“Esse horror que é a morte do menino Miguel é a história com mais símbolos de que eu tenho lembrança:
A empregada que trabalha durante a pandemia;
A empregada, mãe solo, que não tem com quem deixar o filho;
A empregada é negra;
A patroa é loura;
A patroa é casada com um prefeito;
O prefeito tem uma residência em outro município, que não é o que governa;
A patroa tem um cachorro, mas não leva ele pra passear, delega;
A patroa está fazendo as unhas em plena pandemia, expondo outra trabalhadora;
A patroa despacha sem remorso o menino no elevador;
O menino se chama Miguel, nome de anjo;
O sobrenome da patroa é Corte Real;
A empregada pegou Covid com o patrão;
A empregada consta como funcionária da Prefeitura de Tamandaré;
Tudo isso acontece nas torres gêmeas, ícone do processo e verticalização desenfreada, especulação imobiliária e segregação da cidade do Recife;
Tudo isso acontece em meio aos protestos Vidas Negras Importam;
Tudo isso acontece no dia em que se completaram cinco anos da sanção da lei que regulamentou o trabalho doméstico no Brasil;
É muita coisa, muito símbolo.”
Texto por Joana Rozowykwiat (@joanagr) (@JoanaRozowyk)
Tag: morte
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É muita Coisa, muito Símbolo!
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A Polícia de Wilson Witzel matou João Pedro, um jovem estudante. Ele poderia ser seu filho
Por Katia Passos e Lucas Martins, Jornalistas Livres
“Quero dizer, senhor governador Wilson Witzel que a sua polícia não matou só um jovem de 14 anos com um sonho e projetos, a sua polícia matou uma família completa, matou um pai, uma mãe e o João Pedro. Foi isso que a sua polícia fez com a minha vida”.
Foi em razão da frase acima, um desabafo revoltado e trágico de Neilton Pinto, pai do garoto João Pedro, de 14 anos, que na segunda (18/05), enquanto brincava com primos em casa, no Complexo do Salgueiro, em São Gonçalo, foi atingido no peito por projétil de arma de fogo, que relembramos um fato público, de 50 anos atrás, que ocupou os jornais do Rio de Janeiro em março de 1968. Nada mudou.
Naquele começo de mês de março de 1968, Edson Luís de Souto Lima, um jovem estudante paraense do ensino médio secundarista foi baleado pela polícia e os jornais deram a notícia em destaque dizendo que ‘mataram um jovem estudante e ele poderia ser seu filho.’ Eram tempos duros também, pois o país sobrevivia em plena Ditadura Militar e hoje, parece que nada mudou em pleno 2020 de novo Coronavírus.
A necropolítica de Witzel e seus aliados não descansa nem mesmo durante a maior crise sanitária mundial. O Rio de Janeiro virou um necrotério.
Por isso, é muito óbvio para o restante do país e para o mundo, que hoje o Rio de Janeiro é um dos territórios brasileiros onde jovens estudantes são mais executados pela necropolítica dos governos racistas, ditatoriais e fascistas. Uma contradição absurda, visto que, a polícia não deveria protege-los? Mas sabemos a resposta.
É muito absurdo pensar que João Pedro Matos Pinto, de apenas 14 anos deixou o mundo. E como se a história não pudesse ser ainda mais trágica, depois de balearem o garoto, os policiais o levaram de helicóptero, “para socorre-lo”, sem satisfações à família. Sem desculpas, sem que ninguém pudesse sequer acompanha-lo.
A família ficou em choque e uma rede de amigos, coletivos e influencers pretos da internet rapidamente fizeram uma corrente em busca de João Pedro. Procura-se João Pedro era a frase mais veiculada nas redes sociais, desde a tarde, entrando pela madrugada desta terça 19 de maio.
O Corpo de Bombeiros, segundo o Jornal O Dia, informou que o menino foi deixado sem vida, por volta das 15h, de segunda-feira, 18/05, no Grupamento de Operações Aéreas (GOA) da Lagoa, Zona Sul carioca.
Somente depois de centenas de buscas realizadas de diversas maneiras e em diferentes lugares é que os familiares encontraram o corpo do menino no Instituto Médico Legal) de São Gonçalo e assim a morte foi confirmada. Que dor!
Cinicamente, hoje, uma nova operação das Polícias Civil e Federal foi realizada no mesmo bairro. Poucos dias atrás, na última sexta (15), uma outra ação no complexo do Alemão deixou pelo menos dez mortos, após a entrada do Batalhão de Operações Especiais (BOPE) na comunidade.
A carioca Mônica Cunha, que já perdeu um filho nas mesmas circunstâncias e hoje coordena o Movimento Moleque e a Comissão de Direitos Humanos da ALERJ, nos disse, por telefone, que acha um absurdo que em meio à pandemia do Coronavírus, Witzel continue admitindo essas operações de morte dentro das favelas do Rio de Janeiro: “Na sexta feira, foi no Complexo do Alemão, uma verdadeira chacina. E ontem, em São Gonçalo, mais uma operação desastrosa com a morte deste menino”.
Para Jacqueline Muniz, professora do bacharelado em segurança pública da Universidade Federal Fluminense, a atuação da polícia se insere em um contexto maior: “Seguimos de desastre operacional em tragédia social por conveniência política e conivência corporativista. Qual doutrina policial, de uso da força profissional, valida este tipo de operação? Precisa que mais um João Pedro, mais um menino, mais um de nós morra para reconhecer que polícias, em democracias, não são autarquias sem tutela que se auto governam. O meio de força não decide seus fins, o martelo não desenha a mão e não decide seu uso”.
O Ministério Público Estadual, outra instituição que poderia ter sido mais dura no trato com o caso de João Pedro, divulgou uma nota meramente protocolar e informativa: A Delegacia de Homicídios de Niterói, São Gonçalo e Itaboraí (DHNSGI) instaurou inquérito para apurar a morte de um adolescente ferido durante operação da Polícia Federal com apoio da Coordenadoria de Recursos Especiais (Core), no Complexo do Salgueiro, em São Gonçalo. Foi realizada perícia no local e duas testemunhas prestaram depoimento na delegacia. Os policiais foram ouvidos e as armas apreendidas para confronto balístico. Outras diligências estão sendo realizadas para esclarecer as circunstâncias do fato. A ação visava cumprir dois mandados de busca e apreensão contra lideranças de uma facção criminosa. Durante a ação, seguranças dos traficantes tentaram fugir pulando o muro de uma casa. Eles dispararam contra os policiais e arremessaram granadas na direção dos agentes. No local foram apreendidas granadas e uma pistola. O jovem foi ferido e socorrido de helicóptero. Médicos do Corpo de Bombeiros prestaram atendimento, mas ele não resistiu aos ferimentos. O corpo foi encaminhado para o IML de São Gonçalo.”
Então, com um Estado que não garante o direito à vida o que pode acalentar os pais de João Pedro? Quanto mais serão vítimas da necropolítica?
Reações
Depois que a execução de João Pedro ganhou repercussão nas redes sociais, diversas manifestações de apoio à família e repúdio à tragédia tomaram as redes. Aqui ttazemos algumas delas.
“Não podemos aceitar que João Pedro seja apenas mais um adolescente negro na estatística. Nosso mandato está em contato com a Comissão de Direitos Humanos da OAB/RJ, sugerindo iniciativas para ajudar a família do adolescente morto dentro de sua própria casa. Isso precisa acabar!” Talíria Petrone, Professora de História, negra, feminista. Ex-vereadora de Niterói e deputada federal pelo PSOL do Rio de Janeiro
“Foi confirmada a morte do menino João Pedro, atingido ontem dia 18, por um tiro na barriga, dentro de casa, durante operação no Complexo do Salgueiro, RJ. Sua família ficou sem notícias até esta manhã. À ela, minha solidariedade neste momento revolta e dor. “NÃO VEJO A HORA DE TUDO VOLTAR AO NORMAL”. A vida normal, gostosa, boa, cheia de desafios, sonhos e expectativas que você está louca pra ter de volta, sempre coexistiu com vidas violentadas, desvalorizadas e interrompidas. Desde sempre gritamos! Onde estavam que nunca ouviram? Os corpos aos montes em necrotérios, que hoje assusta brancos pelo Covid19, é o normal para negros, TAMBÉM pelos tiros da polícia. O estado genocida, a violência policial, militar e civil que mata 45 mil negros por ano no Brasil, são pandemias de sempre. Douglas Belchior, professor de história e militante da Uneafro Brasil
“2020, uma pandemia global assola o mundo. Há muitas mortes, colapso da saúde, fome, sede e dor. No Brasil, em meio a tudo isso, no estado do Rio de Janeiro o governador usa sua polícia para cometer ações violentas nas favelas e periferias, inclusive assassinando pessoas como João Pedro, um adolescente de 14 anos que estava dentro de sua casa, fazendo o isolamento social pedido pela Organização Mundial da Saúde, para evitar a contaminação do #coronavírus. Que a história lembre de @wilsonwitzel como tão monstruoso como o vírus da pandemia desses tempos. Raull Santiago, comunicador social do portal Papo Reto e membro da Anistia Brasil
“Na noite de ontem recebemos a notícia do assassinato de João Pedro, que tinha apenas 14 anos. Mais um jovem assassinado por essa política de segurança pública que tem a morte como destino final para os nossos corpos favelados. Onde era pra chegar água, comida e cuidado, ainda mais em tempos de pandemia, vemos a realidade, vemos o que o Estado nunca deixou de levar para a favela, o seu braço armado.” Renata Souza, deputada estadual pelo Psol no RJ.
“Domingo, Demétrio, pela dor imputada por um sistema que nos atravessa a vida. Fazendo com que pensemos todo dia, toda hora: seja forte, seja guerreirx, lute, lute, lute…É assim que deve ser, senão for assim, te caçam e destroçam nos dentes. Mastigando aos poucos, vão moendo a vontade, o desejo, a vida… Hoje, João uma criança de 14 anos. Para o mesmo sistema, um suspeito, um corpo massificado no meio de outros corpos negros, onde todos eles são nada mais que um número na assistência precária do Estado, na morte por bala, nas filas dos hospitais… João Pedro foi baleado em casa. Nem o isolamento social lhe deu a chance de continuar.” Erica Malunguinho, deputada estadual pelo Psol em SP
“Depois de horas sem saber do filho, a família do João Pedro, jovem de 14 anos baleado dentro de casa, descobre que ele está no IML. Desumano. Triste. Avassalador. Até quando o Estado vai enxugar o sangue de jovens, pretos e favelados?” Áurea Carolina, Lutadora negra feminista. Especialista em gênero e igualdade e mestra em ciência política. Ex-vereadora de BH e deputada federal pelo Psol
https://www.instagram.com/p/CAYpc4HA-Fn/?igshid=1crmwxiokiaz0
Outros casos
Maria Eduarda, uma menina de 13 anos, foi morta em 2017, enquanto fazia aula de Educação Física, na Escola Municipal Jornalista Daniel Piza, em Acari, na Zona Norte do Rio. O Policial Militar, Fábio de Barros Dias foi apontado como responsável pelo tiro que matou a garota.
Marcus Vinicius da Silva, jovem de 14 anos, foi morto na Maré, Zona Norte, em 2018. A mãe dele, que o viu morrer na Unidade de Pronto Atendimento, contou que ele disse ter visto o tiro sair de um “blindado” da PM.
Ágatha Vitória Sales Félix, uma menina de 8 anos, foi morta por um tiro no complexo do Alemão, Zona Norte do Rio, em setembro de 2019. Enquanto estava com a mãe em uma Kombi, foi atingida por um tiro. Os moradores da região e testemunhas afirmaram que o disparo veio de um Policial Militar e em novembro de 2019, o inquérito reforçou a versão.
Para nós, Jornalistas Livres não foi tarefa fácil racionalizar para escrever esse texto, que na verdade é também um desabafo.
Somos mães, pais, irmãos, tios, primos de nossas crianças e enfim, seres humanos que não aceitam essa história.
Por isso, seguimos impressionados com a capacidade dessa máquina de opressão e morte, e com a necropolítica fortemente implementada no Estado do Rio, por Wilson Witzel e desejamos muito que a família do garoto João Pedro encontre uma maneira de fazer com que isso nunca mais seja esquecido e sobretudo, que essa história horrível seja resolvida de alguma maneira. A vida de João Pedro não volta mais, claro, mas queremos registrar o nossa força para continuar acompanhando o desenrolar desse caso.
João Pedro, presente! Hoje e Sempre!
A cada 23 minutos, mais uma mãe preta chora
Coração apertado e ele só foi jogar bola
Se tiver atrasado, devagar, não corre agora.
A polícia não viu que era roupa da escola?
Necropolitica é isso,
Te incomoda?!
Mbembe me ensinou
E eu to repassando agora!
Cheguei falando alto, agora tô fazendo alarde
Espero que entenda e comece a sua parte!
Porque
Não vai chorar sua mãe
Nem vai chorar a minha
Povo preto se armando
Com a palavra e a escrita
Não vai chorar sua mãe
Nem vai chorar a minha
Povo preto se armando
Conhecimento é a saída.
(Bia Ferreira)NO INSTAGRAM @igrejalesbiteriana
Necropolítica é um conceito desenvolvido pelo filósofo negro, historiador, teórico político e professor universitário camaronense Achille Mbembe que, em 2003, escreveu um ensaio questionando os limites da soberania quando o Estado escolhe quem deve viver e quem deve morrer. A tese virou livro e chegou ao Brasil em 2018, publicado pela editora N-1. Para Mbembe, quando se nega a humanidade do outro qualquer violência torna-se possível, de agressões até morte.
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Apoio do governo ao Golpe de 64 revolta a sociedade
Outra importante instituição a protestar contra a exaltação mentirosa da Ditadura foi o Instituto Vladimir Herzog, como se vê abaixo: -
O plano desse governo é exterminar os brasileiros
De autor desconhecido, com charge de Éder
1- A ministra a musa do veneno libera registros de agrotóxicos altamente tóxicos (um deles, o glifosato, ligado à morte de abelhas e já proibido nos EUA). Quinhentos milhões de abelhas já morreram em três meses avaliam associações de apicultores.
2- A demarcação de terras indígenas foi para o Ministério da Agricultura e vai sendo revista, ampliando a atuação dos EUA. E o risco aumentou para os povos onde suas lideranças são atacadas e mortas a cada momento.
3- O primeiro projeto do senador filho do presidente é liberar fabricação de armas de fogo no país.
4- O feminicídio no Brasil, só em 2019, passa dos 200 casos. Cem deles apenas em janeiro e preocupa a Comissão Interamericana de Direitos Humanos.
5- País que mais mata no mundo, 62.500 homicídios, Brasil tem a 7ª Taxa de homicídios de jovens do mundo, e 75% são negros.
6- O pacote anti-crime do Moro torna a polícia mais abusiva e mais propensa a matar, e isso pode aumentar o número de mortes de inocentes. Quem mais serão atingidos são negros e favelados.
7- O Moro que abaixar o imposto do cigarro. Ou seja, com o cigarro mais barato, fumem bastante, e morram de câncer.
8- O presidente quer retirar todos radares das estradas. Segundo especialistas, vai aumentar o número de mortes nas estradas.
9- O programa Mais Médicos, que esse governo destruiu mandando os médicos cubanos de volta para Cuba, em três meses tem 1.052 desistências. Você imagina o número de pessoas que ficaram sem assistência?
10- A criação de Núcleo Regulatório Ambiental visa facilitar e perdoar multas aplicadas. Pode prejudicar a Amazônia com desmatamento desenfreado.
11- Cortes na cultura, ministros falarem que nazismo é de esquerda, que vai tirar o golpe militar e ditadura dos livros de didáticos. Mata a gente por dentro.
12- Acabar com 35 conselhos e comissões de direitos já adquiridos nos governos anteriores. Mata a gente de raiva.
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Morre dom Paulo Evaristo Arns. Morre um santo
Morreu hoje (14/12), em São Paulo, o arcebispo emérito da capital paulista, cardeal dom Paulo Evaristo Arns, 95.
Lutador pela liberdade, contra a Ditadura Militar, guardião dos Direitos Humanos, incentivador da Teologia da Libertação, foi um exemplo de coragem e amor ao próximo.
A seguir, trechos da biografia escrita pelo jornalista :REGIME MILITAR
Nomeado bispo em 1966, por decisão pessoal do papa Paulo 6º, a quem conhecera em Roma, voltou à terra natal para ser ordenado ao lado dos colonos de Forquilhinha [região de Criciúma, em Santa Catarina.].
A seguir assumiu a função de bispo auxiliar de São Paulo, por uma improvável escolha do cardeal Agnelo Rossi, alinhado à ala conservadora da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil.
Como bispo auxiliar da região norte da maior cidade brasileira, começou a visitar os presos comuns no Carandiru e, por designação do cardeal, foi ao presídio Tiradentes saber das condições de um grupo de frades dominicanos encarcerados por motivos políticos, entre eles frei Betto e frei Tito.
Constatou que foram torturados e encontrou Tito esvaindo-se em sangue. Voltou ao cardeal e relatou o que viu. Para sua surpresa, como relata em “Da Esperança à Utopia”, ouviu de seu superior: “Muito obrigado dom Paulo, (…) mas outros me garantem que não há tortura nas nossas prisões”. Ele nunca criticou publicamente dom Agnelo pela declaração.
Mas a partir desse batismo de sangue, assumiu em São Paulo a vanguarda da luta pelos direitos humanos e pela defesa dos presos políticos.
Em outubro de 1970, foi designado titular do arcebispado em substituição ao cardeal Rossi, que foi servir em Roma. Outra vez, uma escolha pessoal de Paulo 6º, o papa que dom Paulo mais admirou e de quem se aproximara em passagens de estudos pelo Vaticano.
À frente da Igreja de São Paulo, aplicou ensinamentos do Concílio Vaticano 2º e transformou em ações concretas a opção preferencial pelos pobres afirmada na Conferência Episcopal de Medellín, Colômbia, em 1968.
Começou a gestão vendendo o imponente palácio episcopal. Com o dinheiro, comprou terrenos em bairros populares para construir centros comunitários e instalações religiosas modestas, dando início à “Operação Periferia”.
Jogou os costumes principescos de seus antecessores pela janela. Surpreendeu os religiosos que o serviram na Cúria paulista ao sentar-se com eles às refeições.
Inspirou-se no que ouviu do pai ao contar-lhe que queria ser padre: [você] “sempre será filho de colono e de seu povo”.
Agindo como tal, investiu em trabalho comunitário, foi às periferias, voltou-se para os migrantes e espalhou Comunidades Eclesiais de Base pelos quatro cantos da cidade.
Ao mesmo tempo, revitalizou o estudo doutrinário entre os religiosos e fez da evangelização um objetivo constante em todas as ações da Arquidiocese, até nos presídios.
São dessa época seus grandes confrontos com os generais da ditadura. Enfrentou os sucessivos comandantes do 2º Exército (hoje Exército do Sudeste), sediado em São Paulo, e até presidentes da República.
Num encontro com o presidente Emílio Garrastazu Médici, a conversa encerrou-se aos berros. Foi Médici quem decretou, depois, em 1973, a cassação da rádio Nove de Julho, tradicional emissora da igreja em São Paulo.
Do mesmo modo, desafiou as autoridades civis de São Paulo, de governadores afinados com a ditadura a secretários de Segurança e delegados de polícia, tentando preservar a vida e assegurar os direitos fundamentais dos presos políticos.
Com base no exemplo de Paulo 6º no Vaticano, reproduziu na Arquidiocese de São Paulo a Comissão Justiça e Paz, em 1972, indo buscar o jurista Dalmo de Abreu Dallari para ser seu primeiro presidente. Paulo 6º declaradamente o admirava e, no consistório de 1973, elevou-o a cardeal.
Sem perder o foco na ação propriamente religiosa de que pouco se fala, usou a nova insígnia papal para se contrapor aos desmandos da repressão política. Apoiou decididamente o procurador de Justiça Hélio Bicudo em sua luta contra o Esquadrão da Morte -quadrilha policial de assassinos de que fazia parte um notório torturador e ícone da ditadura, o delegado Sergio Paranhos Fleury.
Foi a Comissão Justiça e Paz que publicou nos anos 70 o livro de Bicudo sobre o Esquadrão, recusado por editoras comerciais.
No período sofreu ameaças e calúnias —como denúncias anônimas tachando-o de homossexual. Sobre isso jamais se pronunciou, demonstrando absoluto desprezo por seus detratores.
Mas admitiu ter sido informado de que o acidente de automóvel que sofreu no Rio de Janeiro fora na verdade um atentado à sua vida.
Sobreviveu e ainda bateu muito na ditadura -por exemplo, patrocinando a publicação “Brasil: Nunca Mais”, sobre os mortos e desaparecidos na ditadura militar. Apanhou também.
Um dos animadores de suas organizações de base, o operário Santo Dias, presidente da Pastoral Operária, foi assassinado pela polícia com um tiro nas costas durante uma manifestação popular.
O nome do operário -“cuja sorte foi a mesma de Jesus Cristo pregado na cruz”, nas palavras de dom Paulo- tornou-se mais um símbolo da luta do cardeal com a criação, anos mais tarde, do Centro Santo Dias de Defesa dos Direitos Humanos, hoje internacionalmente conhecido.
Na prisão, dom Paulo foi ainda visitar —e procurar proteger sob o manto cardinalício- sindicalistas e estudantes.
No episódio Herzog, sua figura se agigantou. O regime militar fez de tudo para desqualificá-lo e ensaiou até manobras diplomáticas junto ao Vaticano por seu afastamento da Arquidiocese de São Paulo. Foram esforços vãos.JOÃO PAULO 2º
Surpreendentemente, sofreu seu maior revés no período da restauração democrática do país. Numa iniciativa cujas motivações mais profundas são até hoje mal explicadas, o papa João Paulo 2º fracionou a arquidiocese em seções menores e, por consequência, com menos poderes.
Antes que o fato fosse consumado, o cardeal se queixou pessoalmente ao papa, que negou ter dado a ordem. Porém, como dom Paulo deixa claro em suas memórias, nada dessa magnitude acontece sem autorização expressa do pontífice.
Também na campanha do Vaticano contra a Teologia da Libertação, arquitetada pelo então cardeal Joseph Ratzinger (depois papa Bento 16), João Paulo 2º agiu do mesmo modo.
Disse a dom Paulo que não era contra a doutrina, mas deixou a Cúria Romana mandar um visitador para colher elementos processuais com vistas a bombardear a prática da Teologia da Libertação em São Paulo.
Depois dessas contrariedades, o cardeal se afastou, em 1998, por limite de idade, do comando da Arquidiocese de São Paulo, levando o título de arcebispo emérito.
Passou os últimos anos de sua vida entre orações, leituras e assistência aos idosos, recebendo ainda inúmeras homenagens, entre as quais a da presidente Dilma Roussef que, em 18 de maio de 2012, foi visitá-lo na Congregação Franciscana Fraternidade Nossa Senhora dos Anjos, em Taboão da Serra (SP).
Na ocasião, Dilma contou a ele as providências do governo para criar a Comissão da Verdade, instalada poucos dias antes. Já bastante combalido, não fez comentários públicos a respeito.
A rigor, seu derradeiro gesto de caráter político -embora de fundo religioso- ocorreu pouco antes de deixar o comando da Arquidiocese, em 1998, quando reagiu de forma dura às atitudes da Cúria Romana, levando João Paulo 2º a admitir, em uma difícil conversa pessoal com o cardeal brasileiro, que era, sim, o responsável final por aquelas decisões polêmicas.
“A Cúria sou eu”, disse o papa, provocado por dom Paulo. Mais uma vez, então diante da autoridade máxima da Igreja Católica Romana, o frade mostrou que não era frouxo.