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  • Protestos contra Dilma perdem o fôlego e número de manifestantes é abaixo do esperado

    Protestos contra Dilma perdem o fôlego e número de manifestantes é abaixo do esperado

     

    Os protestos contra o governo de Dilma Rousseff marcados em cerca de dez Estados e no Distrito Federal, para este domingo (12) tem número de manifestantes abaixo do previsto pelos movimentos que os organizaram. As manifestações começaram às 9h30.

    Em São Luís, a organização do movimento “Brasil Livre” informou a presença de pouco mais de 60 pessoas na concentração. Por falta de quórum, eles aguardavam a chegada de mais integrantes para iniciar a passeata. O protesto estava marcado para iniciar às 8h30.

    Em Belo Horizonte, a o protesto ocupou a praça da Liberdade e às 12h, havia cerca de duas mil pessoas, segundo a PM. A expectativa dos organizadores era de pelo menos 5 mil participantes. No Rio de Janeiro, cerca de 800 manifestantes se concentram em Copacabana, mas a PM do Rio disse que não fará estimativas de público do ato na capital fluminense.

    No Amazonas, a PM informou que a manifestação na Praça do Congresso, no Centro de Manaus, tem número pequeno de pessoas. O movimento estava marcado para às 10h, no horário de Brasília, mas até ao 12h não passava de 20 pessoas.

    Em Alagoas, o protesto deste domingo começou em Arapiraca. Segundo organizadores do Movimento Brasil Livre, 150 pessoas participam de caminhada pelas ruas do centro de Arapiraca. A PM ainda não divulgou estimativa do número de manifestantes na cidade.

    Aguardando São Paulo

    Para os organizadores, a maior movimentação deve acontecer em São Paulo. Na avenida Paulista, na capital, os manifestantes começaram a chegar por volta das 12h30. Até agora, somente em Brasília e Salvador o número de pessoas presente nos protestos foi significativo, cerca de dez e quatro mil respectivamente.

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  • Os mortos do 1º de abril de 1964

    Os mortos do 1º de abril de 1964

    Os primeiros mortos da ditadura civil-militar tinham ainda a lembrança do discurso de João Goulart para mais de um milhão de pessoas.

    O primeiro dia do mês de abril é conhecido como o dia da mentira. Mas 1º de abril de 1964 não se trata de uma mentira na história do Brasil. Nenhuma anedota inocente deixaria 434 mortos e desaparecidos — conforme relatório final da Comissão Nacional da Verdade -, transformaria a tortura em prática estatal, cercearia a liberdade de imprensa, cassaria mandatos de opositores, censuraria músicas, filmes e peças de teatro e manteria uma lista de livros proibidos.

    Para muitos, ventos golpistas começaram a soprar dez anos antes. Em 24 de agosto de 1954, Getúlio Vargas não viu outra saída para o cenário em que se encontrava completamente isolado politicamente e envolto em uma tentativa de assassinato a não ser dar um tiro no próprio peito.

    Depois disso, três presidentes ocuparam interinamente a Presidência da República até o mineiro Juscelino Kubitscheck colocar em prática o seu ousado plano de 50 anos em cinco. Responsável pela idealização da moderna capital federal no centro do país, JK ainda é considerado símbolo de um governo moderno. O país estaria pronto para um salto para o progresso?

    Nas eleições de 1960, a população transmitiu sua opinião diante de um quadro eleitoral confuso. Elegeu o candidato oposicionista Jânio Quadros para a sucessão de JK. O vice, no entanto, que também era eleito por voto popular, seguiu sendo o mesmo: João Goulart, o Jango.

    O mandato de Jânio foi breve. Talvez já ouvindo o som do avanço dos militares, renunciou menos de oito meses após a posse. A partir do dia 7 de setembro de 1961 o trabalhista João Goulart assumiu a Presidência.

    Mais de um milhão na central do Brasil pelas reformas estruturanes de Jango. Foto: Divulgação

    A marcha dos golpistas estava cada vez mais perto quando Jango propôs um ousado programa de metas que visava, enfim, refundar o país. Na reforma agrária, previa expandir os direitos dos trabalhadores da cidade até o campo e desapropriação da terra que não cumprisse sua função social. Na educação, queria expandir o método Paulo Freire, que dava voz ativa aos oprimidos no processo de alfabetização. Na economia, propôs limitar a remessa de lucros das empresas estrangeiras. Também pensou em devolver o Partido Comunista Brasileiro à legalidade e estender o direito a voto aos analfabetos. Os militares, porém, acharam que Jango estava indo longe demais.

    Reforma agrária, a primeira vítima

    Foi no campo que as primeiras mortes da ditadura militar aconteceram. Mais precisamente no interior de Minas Gerais. O sonho da reforma agrária foi o primeiro que a ditadura militar tratou de pegar pelo pé e jogar no chão

    No dia 13 de março de 1964, da Central do Brasil — no Rio de Janeiro — Jango falou ao Brasil mais profundo. Reunindo mais de um milhão de pessoas na capital carioca, o presidente destacou as ameaças à democracia. Não era o povo nas ruas, como faziam crer os defensores da tradição, família e propriedade. A verdadeira ameaça era quem, nas palavras do presidente, se mostram “surdos aos reclamos da nação pelas reformas de estrutura, principalmente a reforma agrária”.

    Em algum rádio de pilha no interior de Minas Gerais sua voz ecoou na cabeça de três sonhadores: Paschoal Souza Lima, Otávio Soares da Cunha e seu filho Augusto Soares de Lima. Os três defensores da reforma agrária foram os primeiros mortos da ditadura militar.

    Paschoal não chegou a ver nenhum dia do período obscuro que atingiu o Brasil por 21 anos. No dia 30 de março de 1964, estava reunido com lideranças do Sindicato dos Trabalhadores da Lavoura em Governador Valadares quando foi morto com um tiro na testa. Não há foto dele nos registros da Comissão Nacional da Verdade.

    Na época, João Pinheiro Neto era superintendente da Supra — Superintendência da Reforma Agrária — e entregaria na cidade as primeiras terras aos colonos cadastrados no sindicato. Por conta do clima político a solenidade foi cancelada. Os fazendeiros da região, reunidos em milícia para evitar qualquer tentativa de democratização de suas terras, cercaram e metralharam a sede do sindicato.

    Augusta e Otávio Soares de Lima: a reforma agrária sofreu o primeiro golpe — Foto: CNV

    O clima de “caça aos comunistas” já estava presente desde o primeiro momento daquele regime de exceção. Tanto que, dois dias depois, no primeiro dia do governo Castelo Branco, a mesma cidade de Governador Valadares foi novamente palco de duas mortes: Otavio Soares da Cunha e seu filho Augusto Soares da Cunha.

    Também defensores da reforma agrária na região, ambos foram surpreendidos na frente de casa por fazendeiros que agiram em nome do Estado brasileiro. Augusto morreu na hora. O pai dele chegou a ser socorrido, mas faleceu três dias depois.

    A família Soares conseguiu que se abrisse um inquérito para a investigação da morte de ambos, mas a Justiça Militar absolveu os acusados por “estarem trabalhando em nome da revolução” para os “batalhões patrióticos”. Os patriotas defensores do verde-e-amarelo vestiam verde-oliva a partir daquele dia primeiro de abril.

    Estudantes como alvos

    Bem longe dali, na capital pernambucana, estudantes tomavam conhecimento de que teriam que lutar para que a democracia retornasse ao Brasil. A sede do governo pernambucano, o Palácio Campo das Princesas, foi cercada pelo Exército que exigia a renuncia do então governador Miguel Arraes. Para “não trair a vontade dos que os elegeram”, Arraes se recusou a deixar o cargo, só saindo do palácio preso.

    Jonas e Ivan: Mortos por defender o governo eleito — Foto: CNV

    Automaticamente, estudantes ocuparam a Faculdade de Engenharia do Recife quando o Exército invadiu o prédio e expulsou todos. Nas ruas para defender o governador eleito e alertando a população contra o golpe militar que estava acontecendo, o grupo queria chegar até o palácio do governo. No caminho, foram surpreendidos por um piquete de militares que atirou para o alto. Os estudantes não se intimidarem e começaram a lançar pedras e cocos contra o grupo, que respondeu fazendo vários disparos em direção ao piquete. Desse confronto acabaram saindo dois mortos: Jonas José de Albuquerque Barros, de 17 anos; e Ivan Rocha Aguiar, de 23.

    O primeiro desaparecimento político

    Uma prática comum na ditadura brasileira era o desaparecimento de corpos. Ari de Oliveira Mendes foi o primeiro dos 210 cujos restos mortais nunca foram encontrados. Labibe Elias Abduch foi a primeira estrangeira. A primeira mulher. A primeira mãe

    Nada se sabe sobre Ari nas 1996 páginas do volume dedicado aos mortos e desaparecidos políticos da Comissão Nacional da Verdade. Nem data de nascimento, nem pai, nem mãe. Labibe era dona de casa, natural da Síria, e foi pra rua como uma mãe preocupada em saber sobre seu filho que estava no Rio Grande do Sul.

    Populares cercaram e tentaram invadir o clube militar carioca e foram reprimidos a bala. De acordo com o relatório da Comissão Nacional de Verdade, ambos vieram a óbito no Hospital Souza Aguiar. A edição do dia 2 de abril de 1964 do jornal carioca “O Globo” celebrava triunfante na capa: “ressurge a democracia!”.

    Paschoal, Otavio, Augusto, Jonas, Ivan, Ari e Labibe morreram acreditando. Morreram sem ver no que se transformaria a ditadura que estava recém-parida naquele dia da mentira. Mas a história mostrou que tinham razão. Não há motivo maior de sair as ruas do que devolver a voz ao povo.

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  • Ex-presos políticos avaliam o passado e o presente em antiga sede do Deops

    Ex-presos políticos avaliam o passado e o presente em antiga sede do Deops

     

    Três militantes visitam o Memorial da Resistência com nossa equipe de reportagem. Eles relatam o passado de prisão e tortura; comentam os pedidos de intervenção militar no presente e reafirmam: golpe nunca mais no futuro.

    Sou o Memorial da Resistência de São Paulo. Talvez você não me conheça, mas faço parte de uma história importante deste país. Uma história que nunca deve ser esquecida, para que se faça justiça aos 434 mortos e desaparecidos que dela decorrem. Sou um edifício inaugurado em 1914 para abrigar os escritórios e armazéns da Companhia Estrada de Ferro Sorocabana, no centro da capital paulista.

    No entanto, alguns anos depois acabei me tornando uma das sedes do aparato de repressão do Estado brasileiro, o Departamento Estadual de Ordem Política e Social de São Paulo (Deops/SP). Esse órgão passou a funcionar em 1924, com a finalidade de controlar os trabalhadores, reprimir movimentos políticos e sociais contrários ao poder. Mas foi durante a ditadura militar que o Deops se tornou de fato uma polícia política.

    Diversos militantes políticos no período da ditadura militar (1964–1985) foram presos, torturados e mortos dentro das minhas paredes. Em 1964, os presos políticos eram trazidos aqui. Já depois de 1969, eles vinham após o período que eram submetidos a prisões políticas na Operação Bandeirantes (OBAN) ou no Destacamento de Operações de Informações do Centro de Operações de Defesa Interna (Doi-Codi).

    Estar aqui servia para legalizar as prisões, que não eram oficiais nos outros órgãos repressores: eram feitos os inquéritos oficiais e tomados os depoimentos formais.

    No segundo andar ficavam salas nas quais se torturavam pessoas. O delegado Sérgio Fleury, que se tornou um torturador mais notório que qualquer militar, perseguia militantes e matou muitos deles por meio da tortura, tinha uma sala neste andar.

    Desde 2005, passei de símbolo da opressão e medo ao símbolo da resistência e da memória. Transformei-me em uma homenagem a todos que lutaram, muitos dos quais perderam suas vidas, para que o Brasil se tornasse um país democrático, e para que a sociedade nunca se esqueça do que foi o horror da ditadura.

    Visitando o passado

    Na semana em que o golpe militar completa 51 anos, recebi a visita de três militantes e ex-presos políticos, não para serem interrogados ou presos, mas para dividirem suas histórias de vida, as suas lutas contra o regime militar e contra os resquícios que essa ditadura deixou na sociedade brasileira. São eles: Aton Fon Filho, Maria do Carmo Gomes e Sebastião Neto.

    Aton Fon Filho é advogado. Defende causas relacionadas a movimentos sociais, como o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST). Ele me visita com frequência para dar palestras e acompanhar exposições. Fon atuou na Aliança Libertadora Nacional (ALN), organização coordenada por Carlos Marighella. Foi preso aos 22 anos, ficando na cadeia por nove anos, 11 meses e três dias. “Não fala que é dez anos! Já fiquei muito tempo preso, não me dá mais 27 dias”, brinca. Foi torturado. Entre as sequelas, perdeu a audição do ouvido direito.

    Mesmo dentro da cadeia, continuou na luta contra a ditadura. “Não dá para falar da prisão como uma única coisa. Tem três períodos distintos. O primeiro é o momento da prisão, em que o objetivo era obter informações para prender outros membros da organização. Foi o período mais duro, porque demandava resistência nossa para não entregar informações dos outros companheiros, e tínhamos dúvidas se sobreviveríamos à tortura que enfrentávamos. O segundo momento é quando temos a garantia na prisão e estabelecemos novas metas. No caso da ALN, definimos que mesmo presos tínhamos um papel a cumprir na luta, lá de dentro. Fazíamos denúncias do que se passava nas cadeias, das pessoas que desapareciam, e protegíamos companheiros que eram presos. O terceiro momento é quando víamos sinais de debilidade da ditadura, mostrando que ela ia ser superada naquela fase, e apoiamos o movimento de anistia e a luta pelas diretas, ao sair da cadeia”, relata.

    A outra visitante foi a mineira Maria do Carmo Gomes, que militou na Oposição Metalúrgica, entidade operária que se colocava contra a ditadura militar e contra os sindicatos, aliados aos setores patronais à época.

    Participou das lutas contra a ditadura no final de 1978 e 1979. Hoje é aposentada e colabora com o Núcleo de Memória do Intercâmbio, Informações, Estudos e Pesquisas (IIEP). Trata-se de uma iniciativa que atua, entre outros temas, com projetos ligados ao registro da repressão dos anos de chumbo dentro de fábricas paulistas.

    “Na época do golpe eu era pequena. Mas lembro do meu pai, que era um lavrador semianalfabeto do Vale do Ribeira, ouvindo um radinho de pilha com a testa franzida, e ele dizia: ‘coisa boa não vem pra nós’. A partir daí a gente já tinha aquelas recomendações. ‘Se estiver na estrada e vir um caminhão, pula no meio do mato, se esconde porque o Exército está por aí’. Então a gente já veio com esse medo na cabeça para São Paulo, mesmo não sabendo direito o que estava acontecendo. A ditadura é uma coisa que modificou completamente minha vida. Me fez criar consciência e ir para a luta”, afirma.

    Ao lado de Fon e de Maria do Carmo nesta visita estava Sebastião Neto. Ele também foi operário e membro da Oposição Metalúrgica. Nascido em Goiás, vive há 44 anos em São Paulo. Foi preso na ditadura quando jovem por seis meses. “Mas de cadeia, basta um dia. Pois é nesse um dia que vão tentar te quebrar”, conta.

    Neto viveu clandestino até se tornar operário. Trabalhou mais de 20 anos nas fábricas metalúrgicas, foi dirigente da CUT (Central Única dos Trabalhadores) e hoje se dedica ao IIEP, nas ações de relacionadas à memória operária.

    Hoje, Neto cobra que o Estado continue os trabalhos iniciados pela Comissão Nacional da Verdade (CNV).

    “A maior falha da CNV é não ter continuidade, no sentido de justiça e reparação e não apontar os responsáveis civis que também tiveram papel no golpe, que o financiaram. Haviam órgãos civis que existiam há cinco anos antes do golpe e o apoiaram ativamente, criando um sistema de comunicação entre as empresas, organismos de estados e as forças de repressão como o Deops”.

    Raízes da ditadura

    Os três militantes acreditam que o golpe militar, articulado com grandes empresários e organizações civis que representavam interesses das elites, se deu para frear um momento no qual os trabalhadores brasileiros lutavam por direitos e participavam ativamente da vida política.

    “A ditadura foi uma vitória das forças imperialistas não só no Brasil, como na América Latina. Nos anos anteriores ao golpe, os trabalhadores viviam um processo que buscava reformas estruturais que libertassem nosso país da colonização ao qual ele era submetido. A ditadura foi uma repressão dessas tentativas dos trabalhadores. E, para efetivar essa repressão, é que se valeram de torturas e assassinatos”, afirma Aton Fon Filho.

    Maria do Carmo destaca a situação enfrentada pelas mulheres operárias nos anos de chumbo. “A mulher trabalhadora sofria de forma violenta na ditadura. A exploração da mão de obra da mulher era muito importante para as fábricas, porque elas faziam o trabalho de produção de forma hábil, por um salário muito menor que o dos homens. A luta da mulher era observada a todo momento pelos patrões, e qualquer movimento a mais, éramos demitidas. Duas mulheres não podiam ir ao mesmo tempo ao banheiro, não porque ‘diminuiria a produção’, mas para não se encontrar e conversar”, relata.

    Contar essa história de repressão e horror é um desafio na opinião de Sebastião Neto. “Não é fácil explicar o que foi a ditadura para quem viveu sempre na democracia. Você não tem direito a nada na ditadura. A repressão política impede que o povo pense e se organize. A ditadura criou um novo regime fabril: nenhuma liberdade, intensificação da jornada de trabalho e a pior legislação possível. O golpe foi dado para explorar com mais eficiência a classe trabalhadora do campo e da cidade”, diz.

    Fon alerta que, apesar da transição democrática, resquícios da ditadura ainda existem, em todas as esferas da sociedade brasileira. “Não podemos falar que a ditadura militar foi. Muitas das suas repercussões permanecem entre nós. A ditadura se prolonga porque o projeto que foi estabelecido por Ernesto Geisel em 1974 de uma transição lenta, gradual e segura foi e continua sendo bem sucedido, criando até mesmo na cabeça dos que são militantes de esquerda, que buscam a igualdade, o medo”.

    Já para Neto, “a democracia não significa ausência da ditadura. Assassinatos de pobres e negros ocorrem com frequência devido à violência policial, trabalhadores são assassinados — pelo menos 1.200 trabalhadores foram assassinados no campo na ditadura; mas para não ficar muito longe, em 1986, no governo Sarney, foram mortos 280 trabalhadores rurais. Além disso, criou-se a cultura da tortura nas delegacias”.

    Golpe nunca mais

    No dia 15 de março de 2015, milhares de pessoas convocadas pela direita saíram às ruas. Entre os alvos das manifestações estavam a presidenta Dilma Rousseff e o Partido dos Trabalhadores. Em faixas e cartazes, parte de quem foi aos protestos de verde e amarelo pedia a volta dos militares ao poder.

    Fon acredita que muitas pessoas que estavam no ato não tinham plena consciência do porquê de estarem lá. “Tenho certeza que muitos que estavam lá não tinham muita ideia do que faziam ali. Digo isso porque participei da Marcha da Família em 1964 sem saber o que era. Saí do trabalho mais cedo, fomos liberados, fui pra lá e quando vi, estava segurando uma faixa. Notei que estava indo na direção de volta ao trabalho, abandonei e voltei pra casa. Se eu fiz isso, imagino que outras pessoas possam ter feito”.

    Maria do Carmo concorda. “Eu peguei uma foto da Marcha da Família e comparei com a manifestação do dia 15. A conjuntura de hoje é diferente. Não temos guerra fria, não há a desculpa do ‘perigo do comunismo’. É uma minoria que pede intervenção militar. O povo que foi às ruas tem uma insatisfação com o governo e o rumo do país, mas não é o mesmo de 1964.

    “Só um tolo quer uma ditadura, porque ela atinge todo mundo. Mas não me espanta pessoas irem às ruas pedir isso. Como diz um amigo meu, foi um ato contra a ‘abolição da escravatura’. O que me incomoda é que a esquerda está perdendo contato com a sua base, com dificuldades de chegar às pessoas e ter um instrumento político que sirva aos trabalhadores e ao povo pobre”, comenta Neto.

    Da memória à resistência

    A ditadura militar, com toda sua violência e repressão, foi capaz de acabar com a vida de muitas pessoas e até ideais. Muitas delas aqui, nas minhas salas e celas.

    Os que conseguiram sobreviver e resistir relatam hoje, em diversos espaços e iniciativas, esse passado para que ele não se repita. Fon, Neto e Maria do Carmo são apenas três.

    Mas não são só militantes que resistiram, são também a memória viva da repressão e da luta contra a ditadura no Brasil, assim como outras milhares de pessoas que lutaram contra o regime.

    E essa luta abriu caminho para todos aqueles que nasceram na democracia, conhecem o passado de seu país e reivindicam no presente um futuro diferente, para que tudo que aconteceu aqui, dentro de mim, nunca mais se repita.

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  • 15 de março de 2015, dia da mentira

    15 de março de 2015, dia da mentira

    Com 23 anos de repórter, jamais havia me defrontado com uma situação como essa. Como escrever um texto no qual meus 12 entrevistados mentiram? Poderia expô-los, relatando as mentiras, depois as incoerências e desinformações e, também, as verdades que me disseram. Mas sempre adotei como norma de repórter ignorar o depoimento de um personagem que tentava me enganar

    Por Eduardo Nunomura, do Farofafá


    O 15 de março de 2015 foi histórico, mas forjado na mentira. Ou em meias verdades, se preferir. Histórico porque pela primeira vez desde a redemocratização a elite paulistana saiu em massa para protestar nas ruas. Já o “histórico”, para os manifestantes, tinha outros sentidos: vociferar palavrões contra a presidente Dilma Rousseff e o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, culpar o PT por todos os problemas do Brasil, inclusive o 11 de setembro (nos Estados Unidos), chamar de “bundão” o prefeito paulistano Fernando Haddad, exigir intervenção militar, entre outros protestos difusos.

     
    Manifestante segura cartaz que revela seu alvo no protesto — Fotos: Eduardo Nunomura

    A primeira das minhas entrevistadas foi uma muher de 43 anos, comerciante da rua Augusta que vestia uma calça justa amarela e uma camisa azul de seda. Tinha joias que chamavam a atenção, mas podiam ser bijuterias. Dizia que só decidiu ir até a avenida Paulista depois que viu, na GloboNews, que o ato era pacífico. Sentiu-se feliz em ver que lá só havia “pessoas bonitas e honestas, trabalhadoras, e não um monte de vagabundos que podem protestar na sexta-feira”. Vou anotando tudo. Quando pergunto o que gostaria que acontecesse no país após essa manifestação, ela responde: “Que o Brasil fosse um país sem diferenças sociais.”

    Talvez não fosse exatamente uma mentira, mas a última frase dessa personagem me soou deslocada. Insisti com uma outra pergunta, mas ela voltou a chamar os apoiadores de Dilma, que na sexta-feira estiveram na mesma avenida Paulista para apoiar a presidenta, de “vagabundos”. Agradeci e risquei o nome dela — desde meus tempos de Folha de São Paulo, Veja e O Estado de São Paulo costumo fazer isso quando sinto que o personagem não diz a verdade.

    Ao contrário do que fiz na sexta-feira, decido não expor os nomes dos meus 12 personagens. De que adiantaria? Isso é o que costumam fazer os jornalistas que se escudam no mantra “liberdade de imprensa” para acabar com reputações alheias. Antes de falar em liberdade deveríamos nós, profissionais da comunicação, pensar no nosso dever de informar a verdade. E o que vi, antes mesmo de sair às ruas, é que a “verdade” já estava sendo fabricada no noticiário televisivo.

    A cobertura da TV e do rádio pela manhã é convocatória (leia aqui um relato sobre isso). Na rádio BandNews FM, o próprio locutor se espanta quando atualiza os números de participantes e afirma que saltara de 9 mil para 200 mil pessoas na avenida Paulista. O jornalista apenas reproduzia os dados da Polícia Militar de São Paulo, subordinada ao governador tucano Geraldo Alckmin, que depois de anunciar mais de 1 milhão de pessoas foi desmentida pelos 240 mil manifestantes aferidos pelo instituto Datafolha.

    O Hino Nacional é tocado mais uma vez na Paulista. Nos primeiros 30 minutos de apuração jornalística, é a quarta vez que eu o ouço — desisto de fazer essa contagem. Encontro uma mulher de 27 anos, que logo se identifica como “médica do SUS”. Ergue cartazes com dizeres como “Fora corruPTos” e “Dilma, vai tomar no cu”. Trabalha no Hospital do Tatuapé. Mas no meio da entrevista afirma que vai fechar a clínica particular, na Vila Nova Conceição, porque a presidente está acabando com a medicina privada. Os convênios estão pagando muito pouco…

    Dou mais uma chance à personagem. Ela explica que não adianta pedir o impeachment de Dilma, porque tem de tirar “todos os políticos que o PT colocou no Congresso”. Afirma que o Brasil só irá para frente quando a sociedade investir em valores éticos, assim como tornar prioridades a educação e a saúde. Tem o rosto pintado de verde-e-amarelo. Pergunto se é uma referência à época de Fernando Collor, o presidente deposto em 1992. “Claro, eu estava lá e erguia cartazes pedindo o PT no poder.” Confirmo a idade dela, 27 anos. Ela teria, portanto, apenas 4 anos de idade. Talvez estivesse acompanhando os pais, como tantas milhares de crianças estiveram neste domingo. “Não, eu estava lá, sim. Eu me lembro de tudo. O Collor não foi em 1992.”

    Na esquina da Paulista com a alameda Campinas, um caminhão de som anuncia a chegada do jogador de futebol Ronaldo. Um dia antes, ele conclamava os brasileiros a protestarem nas ruas, via Twitter: “Este domingo vamos todos pra rua mudar o Brasil! #movimentobrasillivre.” O locutor avisa que o pentacampeão mundial de futebol joga muito,mas fala pouco. Eis uma verdade:

    Estamos cansados. Estamos cansados de tanta corrupção, de tanta impunidade. Nós temos que mudar o Brasil, gente. Muda Brasil!

    O locutor socorre o jogador e lembra que Ronaldo é eleitor de Aécio Neves. A multidão vai ao delírio. Um engenheiro usa uma camiseta em que diz “A culpa não é minha, eu votei no Aécio”, a mesma que o atleta veste. Ele afirma que foi ao protesto por estar cansado de notícias de corrupção, inflação e desemprego. Afirma não defender o impeachment de Dilma, que o problema é a falta de credibilidade das instituições e que só uma reforma política seria a solução. Pergunto se é correta a estratégia do governo de querer caracterizar essa manifestação como sendo uma espécie de terceiro turno, composta em sua maioria de eleitores do senador tucano. “Não, eu nem votei nele.” E a camiseta? “Ganhei de um cara que estava passando.” Verdade?

    Poderia prosseguir nessa narrativa, mas as mentiras não merecem mais espaço. Pode ter sido apenas uma gigantesca falta de sorte. Um dia ruim. Uma conspiração contra alguém que, politicamente, não se identifica com o teor dos protestos. Ou outro motivo que não consigo enxergar agora.

    Como repórter, vi brasileiros revoltados contra a presidenta Dilma e se sentindo felizes por botar para fora, ao lado de tantas pessoas com pensamentos semelhantes, todos os impropérios possíveis contra ela e contra o ex-presidente Lula. É como se os uniformizados de camisetas da seleção tivessem feito do 15 de março de 2015 uma desforra da derrota de 7 a 1 contra a Alemanha, no dia 8 de julho de 2014 — será que havia alguma placa culpando Dilma pelos 7 a 1?

    Há, sim, pessoas de todas as classes sociais, embora seja visível a presença maciça da elite branca. É excepcional que os ricos tenham saído às ruas para participar de um ato público e não tenham criado camarotes VIPs para evitar se misturar com os manifestantes pobres. Ao mesmo tempo, é triste que tenham dado uma aula de mau comportamento a tantas crianças presentes ao protesto, com xingamentos dos mais variados tipos. Mas a cena que não sai da minha cabeça é o selfie de uma família que leva uma babá para o protesto. Eis uma mentira de que o Brasil-Colônia que prega menos corrupção e justiça social jamais se libertará.

     Babá chama atenção das crianças para que pai possa fazer selfie da família

  • Um dia de ninja (*)

    Um dia de ninja (*)

     

    Parece que eu estou dentro de um filme. Quando me dou conta, estou no meio da cena. Do alto do carro de som, e ecoando pelo asfalto, os militantes da Central Única dos Trabalhadores (CUT) entoam com força o manjadíssimo slogan de manifestações ”o povo não é bobo, abaixo a Rede Globo!”.

    Passam correndo por mim um, dois, três, não sei quantos homens vestidos de preto e munidos de câmeras de filmagem e outros equipamentos midiáticos. Saio correndo atrás do último deles, e ouço a galera ao redor rachando o bico de dar risada — mais que tensa, a cena tem um quê de filme d’Os Trapalhões.

    A cena é mesmo digna de um exército de Brancaleone: a) equipe da Rede Globo, com microfones e câmeras tampados sem identificação e roupas camufladas todas pretas, como se estivessem de luto, b) militantes de vermelho vaiando, hostilizando, rindo e passando corridão nos homens de preto, c) euzinho no final da fila.

    Eu, no caso, sou Pedro Alexandre Sanches, 46 anos de idade, jornalista profissional há 20, dez anos de estrada de rodagem na Folha de São Paulo (1995–2004), mais quatro na CartaCapital (2005–2009), ou últimos seis vividos na vida frila, capenga, mal das pernas, empregado-e-patrão de mim mesmo (e do irmão e colega uspiano de faculdade de jornalismo Eduardo Nunomura, parceiro de todas as aventuras deste FAROFAFÁ).

    Mas por que corro atrás da Rede Globo? Estaria eu também em busca de um emprego cheio de mordomias e salários regiamente depositados em paraísos fiscais BRITÂNICOS pela família Não-Marinho?

    Não, não é o caso. Aqui no asfalto da marcha pela democracia de 13 de março de 2015, eu, além de ser eu mesmo, estou também transmutado em Midia NINJA por um dia. Estou atrás dos globais porque tenho uma ideia na cabeça e uma câmera-celular na mão e posso, eu mesmo, sozinho, filmar e transmitir ao vivo para você o bem-humorado passa-fora dos trabalhadores vermelhos braSileiros em seus irmãos trabalhadores azuis da multinacional braZileira Globo.

    Tento explicar o contexto. Menos de 24h atrás, atendemos à convocação da colega Laura Capriglione, uma das mais completas repórteres do BraSil com S (ex-colega de Folha, por sinal), e participamos de uma reunião que culminou na criação do grupo colaborativo #JornalistasLivres (procure saber, caro colega, #ProcureSaber!), com o objetivo inicial específico de fazer uma cobertura ANTIGOLPE das manifestações pró e anti-Dilma Rousseff de, respectivamente, 13 e 15 de março.

    Enquanto discutimos animadamente o que fazer, algo incrédulos de estarmos testemunhando um ensaio de nossa própria organização desorganizada, um lampejo me vem à cabeça enquanto observo Gabriel Ruiz e Rafael Vilela, amigos e companheiros mais-que-jornalistas do controverso coletivo Fora do Eixo: eu também quero ser NINJA por um dia.

    Um dia de ninja (*)

    Em poucos minutos euzinho, dinossauro tecnológico que tenta-mas-não-consegue estar antenado com as transformações por minuto dos meios de comunicação, baixo o aplicativo Twitcast, aprendo o básico de seu uso com o Gabriel, volto pra casa me perguntando se daqui a bem menos de 24 horas vou ter coragem de entrar numa aventura dessas.

    Entro. Entro por uma razão simples. Desde as manifestações de junho de 2013 trago a convicção de que mais uma revolução dentro das muitas revoluções que vivemos começou quando, hostilizadas expulsas pelos manifestantes, as câmeras da Rede Globo e de outras redes de mídia televisiva tradicional subiram para os helicópteros (os “robocops”, “globocops”, “heliPÓpteros”, qualquer desses tipos de monstrengos hollywoodianos). Ao subirem a céus olímpicos, nossos antigos Big Brothers abriram passagem para que, praticamente no mesmo instante, os NINJAs (e outros cinegrafistas-cidadãos) se materializassem no asfalto e se tornassem tradutores das manifestações vividas de dentro, não das beiradas, muito menos do céu.

    O jornalista, ali, começava a se transformar no que sempre foi: um participante ativo, e não mais aquela garatuja de observador ~isento~, alienado e alienador dos acontecimentos preconizado por seus patrões.

    (E, gente, que emocionante ver e ouvir a população discutindo política enfática e efusivamente, apenas cinco meses depois da mais recente eleição! Como diz o colega de #JornalistasLivres e de mídia televisiva Rodrigo Vianna, que bem nos tem feito a direita conservadora e reacionária ao tentar nos destruir!).

    De volta às ruas: desde junho de 2013, a mídia global-hollywoodiana não controla mais a transmissão das manifestações públicas de massa no BraSil. Eis por que eu saí, por mero instinto, correndo atrás dos colegas da Globo: para ajudar a demonstrar uma vez mais que a mídia corrupta não é bem-vinda onde os trabalhadores estão, e que onde o povo está a Globo (& suas foquinhas amestradas) não pode(m) estar. Quem é contra a corrupção, afinal de contas?, o BraZil ou o BraSil?

    Quando chego em casa, vejo no Jornal Nacional imagens daquele repórter de elite que é a cara do Fernando Color (como é o nome dele?) narrando a passeata de dentro da passeata, todo-todo, dono da razão como eles sempre são. Me lembro imediatamente de um vídeo que, pouco antes, o companheiro de #JornalistasLivres Ivan Freitas me mandou (e me fez, de início, me perguntar quem diachos era aquele policial militar de capacete e farda parecido com o governador tucano Geraldo Alckmim). Espia:

    https://youtu.be/JmyOyy12VT0

    Não sei se foi esse mesmo sósia de Collor que persegui na corrida atrás dos ninjas PM globais. De todo modo, minha experiência pessoal, neste dia aventuroso, é oposta à que o Collor Cover Global viveu. Por onde passo com meu celularzinho, seja me identificando ou não como NINJA e/ou #JornalistasLivres, sou acolhido com sorrisos, olhares afetuosos, abraços, desejos de bater papo. O manjado grito de “abaixo a Rede Globo” não é contra os jornalistas ou contra a mídia — é contra AQUELA mídia, aquela que mente para os enganar 24 horas por dia, sem parar, em seus muitos (quase todos) canais.

    Minha conclusão, ao final dessa primeira jornada, é que… ser um NINJA é difícil pra caralho! Para quem se acostumou a carregar só contate (e olhe lá), em pouco tempo o pequeno celular começa a ficar pesado (a transmissão, fora algumas folhas, digo, falhas ~técnicas~, é ininterrupta durante o trajeto todo). Além de energia, é preciso ter muito assunto, e como não tenho tanto assunto assim, menos ainda retórica, fico sem palavras e emudeço durante longos trechos de trajeto.

    Ao contrário do que todos tememos e quase esperamos, a manifestação transcorre 100% pacífica, festiva, sem confrontos, sem depredações (a própria #GloboGolpista reconhece isso em reportagens de rabo entre as pernas). A propósito, este aprendiz de NINJA sairia de banda rapidamente se se visse no meio de confusão (viu, Nina Lemos?!), mesmo sabendo que esse seria um comportamento antiprofissional, antijornalístico — pô, meu, antes de jornalista eu sou gente — prezo por minha integridade física antes de qualquer coisa — é um contraponto de eu jamais esconder meu nome e minha cara atrás de rótulos-clichês do tipo black bloc, anonymous ou outras sub-invenções da indústria POLÍTICA de Hollywood para ludibriar jovens e tiozões de países, er, menos desenvolvidos.

    Minha incursão como NINJA é uma provocação aos próprios amigos da Mídia NINJA (fui eu que me ofereci para entrar na transmissão e na página deles, até receoso de não ser aceito). Gosto dos NINJAs quando eles mostram a cara (no célebre Roda Viva de 2013, por exemplo, que tanto dissabor causou à época aos também amigos Pablo Capilé e Bruno Torturra — e Lino Bocchini, acrescento aqui), não gosto quando resvalam para antiquíssimos subterfúgios subterrâneos ditatoriais. O erro não são os erradores, e quem nunca erramos que atiremos a primeira câmera na mão e a primeira ideia na cabeça.

    Certamente, falei um monte de bobagem durante minhas muitas horas de transmissão — bobagens que um NINJA talvez não falasse e que um jornalista profissional a serviço da mídia tradicional jamais falaria. Falei da minha sexualidade, do meu lado, das minhas posições políticos, do meu apoio sempre entusiasmado aos governos petistas de 2003, 2007, 2011 e 2015.

    Adicionando um ponto às provocações, concordo efusivamente com os colegas #JornalistasLivres quando afirmam que precisamos ser sóbrios e antipartidários nessas nossas coberturas. Ao mesmo tempo, discordo respeitosamente dos que ainda guardam dedos medrosos para, enquanto cidadãos/cidadãs, peitar as próprias escolhas e os próprios votos nas mais recentes eleições.

    É algo que me causa espécie desde o primeiro governo de Luiz Inácio Lula da Silva: depois de cada eleição, levas e mais levas de eleitores agem como se simplesmente nunca tivessem votado em quem votaram — estou falando especificamente de cidadãos-jornalistas, mas também de quaisquer outros cidadãos. Os próprios políticos o fazem, tal qual fizeram, em seus respectivos tempos, Luiza Erundina, Marina Silva e Marta Suplicy, três mulheres (ex-)petistas aparentemente inconformadas por ser presididas por uma mulher que não elas mesmas.

    O processo é tão daninho que, de tempos para cá, eleitores de Lula e de Dilma se transformam em seus opositores ferrenhos e rancorosos apenas um ou dois ou três meses depois da posse do novo presidenta — quando não antes mesmo desse prazo. Não preciso repetir o rame-rame neoliberal de que todo governo merece e tem de ser criticado — o que me deixa pasmo é que o façam (jornalistas especialmente, para bem de sua própria sinceridade e transparência perante os leitores) primeiro fingindo que não votaram em quem votaram, depois eventualmente combatendo o próprio voto, sempre ameaçando desembarcar de si próprios.

    Isso me cheira a falta de auto-respeito, auto-estima, amor-próprio, qualquer desses termos tão surrados quanto “o povo não é bobo abaixo a Rede Globo”. A indústria jornalística vai ruir — está ruindo — já ruiu por incompetência de patrões ultrapartidários camuflados dentro de peles de cordeiro, mas também (quem sabe principalmente) pela tibieza de nós mesmos, empregados semi-escravizados que latimos pelos patrões enquanto eles se refestelam do alto das sacadas gourmet.

    (As sacadas gourmet, já que mencionei, são a mais ~nova~ manifestação do midiagolpismo de helicóptero e heliPÓptero — trabalhadoras nas ruas sendo xingadas de “vagabundas” por patrões do alto de edifícios de luxa — a mais antiga das profissões de luta de classes).

    Falei pelos cotovelos: é por isso tudo que desejei ser NINJA por um dia, rompendo ao mesmo tempo com normas dos NINJAs e dos patrões de jornalistas que escrevem manuais de redação tão falsos quanto notas de R$ 35. Este texto procura ser leal aos acontecimentos sem fingir imparcialidade; cioso sem deixar de ser transparente; oblíquo, mas nunca dissimulado; ponderado sem jogar no lixo o próprio direito cidadão à manifestação e ao voto; ~antijornalístico~ para quem sabe conseguir um dia ser aquilo que mais quero ser quando crescer: um jornalista.

    Obs.: parabéns a todas as companheiras e companheiros que mandaram ver e fizeram a mais linda das coberturas via a tag #JornalistasLivres — vocês somos FODAS — amanhã tem mais!

    * #JornalistasLivres em defesa da democracia: cobertura colaborativa; textos e fotos podem ser reproduzidos, desde de que citada a fonte e a autoria. Mais textos e fotos em facebook.com/jornalistaslivres.


    Originally published at farofafa.cartacapital.com.br on March 14, 2015.

     

     

  • Intervenção militar não!

    Intervenção militar não!

     

    Se dependesse da vontade de parte da população que ocupa as ruas neste domingo, 15, esta manifestação não aconteceria. Vários cartazes expostos apontam o desejo da volta dos militares ao poder. Uma vontade aparentemente contraditória para quem está se manifestando livremente, já que os militaristas que vão as ruas se beneficiam de um dos principais fundamentos da democracia: o direito à livre manifestação, independentemente das contradições.

    Foto: Mídia NINJA

     

    Intervenção militar não !

    A insatisfação incentivada pela imprensa tradicional, claramente direcionada a um partido e ao governo federal — em meio a denúncias que envolvem nomes de diversos partidos nas esferas municipal, estadual e federal — procura acordar monstros adormecidos nos porões de nossa História. Uma pergunta paira no ar: como um retrocesso poderia ajudar a resolver os problemas políticos e econômicos que o país enfrenta agora?

    Queremos avanços, não retrocessos.


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