eu me pergunto onde está a imprensa que investiga, que pondera, que mostra os prós e os contras?”, analisa o ator.

    Não é a primeira vez que a jornalista em questão se envolve em polêmicas como esta. Com mais de um milhão de curtidas em sua página no Facebook, a profissional já foi acusada de dar declarações que incitaram à violência, já bateu boca, ao vivo, com outro apresentador, recebeu um pedido de retratação por parte do Ministério Público (MP) por declarações feitas no programa que apresenta e, agora, enfrenta uma petição pública que tenta impedir que ela receba o título de cidadã do município de Goiânia.

    Procurada pela reportagem para comentar sobre seu post, a jornalista não se manifestou até a publicação deste texto. Por causa da postagem, o ator está sendo alvos de centenas de mensagens agressivas nas redes sociais e disse que isto está abalando sua família. Além do mais, ele disse que tem clara consciência que a situação pode afetar seu trabalho e sua imagem.

    “Sou do tempo em que as pessoas botavam a cara para bater. Mas o anonimato e a distância que a internet fornece, incentivam a violência gratuita. Isso pode acabar com a minha reputação, que foi construída por mais de 30 anos com base na defesa da democracia. Quem diria?”, lamenta.

    Ao fim da entrevista com o ator, feita por telefone durante quase uma hora, na noite o mesmo dia da postagem, foi possível perceber sua voz embargada pela emoção. “Entendo que estamos em processo de construção de direitos fundamentais. Mas olho em volta e me pergunto, será que conquistamos mesmo o Estado de Direito por qual tanto lutamos?”, questiona Sérgio Mamberti.


    Seja Jornalista Livres! Apoie a construção da nossa rede:catarse.me/jornalistaslivres

     

  • Hoje devia ser feriado nacional

    Hoje devia ser feriado nacional

     

    Os motivos que levam um parlamentar a votar a favor ou contra um projeto — quando o comando da bancada não “fecha questão” em torno da matéria, deixando os seus membros livres para decidir como queiram — geralmente se resumem a uma mistura de convicções, fidelidade a acordos políticos e interesses.

    Para o público, essa última palavra é a Geni do sistema. O interesse é tido por definição como espúrio, ilegítimo, imoral — suprema traição do eleito aos seus eleitores. Mas isso não é necessariamente verdadeiro. Como não é verdade que os interesses que nos movem a todos em todas as esferas da vida sejam indignos e ofensivos ao ideal da integridade que deve pautar os atos dos seres decentes.

    De mais a mais, condenar os políticos à lapidação por violação contumaz da ética pode ser conveniente para ocultar os nossos próprios cadáveres — os pecadilhos que vamos acumulando ao longo do tempo por força do que os romanos chamavam com sabedoria e resignação ipsa humana natura.

    Só que o desprezo e a repulsa que muita gente, em quase toda parte, sente pelos que, em vez de representar quem os elegeu, servem aos interesses entrelaçados com o seu sucesso, é tão fútil como tentar ler jornal contra o vento.

    É assim que a democracia parlamentar funciona — misturando sujeira e limpeza em proporções difíceis de determinar de antemão.

    Mas tem o raro dia em que o interesse dos políticos e o interesse da sociedade convergem. Foi o que aconteceu na terça à noite no plenário da Câmara, quando 267 deputados (ante 210) abateram a escabrosa proposta concebida pelo vice de Dilma, Michel Temer, e apoiada com entusiasmo pelo presidente da Casa, o até então invicto Eduardo Cunha, do PMDB do Rio: o chamado “distritão” para a eleição de deputados e vereadores.

    O projeto equipararia essas votações àquelas para prefeito, governador e presidente, em que o voto dado a um candidato de nada valeria se não ajudasse a elegê-lo. No sistema proporcional em vigor no país desde 1946, o voto individual serve também para ajudar o partido ou a coligação do dito cujo a conquistar assentos nas câmaras e assembleias — mesmo que ele pessoalmente não chegue lá.

    O sistema tem um defeito grave. Permite que o voto dado ao candidato A do partido X acabe elegendo o candidato B do partido Y a ele coligado. É o que dá sobrevida aos nanicos, que vendem aos maiores o tempo de que dispõem no horário eleitoral — pouco, mas nem por isso menos precioso — em troca de lugares na chapa comum.

    Perto do distritão, porém, é uma beleza. Na perversão da democracia imaginada pela dupla Temer&Cunha, as 70 vagas para a Câmara federal a que o Estado de São Paulo tem direito, seriam preenchidas pelos 70 candidatos mais votados, fossem quais fossem as siglas a que estivessem filiados. E estas seriam induzidas a “contratar” radialistas, celebridades e outras figuras de destaque na chamada cultura de massa para entrar com presumível vantagem nas disputas distrito a distrito.

    Eduardo Cunha Foto: Antonio Cruz/ Agência Brasil

    Não há notícia de que algum cientista político brasileiro tenha manifestado apoio à enormidade. Ao contrário, os mais respeitados entre eles assinaram um documento de alerta para o desastre que representaria a sua adoção.

    Quem quiser encontrar um motivo para explicar cada um dos 267 votos que salvaram o país do que seria o maior retrocesso político desde a ditadura militar de 1964–1985 vai acabar encontrando mais motivos do que é capaz de segurar nas mãos.

    Mas o que decidiu a parada, pode-se apostar, foi o interesse da maioria de suas excelências. Políticos são essencialmente seres que calculam. A cada votação importante, se não forem tolhidos pelo “fechamento da questão” pesam os pros e contras para as suas carreiras se a proposta na ordem do dia prevalecer ou cair no processo.

    No caso do distritão, a maioria entendeu que a aprovação do monstrengo seria ruim para os partidos pelos quais se elegeram e para suas chances pessoais de longevidade política.

    E assim se deu que o que eles entenderam ser vantajoso para si mesmos coincidiu com que é vantajoso para o país. Isso é tão bom e tão infrequente que hoje devia ser feriado nacional.

    Foto: Luis Macedo/Câmara dos Deputados

    Luiz Weis é jornalista

     

  • Se liga, PT! Na Espanha, já surgiu uma nova voz

    Se liga, PT! Na Espanha, já surgiu uma nova voz

    Lola Sánchez, do Podemos, conta como uma camareira tornou-se deputada no Parlamento Europeu, surfando na onda da decepção com os partidos da esquerda tradicional

    María Dolores Sánchez Caldentey, Lola Sánchez para os espanhóis que a elegeram para o Parlamento Europeu, em 2014, é uma das estrelas do grupamento político chamado Podemos.

    Lola durante sua entrevista em um hall de hotel na Tunísia, durante a realização do Fórum Social Mundial em 2015. Foto: Mídia NINJA

    Estrela improvável, por certo. Camareira e garçonete, tendo-se formado em Ciências Políticas pela Universidade de Granada, Lola era mais um dentre os milhões de jovens espanhóis colhidos pela crise econômica que varreu os empregos e a esperança daquele país.

    Como muitos de seus colegas, logo depois de formada a jovem Lola foi tentar a vida no exterior e migrou para a Islândia e a Escócia, em busca da sobrevivência como professora de espanhol.

    Não deu certo porque o mercado estava saturado de gente que havia tido a mesma –e nem um pouco original — ideia.

    Sem nenhuma experiência anterior, Lola teve sua iniciação política na grande jornada que ficou conhecida como 15M (o 15 de maio de 2011), quando milhões de espanhóis foram às ruas protestar contra o plano de austeridade proposto pelo governo do socialista José Luis Rodríguez Zapatero (do PSOE –Partido Socialista Operário Espanhol).

    Comprometido com o FMI, com o Banco Mundial e com os ditames da União Européia, em 10 de maio de 2010, Zapatero apresentou ao Parlamento espanhol um plano brutal de ajuste econômico que incluía, entre outras coisas, uma redução geral dos salários, cortes na previdência, saúde e educação públicas. Partido tradicional da classe operária espanhola, tendo lutado na resistência à terrível Ditadura de Francisco Franco (1892–1975), Zapatero e o PSOE traíram seus representados.

    (E se Dilma não vetar o projeto de lei da terceiriração? O 4330? Veta Dilma!)

    Dessa dolorosa decepção surgiu o 15M em que as reivindicações de trabalho e salários dignos, direitos sociais, casa e verdadeira democracia uniram-se a um lamento dirigido a todos os partidos tradicionais: “Não nos representam!” Com a criação do Podemos (a inspiração vem de Barack Obama, “We Can”), em março de 2014, Lola apresentou-se às primárias para definir as candidaturas às eleições europeias, que venceu.

    Abaixo, a entrevista exclusiva que a eurodeputada concedeu neste mês aos JornalistasLivres e ao Facción, diretamente da Tunísia, durante a realização do Fórum Social Mundial 2015.


    #JornalistasLivres — Como você vê o processo do Partido dos Trabalhadores do Brasil, que está em uma crise de representatividade, de comunicação?

    Lola Sánchez — Não se pode trocar uma elite por outra. É a natureza do ser humano. O ser humano é corruptível, o ser humano é orgulhoso e, além disso, o sistema o faz ser assim. Eu sou uma deputada. Tento não me esquecer de onde venho e para que estou aqui. Mas é difícil porque o próprio sistema é programado para que você se
    sinta alguém especial.

    Todos os privilégios que temos, nós políticos… Os orçamentos, o dinheiro que temos que gerir, as pessoas que entram nos escritórios oferecendo coisas! Bem, enfim… O sistema inteiro é podre. Agora somos minoria e não podemos trocá-lo. Então somos como uma espécie de formiguinhas que se meteram em um castelo de ouro e tentam nos cobrir de ouro para que nos tornemos pessoas como eles.

    Foto: Olmo Calvo / SUB Coop

    #JornalistasLivres — Como evitar essa transmutação das formiguinhas?

    Lola Sánchez — Para evitar a troca de uma elite política por outra, o que deve ser feito é uma renovação constante. A limitação de um tempo determinado nos cargos é fundamental, e sobretudo a vigilância das pessoas, a transparência absoluta… Ou seja, nós, os que estamos nos cargos públicos, publicamos na internet todos nossos gastos, os itens parlamentares que possuímos, quem temos contratado, quanto essa pessoa cobra etc. Isso é fundamental. Que haja uma vigilância de absolutamente tudo o que fazemos. Nós publicamos todas as reuniões que temos, para que as pessoas vejam qual é o trabalho que estamos fazemos. O que não pode acontecer é você dizer que está representando alguém e apenas representar a si mesmo, e quando te pedirem a prestação de contas dizer “não”, ou que não quer prestar contas. E tem que fazer isso [prestar contas] constantemente. Eu sempre digo: “Por favor, vigiem-nos!”

    #JornalistasLivres — Todo homem ou mulher tem seu preço?

    Lola Sánchez — Eu não sou corruptível, mas todo mundo tem um preço e se alguém chega e ameaça a minha família… Se eu não sinto que há alguém por trás de mim me vigiando e ao meu lado apoiando-me em meu trabalho, pode ser que eu me sinta tão só que, no final, acabe cedendo às pressões econômicas, às chantagens ou aos subornos. E isso é o que não pode acontecer..

    ..Nunca se deve deixar um político sozinho com a porta do escritório fechada. As portas devem estar sempre abertas. Sempre, a todo mundo.

    Manifestações de Junho de 2013, Brasília, Brasil. Foto: Mídia NINJA

    #JornalistasLivres — Como você visualiza os processos políticos na Europa e os processos políticos na América Latina?

    Lola Sánchez — Acredito que os processos que estamos vivendo agora na Europa e na América Latina deveriam ser vistos numa perspectiva mais global, e não regional. Temos uma enorme falta de respeito e de conhecimento sobre tudo o que está acontecendo na América Latina. Tudo o que vocês vêm passando há décadas na América Latina está acontecendo, agora, na Europa. Vemos como o capitalismo se enfurece com os países. E não só países em desenvolvimento: agora, são países absolutamente desenvolvidos que estão sofrendo uma espoliação brutal. Na América Latina, temos ótimos exemplos de como solucionar esses problemas; de como cortá-los pela raiz. E isso é uma coisa que deve ser totalmente exportada para a Europa. Acontece que, na Europa, sempre tivemos esse sentimento de superioridade, de que somos nós que exportamos a democracia, nós que exportamos os Direitos Humanos. Agora, muitos governos latino-americanos deveriam vir à Europa nos ensinar como fazer as coisas. O primeiro de tudo é contar com as pessoas — se não contamos com as pessoas, não há como fazer nada.

    Dani Gago / Disopress / Podemos

    #JornalistasLivres — Como assim?

    Lola Sánchez — Para os partidos de direita e para os liberais, as pessoas são um incômodo. Seus direitos são um estorvo. Trata-se de algo que não deve ser ouvido e que tentam excluir. Então, vemos que os partidos de esquerda e os que estão surgindo agora (como, por exemplo, o Syriza, na Grécia, ou o Podemos na Espanha) têm um desafio muito grande. Temos de buscar a participação das pessoas na política, enfrentar nossos próprios governos e os partidos de nossos países. Temos de enfrentar a visão deles sobre os processos latino-americanos (por desconhecimento e por esse sentimento de superioridade que possuem).

    #JornalistasLivres — Você pode explicar como Podemos usa as tecnologias de mobilização do século 21? Como são usadas as redes sociais e as tecnologias de comunicação, principalmente?

    Lola Sánchez — É a construção a partir de baixo. Mas, para fazer com que as pessoas se envolvam na política e que participem da política é preciso, primeiro, fazer com que a autoestima política aumente, porque ela nos foi tirada. Está claro que o sistema representativo no qual vivemos é tudo, menos representativo. Isso eu sempre digo no Parlamento. Fico indignada. Nós estamos ao lado do grupo socialista e vejo as coisas em que eles votam. Muitas vezes, fico cansada com eles, porque sei que estão votando em coisas que seus eleitores rejeitariam. Ou seja, são “representantes” que não estão representando.

    Acampamento do movimento 15M, Madri, Espanha. Foto: Olmo Calvo / SUB Coop

    #JornalistasLivres — Quem eles representam?

    Lola Sánchez — Os partidos políticos tradicionais têm deixado de representar as pessoas que os colocaram ali, as pessoas que votaram neles. Eles votam por seus próprios interesses — de se manter nos cargos, de manter sua força e seu poder. Então, nesta crise do sistema de representação, o que deve ser feito é pular essa etapa de representação; e que sejam as pessoas, o próprio povo, que adentre nas instituições e se autogoverne. Mas, como digo, para isso, primeiro é preciso aumentar a autoestima das pessoas. Fazem-nos acreditar que não sabemos o que queremos e que os únicos que sabem são eles. Querem com isso que os deixemos nos governar, em escritórios com as portas fechadas, onde não sabemos do que falam e com quem falam — porque eles sabem mais do que ninguém, porque eles são os especialistas e os melhores. Isso é a primeira coisa que deve ser rompida. Eles não são os melhores, muito pelo contrário: têm-nos levado a um caos social, econômico e, em muitos casos, humanitário (na Grécia e na Espanha estamos vivendo um desastre humanitário, ao qual “os melhores” nos trouxeram).

    #JornalistasLivres — Como sair desse engodo?

    Lola Sánchez –A primeira coisa que deve ser dita é: não é verdade que vocês sejam os melhores. São, sim, os mais egoístas! Quando as pessoas aumentam sua autoestima política, veem-se com poder de participar e dizer “tenho coisas a dizer”. Realmente, são as pessoas comuns que têm que dizer, porque são elas — a sociedade dos desprotegidos e dos mais fracos — que estão sofrendo essas políticas. Mas nunca ninguém lhes deu voz.

    Dani Gago / Disopress / Podemos

    #JornalistasLivres — De novo, como sair desse engodo?

    Lola Sánchez — Não tem de dar voz num sentido de “Votem em mim! Vou lhes representar!”. Não! “Venha participar e apresente-se conosco!”. Nós votamos em nós mesmos, colocamo-nos dentro das instituições, e cortamos as representações. Minha principal função (creio eu) é a de representar, é verdade. E sempre que voto ou que tenho um discurso no Parlamento Europeu ou qualquer ato institucional, penso se estou representando. E automaticamente penso: “Claro, estou representando, mas não quero representar; quero sentir que sou um deles, porque realmente sou”. Eu, durante a manhã, era uma camareira, no dia das eleições, e à noite era eurodeputada. E não quero me esquecer disso nunca! Um dia vou deixar de ser eurodeputada e deixar de fazer política para voltar à vida real, e não quero tornar-me profissional, porque é quando se esquece para o que está ali.

    #JornalistasLivres — Você se auto-representa, então?

    Lola Sánchez — A necessidade de representação é o que deve ser questionado. E o que deve ser feito é que as pessoas entrem e se auto-representem. E, para isso, precisamos de pessoas normais e comuns. Mas para que entrem pessoas normais e comuns é preciso dizer-lhes: “Vocês sabem muito!”. Eu sempre uso o exemplo de uma dona de casa: uma dona de casa, agora, na Espanha ou na Grécia, está gerindo uma família e levando adiante uma família, com poucos recursos econômicos, com um orçamento muito pequeno. E estão lhes negando todos os serviços sociais — estão deixando as donas de casa sem creches para seus filhos, sem serviços sociais… Essa mulher sabe gerir muito melhor do que o nosso ministro de Economia! E é importante dizer que se trata de uma mulher que não foi a uma universidade, mas tem a mente muito bem trabalhada, porque sua escala de valores é uma escala de pessoas comuns. Há que se revalorizar essas pessoas, dizer-lhes que “vocês, sim, que sabem; vocês, sim, que conhecem os problemas e, certamente, sabem como solucioná-los muito mais do que um ministro de Economia — que tem sete diplomas e não sei quantos mestrados”.

    Acampamento do movimento 15M, Madri, Espanha. Foto: Olmo Calvo / SUB Coop

    #JornalistasLivres — Qual é a relação que os movimentos sociais devem estabelecer com o governo?

    Lola Sánchez — Não podemos cometer erros que foram cometidos em alguns países da América Latina, em que os partidos políticos emergentes que chegaram ao governo tiraram as cabeças pensantes dos movimentos sociais. Tiraram os líderes dos movimentos sociais para que fizessem parte do governo. Uma coisa tem que ser o partido político, e as pessoas que estão fazendo política — ou legislando… Outra são os movimentos sociais, que têm que ser respeitados sempre. Que se mantenham ali, porque têm que ser integrantes da crítica, da vigilância. Quem tem de fazer lobby conosco são os movimentos sociais, e não as empresas. Assim, o poder político se converteria em um poder social, e não em um poder econômico, como é agora. Agora, o poder político é poder econômico, e o poder social não existe. O poder social são os protestos nas ruas que, na maioria das vezes, não vão a nenhum lugar. Os movimentos sociais são os que sabem o que está acontecendo nas ruas e, como eu disse, são também os que conhecem as soluções, porque aquele que conhece o problema conhece, também, sua solução..

    ..Não podemos tirar as cabeças pensantes dos movimentos sociais — elas são parte fundamental de qualquer mudança. Há que lhes dar oxigênio, há que lhes dar forças, protagonismo absoluto e dignidade.

    Revolta dos Garis, Rio de Janeiro, Brasil. Foto: Mídia NINJA

    #JornalistasLivres — Como você e o Podemos pensam a imprensa, a democratização dos meios de comunicação? O que pensam sobre isso? E sobre a mobilização nas redes sociais, também: como usam a mídia alternativa para isso?

    Lola Sánchez — Podemos foi obrigado a sair dos meios tradicionais de comunicação, porque senão ninguém teria nos conhecido. Porque fomos vetados durante muitos meses na mídia tradicional, mesmo sendo um movimento muito forte (claro, porque somos um perigo; para eles, somos “o inimigo”). E felizmente existem as redes sociais, e dentro das redes sociais os meios de comunicação alternativos. Mas não podemos estar sempre centrados nas redes sociais porque nem todo mundo tem acesso a elas. Pessoas mais velhas ou pessoas que não têm possibilidade de ter internet, pessoas com baixa escolaridade ou que não tiveram acesso à educação não têm acesso às redes sociais, e a essas pessoas também temos que chegar. É claro que, neste momento, o Podemos não pode fazer nada em relação a isso, porque não estamos no governo, mas está claro que a liberdade de imprensa é uma obrigação absoluta, assim como fomentar o apoio a múltiplos meios de comunicação. Não é possível que na Espanha haja apenas quatro jornais — não há mais jornais, e os quatro dizem o mesmo. Vendo as capas dos quatro, vemos que elas variam muito pouco. E, no final, é isso o que as pessoas leem.

    #JornalistasLivres — Poderia explicar como você conseguiu ascender de uma trabalhadora a parlamentar europeia?

    Lola Sánchez — Creio que seja pelo momento que a Espanha estava vivendo. Éramos um país riquíssimo, grande parte da população vivia bem, e esta crise partiu a sociedade, quebrou-a, e foi criada esta diferença, que é a diferença entre os partidos políticos tradicionais e as pessoas que estão sofrendo com a crise. Foi onde o Podemos entrou, com o discurso de que somos pessoas comuns fazendo política. No final, as pessoas normais é que entraram nisso. Eu, a primeira, nunca havia feito política nem havia me envolvido com nenhum partido — e em movimentos sociais, muito pouco. O 15M sim, que me mobilizou, mas como eu sempre estava indo para o exterior, me desvinculei e em seguida foi difícil revincular-me. A questão é que as pessoas têm entendido, sem saber explicar, que há uma crise de representatividade. E então, as pessoas, ao invés de votarem em políticos, decidiram votar em pessoas como elas mesmas. E o fato de eu estar trabalhando como camareira (mesmo depois de ser eleita, porque precisava trabalhar), chamou muito a atenção das pessoas, porque elas me viram como igual. E é o que faz falta: que nos vejamos como iguais — não como políticos. Nós, que estamos ocupando um cargo político num determinado momento, temos que ser uma representação real..

    ..Temos que ser gente da rua, e eu creio que o segredo tenha sido esse. As pessoas viram que éramos pessoas normais e comuns, mas fazendo coisas muito grandes, fazendo coisas que não havíamos feito antes.


    #JornalistasLivres — Você é uma mulher ocupando um cargo no parlamento. Qual é a importância dos movimentos feministas, nesse contexto?

    Lola Sánchez — É essencial. Uma das primeiras medidas que tomamos, quando o Podemos foi criado, foi apresentar uma lista com as opções “homem, mulher, homem, mulher, homem, mulher”. Se o primeiro mais votado era uma mulher, seguia-lhe um homem, etc. Graças a isso, eu sou eurodeputada. Na verdade, até no momento da votação, fiquei em sexto, na lista, mas ela foi reordenada, porque havia dois homens na minha frente. Não deixa de ser uma representação do que ainda é a sociedade. E a sociedade espanhola ainda tem muito o que caminhar para haver igualdade entre o homem e a mulher. Um primeiro passo são as leis, que devem ser colocadas, de forma obrigatória, para impulsionar a mulher e, de vez em quando, afastar um pouco o homem, para que seja aberto caminho para a mulher, porque, caso contrário, os homens pegam tudo.

    #JornalistasLivres — E quanto à vida real, onde mais o Podemos é feminista?

    Lola Sánchez — O discurso feminista no Podemos é essencial (realmente é), porque já não são apenas as listas, e sim todas as medidas econômicas que nós consideramos que são necessárias para libertar a mulher do peso que está havendo, neste momento, nos países em crise, onde os serviços sociais estão sendo eliminados. Quem suporta esse peso são as mulheres. São as mulheres que estão cuidando das crianças que ficaram sem escolas, dos idosos e dependentes, das pessoas doentes. São coisas que o Estado deveria fazer, mas quem está fazendo são as mulheres. E elas estão fazendo isso em silêncio, e de maneira invisível, porque é algo que é feito dentro das casas e ninguém vê. Então, primeiramente, isto deve ser reconhecido, porque é o que está acontecendo; é uma coisa que não acontece nas ruas — e então, parece que se as pessoas não veem, não existe. Sim, existe, e é um drama em muitíssimas famílias, porque há mulheres que têm que deixar seus empregos para cuidar de seus idosos. É uma verdadeira barbaridade; um não cumprimento dos deveres do Estado. Então, as medidas mais urgentes têm que se dar nesse sentido — de libertar a mulher, e não apenas para que esta possa ascender ao mercado de trabalho, mas que possa ascender na política.

    Marcha das Vadias, São Paulo, Brasil. Foto: Mídia NINJA

     

    Mais textos e fotos dos Jornalistas Livres acessefacebook.com/jornalistaslivres

     

  • Afinal, o que eles querem?

    Afinal, o que eles querem?

    Milhares foram às ruas em todo o Brasil pedindo Impeachment, a saída do PT e até intervenção militar. Em comum: a ausência de propostas

    O dia 15 foi marcado por manifestações contra o governo em 25 estados, no Distrito Federal e no exterior. Esta que vos fala acompanhou o ato em São Paulo. Conversei com dezenas de pessoas, homens e mulheres, brancos e negros (embora em expressiva minoria), a favor e contra a intervenção.

    Afinal, o que eles querem?

    Logo ao chegarmos à Paulista, por volta das 13h, pudemos sentir o clima da manifestação. A atmosfera era de final de copa do mundo, as pessoas chegavam em grandes grupos, vestindo camisas do Brasil, enrolados em bandeiras e munidos de suas vuvuzelas. “Contra a corrupção e com uma camiseta da CBF, amigo?” perguntei, em tom de brincadeira, ao advogado Alexandre. “Poxa, é verdade”, respondeu, sem graça.

    A ausência de coerência política foi uma constante. E, para além das milhares de camisetas da CBF, ela ficavam clara no discurso. Alexandre, por exemplo, não é a favor da intervenção militar. Ele acha que é na democracia que a crise institucional encontrará sua saída.

    Foto: Renato Stockler

    “A Dilma devia renunciar, mas, se ela não sair, sou a favor do impeachment”. Alexandre, no entanto, não conseguiu me responder o que deveríamos fazer após a saída de presidenta.

    A ala da Intervenção Militar do grande carnaval da democracia — pois, SIM foi uma manifestação democrática — não era majoritária. Mas soube fazer barulho. Paulo Baldi, aposentado, podia até passar despercebido. Ficava quieto em um canto da calçada, sem interagir muito, sem gritar as palavras de ordem. No pescoço, um cartaz com os dizeres: “Saudades da Ditadura. Democracia só para roubar…”. Ele é filiado ao PPS (?) e acha que não existe solução para a corrupção dentro da democracia.

    No carro de som S.O.S Forças Armadas, que liderava a trupe, gritavam “Novamente, na história do Brasil, São Paulo dá o exemplo”. José Edson, militar (tira, é melhor colocar funcionário público), também é a favor da intervenção militar. “No momento, o mais indicado é a intervenção militar. Ninguém pode fazer a verdadeira revolução que precisamos”. Ele tem 55 anos e diz se lembrar da ditadura militar “As pessoas de bem estavam nas ruas e os bandidos estavam presos, agora, é o contrário”. Pergunto se ele é a favor da separação de São Paulo do restante do país:

    “Não, acho que o progresso tem que chegar a todos os estados. São Paulo não pode mais levar o país nas costas. Os nordestinos tem que parar de precisar vir para São Paulo. Afinal, na nossa bandeira diz Ordem e Progresso. Cadê a ordem? Cadê o progresso?”, indaga. A intervenção seria para sempre? “Não, só até convocar novas eleições e estabelecer a ordem”. Também não conseguiu assegurar que uma nova eleição resolveria o problema da corrupção.

    No meio da multidão uma faixa me chamou a atenção “Grandes Companhias escolhem os Candidatos nos Partidos e mandam fortunas para os Partidos que Recebem x 100 pelas Obras Superfaturadas”. Pergunto ao rapaz que segurava a ponta esquerda da faixa: “Você é contra o financiamento privado de campanha? Defende alguma plataforma da reforma política?” “Na verdade moça, quem fez a faixa foi aquele moço da ponta. Acho melhor falar com ele”. Sigo até a ponta direita e faço a mesma pergunta. Giovani Zimovstic, gráfico, me responde: “Sim, sou a favor da reforma política” “E como essa reforma política deveria ser feita?” “Mudando as leis” “Mas quais leis?” “Moça, coloca aí: defendo que todos os políticos deveriam ter suas contas abertas”. Legal, eu também. Mas isso não é uma reforma política.

    Foto: Larissa Gould

    Ao fundo escuto uma voz masculina dizer em um megafone: “Essa é a marcha da Família Brasileira e dos cidadãos de bem”. Ao mesmo tempo, vejo passar uma faixa “Contra o Fanatismo e Populismo”, atrás da faixa uma multidão gritava “A Dilma morreu!”.

    Claudia e Felício Vital, um casal de senhores aposentados simpáticos, estava nesse momento. Eles são a favor do impeachment, mas não da intervenção militar. Também não são a favor de Michel Temer “mas se não tiver jeito, melhor que a Dilma”. Eles não souberam indicar qual a solução para a corrupção do Brasil.

    Quase que imediatamente Reginaldo Lopes, consultor de segurança, me aborda: “Você é jornalista?” “Sim” “Posso dar o meu depoimento?” “Claro”. Em seguida, Reginaldo dá o seu depoimento:

    “O Problema do Brasil é o Foro de São Paulo. Nos anos 90’ Lula e Fidel Castro criaram o Foro e o PSDB foi conivente. De 2 em 2 anos eles se encontram e junto com o Unasul querem criar um bloco da América Latina”. Ele não é a favor da intervenção militar. Na verdade acha que intervenção militar é coisa do PT “Já financiaram a guerra, agora chamam o exército do MST” e ironiza “O nosso professor de filosofia Olavo de Carvalho — conhece? — tinha razão! Exército? Eles vão nos atacar com picaretas e enxadas?”. E finaliza “Você vai usar a entrevista né? Essa é minha contribuição”. Vou, asseguro. Ele também não me apresentou propostas para depois do Impeachment.

    A verdade é que entre as dezenas de pessoas que falei, nenhuma delas conseguiu me dar uma proposta para a crise institucional. Elas estavam todas perdidas, insatisfeitas, mas perdidas. Talvez a pessoa mais sincera que eu tenha conversado tenha sido a Dona Rosa, que vendia churrasquinho enquanto as milhares de pessoas iam à Avenida Paulista pedir mais direitos. A moradora do Jd. Santa Margarida, extremo Zona Sul, contou que ficou sabendo da manifestação pela TV, no jornal, ela não sabia se era a favor ou contra. “Não sei moça, eu fico na dúvida” “Por quê?” “Eu acho que não importa quem entrar, não vai mudar” “A senhora não vê nenhuma saída?” “Não” “E a senhora votou em quem?” “Eu votei na Dilma”.

    Poderia contar outras muitas conversar e citar outros tantos cartazes. Mas a verdade é que a insatisfação é geral e legítima. No entanto, estão todos tão confusos quanto Dona Rosa. Ao mesmo tempo em que se vangloriam por não ter lideranças, não sabem que rumo tomar.

    Foram milhares nas ruas do Brasil. Eles podem até saber o que não querem, mas, definitivamente, não sabem o que querem.

     Foto: Renato Stockler