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  • A difícil escolha entre cozinhar ou tomar banho

    A difícil escolha entre cozinhar ou tomar banho

    O Brasil concentra 53% da água doce da América do Sul e 12% do mundo. Esse recurso, essencial para a vida humana e cada dia mais cobiçado pelas grandes potências, corre sérios riscos de ser privatizado em nosso país. Depois que o Congresso Nacional aprovou e Bolsonaro sancionou, com vetos, há pouco mais de dois meses, o Novo Marco Legal do Saneamento (PL 4.162/2019), o governo federal tem feito gestões para que os governos estaduais apressem esse processo.

    Ana Luisa Naghettini, estudante de Matemática Computacional na UFMG e militante independente em defesa do meio ambiente, e Ângela Carrato, jornalista e professora do Departamento de Comunicação Social da UFMG

    Um forte lobby na mídia também está em ação. O objetivo, na linha da privatização imediata proposta pelo ministro da Economia, Paulo Guedes, é que os governos estaduais vendam, rápido e a qualquer preço, as suas empresas. O objetivo é convencer a população de que a privatização das companhias de água e saneamento é “o único caminho para o Brasil enfrentar o grave déficit no setor”. Para tanto, dados alarmantes são apresentados quase diariamente: “48% da população brasileira não tem coleta de esgoto”; “o país convive com 3.257 lixões a céu aberto”; “é necessário investir R$ 753 bilhões até 2033 para enfrentar esses problemas”.
    Antes mesmo de a nova legislação ser aprovada, o governador de Minas Gerais, Romeu Zema (Novo), já dava um largo passo nesse sentido, com a Copasa, a estatal mineira de águas e saneamento, informando aos seus acionistas e ao mercado que iria contratar serviços para começar o processo de desestatização.

    A situação se torna mais grave ainda quando se sabe que, caso o Congresso Nacional não derrube os 11 vetos de Bolsonaro a esta legislação, as empresas estatais, responsáveis por 70% desse serviço, não poderão mais assinar contrato com os municípios, sendo obrigadas a se submeterem às licitações, sob a ótica do mercado. Além disso, a obrigação de realizar licitações e as metas de desempenho para contratos tenderão a prejudicar as empresas públicas locais, piorando a qualidade dos serviços prestados.

    Os vetos eram para ter entrado em pauta no Congresso em setembro, com muitos governadores e prefeitos trabalhando pela derrubada deles. Até agora não foram apreciados e não falta quem aposte que, por conta das eleições municipais, dificilmente isso acontecerá em 2020. O que complicará ainda mais a situação das empresas de saneamento, a começar pela Copasa.

    Risco

    Num momento em que o governo Bolsonaro é mundialmente criticado pelo desmonte das políticas ambientais e pela negligência no combate aos incêndios na Amazônia e no Pantanal, além do negacionismo em relação ao vírus do covid-19, não só a nova legislação sobre saneamento virou lei, como o risco agora é que essas empresas sejam privatizadas sem que as pessoas se deem conta da gravidade do que está em jogo.
    Uma das principais causas da rápida proliferação do covid-19 no Brasil (o país ostenta o triste recorde de terceiro no mundo em mortes) reside exatamente na falta de acesso de expressivos contingentes da população à água tratada e ao saneamento.
    Some-se a isso que estudo do Observatório Fluminense Covid-19 (formado por sete instituições de ensino e pesquisa do Rio de Janeiro, entre elas a UFRJ e a UFF) aponta que a própria estabilização do vírus na América Latina deve se dar em patamares elevados e permanecer atuando na região por mais dois anos.

    Ao defender a privatização imediata de suas empresas de saneamento, o Brasil coloca-se na contramão do que acontece no mundo. Segundo estudo do Instituto Transnacional da Holanda (TNI), entre 2000 e 2017, cerca de 1700 municípios de 58 países, entre eles Berlim (Alemanha), Paris (França) e Budapeste (Hungria) reestatizaram seus serviços. Só na França, 106 cidades fizeram isso. Fora do continente europeu, Buenos Aires (Argentina) e La Paz (Bolívia) são alguns dos casos sul-americanos que reestatizaram serviços públicos básicos, entre eles o de fornecimento de água e ampliação de redes de esgoto.

    Lucro

    As principais razões para as reestatizações foram a colocação do lucro acima dos interesses das comunidades, o não cumprimento dos contratos, das metas de investimentos – principalmente nas áreas periféricas e mais carentes -, e os aumentos abusivos de tarifas.
    O governo Bolsonaro e a mídia corporativa brasileira que o apoia ignoram esse tipo de alerta e destacam apenas que “a livre concorrência no setor permitirá mais investimentos – são esperados R$ 600 bilhões, grande parte internacionais, até 2033” – e que “a universalização dos serviços de saneamento ocorrerá em 30 anos”. Acena-se com promessas, para quebrar resistências e ganhar a opinião pública.

    Não foi por falta de recursos, como alega o governo Bolsonaro, que se optou pela privatização. Um total de R$ 1,2 trilhão acaba de ser repassado para os bancos privados a título de auxiliá-los durante a pandemia. Um terço desse valor por ano seria mais do que suficiente para resolver o problema do saneamento no Brasil.
    Nada foi dito sobre a nova legislação possibilitar que os pobres fiquem cada vez mais distantes do acesso à água tratada e ao saneamento e que o alegado prazo próximo a vencer, para o fim dos lixões, foi prorrogado. Não foi dito, igualmente, que as empresas multinacionais dispõem agora de uma chance de ouro para controlar também as cobiçadas águas brasileiras.

    Esse, aliás, parece ser o ponto essencial, porém obscuro nessa legislação.

    A nova lei trata da questão do saneamento, mas empresas de saneamento são também as que fornecem água. Assim, a privatização das primeiras traria, como consequência, também a privatização das águas, cujo fornecimento ficaria a cargo de quem visa apenas o lucro.

    Dos atuais 5.571 municípios brasileiros, no máximo 500 têm condições de atrair investimentos no setor. Sem dúvida haverá disputa pela privatização de empresas estatais em grandes metrópoles como Belo Horizonte, São Paulo, Rio de Janeiro, Salvador, Recife, Curitiba e Brasília.

    Mas quais empresas se interessarão por fornecer serviços em municípios pobres do Vale do Jequitinhonha, em Minas Gerais, no sertão nordestino ou no interior da Amazônia? Esses, certamente, serão abandonados à própria sorte, pois o chamado “investimento cruzado”, que determina que o lucro obtido pelas empresas estatais nas áreas mais ricas seja aplicado nas regiões pobres e carentes, não existirá mais.

    Jereissati e sua Coca-Cola

    Não há também justificativa social para a pressa com a qual essa nova legislação foi aprovada. O relator da matéria, senador Tasso Jereissati (PSDB-CE), rejeitou todas as emendas de mérito propostas para que o texto não voltasse à Câmara dos Deputados para uma nova apreciação. A oposição propôs que a matéria fosse debatida após o fim da pandemia. Deveria ter sido o caminho natural, diante de uma medida de tamanha
    importância, mas foi derrotada.
    De acordo com o Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento (Sinis) de 2018, mais de 83% da população brasileira tem acesso a serviços de abastecimento de água e 53,2% usam serviços de esgotamento sanitário. O marco legal anterior, estabelecido por lei de 2007, definia diversos princípios fundamentais como universalidade, integralidade, controle social e utilização de tecnologias apropriadas.
    Também estabelecia funções de gestão para os serviços públicos, como planejamento municipal, estadual e nacional e a regulação, que devem ser usados como normas e padrões. Uma das mudanças mais significativas introduzida pelo novo Marco foi a retirada da autonomia dos estados e municípios do processo de contratação das empresas que distribuirão água para as populações e cuidarão dos resíduos sólidos.
    Em síntese, o que foi aprovado é um enorme retrocesso sob a ótica dos interesses da maioria da população. Razão pela qual a aprovação desse novo marco legal provocou reação imediata apenas nas redes sociais, pois a mídia corporativa o apoia e o endossa, bem como a toda a agenda ultraliberal de Paulo Guedes.

    “Sobreviverá quem puder pagar”, escreveu a destacada jornalista Hildegard Angel, ao frisar que “a água de nossas nascentes, fontes, rios, lagoas não pode ter dono. Querem engarrafar a água (…) colocar uma etiqueta e botar preço”.

    Já o deputado e ex-ministro do Desenvolvimento Social e Combate à Fome, Patrus Ananias (PT-MG), preferiu lembrar que “a privatização das águas foi votada no dia em que morreram mais de 1100 brasileiros”, acrescentando que é “assustador observar esse tipo de prioridade, que é do grande capital e do mercado, não dos brasileiros”.

    Mais contundente, a presidente da Associação dos Profissionais Universitários da Sabesp, a companhia estatal de águas e saneamento do Estado de São Paulo, socióloga Francisca Adalgisa, garantiu que “é bala na cabeça da população mais pobre”, pois se essas empresas não forem privatizadas, também não receberão mais recursos do governo para os investimentos de que necessitam.
    Nada disso parece ter sensibilizado uma população anestesiada em meio a várias pandemias simultâneas. E o lobby pela privatização cresce e aposta na vitória de candidatos “sensíveis” ao mercado nas eleições desse ano nas principais capitais para facilitar as vendas.

    Ribs


    Atualmente no Brasil os serviços de água e esgoto são prestados, em sua grande maioria, por empresas estatais, não sendo vedada a possibilidade de associações entre entes estatais e o setor privado, através das chamadas parcerias público-privadas (PPPs). Nesse sentido, a Sabesp, a empresa de saneamento de São Paulo, é um mau exemplo, que a mídia corporativa brasileira esconde. Mesmo pública, a empresa tem 50% de seu capital privado. Os acionistas dão as cartas e deixam milhões de pessoas sem coleta e tratamento de esgoto na maior cidade do Brasil e da América Latina.

    Outro mau exemplo do que faz o setor privado nessa área é Manaus. Com 20 anos de gestão privada, a capital amazonense tem apenas 12,5% de cobertura de esgoto, dos quais só 30% são tratados. Mais de 600 mil pessoas – um terço do total da população -, continuam sem acesso à água potável. Não por acaso Manaus liderou a primeira onda de mortes por coronavírus no país e o risco de um retorno do vírus, mais forte ainda, na cidade é real.
    Por isso, o economista Ladislau Dowbor, professor da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), consultor de agências da ONU e autor de mais de 40 livros sobre desenvolvimento econômico e social, propõe que diante do Covid-19 e da situação caótica da economia brasileira sob a gestão Bolsonaro é fundamental o resgate do papel do Estado, a adoção da renda básica generalizada, o reforço da saúde pública e o financiamento local, com a transferência, de maneira organizada, de
    recursos a cada município. “É no nível local que se sabe qual bairro é mais ameaçado, onde falta água ou saneamento, quais famílias estão mais fragilizadas”, afirma.
    O que Dowbor defende é o oposto do que define a nova legislação. Na mesma linha, o economista francês Thomas Piketty, autor de “Capital e Ideologia”, seu mais recente trabalho lançado no país, diz que as elites brasileiras cometem um erro ao perpetuar o abismo social, comprometendo o futuro da nação.
    Diferentemente do que pensa Piketty, as elites brasileiras sabem o que querem. Em 2009, no XXIII Fórum da Liberdade, promovido pelo Instituto Millenium, um think tank brasileiro ultraliberal, o ex-presidente da República, Fernando Henrique Cardoso, figura reverenciada pela mídia nacional, proclamava: “jamais os direitos humanos irão suplantar o direito à propriedade”.

    Nos oito anos em que governou o Brasil (1995-2003) isso foi verdade. Seu governo privatizou mais de 100 empresas, entre elas a mineradora Vale do Rio Doce, rebatizada como Vale S.A. O argumento era o de sempre: “ineficiência” e falta de recursos para investir no setor.

    Doze anos depois, a Vale foi responsável pelos dois maiores crimes humanos e ambientais da história brasileira: o rompimento das barragens em Mariana e Brumadinho, ambas em Minas Gerais, com a morte de duas centenas e meia de pessoas e a destruição da bacia do rio Doce, um dos maiores da região Sudeste. As famílias dos mortos, desaparecidos e dos atingidos pela lama e água contaminada ainda lutam para receber indenizações. Enquanto isso, as ações da vale seguem nas alturas.
    Foi também no governo de Fernando Henrique Cardoso que o Brasil passou a ter agências reguladoras para fiscalizar a atuação das empresas recém-privatizadas. O resultado é que essas agências, Anatel, na área da telefonia, Anac, na aviação civil, e Aneel, nas águas e energia, rapidamente foram colonizadas pelo capital privado, por aqueles a quem deveria fiscalizar. E acabam não fiscalizando nada. Resultado: serviços de péssima qualidade, tarifas caras e cidadãos transformados em meros consumidores. E os serviços, antes um direito social, viraram atividade econômica regulada pelo mercado, possibilitando basicamente acúmulo do capital privado.

    Durante a realização do 8º Fórum Mundial da Água, em 2018 em Brasília, empresas como a gigante nacional de refrigerantes e cervejas Ambev, e as multinacionais Nestlé e Coca-Cola participaram do evento como financiadoras, mas também fizeram várias sugestões. Coincidentemente, essas sugestões, pelas mãos do senador Tasso Jereissati, foram transformadas em projeto de lei e agora integram o novo Marco do Saneamento. Para quem não sabe, Jereissati é acionista da Coca-Cola Brasil e um dos maiores interessados em entregar à iniciativa privada os bens comuns nacionais.
    Duramente criticadas pelos brasileiros em suas redes sociais, essas empresas apressaram-se em dizer que não têm nada a ver com a privatização de águas no país. A Coca-Cola Brasil divulgou um longo texto em que considera “boato” qualquer relação com o novo Marco Legal do Saneamento Básico. Já a Nestlé, há anos, vem desmentindo, também por redes sociais, que tenha interesse em privatizar o aquífero Guarani, uma reserva de 1,2 milhões de quilômetros quadrados, compartilhada por Brasil, Argentina, Paraguai e Uruguai.

    Esse assunto, claro, nunca é tratado nas TVs ou emissoras de rádio.

    O então presidente da República, Michel Temer, que chegou ao poder depois do golpe, travestido de impeachment contra a presidente Dilma Rousseff em 2016, também negou que houvesse qualquer entendimento nesse sentido. Mas não deixa de ser coincidência que tenha sido em seu governo que o primeiro projeto de lei alterando a legislação de 2007 sobre saneamento fosse enviado ao Congresso.
    Igualmente não deixa de ser coincidência que esse novo marco tenha sido aprovado a toque de caixa pelo governo Bolsonaro, em plena pandemia, quando a população brasileira está assustada com o número crescente de mortos e sem condições de protestar nas ruas e praças públicas, como sempre fez.
    Pelo visto, o governo Bolsonaro está seguindo à risca a proposta de seu mundialmente criticado ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, para quem a pandemia deveria ser aproveitada “para passar a boiada”.
    As medidas impopulares não só estão sendo aprovadas, como se preparam para sair do papel sem que a maioria das pessoas se dê conta disso. Quando perceberem, poderão já estar pagando muito mais caro pela água que utilizam. Ou, pior ainda: tendo que escolher entre cozinhar e tomar banho.

    Charge de Bacellar


  • Manaus já enterra vítimas do covid-19 em valas comuns

    Manaus já enterra vítimas do covid-19 em valas comuns

    Depois de instalar frigoríficos em cemitérios para armazenar caixões, a Prefeitura de Manaus começou ontem a enterrar os corpos de vítimas do novo coronavírus em valas comuns, ou “trincheiras”, no cemitério público Nossa Senhora Aparecida, no bairro Tarumã, Zona Oeste da capital do Amazonas. Hoje, a cidade registra 156 mortes por Covid-19, enquanto no estado, o número de casos confirmados chegou a 2.160, com 182 mortes.

    https://www.facebook.com/aloisio.morais.7/videos/pcb.3480850081930449/3480849038597220/?type=3&__tn__=HH-R&eid=ARBfPc5_cgZuls7Bf_EzfDhlM8ndbSNZQ7SmiGU621SqYZqervzstSdbeH5AOLAg8sPENjmGvzIetgCV

    Devido ao grande aumento de sepultamentos realizados no cemitério, a Secretaria Municipal de Limpeza Urbana adotou o sistema de trincheiras para realizar o enterro das vítimas de Covid-19. “A metodologia, já utilizada em outros países, preserva a identidade dos corpos e os laços familiares, com o distanciamento entre os caixões e com a identificação das sepulturas. A medida foi necessária para atender a demanda de sepultamentos na capital”, informou a secretaria por meio de nota.

    https://www.facebook.com/aloisio.morais.7/videos/pcb.3480850081930449/3480849111930546/?type=3&__tn__=HH-R&eid=ARBpoPp6HvX0Ogbz_Zbh0d1zQgdzYIJ_KhXnUzHTiAHFRNWPwVZAqDC4uz5T_xE_I23NAoDhKkVAfSIr

     

  • Ao vivo JL entrevista Miguel Nicolelis 2

    Ao vivo JL entrevista Miguel Nicolelis 2

    Em seu boletim semanal, realizado com os Jornalistas Livres, no último dia dez o pesquisador Miguel Nicolelis conversou com a repórter Kátia Passos sobre a situação nos estados do nordeste, no país e no mundo. Também  contou como tem sido realizado o trabalho do comitê científico do Consórcio Nordeste.

    Nicolelis apontou os avanços realizado pelo comitê em seus primeiros dias de atuação. Ao mesmo tempo em que foi lançada a articulação que envolve cientistas dos nove estados da região já “pegou o avião voando”, como definiu. Para ele foi importante ressaltar que o isolamento social é uma das medidas mais essenciais no combate ao coronavírus e que se não houver uma ação séria para garantir seu funcionamento haverá um desastre, uma vez que esse isolamento é “a única grande arma que nós temos neste momento global, para evitar uma catástrofe que evite um número de casos que o sistema de saúde brasileiro não daria conta”.

    A situação vivida por Manaus, que neste momento já conta com 1.295 e o Amazonas com 1.484 casos confirmados e 90 mortes no estado, e tem seu sistema de saúde colapsado. Sem EPIs (Equipamentos de Proteção Individual), respiradores insuficientes para o número de casos e com quase lotação de leitos de UTIs. 

    Outro ponto importante que foi discutido pelo comitê, apontado por Nicolelis, foi sobre o uso de máscaras caseiras como forma complementar de prevenção. A discussão sobre as máscaras foi principalmente sobre os materiais que podem ajudar na montagem da máscara e na a forma de usá-la corretamente, que terá um artigo publicado no site do comitê abrangendo a conclusão da discussão nos próximos dias. 

    Ainda contou sobre a necessidade que o consórcio tem de profissionais da mais diversas áreas, desde medicina até comunicação, para auxiliar nos trabalhos de pesquisa, divulgação de estudos e checagem de fatos e como o subcomitê de comunicação tem realizado esta busca.

    Nicolelis também se posicionou sobre o uso da hidroxicloroquina “não existe evidência clínica ou crível, testada ou comprovada de que a  hidroxicloroquina e a cloroquina funcionam”. ele citou um editorial publicado pelo British Medical Journal  que, além de não indicar a eficácia dos medicamentos, aponta potenciais riscos da automedicação. Sobre o coronavírus, explicou que a versão genética do vírus no Brasil é mais agressiva no trato respiratório e na possibilidade de contágio, do que outras versões encontradas em países como a China. O cientista reforçou a importância das “medidas sociais e econômicas, enquanto saúde pública, para reforçar o isolamento e garantir a alimentação das pessoas.

    Veja a entrevista

     

     

  • A verdade de um fotógrafo sobre as ocupações urbanas de Manaus

    A verdade de um fotógrafo sobre as ocupações urbanas de Manaus

    Meu nome é Christian Braga, amazonense, fotógrafo documentarista, jornalista livre e ativista. Começo esse texto afirmando que a vida de um fotógrafo tem inúmeros objetivos e um deles é retratar a realidade. Tento não cair nas conversas do “disse me disse”, nas narrativas preconceituosas e discriminadoras. Procuro sempre entender de dentro o que vou fotografar.

    Em Manaus, onde nasci, cresci ouvindo que as “invasões” que rodeiam a cidade são lugares de bandidos, ladrões, traficantes, marginais. É incrível como são incontáveis os adjetivos excludentes, que só reforçam a segregação social e servem para desconsiderar os moradores pobres como população manauara. Essa “operação” ideológica fica ainda mais inacreditável quando se sabe que Manaus loteou apenas 4 bairros oficiais, sendo eles: Educandos, Praça 14, São Raimundo e Aleixo (bairros grandes na cidade). E o restante? São todas “invasões”? Ou podemos nomear de um jeito melhor? Como “ocupações”, por exemplo, inclusive o centro da cidade.

    Fui conhecer uma delas chamada Coliseu, no extremo da Zona Leste de Manaus. O nome coube perfeitamente bem para uma ocupação que sobreviveu a duas batalhas de reintegrações e continua de pé. Já são 4 anos de luta com mais de 1.500 famílias que moram no local e colecionam muita histórias para contar.

    Conheci pessoas de verdade, crianças, idosos, trabalhadores e trabalhadoras. Vi casas de alvenaria, vi hortas, vi comércio, vi campo de futebol, vi igreja. Eu vi vida de verdade. E tem problema? E onde não tem? Atualmente nossos maiores problemas estão nos ocupantes dos maiores cargos de comando da política nacional —homens ricos e brancos, em sua maioria. Mas eles são considerados pessoas influentes na elite brasileira. Destilam ódio na sociedade, reafirmam o racismo e a misoginia, fazem uma política machista e reforçam a desigualdade social.

    Manaus tem um déficit habitacional de 22,9%. Nada menos do que 128 mil pessoas vivem em área de risco, segundo dados da Fundação João Pinheiro. Enquanto isso, cerca de 50 mil imóveis estão ociosos, servindo à especulação imobiliária, só no centro da cidade, conforme o Conselho de Arquitetura e Urbanismo (CAU-AM). De acordo com o CAU, só os imóveis do centro abrigariam mais de 200 mil pessoas.

    E de quem é a culpa desses números vergonhosos? Do povo, claro, pois a corda sempre quebrou do lado mais fraco.

    Abaixo o ensaio que realizei na ocupação Coliseu. Foi a minha forma de homenagear a vitalidade, coragem e determinação das crianças, mulheres e homens dessa comunidade, ainda tão discriminada pela narrativa das elites:

     

    Crianças assistem o jogo de futebol no campo do Coliseu – Foto: Christian Braga

     

    Roupas no Varal da ocupação que serão vendidas em um brechó na comunidade. – Foto: Christian Braga

     

    Crianças brincam com balde de água em frente as suas casas –  Foto: Christian Braga

     

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    Morador do Coliseu faz musculação em academia improvisada em frente a sua residência – Foto: Christian Braga

    Morador constrói sua residência na ocupação Coliseu – Foto: Christian Braga

    Moradores jogam futebol no campo de terra no Coliseu – Foto: Christian Braga

  • O dia em que a índigena Djuena Tikuna fez do palco sua aldeia

    O dia em que a índigena Djuena Tikuna fez do palco sua aldeia

    A noite do dia 23 de agosto de 2017 ficou marcada por um encantamento e diversidade jamais vistos no centenário Teatro Amazonas, em Manaus. Subiram ao palco, com suas vestimentas e instrumentos tradicionais, grupos de dança das etnias Sateré-Mawé, Tukano, Dessana e Tikuna para um pré-show do espetáculo inédito do lançamento do CD “Tchautchiüãne” (significa em português “minha aldeia”) da cantora e compositora indígena Djuena Tikuna, que canta na língua do seu povo, Tikuna – autodenominado Magüta.

     

    Um público de 823 pessoas, incluindo 300 indígenas convidados de diversas etnias, lotou o teatro, fundado 1896. No palco, a artista Djuena foi acompanhada pelo marido, Diego Janatã (na percussão e flautas), e pelos músicos Poramecú Tikuna (maracá e voz), Anderson Tikuna (violão), Antón Carballo (violino) e Agenor Vasconcelos (contrabaixo).

    Dividiram o espetáculo com ela a cantora Yra Tikuna, na canção “Ewaré”, e Marlui Miranda, na música “Maraká´Anandé”, canção tradicional do povo Ka´apor (do Maranhão). Marlui, que é etnomusicóloca, cantora e uma referência e pioneira em música indígena no Brasil, cantou ainda com Djuena a música “Araruna”, uma canção que fez parte do seu disco “Vozes da Floresta”, de 1996, inspirada na música tradicional dos índios Parakanã (Pará).

    O CD “Tchautchiüãne” de Djuena Tikuna tem 12 faixas, incluindo o Hino Nacional. Foi com a interpretação do hino brasileiro na língua Tikuna que a artista abriu sua apresentação no Teatro Amazonas acompanhada de crianças da comunidade Wotchimãücü e do imitador de pássaros Cleudilon de Souza Silveira, conhecido como Passarinho. Ele, que acompanhou a cantora em outras canções ao longo do show, assovia os cantos de 37 diferentes espécies da fauna amazônica, entre elas o bacurau, o sabiá-laranjeira e o tucano.

    As composições no CD “Tchautchiüãne” falam da resistência cultural, da identidade indígena, dos rituais e das ameaças aos direitos indígenas. O espetáculo foi dirigido por Djuena em parceria com o diretor de teatro Nonato Tavares, da Companhia Vitória Régia.

    Djuena Tikuna (“a onça que pula no rio”) nasceu na Terra Indígena Tikuna Umariaçu, município de Tabatinga, no Amazonas, região do Alto Rio Solimões, na fronteira entre o Brasil, Colômbia e Peru. O gosto pela música ela herdou da avó, Awai Nhurerna (em português Marilza), já falecida, a quem a cantora fez uma homenagem durante o espetáculo no Teatro Amazonas.

    Texto: Kátia Brasil / Amazônia Real

    Direção: Christian Braga
    Fotografia: Robert Coelho
    Câmeras: Christian Braga e Robert Coelho
    Produção: Renata Frota
    Assistente de Produção: Nadyne Oliveira
    Apoio: Jornalistas Livres, Greenpeace e Amazônia Real

  • “Quem disse que morto fala?”, diz militante espancada em Manaus

    “Quem disse que morto fala?”, diz militante espancada em Manaus

    Por Ana Luisa Mariátegui

    Essa foi a frase que Taly Nayandra, 23, bióloga e militante do Partido Comunista Brasileiro (PCB) ouvia enquanto era espancada na noite de sábado (25), dentro do 24º DIP, centro de Manaus. A militante que compõe o movimento “Não ao Aumento da Tarifa” – movimento composto por militantes partidários, movimentos sociais e sindicais, que estão desde janeiro deste ano em Manaus, lutando contra o reajuste da tarifa de ônibus que já passa pelo seu segundo aumento em menos de um ano.

    A militante contou que estava saindo de um bar próximo a Praça da Saudade com um grupo de colegas quando ouviu tiros disparados em direção ao grupo vindo de dois homens e uma mulher que não estavam trajando a farda da polícia militar. “Estávamos indo embora juntos, indo pra parada de ônibus. Ao todo éramos sete pessoas. Do nada ouvimos esses tiros, alguns para o alto, outros em nossa direção. Saímos correndo, cada um para um lado. Depois, eu vi uma viatura da polícia militar vindo à minha direção. Polícias desceram de lá armados, me colocaram dentro do camburão da polícia junto com aqueles que não conseguiram correr”, relatou a militante.

    Taly foi levada para o 24º DIP, que aos fins de semana não tem expediente. Quando chegou à delegacia, Taly foi levada para uma sala junto com outro rapaz que também tivera sido preso junto com ela. Taly contou que perguntou aos polícias do porquê de sua prisão, a justificativa dada por eles era que o grupo estava pixando. “Eles disseram que nós estávamos pixando, mas isso não é verdade. Nós estávamos indo para casa, andando na calçada”, explicou Taly.

    Taly contou que foi separa do rapaz que também havia sido preso com ela. Ela ainda conta que viu ele apanhar muito sem nenhuma razão para isso. Taly foi separada de seu colega e levada para uma sala onde só havia ela e mais dois policiais. Nesse momento a sessão de tortura se iniciou. “Eu não sei o nome dos policiais, mas um deles eu lembro bem: era careca, branco e alto. Ele me deu primeiro um tapa no ouvido, depois me deu socos nas costas e chutes. Fez isso por cerca de uma hora. Lembro que ele só parava quando ia comer, depois voltava para me bater”. Taly chegou a desmaiar após os espancamentos.

    Mas a tortura não foi somente física, mas psicológica também. “Ele ficava dizendo: “Fala alguma coisa agora, sua comunista filha da puta”, disse a militante que há quatro anos integra o quadro do partido Comunista Brasileiro (PCB) e o movimento da União da Juventude Comunista (UJC). Na última eleição, Taly Nayandra foi candidata à vice-prefeita da cidade de Manaus pela coligação ‘Manaus por nós: construindo o poder popular’, junto com o candidato professor Queiroz (Psol – AM).

    A militante comunista após a sessão de espancamento foi colocada dentro da viatura da polícia e levada para próximo à ponte do bairro São Raimundo. No carro, mais uma vez, nenhuma mulher policial. Somente homens, dois homens. Chegando lá, houve mais uma sessão de tortura. ”Quando eu desci do carro, eles pegaram meu celular, tiraram o chip e quebraram. Depois me disseram: Morto não fala, não é? Eu achava que ia morrer, porque os policiais quem me soltaram estavam armados e toda hora ficavam dizendo isso”, afirmou Taly.
    Os policiais soltaram Taly Nayandra em uma rua escura, já se passava das 23 horas. Não havia ninguém por perto. A rua estava deserta. Ao descer do carro, os policiais pediram para ela correr e não olhar para trás. Taly correu o máximo que pôde e, como já tivera sido alertada, não olhou para trás.

    Aumento da Tarifa
    Desde janeiro deste ano, a tarifa do transporte público da cidade de Manaus já passa pelo seu segundo reajuste em menos de um ano. No dia 23 de janeiro, o vice-prefeito de Manaus, Marcos Rotta (PMDB), em uma entrevista para uma emissora de televisão local, comunicou que a Prefeitura iria reajustar o valor da tarifa do transporte coletivo da capital Amazonense. Passados menos de um mês do primeiro reajuste, o prefeito de Manaus, Artur Virgílio (PSDB), anunciou na tarde de 21 de fevereiro, que o valor da passagem de ônibus iria ser reajustado para R$ 3,80.

    Nós do coletivo Jornalistas Livres, nos solidarizamos com a militante do Partido Comunista Brasileiro (PCB), Taly Nayandra. Repudiamos toda e qualquer forma de repressão e retaliação a toda e qualquer pessoa que luta em prol do coletivo. Repudiamos toda forma de manifestação do coronelismo, autoritarismo, e de atitudes que lembram um Brasil de 1964, que viveu por 21 anos debaixo de dura repressão a toda e qualquer pessoa que se manifestasse contra os que um dia geriram este país.

    Fora Temer!
    Abaixo a repressão!
    Pela Democracia e liberdade de expressão política!
    Lutar não é crime!
    Todo Poder ao Povo!