Preta na cor
Preta na raça
Preta no coração
Preta luz na noite escura
Preta gente
Preta pura
Preta doce
Preta dura
Preta Preta
Quem te atura
Tá criando confusão
Tá fazendo ocupação
Conquistando o chão pra vida
Ser vida mesmo de vez
Cala boca sua Preta!
Já tá falando demais!
Fala do pobre que é nobre
Fala do rico que é cão
Denuncia a injustiça
Preta sem educação
Pega o pobre da cidade
Triste, velho, sem piedade
Organiza faz a luta!
Que Preta filha da puta
Taca ela na prisão!
Desbocada a Preta nova
Que a Preta velha criou
E lá vai a Preta Pobre
Que orgulho insolente
A Preta pensa que é gente
Com esse condomínio aberto
Desafiando a cidade
Plantando fé e unidade
Estancando a humilhação
Faz a festa
Faz piquete
Luta por nosso interesse
Diz que viver não é vão
Que ser molenga e atoa
Ter cara e não ter coroa
Ter corpo e não ter um chão
Isso é vida de barata
Nós não é barata não!
Vai Preta
Ninguém te para
Nem na cela
Dos branquelas
Nem no grito
Nem na bala
Tua fé na força pobre
No direito à esse chão
Pois que Deus não põe no mundo
Nenhum infeliz que seja
Pra viver nessa refrega
De não ter um canto seu
Essa luta é toda a luta
Olhos de fogo no céu
Resiste Preta bendita
Que a Vitória virá
Revivida renovada
Cada semente jogada
Preta cumpre a tua jornada
Grande Preta
Saravá.
– Fernando Borgomoni –
Ontem o movimento de luta por moradia obteve uma grande vitória com a concessão do HC preventivo de Carmen Silva, liderança histórica e símbolo do MSTC, no entanto essa semana completaram 100 dias da arbitrária detenção de sua filha Preta Ferreira. Esse absurdo não pode continuar. O direito constitucional à moradia e a utilização dos mecanismos legais de ocupação precisam ser respeitados, a luta dos movimentos da população sem-teto é uma luta de todos nós.
Por Laura Capriglione e Lucas Martins, dos Jornalistas Livres
Sob temperatura de 37ºC, a Justiça de São Paulo autorizou nesta quinta (12/9) a destruição de mais de 700 moradias precárias, ocupadas por idêntico número de famílias, representando algo entre 3.000 e 4.000 pessoas, que ocupavam há 3 anos um terreno conhecido como Comunidade do Escadão, localizado na cidade de Carapicuíba, na Grande São Paulo.
O terreno pertence à Cohab de São Paulo, estatal que tem como principal acionista a Prefeitura Municipal de São Paulo, administrada por Bruno Covas. Oitocentas crianças cadastradas pelo Conselho Tutelar perderam o endereço em poucas horas, deixando brinquedos e cadernos para trás. Muitas abandonarão as escolas, porque viverão longe daquelas em que estavam matriculadas.
O prefeito de Carapicuíba, Marcos Neves, do Partido Verde, não se dignou a aparecer no local, embora tenha frequentado aquela favela durante a campanha eleitoral de 2016. Na ocasião, ele prometeu “buscar recursos nos projetos habitacionais do governo do Estado e governo Federal, além de cobrar agilidade nas ações do Programa Cidade Legal, do Governo do Estado, para concluir o trabalho de regularização e entregar o título de posse aos moradores [que ocupam lotes irregulares].
Em vez de cumprir suas promessas, o prefeito da cidade nem sequer providenciou um galpão para abrigar os flagelados. A defesa civil foi orientada a não distribuir garrafinhas de água para os moradores desalojados, apesar do calor desalmado e do fato de o fornecimento de água para a favela já ter sido cortado de véspera. Auxílio-moradia, então, nem pensar. De acordo com a Prefeitura de Carapicuíba não existe a obrigatoriedade do benefício nesse caso.
Uma imensa operação de guerra foi montada para forçar os moradores a sair de suas casas nas primeiras horas do dia. Centenas de policiais militares em terra, helicópteros, tropa de choque, além dos agentes fortemente armados da Guarda Civil Metropolitana de Carapicuíba, que portavam armas de canos longos, invadiram a Comunidade do Escadão a partir das 6h da manhã, enquanto máquinas retroescavadoras demoliam os barracos.
A imprensa foi orientada a cobrir todo o evento a partir de um campo de futebol, onde havia banheiros químicos e distribuição de garrafinhas de água e de kits com suquinho, sanduíche e banana. A PM bloqueava o acesso dos profissionais de imprensa ao interior da comunidade, alegando questões de segurança, já que havia fogo e demolição ocorrendo nas vielas estreitas.
O que se verá a seguir é o registro exclusivo e sem cortes obtido pelos Jornalistas Livres, que percorreram o local com uma câmera baixa, a 30-40 centímetros do chão, para não chamar a atenção dos policiais e dos agentes da Guarda Civil de Carapicuíba. O único momento em que a câmera foi levantada ocorreu durante o registro da prisão de uma moradora que tentou voltar ao barraco em vias de demolição para resgatar seu gato. Impedida de recolher o animal pelos PMs, desesperada, ela os chamou de “malditos”. Foi presa por “desacato”.
A PM bloqueava o acesso dos profissionais de imprensa ao interior da comunidade, alegando questões de segurança, já que havia fogo e demolição ocorrendo nas vielas estreitas. Mas, mesmo em áreas isentas de risco, os jornalistas eram impedidos de entrevistar moradores e trabalhadores, como se vê neste vídeo, intitulado PM TENTA IMPEDIR JORNALISTAS LIVRES DE MOSTRAR O DRAMA DO DESPEJO EM CARAPICUÍBA (SP)
Veja abaixo uma galeria de fotos da reintegração
REINTEGRAÇÃO DE POSSE EM CARAPICUIBA (SP) Foto Lucas Martins Jornalistas Livres
REINTEGRAÇÃO DE POSSE EM CARAPICUIBA (SP) Foto Lucas Martins Jornalistas Livres
REINTEGRAÇÃO DE POSSE EM CARAPICUIBA (SP) Foto Lucas Martins Jornalistas Livres
REINTEGRAÇÃO DE POSSE EM CARAPICUIBA (SP) Foto Lucas Martins Jornalistas Livres
REINTEGRAÇÃO DE POSSE EM CARAPICUIBA (SP) Foto Lucas Martins Jornalistas Livres
REINTEGRAÇÃO DE POSSE EM CARAPICUIBA (SP) Foto Lucas Martins Jornalistas Livres
REINTEGRAÇÃO DE POSSE EM CARAPICUIBA (SP) Foto Lucas Martins Jornalistas Livres
REINTEGRAÇÃO DE POSSE EM CARAPICUIBA (SP) Foto Lucas Martins Jornalistas Livres
REINTEGRAÇÃO DE POSSE EM CARAPICUIBA (SP) Foto Lucas Martins Jornalistas Livres
REINTEGRAÇÃO DE POSSE EM CARAPICUIBA (SP) Foto Lucas Martins Jornalistas Livres
REINTEGRAÇÃO DE POSSE EM CARAPICUIBA (SP) Foto Lucas Martins Jornalistas Livres
A 14ª Câmara de Direito Criminal do Tribunal de Justiça de São Paulo decidiu, hoje, soltar Angélica dos Santos Lima, do movimento por moradia. Ela estava presa desde o dia 24 de junho, quando foi deflagrada uma grande ofensiva para criminalizar as lideranças que lutam pelo direito constitucional por habitação digna e de qualidade, e que logrou, de imediato, as prisões de Edinalva Silva Franco, Janice Ferreira Silva, a Preta, e de Sidney Ferreira Silva, além da própria Angélica. Os mandados de prisão de outros 15 militantes da luta pela moradia também foram expedidos pela juíza Érika Mascarenhas, da 6ª Vara Criminal.
A decisão da 14ª Câmara de Direito Criminal do TJ levou em consideração que Angélica é primária e de bons antecedentes, possui trabalho lícito e residência definida. Trata-se de medida judicial destinada a reduzir os evidentes danos da prisão preventiva (antes do julgamento de mérito), “a qual, nos termos do Código de Processo Penal, representa a mais extrema das restrições cautelares, cabível apenas em hipóteses excepcionais”, conforme consta no acórdão.
Assim, Angélica será colocada em liberdade provisória, enquanto aguarda o julgamento, sendo adotadas as seguintes medidas cautelares previstas no artigo 319 do Código de Processo Penal: comparecimento mensal em juízo para informar e justificar suas atividades, bem como aos atos do processo; proibição de frequentar os locais de ocupação dos movimentos sociais; proibição de manter contato com vítimas e testemunhas, bem como com os demais acusados; proibição de ausentar-se da comarca, salvo prévia autorização judicial; recolhimento domiciliar no período noturno e nos dias de folga.
São restrições, ainda, mas preferíveis ante a violência extrema de uma prisão antes mesmo do julgamento. Agora, é preciso ampliar esse benefício para todas as lideranças ainda presas ou sobre as quais incide a decisão da prisão preventiva. Liberdade para todos os presos da luta por Moradia!
Um post vigarista, calunioso, falso, 171 e mentiroso, que circulou pelas redes de discípulos de Olavo de Carvalho foi o alicerce com que se construiu o mais novo monumento à infâmia: a perseguição aos movimentos trabalhadores sem-teto, levada a cabo pela Polícia Civil paulista e pelo promotor de justiça criminal Cassio Roberto Conserino, do Ministério Público do Estado de São Paulo.
No dia 11 de julho, o promotor Conserino denunciou à Justiça 19 diferentes lideranças ou membros de movimentos de luta por moradia, entre os quais Carmen Silva Ferreira e Preta Ferreira, do Movimento dos Sem-Teto do Centro (MSTC). Segundo o promotor, todas essas pessoas fazem parte de uma suposta “organização criminosa”. No português claudicante que lhe é peculiar, Conserino diz que os membros das diversas ocupações da cidade “associaram-se entre si”, ainda que informalmente, “com o objetivo de obter direta e indiretamente vantagens de cunho econômico, mediante a prática de incontáveis extorsões”.
O que se lerá a seguir é o modo como uma Fake News foi usada pela polícia civil de São Paulo e pelo promotor Cassio Conserino para arrancar pessoas inocentes de suas vidas, privando-as violentamente de liberdade e tentando lançá-las no umbral da desonra.
O promotor Cassio Conserino “contextualizou” assim, a denúncia que apresentou no dia 11 de julho à Justiça:
“Apurou-se que, após o incêndio e desabamento do edifício Wilton Paes de Almeida, ocorrido no dia 1º de maio de 2018, localizado no Largo do Paissandu com a rua Antonio de Godoy, centro de São Paulo, com várias mortes, aportou, primeiramente, na Delegacia Geral de Polícia –DGP que, posteriormente, encaminhou ao núcleo de Divisão de Investigações Gerais –DIC—do Departamento de Investigações sobre o Crime Organizado –DEIC–, uma missiva que recebeu o número de protocolo 261/18 na DIG dando conta que naquele edifício várias famílias pagavam aluguel de R$ 150,00 a R$ 400 aos coordenadores do Movimento de Luta Social por Moradia (MLSM) e quem atrasava o aluguel era expulso do prédio, quer através de violência, quer através de ameaça, entre outras irregularidades. Enuncia-se que em pese (sic) a denúncia estar digitada, em manuscrito constou o nome Ixxx Rxxxx, CPF 5.xxx.xxx-x e, provavelmente, o seu telefone, o de número 9xxxx-xxxx, com a seguinte advertência: ISSO OCORRE EM TODOS OS PRÉDIOS INVADIDOS – FLS 16/17.”
Jornalistas Livres ocultam o nome do “denunciante”, o número do seu documento e o telefone dele, porque, como se verá, Ixxx Rxxxx é apenas um “laranja” da esgotosfera de extrema direita.
O texto é claríssimo: a investigação iniciou-se após o recebimento de uma missiva digitada, na qual constava o nome “Ixxx Rxxxx”.
Aqui está a tal missiva, que foi anexada à denúncia apresentada pelo promotor Cassio Conserino.
Tão importante é a tal missiva de Ixxx Rxxxx que, à página 38, o promotor Cassio Conserino requer à autoridade policial:
“Deverão (sic) localizar, qualificar e apresentar o endereço do suposto autor da denúncia de fls. 16, Ixxx Rxxxx para fins de possível oitiva”.
Jornalistas Livres fizeram o trabalho que o promotor pediu para a polícia e localizaram Ixxx Rxxxx, que mantinha um escritório de certificação de pedras preciosas no centro de São Paulo.
Ocorre que uma simples busca pelo texto, na internet, mostra que a tal missiva de Ixxx Rxxxx não passa de um print de post publicado na chamada deepweb, compartilhado por várias páginas de extrema direita:
Como se vê, trata-se do mesmo texto enviado para a polícia, que ora surge como sendo de autoria de Victor Grinbaum, ora de uma pessoa que se identifica como “M.”
De todo modo, trata-se de “missiva” sem qualquer laivo de credibilidade, porque mero print de publicação oportunista, surgida no rastro da tragédia com o edifício Wilton Paes de Almeira, que visava unicamente criminalizar os movimentos de moradia honestos, colocando a todos no mesmo balaio imoral dos exploradores da miséria humana.
Victor Grinbaum se apresenta como jornalista e representante Comercial, atuando no Rio de Janeiro, Brasil. Ele já foi banido do facebook por publicar baixarias, palavrões e fakenews.
Trata-se de discípulo de Olavo de Carvalho, auto-denominado filósofo, também um boquirroto xingador, de ultra-direita, capaz de se referir ao ex-titular da Secretaria de Governo de Jair Bolsonaro, o ministro Santos Cruz, general de divisão da reserva do Exército Brasileiro, ex-comandante das forças da ONU no Haiti e no Congo, ex-secretário Nacional de Segurança Pública e ex-ministro-chefe da Secretaria de Governo da Presidência do Brasil como “politiqueiro de merda”, “um nada” que quer “controlar a internet”.
Victor Grinbaum é o sujeito que escreve pérolas como esta: “Arte Contemporânea é o meu Cocô”
E o promotor Conserino leva a sério essas besteiras! Não é à toa.
Cassio Roberto Conserino, autor da denúncia, foi um dos promotores que apresentaram a denúncia criminal sobre o tríplex do Guarujá, atribuído ao ex-presidente Lula, transformando-o em réu. Anticomunista militante, em março desse ano, Conserino foi condenado a pagar indenização de R$ 60 mil por danos morais a Lula por causa de um post no Facebook em que se referia ao ex-presidente como “encantador de burros”, expressão que o juiz Anderson Fabrício da Cruz, da 3ª Vara Cível de São Bernardo do Campo, em São Paulo, disse tratar-se “de conteúdo ofensivo, pejorativo e injuriante”, conforme “deveria ser do conhecimento de um experiente integrante do sistema de Justiça”.
No caso dos movimentos de moradia, o promotor Conserino baseou a denúncia no inquérito policial que tinha como propósito investigar responsabilidades pelo incêndio e desabamento do edifício Wilton Paes de Almeida, ocupado por pessoas sem casa, no dia 1º de maio de 2018. Na tragédia, sete pessoas perderam a vida. O Movimento de Luta Social por Moradia (MLSM), dirigido por Ananias Pereira dos Santos, era quem coordenava aquela ocupação.
O problema é que o inquérito e depois a denúncia do promotor Conserino, em vez de apurar as irregularidades que por ventura existissem no prédio sinistrado, resolveram mover uma cruzada contra todos os movimentos de moradia que atuam no centro da cidade de São Paulo.
Estariam a serviço da especulação imobiliária? Dos proprietários de imóveis vazios que ficam anos e anos sem pagar IPTU, cheios de lixo, focos da criminalidade, de ratos e doenças?
Conserino denuncia várias lideranças, entre as quais, como dito acima, as lideranças do MSTC (Movimento dos Sem-Teto do Centro), por supostamente extorquir, mediante violência, moradores pobres das ocupações. Se pelo menos tivesse se dado ao trabalho de andar alguns quarteirões entre o Fórum e a Ocupação 9 de Julho, dirigida por Carmen Silva Ferreira, o promotor anticomunista militante teria se surpreendido com a organização, a limpeza, a habitabilidade de um prédio que até três anos atrás era apenas um depósito de lixo, doenças e ratos (fora os dependentes químicos que utilizavam o local para consumir drogas).
O prédio já foi inspecionado pela Prefeitura e até premiado internacionalmente por sua atuação na solução do problema de moradia em São Paulo. Mas, para o promotor anticomunista militante, todos os gestores e movimentos seriam, como diz o povo, “farinha do mesmo saco”.
Ocorre que os movimentos populares por moradia são diversos. O próprio secretário de habitação de São Paulo, Fernando Chucre, sabe disso. À época do incêndio do Wilton Paes de Almeida, por exemplo, declarou que aquele grupo que o coordenava “não participa da política habitacional, como os demais movimentos que, inclusive, são parte da solução desse problema”. E na semana passada, em depoimento aos Jornalistas Livres, Chucre afirmou sobre Carmen Silva:
“Ela é uma mulher extremamente segura e envolvida com o movimento que administra. Eu tenho muito respeito por ela.” E não só.
Chucre apontou que “o movimento de Carmen conseguiu o retrofit [reforma de imóvel antigo] para o Hotel Cambridge”. De fato, agora renomeado como Residencial Cambridge, o imóvel ganhou edital para financiamento da Caixa Econômica Federal, dentro do programa Minha Casa Minha Vida-Entidades. A obra segue sob severas e constantes fiscalizações do poder público. Importante dizer: ao contrário do que imaginam os críticos dos movimentos sociais por moradia, nada vem de graça. Todos os futuros moradores vão pagar pelo financiamento que, por sinal, já colabora com os impostos da cidade ao arcar com custos de IPTU, o Imposto Predial e Territorial Urbano.
DEPOIMENTOS ANÔNIMOS
A denúncia do MP ancora-se em mais inconsistências, além da fake news apontada. É um tal de depoimentos anônimos e interceptações telefônicas que, coisa gravíssima, provam que havia discussões entre vizinhos! É isso o que o promotor cita à guisa de provar que todos os dirigentes dos movimentos de moradia extorquem dinheiro dos moradores “mediante grave ameaça e com o intuito de obter para si indevida vantagem econômica”. Carmen já foi acusada desse mesmo crime e foi inocentada em 2018, porque ficou comprovado que as pequenas contribuições pagas pelos moradores das ocupações que ela dirige (R$ 200 por mês de cada família) são revertidas em melhorias nos imóveis ocupados.
Além disso, a denúncia do promotor é incompetente e inventiva. Por exemplo, diz que as ocupações são habitadas por “estrangeiros em sua maioria”, um erro crasso, sanável com meia hora de trabalho sério. Acusa o movimento de Carmen Silva Ferreira, o MSTC, de estar por detrás da ocupação do Cine Marrocos, fechada em 2016 depois de se terem encontrado armas e drogas no poço do elevador. Ali quem atuava era o Movimento Sem Teto de São Paulo (MSTS), mas a letrinha dissonante não incomodou o promotor anticomunista militante. Carmen nunca nem sequer pôs os pés no Cine Marrocos. Se tivesse conversado com o delegado de polícia, Conserino teria evitado o vexame de confundir movimentos tão diferentes (ou será que esse é mesmo o propósito?). E há várias mentiras como essa na acusação, revelando, mais uma vez, o caráter persecutório das denúncias do promotor anticomunista militante Cassio Conserino.
Entre as 19 prisões pedidas pelo promotor, quatro já estão sendo cumpridas: a da cantora, atriz e produtora cultural Preta Ferreira, formada em publicidade, do educador Sidney Ferreira, ambos do MSTC, e de Ednalva Silva Franco Pereira e Angélica dos Santos Lima, do Movimento de Moradia para Todos (MMMT). Todos negros e pobres.
Jornalistas Livres obtiveram de fonte sigilosa peças fundamentais do inquérito policial que correu em segredo de Justiça e que levou à prisão temporária, no dia 24 de junho, de quatro lideranças de movimentos de moradia de São Paulo: Ednalva Silva Franco Pereira e Angélica dos Santos Lima (do Movimento de Moradia para Todos), e Sidney Ferreira Silva e Janice Ferreira Silva (a Preta Ferreira), do Movimento dos Sem Teto do Centro (MSTC).
As prisões de outras cinco pessoas, entre elas Carmen Silva Ferreira, a protagonista do filme “Era o Hotel Cambridge” (2016), também foram pedidas e concedidas pelo juiz Marco Antonio Martin Vargas, que autorizou ainda buscas e apreensões em endereços de 17 dirigentes de movimentos. Todos os alvos dos mandados de prisão e de busca e apreensão, segundo a polícia, são suspeitos de associação criminosa e extorsão, por cobrarem “aluguéis” entre R$ 200 e R$ 400 nas ocupações que coordenam.
A investigação que levou às prisões foi uma resposta à tragédia ocorrida no dia 1º de maio de 2018, quando o edifício Wilton Paes de Almeida, ocupado por pobres sem teto, acabou consumido por um incêndio e desabou, deixando nove mortos. Ananias Pereira dos Santos, alvo de mandado de prisão ainda não cumprido, era coordenador do MLSM (Movimento de Luta Social por Moradia), que comandava a ocupação no Wilton Paes.
Prisão de lideranças pretas e pobres, baseada em acusações sem provas, sabe-se, é parte da herança escravocrata do Brasil e de um sistema de Justiça que nasceu para naturalizar a obscena exploração de negros e índios escravizados. Mas, neste caso, a perseguição não se deu ao trabalho nem ao menos de honrar os frufrus do discurso jurídico, que sempre ocultam natureza racista dos operadores do Direito neste país.
Carmen da Silva Ferreira, durante a luta por moradia (Foto: Christian Braga / Jornalistas Livres)
O pedido de prisão assinado pelo delegado André Vinicius Alves Figueiredo, da Divisão de Investigações Gerais do Deic (Departamento Estadual de Investigações Criminais), é uma vergonha. Repleto de erros de português, peca por tentar juntar movimentos de moradia muito diferentes entre si em uma só narrativa criminal.
Enquanto o MSTC de Carmen Silva Ferreira e de Preta Ferreira, por exemplo, organiza ocupações exemplares, com elevados padrões de higiene e segurança, extintores e brigada de incêndio a cargo dos próprios moradores, portaria, atendimento em saúde básica e mental e cursos profissionalizantes funcionando nos prédios, entre outras benfeitorias, o sinistrado edifício Wilton Paes de Almeida era um depósito indigente de pessoas pobres –sem higiene, sem organização, sem privadas, sem água. As pessoas que viviam nos andares superiores eram obrigadas a fazer suas necessidades em baldes. E isso é apenas um detalhe.
Eliane Caffé, Carmen Ferreira Silva, Daniela Thomas e Preta Ferreira
Mas não é apenas o erro de juntar movimentos tão diferentes entre si que transforma as prisões temporárias recém-decretadas em um escândalo. O delegado tenta criminalizar meras discussões entre vizinhos; extrai conversas de contexto, é pródigo em juízos de valor para atacar as direções das ocupações –para isso, baseia-se apenas em desabafos e bate-bocas sem consequências.
Seria ridículo se não fosse trágico, porque implicou prender pessoas pobres, jogá-las no fundo de celas, privá-las sem justa razão do principal bem do ser humano, depois da vida: a Liberdade.
Está lá, à página 7 da representação: “… ficou acertado que [o novo morador] deveria pagar a quantia de R$ 695,00 de calção”. Entendeu, não é? A Polícia Civil de São Paulo, por intermédio de sua divisão especializada no combate ao crime organizado, o DEIC, não se deu nem ao trabalho de revisar o texto. O delegado confundiu “caução”, que significa “garantia”, com “calção” (aquilo de ir à praia). Mas tudo bem, são só uns pobres sendo acusados, terá pensado a autoridade policial.
Foi apenas dois dias depois de consumadas as prisões que os advogados dos acusados conseguiram acesso ao processo e, portanto, às acusações imputadas aos seus representados. Os quatro detidos, ressalte-se, são pessoas de bons antecedentes criminais, que sempre compareceram diante da autoridade policial quando solicitados, que vivem em endereços conhecidos, que possuem famílias e laços profissionais igualmente bem identificados.
Mas o próprio delegado admitiu que a pressão da mídia “exigiu” que ele tomasse a providência de pedir a prisão temporária. E que pressão foi essa?
Reintegração de posse de uma ocupação do MSTC
Reintegração de posse de uma ocupação do MSTC
Reintegração de posse de uma ocupação do MSTC
Reintegração de posse de uma ocupação do MSTC
No dia 5 de maio de 2019, há quase dois meses, o programa “Fantástico”, da TV Globo, publicou extensa “reportagem” baseada no mesmo inquérito que acabou levando às prisões temporárias realizadas nesta semana. Ao fim de 6 minutos de 41 segundos, uma eternidade, em se tratando de matéria televisiva, o “Fantástico” avisava: “A polícia deve pedir a prisão de 15 suspeitos”, por “participação em organização criminosa, extorsão e agressões”.
“Tivemos de dar uma satisfação à sociedade”, disse o delegado André Vinicius Alves Figueiredo, depois de efetuadas as prisões. Ou seja: à Rede Globo, sempre ela –a mesma que exigiu e obteve a condenação e prisão de Lula, ancoradas, ambas, em um Judiciário e uma polícia antipovo.
Visivelmente chateado e constrangido, o delegado não escondia a decepção por não ter conseguido mostrar, depois de cumpridos os mandados de busca e apreensão, nenhuma arma, nenhum grama de droga, nenhuma balança de precisão, daquelas que servem para pesar a cocaína –NADA–, aos jornalistas que o entrevistaram.
“No [cine] Marrocos foi diferente”, disse ele, que participou, em 2016, da operação do Departamento Estadual de Repressão ao Narcotráfico (Denarc), que encontrou fuzis, carabinas e drogas escondidos num poço de elevador do antigo Cine Marrocos, ocupado por um movimento de moradia manipulado pelo PCC.
Se tivesse lido com atenção os testemunhos prestados à polícia pelos moradores das ocupações dirigidas pelas lideranças agora presas, o delegado não teria passado pelo vexame que passou. Em 392 páginas de depoimentos, transcrições de escutas telefônicas e cópias de documentos, tudo o que se encontra são moradores dos prédios ocupados comentando se a taxa condominial está sendo bem aplicada ou não; reclamando que as lideranças pegam “pesado” com os inadimplentes (expondo-os, por exemplo, à execração dos “bons pagadores”), descrições de casos de desinteligências entre vizinhos; estratégias para fazer os inadimplentes honrarem os compromissos com a manutenção dos prédios etc. etc. Sobre a presença de drogas e armas –e apesar da insistência dos policiais nesse quesito—todos os moradores entrevistados negaram ter visto coisas desse tipo nas ocupações visadas. Um exemplo dessas negativas está nesse depoimento, constante à página 50 do caderno das “Peças”.
Na falta de armas e drogas, a polícia investiu na maledicência (ação ou hábito de dizer mal dos outros; difamação, maldizer), como se isso fosse investigação. Para demonstrar uma suposta relação do Movimento Moradia Para Todos (MMPT) com o PCC, por exemplo, os arapongas da polícia citaram uma situação ocorrida no dia 23 de outubro de 2013, quando interceptaram uma conversa telefônica entre uma mulher e Ednalva Franco, uma das presas. No grampo, a mulher pergunta a Ednalva se uma família, que estava na calçada defronte a uma ocupação, poderia entrar para “tomar um banho”. As duas mulheres hesitam em autorizar, porque conhecem a família e sabem que um de seus membros poderia pertencer a uma facção criminosa. No final, Ednalva acaba autorizando o ingresso da família.
Isso seria prova de algum ilícito?
Em outro grampo, Ednalva conversa com uma mulher sobre “um caso de uma criança que não estava conseguindo fazer xixi porque um cara lá da Mooca mexeu com ela”. Duas horas depois, o grampo registra outra conversa, em que outra mulher informa que “são três crianças…”:
“O cara se chama Henrique e trabalha aqui no estacionamento… eu quero que você chega logo, pra nós irmos lá que eu vou falar logo pros irmãos”.
É o suficiente para a polícia cravar, em seu relatório (sempre em mau português, ressalte-se): “Segundo os áudios captados a líder do movimento Ednalva em envolvimento com o crime organizado, que auxiliam no trabalho da manutenção da ordem nos imóveis ocupados e ratificação do poder de comando de Ednalva”.
Como se a palavra “irmãos” fosse privativa do PCC. Como se os adeptos do Evangelho de Jesus, os evangélicos, por exemplo, não pudessem usar essa expressão. Diga-se, aliás, que uma das ocupações dirigidas por Ednalva tinha duas igrejas evangélicas instaladas no andar térreo.
No intuito de satanizar a liderança sem teto, a polícia fez questão de registrar outra conversa, em que Ednalva, a propósito de uma desavença a respeito do preço cobrado por um pedreiro que reformou os banheiros de uma ocupação, diz: “Antes, quando eu via uma pessoa morta, eu falava assim: oh! Meu Deus! Hoje eu falo: Vai pro inferno Satanás! Porque mexer com o ser humano… o ser humano é lixo… A gente tem de cortar o pescoço dessa raça mesmo.”
Vergonha de investigação! Citar um desabafo numa conversa telefônica como se fosse a consumação de um ato violento! Cadê a agressão? Cadê a vítima? Cadê o B.O.? Cadê o exame de corpo de delito? Cadê uma mísera comprovação de que as mulheres foram às vias de fato? Quem nunca se exasperou e falou o que não devia diante de situação que julgou injusta? Onde está escrito no Código Penal que a pena para quem fala uma besteira é a prisão?
Mas a palhaçada fica pior:
Veja o texto policial:
Na data de 16 de Agosto transato, às 18h43m41s, a investigada Ednalva Silva Franco liga para a investigada EPC e já no inicio do diálogo ela indaga: “Oi linda !” Deixa eu perguntar uma coisa: qual do foi o prazo que você deu pra o senhor Gilmar ? E assim EPC prontamente respondeu: “Um mês”. Na sequência Ednalva comenta que o indivíduo “… já deu mais problema ontem..” o problema em questão é que o Gilmar teria se utilizado de palavras de baixo calão e desferido impropérios contra uma outra moradora da ocupação, uma senhora de idade de prenome Fátima. Nessa conversa evidenciou-se que existe um regime ditatorial, onde os “governantes”, no caso as investigadas Ednalva e EPC decidem as regras e quem pode residir no local.
Ou seja, segundo a polícia, a coordenação do movimento deveria deixar o senhor Gilmar xingar à vontade a senhora de idade de prenome Fátima!
O ridículo não tem fim e o relatório da polícia prossegue:
No dia 17 de Agosto transato, às 22h38m47s, Elizete liga para Ednalva e fala: “…então, estou com dois problemas… estou batendo de porta em porta e o povo não esta descendo…” Nesse ponto Ednalva diz: “Oh! Elizete. Então …você não tá sabendo coordenar, me desculpa minha amiga…você vai na porta da pessoa , já vai dizendo…É pra descer agora…É mandar não é pedir… Não sei qual a parte que você não está entendendo…..”, essa conversa se desenvolveu devido a uma reforma que houve no prédio e foi contratado uma caçamba para a retirada dos entulhos, sendo que os moradores não estavam atendendo a convocação para auxiliar na retirada do material a ser descartado.
Sim, leitor, você entendeu bem: a polícia de São Paulo prendeu uma liderança do movimento de moradia porque exigiu que os moradores da ocupação ajudassem a retirar o entulho decorrente de uma reforma realizada no prédio.
O vexame policial e do juiz que autorizou o assédio moral contra as lideranças acusadas e presas fica evidente quando se sabe que a Ocupação Nove de Julho, coordenada por Carmen Silva Ferreira e Preta Ferreira, cobra R$ 220 por mês dos moradores, dando-lhes em troca condições de vida, cidadania e de segurança que nem o Estado e nem a Prefeitura proveem. Para que se tenha uma idéia, na favela do Moinho, encrustada na região central da cidade de São Paulo, R$ 400 é quanto se cobra de aluguel de uma família, para que more em um barraco de 12 metros quadrados (3X4 metros, feito de madeira e lona). Sem direito a NADA!
Artistas como Maria Gadu, Maria Casadevall, Chico César, Ana Cañas, Criolo, Eliane Caffé, Daniela Thomas, entre outras centenas, são entusiastas do trabalho de inclusão e cidadania realizado por nas ocupações do MSTC por Carmen e Preta Ferreira (que também é apresentadora do programa Lula Livre, produzido pelo comitê de apoio ao ex-presidente).
Mas, como inexiste limite para o ridículo, o juiz plantonista Marco Antonio Martin Vargas, que apreciou o pedido de prisão temporária feito pelo delegado e concedeu nos casos mencionados, assim justifica sua decisão:
“De fato, de acordo com a documentação existente nos autos de inquérito policial e o relato da D. Autoridade Policial, os crimes sob investigação são gravíssimos, gerando intranquilidade social que pode ser evidenciada pelo intenso temor de retaliação revelado pelas testemunhas protegidas que contribuíram para o desenvolvimento das investigações.”
Intranquilidade, doutor juiz, é a cidade de São Paulo ter pelo menos 105,3 mil pessoas vivendo em situação de rua, conforme censo de 2018 feito pela própria prefeitura.
Intranquilidade, doutor juiz, é esse número ser 66% maior do que a quantidade de pessoas abordadas na mesma situação em 2016, quando foram contabilizados 63,2 mil indivíduos, e 88% acima da de 2015.
Intranquilidade, doutor juiz, é a taxa de desemprego na cidade de São Paulo: é de 15,4%.
Intranquilidade, doutor juiz, é o Brasil ter 6,9 milhões de famílias sem casa e 6 milhões de imóveis vazios, e a Justiça fingir que não vê isso.
Intranquilidade, doutor juiz, é a injustiça que a gente vê por aqui!
LEIA AGORA OS DEPOIMENTOS DOS MORADORES DA OCUPAÇÃO NOVE DE JULHO, DIRIGIDA POR CARMEN E PRETA FERREIRA, DO MSTC :
DEPOIMENTO ALEX FABIANO LEITE DOS SANTOS – VENDEDOR AUTONOMO, TRABALHA COM EVENTOS
Quando eu cheguei pra morar numa ocupação foi logo no começo do Cambridge. A gente ocupou o Cambridge lá e antes disso eu morava numa situação bem-crítica porque eu morava num quartinho do fundo de uma sapataria. Quando eu fiquei sabendo dessa ocupação eu fui morar lá. Quando a gente chegou tinha um monte de entulho, o prédio tava bem-detonado mesmo. A gente conseguiu arrumar o prédio, deixou ele bem-bonitinho. Esse pessoal que acolheu a gente é um pessoal muito responsável, muito bom, que me tirou do fundo do poço e hoje em dia eu agradeço muito por estar aqui nessa ocupação.
Eu nunca conseguiria pagar um aluguel fora daqui. Aluguel é muito caro, né, e nessa época que eu morava no fundo da sapataria eu ainda pagava uma taxa pro rapaz lá pra ajudar nos custos. Eu pagava em torno de R$ 250, R$ 280, aqui eu pago uma taxa pequenininha e graças a Deus eu moro bem.
Essa taxa é pra investir em melhorias pro próprio prédio. Fizemos rede de esgoto que não tinha, eletricidade que não tinha, um monte de coisa. Pras crianças tem aula de inglês, aula de português, tem a biblioteca que eles estudam.
Morar aqui mudou a minha vida totalmente.
Essas prisões são injustas, o pessoal está tentando reprimir uma coisa que é pro bem-estar da população. Eu nunca vi nada do que eles acusam acontecer aqui. Aqui é o oposto. A taxa que é cobrada aqui é igual qualquer condomínio, né. Você mora num condomínio você tem que pagar o custo que você mora, né. E aqui tem coisa pra ajudar a gente também. Quando tem os eventos aqui é uma coisa que me beneficia. Eu agradeço muito por isso porque posso vender minhas coisinhas aqui e conseguir uma renda.
ADRIANA MENEZES – ARTESÃ
Eu cheguei aqui junto com a minha tia porque a gente não estava conseguindo pagar aluguel e uma moça indicou esse lugar pra gente. Eu sou cadeirante e quando eu cheguei a ocupação não era nem um pouco acessível, eu vim aqui perguntar se tinha espaço e pediram pra eu voltar no dia seguinte. Quando eu voltei já tinha aquela rampinha ali de acesso pra eu entrar, antes mesmo de eu morar aqui. Com o valor da taxa aprovada em assembleia foi adaptado o banheiro para que eu pudesse entrar com a cadeira de rodas e fiquei num espaço maior pra poder me locomover melhor com a cadeira. Todo o espaço aqui foi adaptado para que eu possa ir e vir tranquilamente. Eu acho muito justa essa contribuição porque não tem como a gente ocupar um espaço que estava degradado e continuar morando do jeito que tava. A gente tem que mudar ele. Foi mudada a elétrica, a hidráulica e todo o resto. Está bem diferente de quando eu entrei aqui. Todas as decisões são feitas em assembleias. Os valores que a gente vai ter que gastar tem que ser aprovado e aí é tudo dividido com o todo mundo pra todo mundo saber detalhes de como vai ser gasto. A gente consegue ver as mudanças dia a dia.
SHEILA SILVA SANTOS – DONA DE CASA E BOLEIRA
Eu vim de uma cidade chamada Barreirinhas que fica a três horas de São Luiz, no Maranhão, e quando eu cheguei aqui em São Paulo eu vim pra morar com a minha prima. Pra morar e trabalhar com ela. Eu vim com meu marido e ele estava sem emprego. Ela falou que ia me pagar R$ 800 por mês, mas eu morei com ela três meses e esses R$ 800 ficou pela moradia e contas –ela nunca chegou a me pagar. Aí, depois, meu marido arrumou um emprego e a gente alugou um quarto aqui na Luiz Barreto, na Bela Vista, a gente pagava R$ 850 de aluguel e meu marido ganhava R$ 940 de salário. A gente sobrevivia com o vale alimentação dele que era de R$ 240. Depois eu mudei pra Zona Leste, na Penha, eu fui morar numa casa que também era R$ 800 de aluguel então não mudou muita coisa. Era bem difícil –a gente passava aperto mesmo, nunca chegamos a passar fome porque Deus é maravilhoso, mas a gente passava aperto. Depois que nosso filho nasceu ficou mais difícil ainda, tinha dia que eu não tinha dinheiro pra comprar fralda porque eu tinha que pagar o aluguel, senão o dono da casa pedia pra gente se retirar.
A ocupação só me deu oportunidade, seja de me mostrar como boleira, pra mostrar o que eu aprendi a fazer na vida e conseguir oportunidades com isso. Os eventos que tem aqui dentro são uma oportunidade pra eu ganhar uma renda pra me ajudar no sustento da minha família. Hoje moro eu, meu marido e meus dois filhos.
Teve uma época, logo que eu e meu marido chegamos na ocupação que nós dois estávamos desempregados e a gente ficou sem pagar por alguns meses e nunca ninguém da administração chegou a me ligar ou pedir pra eu me retirar.
Aqui é tudo decidido por assembleia, qualquer coisa é colocada em votação. A taxa de contribuição que a gente paga é pras melhorias no prédio porque nós não recebemos ajuda de nenhum órgão, a gente que tem que se manter. Se a gente quer melhoria, se a gente quer viver num lugar melhor a gente que tem que fazer a reforma. Porque, de onde que a gente vai tirar dinheiro pra arrumar o prédio se a gente não tem ajuda? A gente, trabalhador de menor renda, tem de tirar do nosso salário que é bem pouco pra, em coletivo, melhorar o lugar que a gente mora.
Eu nunca me senti extorquida. Ocupação pra mim é oportunidade. A gente não está aqui lutando só por moradia, a gente luta por saúde, educação e, lógico, por moradia. Aqui dentro eu nunca me senti enganada. Extorquida eu era quando eu pagava um aluguel de R$ 850 e não sobrava dinheiro pra comer, pra eu dar uma alimentação, uma fruta pro meu filho. Se eu não tivesse o dinheiro do aluguel o dono da casa ia lá, batia na porta, falava que se eu não pagasse no dia ele ia colocar minhas coisas na rua e que a gente tinha que sair no mesmo dia.
Se eu não estivesse nessa ocupação talvez eu já tivesse voltado pro Nordeste porque eu não ia ter condição de pagar um aluguel e dar alimentação pra duas crianças. Aqui em São Paulo eu sou sozinha, eu e meu marido, não tenho mais parentes então a gente que tem que correr com tudo, é nós e nós mesmo. Quem acolhe a gente aqui é a ocupação.
MARIA DAS NEVES – COSTUREIRA
Eu cheguei na ocupação de uma forma milagrosa, porque eu tava andando pelo centro e vi na ocupação da José Bonifácio e tinha uma placa dizendo a quem estivesse sem moradia: “Junte-se a nós”. Aí eu entrei pra ver como era e a porteira me deu todas as orientações, falou do grupo de base. Eu não dei muita conversa, mas pagar aluguel ficou muito difícil. Aí fiquei sabendo que ia ter a ocupação, mas eu não queria ir porque eu achava que em ocupação só tinha gente louca. Eu não tinha nenhum conhecimento e quem não tem conhecimento fala essas coisas, né. Mas, como as coisas estavam muito complicadas por causa do preço alto do aluguel, eu tentei, né. Foi a época que ocupou o Cambridge, aí eu entrei e fiquei até hoje.
Antes eu morava na Zona Sul, era uma casa não muito grande e eu pagava R$ 700 mais água e luz. Com o tempo foi aumentando o valor do aluguel e a família era grande, só eu trabalhava. Foi complicando, né, tive que começar a dar prioridade ao aluguel pra não ir pra rua e diminuí as outras coisas. Até a alimentação você vai racionando cada vez mais pra não ter que morar na rua. Lá morava eu e mais quatro netos e só eu provia tudo, né. Hoje mora aqui na ocupação eu, um neto e uma bisneta. Os outros já estão com as mães morando aqui na ocupação também.
Morar numa ocupação fez muita diferença na minha vida, uma das mudanças foi a situação financeira porque a gente se endivida muito quando paga aluguel porque fora ele ainda tem outras contas que a gente tem que pagar e eu não tenho uma renda fixa. Vindo pra cá, diminuiu esse valor que eu gastava com moradia que chegava a quase mil reais, então melhorou bastante.
A gente dá uma contribuição de R$ 220 e esse dinheiro é revertido pra melhoria do prédio. Esse dinheiro é colocado na administração. Esse dinheiro é pra água, luz e reforma do prédio. Tem uma administração que cuida desse valor pra gente e quando precisa a gente se reúne. Agora mesmo, a gente teve que fazer várias reformas nesse prédio, de elétrica, de água, de varias coisas.
Quando a gente chega num prédio desses ele tá bem-destruído e agora a gente vê que ele tá bem melhor. Nosso espaço que nós vamos morar, dentro da nossa casa, é arrumado por nós porque nada mais justo que a gente fazer do nosso jeito pessoal, mas o coletivo, como a luz, a água, o melhoramento das escadas, a iluminação do prédio, essas coisas tudo que é necessário pro prédio é decidido em coletivo. Toda vez que tem que comprar material ou alguma coisa a gente se reúne e decide.
As crianças aqui tem muita coisa pra fazer, eu não sei nem se em um prédio de condomínio aí as crianças tem tanta coisa pra fazer. Aqui as crianças tem reforço escolar, tem brinquedoteca, tem gente que vem de fora pra ajudar as crianças a desenhar. Se você subir um pouco você vai ver vários quadros feitos pelas crianças. As crianças tem bastante diversão. Já tivemos capoeira, vários esportes, tem quadra pra brincar. Tem as festinhas do Dia das Crianças e do Natal, tem muita coisa pra se divertir.
As pessoas me perguntam como faz quando alguém não consegue pagar, quando tá desempregado. Ninguém vai ficar desempregado a vida toda, né?! O difícil é você se trancar e ninguém saber que você tá nessa situação. Como eu, os outros moradores ou a administração vamos saber que você tá precisando de alguma coisa. Aqui nós vivemos em coletivo, a gente precisa conversar. Se você tá desempregada, isso acontece com todo mundo, mas aí você tem que chegar lá na administração e falar que não tá podendo contribuir. Quando você fala que não tá podendo contribuir você já comunicou, aí todo mundo já sabe da situação e vamos aguardar você conseguir um emprego pra poder contribuir.
A gente tem que contribuir porque como que a gente vai morar num lugar melhor se ninguém ajudar? A gente não tem ajuda de nenhum órgão público. Então, é mantido pelos moradores. Os moradores que mantém. Porque, quando a gente ocupa um prédio, a gente já vem sabendo que ele tá sujo, que ele tá deteriorado, que ele tá precisando pelo menos de limpeza pra que você habite. Até a limpeza a gente precisa de um dinheirinho. Como que a gente vai comprar material de limpeza, vai comprar vassoura…
São essas coisas que a gente precisa se juntar e construir juntos. Eu tô dando um exemplo mais simples, imagine chegar e comprar lâmpadas, comprar tinta, comprar canos… Todos esse material é caro e é por isso que damos essa contribuição. E é tudo combinado em assembleia. No caso das luzes, antes que se coloquem luzes no prédio, é feita uma assembleia geral pra explicar como é que vai conseguir melhorar o prédio. Tem material que é bem maior, que é caro, tipo material elétrico: o preço é bem elevado. A mão de obra é das pessoas que moram.
Aqui tem eletricista, tem encanador, tem as mulheres que pintam as paredes, que cuidam da limpeza. Todo mundo se junta e é com esse dinheiro da contribuição que a gente faz a melhoria do lugar que a gente mora.
Eu nunca presenciei cobrança com violência, nem ameaça de nada. Mas tem gente que vai embora pra não pagar, mas não é que sejam expulsos, é que eles não querem, falam que não vão contribuir porque é ocupação e aí os próprios moradores não aceitam. Eu mesma não aceito, não que eu vá brigar pra ele ir embora, mas eu digo assim, nós estamos num coletivo, nós viemos de um grupo de base orientado que quando a gente chega aqui nós que vamos reformar o nosso espaço, nós que vamos contribuir pra isso.
Eu trabalho, eu usufruo de tudo, eu moro, eu tomo banho, eu uso a energia, eu uso água, como que eu não quero contribuir????
Por Cadu Bazilevski, Carolina Rubinato e Lucas Martins
Ontem (20/02) pela manhã uma comunidade que ficava em um terreno no Jardim Humaitá foi alvo de uma remoção. O terreno fica entre a linha 8, Diamante, da CPTM, a Av. Engenheiro Roberto Zuccolo e a Avenida Doutora Ruth Cardoso, na Vila Leopoldina, na Zona Oeste de São Paulo. Existiam, de acordo com os moradores, mais de duzentas famílias, entre crianças e idoso, que foram afetadas pela remoção.
área do terreno Foto: Google Maps
Os moradores acordaram tendo que que desmontar suas casas, empacotar roupas e pertences na correria. Escolher os moveis que iriam levar. Tudo antes da seis da manhã, horário marcado para começar a remoção. Quando a reportagem chegou, por volta das 07:00h uma forte presença policial, tanto da Polícia Militar do Estado de São Paulo quanto da Guarda Civil Metropolitana, escoltava os agentes de remoção contratados pela empresa que é proprietária do terreno.
Os moradores foram notificados, na última segunda-feira (18/02), da mudança repentina. Teriam que sair de casa e arranjar um lugar para morar em cinco dias. A justificativa seria uma mudança do nível de risco da área, que é propriedade da estatal EMAE (Empresa Metropolitana de Águas e Energia). O terreno era utilizado como bota-fora temporário para a deposição de materiais contaminados retirados no processo de desassoreamento do Rio Pinheiros.
Ali moravam mães que saiam todos os dias às 5h da manhã para limparem as privadas dos mais privilegiados da sociedade, elas limpam e cuidam dos filhos dos outros, enquanto os seus sofrem todo tipo de preconceito e criminalização, ali moram idosos que durante toda uma vida trabalharam e pagaram impostos, e ainda assim, nada possuem.
Moradoras da Comunidade Jardim Humaitá. Foto Lucas Martins / Jornalistas Livres
De acordo com Juliana Vanci, advogada do Centro Gaspar Garcia de Direitos Humanos, “O pior desse caso é que essa operação não está sendo feita com uma ordem judicial, ela está sendo feita com uma ordem administrativa. Então é uma decisão da prefeitura executar dessa forma. As famílias sabiam que estavam em uma área considerada de risco, mas não de risco muito alto e tinham uma tratativa com a prefeitura sobre a alternativa que seria dada para as famílias no caso de remoção. Acontece que na sexta-feira a prefeitura esteve aqui notificando os moradores chamando para uma reunião na segunda feira. As famílias foram até o CEU Jaguaré na segunda e receberam a informa de que, no final do mês, eles receberão R$ 400,00 de auxílio e verificarão como que será a continuidade disso. E que as famílias teriam que sair hoje.” ela ainda completa “A operação está sendo totalmente descoordenada. Os responsáveis são a Secretaria de Segurança Urbana e a Defesa Civil.”.
A vereadora Juliana Cardoso (PT-SP) destacou “A assistência social não se preparou para poder ter um albergue familiar, pretendem colocar as famílias separadas. Homem em um lugar e as mulheres e crianças em outro. Fizeram e produziram um cadastramento rápido para poder ter um atendimento do auxilio de quatrocentos reais. Só que pasmem, farão o cartão para pegar no dia dois, para poder pegar no dia vinte e cinco. Isto está fora da Lei.”.
A maior parte dos moradores estava concentrada no começo do terreno, na esquina da avenida Av. Engenheiro Roberto Zuccolo com a Avenida Doutora Ruth Cardoso, realizando um ato que pedia o fim da remoção. As palavras de ordem do ato, entoada pelos moradores, era “Queremos Moradia, não queremos briga!”. Cerca de cem pessoas participavam do ato, enquanto outras ainda preparavam a mudança.
Protesto realizado por moradores da comunidade. Fotos: Cadu Bazilevski e Lucas Martins / Jornalistas Livres
Muitos dos moradores, por conta do pouco tempo de aviso, não tinham lugar para onde levar seus pertences. Os poucos que não estavam no ato ou que tinham conseguido se arrumar em tempo hábil e arranjar algum lugar para ir levavam seus moveis para caminhões da EMAE. Quem não consegui lugar para levar os pertences teria a disponibilidade de um galpão cedido pela empresa.
O morador Miguel, de 62 anos, em sua casa Foto: Lucas Martins / Jornalistas Livres
O morador Miguel Pereira, 62 anos, que trabalha como catador de papelão contou que “Como é que vou para Juquitiba, que lá arrumaram um cantinho para fazer um barraquinho no fundo de um quintal lá. Eles [equipe da prefeitura] disseram que São Lourenço de Juquitiba é muito longe. Como é que eu vou fazer, eu tenho minha cama, meu fogão. Tem umas telhinhas, uns madeirites, como é que vou fazer? Eu vou jogar todas minhas coisas fora. Vou sair só com o documento na mão”.
O presidente da associação dos moradores, Xandão, tentava dialogar com o comandante da operação e com o representante da subprefeitura da Lapa, avisando que os moradores pretendiam sair com o ato até e ir até o gabinete do subprefeito exigir ajuda. A resposta do representante foi “Não adianta, isso não compete ao subprefeito. Estamos aqui apenas para realizar a limpeza” e apontava para as equipes de remoção que retiravam o que, até há pouco eram os móveis e partes das casas, o que foi respondido por Xandão com “Mas e as pessoas?”, a resposta: “não nos compete”.
Despejo da comunidade Jardim Humaitá. Fotos: Lucas Martins / Jornalistas Livres
Mais de seis meses de preparo
Ocupado a mais de cinco anos o terreno vinha sendo acompanhado pela defesa civil do município desde 2017, como consta em documento da prefeitura. Ao longo dos últimos dois anos foram identificadas mudanças nos riscos de deslizamentos, podendo afetar as famílias e as construções. Em um dos relatórios apresentados pela defesa civil, em 06/04/2018, reclassifica parte das áreas ocupadas como de risco “Muito Alto”. No relatório é recomendada “a remoção total da população residente na área em decorrência da classificação do risco total no grau Muito Alto”.
Laudo da prefeitura, datado de 2018Laudo da prefeitura, datado de 2018
Em outro relatório, apresentado Pelo Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT), no dia 15/05/2018 é mencionado “Os diques B e C apresentam ALTA SUSCETIBILIDADE para a ocorrência de escorregamentos, pois os condicionantes geológico-geotécnicos predisponentes (tipo de solo e saturação do solo), associados às ações antrópicas realizadas (cortes com alturas e inclinações elevadas) são de alta potencialidade para o desenvolvimento desse tipo de processo”.
O coordenador geral da Defesa Civil municipal, Coronel Edernald Arrison de Souza, que comandava a operação, em conjunto com a PM, foi quem explicou como o perigo apresentado pelo terreno forçava a remoção. Perguntado sobre a data do laudo que informava sobre o perigo ele respondeu que não tinha o dia exato, preferindo não arriscar um período.
A EMAE já tentara, por via judicial, a reintegração de posse, mas foi determinada uma ação conjunta da empresa, prefeitura e moradores para que eles pudessem ser realocados do terreno com apoio. Juliana Vanci apontou que “existia o compromisso da prefeitura de fazer o atendimento dessas famílias na Ponte dos Remédios. Nunca mais e falou sobre isso e parece que existe, inclusive, um recuo da prefeitura. Essas famílias estão cadastradas e estão no perímetro, elas têm o direito e a prioridade de atendimento na Ponte dos Remédios. Aqueles apartamentos devem ser considerados prioridades para essas famílias”.
Juliana se refere ao projeto “Conjunto Ponte dos Remédios”, do escritório H+F Arquitetos, que busca “atender a famílias situadas em áreas de risco nas proximidades, o projeto prevê a ocupação das antigas instalações da Siderúrgica Barra Mansa, situada à margens do rio Tietê junto à Ponte dos Remédios, em uma região amplamente servida por infra-estruturas de transporte e logística. Esta iniciativa acompanha o processo de transformação das antigas plantas industriais do entorno em edifícios de habitação e serviços, valendo-se de altos índices de aproveitamento do solo”. Esse projeto, que se arrasta desde 2010, recebeu financiamento do Fundo Municipal de Saneamento (FMSAI) e tem previsão de conclusão em 2019. São previstas duas torres, totalizando 181 apartamentos que variam entre 53m² e 54m².
Mesmo com os laudos disponíveis desde 2018 os moradores ainda não tiveram acesso a justificativa que levou a prefeitura a agir de maneira emergencial, descumprindo a decisão judicial que determinara a ação conjunta entre as três partes.
Os direitos roubados das crianças
A professora Graciana de Souza Brune, foi uma das primeiras pessoas a solicitar ajuda externa, de coletivos de mídia e direitos humanos. Graça, como é conhecida pelas crianças e comunidade, é uma dessas professoras que ama seus alunos e participa da vida deles dentro e fora da sala de aula.
Crianças, adultos e idosos da comunidade Jardim. Humaitá não possuem água encanada, esgoto tratado, luz, endereço e muito menos dignidade humana. São pessoas que sofrem todos os dias com o fato de serem inexistentes para o governo e também para uma boa parte da sociedade, que simplesmente não os enxergam, passam ali todos os dias, mas não há se quer um olhar para a realidade alheia. São seres humanos que têm seus direitos roubados todos os dias.
Mas, cada uma das pessoas que moram na comunidade Jardim Humaitá pagam impostos, a cada litro de leite que compram, metade do dinheiro é imposto, o mesmo que todo mundo paga. São merecedores de direitos básicos para a dignidade humana, mas todos os dias são roubados desses direitos.
Falaremos das crianças que deveriam ser protegidas pelo ECA – Estatuto da Criança e do Adolescente, uma lei do país que dispõe sobre a proteção integral à criança e ao adolescente. O artigo terceiro do ECA dispõe que a criança e o adolescente devem gozar de todos os direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, sem prejuízo da proteção integral de que trata esta lei, assegurando todas as oportunidades e facilidades, a fim de lhes facultar o desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social, em condições de liberdade e de dignidade.
O artigo quarto ainda prevê que é dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do poder público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária.
O sétimo artigo do ECA ainda dispõe que a criança e o adolescente têm direito a proteção à vida e à saúde, mediante a efetivação de políticas sociais públicas que permitam o nascimento e o desenvolvimento sadio e harmonioso, em condições dignas de existência.
Agora falaremos sobre condições dignas de existência, mas qual condição, sobre qual dignidade estamos falando?
Hoje mais de 60 crianças foram jogadas nas ruas por um governo higienista, autoritário e desumano, daqueles que querem limpar a sociedade, retirar de circulação os pobres, excluí-los e torná-los cada vez mais inexistentes.
Em nenhum momento o Estado se propôs a tirá-los de lá, com outro local pronto para recebê-los. Eles perderam a casa, o teto, a cama, a comida e o direito a escola de uma só vez, viram os pais sendo tratados como lixo humano, crescem com tudo isso marcado na alma.
Crescem e se tornam exatamente o que a sociedade entregou para eles, nada. Sem autoestima, sem consciência, sem expectativa de vida fica fácil ir ao encontro do crime. Mas quem se beneficia com o crime no país?
Uma das indústrias que mais cresce no mundo é a de segurança, a estimativa é que até 2020, a receita global do setor deve atingir US$ 240 bilhões, no Brasil a média anual de crescimento do mercado é de 8% e movimenta mais de R$ 70 milhões.
As pessoas precisam ter medo para blindarem seus carros, contratarem empresas de segurança, instalarem câmeras, alarme no carro, segurança particular, condomínios, aumento dos muros, sem contar, os milhares de produtos que são comprados diariamente quando os temos roubados. Roubam um celular hoje, amanhã compram um melhor, roubam a televisão, outra nova a substituiu, levam os carros, mas o seguro cobre. O medo imposto pelo Estado gera dinheiro para o governo e milhares de empresas, então crianças ficam à mercê da própria sorte, mais um bandido, mais alguns reais no bolso do mundo capitalista.
Governo e empresas matam sem sentir, mas quem atira também morre. Eles não foram despejados, foram jogados na rua tal qual lixo.
Crianças da comunidade Jd. Humaitá despejadas pelo Governo. Fotos: Cadu Bazilevski e Lucas Martins / Jornalistas Livres
Estatuto da Criança e ao Adolescente: Parágrafo único. Os direitos enunciados nesta Lei aplicam-se a todas as crianças e adolescentes, sem discriminação de nascimento, situação familiar, idade, sexo, raça, etnia ou cor, religião ou crença, deficiência, condição pessoal de desenvolvimento e aprendizagem, condição econômica, ambiente social, região e local de moradia ou outra condição que diferencie as pessoas, as famílias ou a comunidade em que vivem.