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  • “Ordem veio de cima”

    “Ordem veio de cima”

    Segundo Defensoria Pública, áudio da reunião da Secretaria da Educação — divulgado pelos Jornalistas Livres — previu o recrudescimento da repressão policial aos estudantes mobilizados.

    Por Allan Ferreira e Ana Carolina Trevisan, colaboração de Eviton Araujo, para os Jornalistas Livres

    O recrudescimento da repressão aos manifestantes e a falta de dialógo foram um dos fatores que levaram o Defensoria e Ministério Públicos do Estado de São Paulo entrarem com a ação civil pública (clique aqui e confira o documento do processo) que visa garantir o direito dos estudantes de concluírem o ano letivo sem que estejam ameaçados pelo fechamento ou sobrecarga nas escolas afetadas pelos planos do Governo de São Paulo. Confira o vídeo da coletiva:

    Em entrevista coletiva realizada na tarde desta quinta-feira (3), a defensora pública Daniela Skromov de Albuquerque, do Núcleo de Cidadania e Direitos Humanos, afirmou que um dos fatores para a entrada com a ação civil pública do Ministério Público de São Paulo foi o acesso ao conteúdo da reunião realizada pela Secretaria de Educação de São Paulo no dia 29 de novembro.

    A reunião dos dirigentes de ensino do Estado de São Paulo foi conduzida por Fernando Padula Novaes, chefe de gabinete do secretário da Educação Herman Jacobus Voorwald. Nesta reunião Padula afirma que a questão da mobilização dos estudantes que são contrários ao processo de reorganização da rede de ensino do Estado de São Paulo deve ser tratada como questão de guerra.

    Segundo a defensora, o áudio permite observar que há uma: “ordem que veio de cima” para que tal recrudescimento ocorresse tanto nas ruas — com a ação policial de repressão, quanto por parte das diretorias das escolas.

    “Nossa preocupação é com a integridade física e psíquica desses jovens, acredito que o tempo urge”.

  • Defensoria e Ministério Público abrem Ação Civil contra a reorganização do Ensino de Alckmin

    Defensoria e Ministério Público abrem Ação Civil contra a reorganização do Ensino de Alckmin

    Larissa Gould, do Barão de Itararé, Especial para os Jornalistas Livres. Fotos: Eviton Araújo

    A Defensoria Pública (DP)e o Ministério Público (MP) ajuizaram, na tarde dessa terça-feira (03), ação conjunta contra a reorganização do Governo do Estado. A Ação Civil Pública (ACP) pede a suspensão da reorganização do ensino, a garantia de permanência dos alunos nas atuais escolas no próximo ano, a manutenção de ciclos e turnos existentes, novas matrícula de alunos em 2016 (nas escolas com vagas) e o compromisso do não fechamento de escolas da rede.

    A justificativa para a abertura a ACP foi o anúncio repentino da reorganização por parte do governo, que ignorou as pessoas diretamente envolvidas — estudantes, pais e professores — e deixou de lado etapas de consultas e debates públicos fundamentais para a decisão. A DP e MP relataram que receberam inúmeras reclamações e abaixo-assinados, denunciando o fechamento de escolas, superlotação de salas de aulas e separação de irmãos em unidades distintas e transferência obrigatória de turno, que prejudicariam as rotinas das famílias.

    Os órgãos também declararam a ausência de estudos que comprovam a real efetividade da mudança para a melhoria do ensino “Eles alegam que foram feitos estudos comprovando a efetividade dos ciclos, mas isso não é comprovado em nenhum momento”, declarou a Defensoras Pública Mara Renata da Mota Ferreira.

    Defensoria Pública e Ministério Público informaram ainda que pediram essas e outras informações à Secretaria Estadual de Educação, mas que as respostas chegaram tardiamente (no fim de novembro) e incompletas, o que dificultou a análise do projeto da reorganização.

    Suspensão da reorganização do ensino

    A Ação, de acordo com a defensora Mara, não pede a revogação, mas sim a suspenção para o próximo ano e a garantia de debate com a sociedade. “Ao fim dessas discussões a reorganização pode ou não acontecer, ou pode ser feita de uma outra maneira”, defendeu. A também defensora, Daniela Skromov de Albuquerque, que também tem feito a defesa dos estudantes em outras ações, no entanto, reafirma: “Dialogo tem que ser uma via de mão dupla”.

    A ACP foi assinada pela Defensoria Pública, representadas pelas Defensoras Mara Renata da Mota Ferreira (Coordenadora do Núcleo de Infância e Juventude e de Cidadania) e Daniela Skromov de Albuquerque (Coordenadora do Núcleo de Direitos Humanos) e pelos Promotores de Justiça João Paulo Faustinoni e Silva (Grupo Especial de Educação), Eduardo Dias de Souza Ferreira (Promotoria de Justiça de Defesa dos Direitos Difusos) e Patrícia Salles Seguro (Núcleo de Políticas Públicas).

    A ação foi distribuída para a 5ª Vara da Fazenda Pública, sob a responsabilidade do Juiz Luis Felipe Ferrari Bedendi, mesmo juiz que concedeu no início de novembro liminar ao Estado para reintegração de posse das escolas estaduais Fernão Dias Paes e Salvador Allende e que após audiência de conciliação, revogou as liminares.

    Em nota Maria Izabel Azevedo Noronha, Presidenta da APEOESP, declarou: “Com a iniciativa do Ministério Público, espera-se que Tribunal de Justiça mantenha o mesmo entendimento, fazendo suspender este processo de ‘reorganização’ em todo o Estado, para que prevaleça a democracia e a participação da comunidade escolar e da sociedade nas definições sobre uma das principais políticas públicas, que é a educação”.

    Para o promotor João Paulo Faustinoni, essas mobilizações têm sim caráter político, mas não partidário: “Também seria um ato político se o Ministério Público se omitisse. O Ministério não irá se omitir”.

    Abuso de poder e repressão violenta

    A ação trata apenas da reorganização, não abordando as denúncias de violência da Polícia Militar contra os estudantes. É competência do Ministério Público apurar, responsabilizar e condenar esses casos. De acordo com o promotor João Paulo Faustinoni e Silva as denúncias estão sendo apuradas.

    Pedro, repórter do Saboia News e estudante da E.E. Padre Sabóia de Medeiros, questionou “Hoje então, depois dessa Ação, eu tenho a garantia e a segurança de que posso voltar para a minha Escola e que não sofreremos nenhum tido de violência?”

    Tropa de choque atua durante manifestação de estudantes nessa quarta-feira (02). Foto: Fernando Sato.

    “Essa garantia não existe. Ou melhor, a garantia legal existe, mas não prática”. Foi a resposta da defensora Daniela Skromov. Ela também informou que a defensoria está fazendo o possível para acompanhar todos os casos denunciados, mas que “faltam pernas” pois são muitas as repressões violentas, e orienta os estudantes a gravarem os abusos e encaminharem a defensoria e ao MP.

    Para Daniela, as ações violentas da PM fazem parte de uma estratégia de tentativa de desmobilização por parte do governo do Estado, sob a gestão de Geraldo Alckmin (PSDB).

    Defensoria Pública, os Estudantes e o Coletivo

    Daniela também explica que as duas frentes da Defensoria devem ser vistas separadamente: “A defensoria tem dois papéis: ode defender os hipossuficientes e outro de falar por ela própria, em defesa do coletivo. Nesse momento, ao abrirmos essa ação estamos defendendo o todo, o coletivo”.

    Daniela foi a defensora responsável por representar os estudantes durante o julgamento da liminar ao Estado para reintegração, em novembro.

    A Ação Civil pública, defende o “todo” sob a perspectiva que a educação é um direito social básico e deve ser garantido principalmente às crianças e adolescentes, conforme a Constituição e o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA).

    A legislação também garante que a gestão das escolas públicas deve seguir o princípio da gestão democrática, de acordo com a Lei de Diretrizes e Bases da Educação, que criou os Conselhos de Escola e os Conselhos Municipais e Regionais de Educação. O Plano Nacional de Educação, que rege as diretrizes da educação para os próximos 10 anos, também assegura esse princípio.

    Daniela também informou que entidades e associações podem entrar conjuntamente ao MP e DP na ação contra o Estado.

  • A vida é cheia de sonho e fúria

    A vida é cheia de sonho e fúria

    Ser periférico é um destino. É uma marca no coração e na testa. É um passaporte para uma viagem sem volta. Sempre serei periférico. Por mais que minha cara, minhas vestes, meus gostos gastronômicos sejam contaminados pela classe média à qual hoje pertenço, eu carrego esta minha história. Sou periférico. O caminho é mais longo, é duvidoso, é sinuoso e cheio de atalhos mentirosos e desvios temporais.

    Ser periférico moldou meu espírito. Sei disso. E hoje agradeço por ter essa marca em meu coração e em minha testa. O meu caráter foi formado no campinho da Praça dos Pneus, na minha querida Padre Roser e seus carrinhos de rolimã, na Jean Buff, no Horto Florestal, no quase Quilombo de Dona Maria do Rosário, nos caminhos dos matagais adjacentes, nas comunidades pobres do Jardim Paraíso, Chácara do Encosto, Jardim Peri, nas pinguelas do Córrego Água Fria, no recreio do Crispim.

    Crispim. Minha escola. Almirante Visconde de Inhaúma. Escola pública. Lembro de vários professores, dos bróders, dos campeonatos de salão, da educação física no frio de junho, as aulas perdidas apertando campainhas, as ruas dos outros, as ovadas de aniversário, o bafo, a copa de 82. Eu era o rei das colas, das pipas feitos com bambu, do rolimã. Lembro de uma professora de história, que deu como leitura “As veias abertas da América Latina”. Uma professora que simplesmente, num dia qualquer, não era mais nossa professora. Depois fui me ligar que ainda era a senhora ditadura. Por onde andará essa professora? “As veias abertas da América Latina”. Não só li, engoli, mastiguei, degluti, fiz a mais completa digestão.

    Eu quero conquistar esta cidade. Ela será a minha cidade. E depois, esse meu país. E depois, essa América Latina, e depois, esse mundinho aí.

    Crispim. Também moldou meu espírito. Meu pertencimento. Minha pertinência. Meu primeiro beijo de verdade. Meu primeiro time. Equipe. Convivência. Aprendizado. Trocar segredos de confiança, estabelecer limites a serem atravessados, procurar espaços não-reconhecidos, inventar plataformas de lançamento. E se jogar pra frente, sempre.

    Depois, Escola Técnica Federal de São Paulo. Antigo colegial. Também pública. Profissão, realidade, sistema. E a leve certeza de sonhos suspensos. Aqui, uma escola de toda a cidade. Gente de todos os cantos da Pauliceia. Conhecer Vila Sonia, Aclimação, Parelheiros, Planalto Paulista, Rudge Ramos, Campo Limpo, Tatuapé, Grajaú, que Itaim Paulista não é Itaim Bibi. Aprendi mais sobre minha cidade do que a serventia de um relê, de um capacitor (além de dar choques), de um circuito integrado, das aulas do curso de eletrônica. Dois festivais de música por ano, primeiro mural de grafite, oficinas de música, teatro, artes plásticas, da qual fui assistente por 6 meses, também ajudaram na escolha dos meus caminhos dali pra frente.

    Esses tempos de catapultas imensas, problemas gigantescos, tristezas epidêmicas, máquinas do tempo engrenadas, formaram meu balão de oxigênio proto-futurista. Desprendendo do cordão umbilical familiar e avançando sobre o planeta diário de tags, descobertas e as forças do acaso, cheguei na estação involuntária temporária. O centro, o meio. A cidade.

    Crispim, Federal e Mandaqui. Tudo o que veio depois, na interminável procura, teve origem nesses três pontos cardeais da minha vida. Tudo. O que quero desse mundo, o que entendo de identidade, formação e referência. O que procuro na insanidade diária da responsabilidade, o que penso e faço sobre caráter, dignidade, fidelidade às minhas palavras, o que berro, o que silencio. Nunca esquecerei em cantos obscuros da lembrança. Nunca.

    Hoje, já tenho essa cidade em mim. Aqui dentro. Trespassada, pisoteada, mastigada, reconhecida. Já faz muito tempo desde o primeiro lusco-fusco. Às vezes a visão turvou, nublou, a voz sumiu, silenciou, as mãos se esconderam nos bolsos ou socaram o vácuo, os ouvidos se fecharam, e o jantar não foi servido. A proposta sempre foi mudar o mundo. Mas o tempo vai e vem, e você vai e trabalha um tanto, projeta riscos e linhas e se perde nelas, o tempo vem e vai e você degusta o sabor amoroso de uma conquista, o tempo se inunda e você, quietinho, espera a tempestade passar. Não é medo, não é traição, não é desistência. É apenas… o tempo. E vai. E vem.

    E nesse passar do tempo, a velhice chega voando. Não que o tempo seja o medidor da velhice. Não é isso. Velhice não é marca do tempo. Velhice é uma contemplação preguiçosa da memória. Podemos ser velhos, jovens. E sermos jovens, bem velhos. Mas ainda assim, enquanto você se pendura na rede e deixa o vento escaldar sua vivacidade, algumas vezes você é atingido por uma bomba de gases libertários, você é empurrado por um abismo de cordilheiras, você é engolido por uma baleia estratosférica, você é banhado por sprays poderosos de juventude, e você se olha no espelho, e tá lá, aquela madita espinha no meio do teu nariz, a te conferir a adolescência de seus destinos.

    Fotos: E.E. Diadema — Por Sato do Brasil

    Escolas em luta.

    Esse dias fui atropelado por essa porra de sentimento. Em dias de ruas em manifesto, enfrentamentos quase ingênuos, hinos revoltosos. Os primeiros nomes de uma subversão cheia de frescor foram chegando lacerando os ouvidos. Sabóia, Kopke, Orestes, Raul Fonseca. Outra manifestação como muitas outras tentaram? De repente, esse meu preconceito foi sendo quebrado. Acompanhando pela cobertura dos Jornalistas Livres, fui sendo levado, em moto perpétuo, a um universo real de destempero, de raiva, de arrebatamento ingênuo, de vontade represada, de gritos que cabem na boca, de causa e gesto.

    O óbvio ululante, seu Nelson. A polícia começou a resenha descendo a porrada. No seu mais confortável estigma. Porrada nesses vândalos. Porrada nesses vagabundos. E se for fotógrafo querendo só um clique mais favorável, porrada também. E se escorregar, e você estiver na minha frente, mais porrada. Com gosto.

    Mas algo nessa fórmula deu errado. Não sei se foi o sol, a mandinga juvenil, a leveza das danças. Algo saiu do eterno controle. Algo escapou pela fenda inesgotável da rebeldia. Uma pequena gota. Uma só. E tudo ficou fora da ordem. E tudo ficou sem lugar. E tudo ficou estranho no espelho. Não são vagabundos, afinal, os esforços desses soldados são exatamente pra destronar a estatística e empatar o jogo. Querem estudar, estudar em escolas que lhes desafiem, que deem possibilidades de virar o jogo. Não são vândalos, por mais que queiram os constantinos, azevedos, jabores em devaneio. Eles não quebram carteiras, aplicam atividades, fazem seu rango, lavam os pratos, limpam os banheiros, varrem o chão. Vocês podem não lembrar, mas esses meninos e meninas da rede pública aprenderam muito cedo, no cerne de seus lares, ajudando suas famílias, cuidando de seus irmãos, primos e vizinhos.

    Mas nenhuma autoridade do governo ousou conversar com esses estudantes, ninguém quis entender suas reivindicações, ninguém quis partilhar seus medos e desejos, nada. O outro lado da linha sempre silenciosa. Alguém deve ter falado: deixa quieto, que eles já já cansam e vão embora, ou também: nem responde, tem Brasileiro, Copa do Brasil e Brasil x Argentina, relaxa.

    Mais um erro. Um erro estratégico imperdoável. Perdeu playboy! Quando recusam o diálogo, quando a prepotência reina, quando pensam apenas no controle e repressão. Não existe espaço para esse tipo de raciocínio ultrapassado. O mundo cabe dentro do zap. Em velocidade de cruzeiro. Essa molecada deu um banho de inteligência, coletividade, convivência e vizinhança. Deram mais um passo à frente e o abismo se modelou num voo interminável. Vocês permitiram o voo desse exército de brancaleones jovem e solene. Peter Pan e a meninada. Com a vantagem de saber que estão crescendo e mudando essa cidade, esse Estado, esse País.

    Fotos: Paulo Ermantino

    Segue o voo.

    Sem respostas, sem conversas, sem explicações de uma re(des)organização autoritária e unilateral, o caldo entornou. Porque minha escola vai ser fechada? Porque vão acabar com o ensino médio? Porque vão separar os cursos médios e fundamentais? Porque? Não quiseram saber que na E. E. João Kopke, no bairro da Luz, os alunos mais velhos acompanham os alunos mais novos por uma região em completo litígio. Não quiseram entender que na E. E. Fernão Dias Paes e em outras escolas mais centrais, quem está matriculado são estudantes que moram longe dali, em bairros periféricos, mas que almejam um nível de estudo melhor e que muitos deles trabalham na região, e por isso, resolveram estudar ali? Nem passou pela cabecinha deles que a E. E. Padre Saboia de Medeiros ensina permacultura, reutilização de água, horta urbana, teatro e muitas outras atividades extra-curriculares que tentam achar alternativas comunitárias para o enriquecimento social de seus alunos? Nem quiseram conhecer a E. E. Diadema, onde os alunos passam boa parte da vida e constroem uma relação de confiança e empoderamento, levando para o campo lado a lado com os professores, verdadeiras noções de cidadania, que transformam-na em um modelo de educação em toda a região? E tantas outras experiências inovadoras e coletivizadas nas outras escolas reféns dessa medida descuidada e arrogante do governo do Estado de São Paulo?

    O que se quer ver está a nossa frente. Fechando escolas públicas nos bairros “nobres” de São Paulo, você empurra os jovens pobres, pretos e periféricos para as bordas invisíveis da cidade. Somando a atuação repressora e agressiva da polícia na periferia, o barato vai ser louco e sangrento. Esses meninos e meninas que ousaram sacudir o marasmo institucional, que ousaram atravessar o grande muro das marginais, que ousaram querer ser grandes, que ousaram andar por onde a classe média branca apenas passa com seus tanques de guerra com vidros fechados e ar condicionados ligados. Que ousaram lutar por uma vida simplesmente melhor. Que ousaram sonhar.

    Dividindo os estudantes dos fundamentais I, II e do curso médio, você rouba a referência, o pertencimento, o exemplo. Você não tem mais o atrito, as diferenças de trajeto, os ajuntamentos intencionais, e assim, suas resoluções, seus impactos, suas descobertas sobre tolerância, diversidade e igualdade no centro explosivo diário da convivência. Isso é cidadania, porra!

    Mais. Separando o ensino médio, em conjunto com a redução da maioridade penal, você constrói um painel delicioso para as hordas repressoras da Polícia Militar, Civil e Tropa de Choque do Estado. Junta uma base da polícia na esquina e as escolas serão transformadas em engradados de vândalos registrados. Prontos para o abate.

    Última. A falta de diálogo, a prepotência ferrenha, o franco desdém com o futuro dessa garotada, parece coisa de criança. Aquela dona da bola, que não quer mais brincar se todas as regras não forem criadas por ela. Uma criança mimada, vingativa e birrenta. Xilique de chefe. Então, essa escola é progressista? Fora. Quer dizer que esses professores fizeram greve? Fora. De novo essa diretora exigindo mudanças? Fora. O que? Horta comunitária, participação dos pais, participação política? Comunistas… Foraaaaaaaaaaa!

    E.E. Fernão Dias — Foto: Sato do Brasil

    Quem não pode com a formiga, não assanha o formigueiro.

    Quando o silêncio zomba desse exército com corações em pólvora, a razão se junta ao espírito, e o próprio caminho aponta a direção. Tomarão de volta o que é deles por direito. Seu primeiro time. Seu primeiro beijo de verdade. Sua referência. Seu pertencimento. Equipe. Convivência. Aprendizado. E assim foi feito. As escolas se tornaram seus castelos de convívio. Ocupação. Invasão? Não se invade quando já está dentro. Não se invade algo que já é seu. Não se invade onde se gosta, se cuida.

    Diadema. Fernão. Salvador. Castro Alves, Valdomiro, Ana Rosa, Pio Telles,

    Carlos Gomes, Heloisa, Tancredo, Silvio Xavier, Antonio Manuel, Oscavo, Melega

    Cenário de Guerra. Força Tática, Rocam, Tropa de Choque, Ronda Escolar. Um efetivo de quase 300 policiais nas cercanias da E. E. Fernão Dias Paes, em Pinheiros. 50 sirenes nervosas, armas em punho, capacetes, escudos, cassetetes. Tudo brilhando. Você quase consegue ver um sorriso maroto junto com aquela saliva empoçada, no canto da boca. Meu Buda querido. Meu gordinho. Me explica o porque isso? Desde quando decidir sobre educação, um dos direitos básicos, que é conferida à população, virou um complexo caso de polícia? E de muita polícia? 300 policiais x 30 estudantes. Moral da história. 10 cassetetes para cada estudante menor de 18 anos. Algo descomunal. Davi x Golias, coisa assim. Os 300 de Esparta contra os centenas de milhares do Exército Otomano. Ou mais próximo, Canudos.

    Miguel Maluhi, Elizete, Godofredo, Adib Chammas, José Lins, Cohab Inacio, Mary Moraes,

    Negrini, Solitto, Kopke, Souza Cunha, Saboia, Sinhá Pantoja, Demy

    E lá vem as notícias globais do movimento. “Estudantes invadem escolas”. Já disse antes, como invadir se já está dentro do que é seu? “Vândalos quebram…” Engraçado falar nisso, se nenhuma carteira foi sequer amassada, quando as imagens mostram meninos e meninas limpando os banheiros, cozinhando sua comida, lavando seus pratos, com sorriso no rosto e vontade nas mãos. Ah, pais, como vocês devem ter orgulho desses seus filhos! É quase piada pronta falar em vândalos. Ok, cobriram a cabeça do bandeirante sanguinário com um plástico preto, dando apoio à questão indígena. Mas isso não é bem vandalismo, isso é coerência de pensamento de País.

    “Vagas ociosas…” Todas as escolas que estão na lista de reorganização e que visitei, não têm vagas ociosas. Ociosas pra quem? Quem sabe sobre quantidade x qualidade? Autoridades que nunca entram em escolas a não ser em reintegração de posse? A maioria das escolas tem quase 40 alunos por classe. Você jura que esse número é satisfatório? 40 alunos na mesma sala? Só pode ser brincadeira. Você já participou de alguma reunião com 40 pessoas? Aquelas reuniões que não se chega a lugar nenhum na imensa maioria da vezes?

    Coronel Sampaio, Avesani, Godofredo, Suely, Astrogildo, Marilsa, Stela Machado,

    Colonia, Santinho, Carvalho Mange, Américo, Azevedo, Vilas Boas, Eloy

    E quanto às escolas de lata? Deveriam ser as primeiras na lista de uma provável reorganização. O Governo do Estado, através de reformas ridículas em que apenas abraçam as paredes com pré-moldados mantendo a estrutura de zinco, mentem ao dizer que não existem mais. Essa reforma apenas mudou o nome de “escolas de lata” para “escolas padrão Nakamura”. A maioria delas ainda resiste na região do Grajaú, extremo sul da cidade. Essas escolas fazem parte da reorganização? Pelo que eu saiba, projeto de construção de novas escolas para substituir essas, não existe. O que vão fazer? Transferir essas centenas de estudantes para outras escolas da região, deixando em cada classe, 50, 60 alunos? Que coerência, hein?

    Raul Fonseca, Carlos Gomes, Josefa, Galeão, Pedro Fonseca, Wilma Flor, Benedita,

    Mocam, Guaracy, Caetano, Alexandrino, Aracati, Chuery, Saint Exupéry

    Mas como o homem de camisa branca que parou os tanques na Praça da Paz Celestial, na China, essa molecada parou a polícia, parou a reintegração de posse, parou o Governo de SP. As reintegrações de posse, que no próprio nome carregam um trocadilho infame, foram barradas pelo próprio juiz que as pediu. Ouvi pelas redes, um salve para esse juiz. Parem com isso, ele que assinou as reintegrações, demorou dias para se colocar, e devido à pressão que os estudantes, professores, imprensa alternativa, direitos humanos, Apeoesp, movimentos sociais como o MTST, advogados ativistas, pensadores, aí sim, canetou a paralisação das reintegrações.

    Augusto Cesar, Magalhães, Agari, Viana de Souza, Eulália, Naked, Cotrim,

    Homero, Lauro, Cleóbulo, Silvia Ribeiro, João Batista, Di Cavalcanti, Miss Brownie

    Como disse Seu Bezerra:

    Aaaah, meu bom juiz, (meu bom juiz) Não bata este martelo nem dê a sentença/

    Antes de ouvir o que o meu samba diz/

    Pois este homem (menino) não é tão ruim/

    Quanto o senhor pensa

    Clybas, Alayde, Petronila, 21 de Abril, Francisca, Ede Wilson, Fidelino, 8 de Abril,

    Cotolendo, Tito, Honório, Glicério, Maria de Lourdes, Damo, Joaquim Leme.

    Fotos: Sato do Brasil

    Trila, seu juiz! Abrem-se as cortinas e começa o espetáculo.

    A porteira foi aberta. O vespeiro foi cutucado. O formigueiro foi pisoteado. A caravana então passa. A boiada passa. As vespas mandarinas picam. As formigas traçam seu caminho. No mapa das ocupações desse google territorial, os pins vão pululando como pipocas em cio. Uma na Zona Norte, duas no ABC, outras na Sul 1, Extremo Leste, centro, Zona Oeste, e mais e mais, a cidade toda florescendo pins. 10, 13, agora são 15. Tem mais? Tem mais esse! Outras 4. Esse já deu? 20. 20? Não, agora já são 23. 25. 30. Caraca, 30 escolas? Quase 40. E assim vai. Cada número alcançado, uma pitada na revolução.

    Malatrasi, Caetano, Ináh de Mello, Marajoara, Giannasi, Nanci Cristina, Pizzotti,

    Souza Penna, 16 de Julho, Otoniel, Emigdio, Ayrton Busch, Sapopemba, Ciridião

    Comecei esse texto com menos de 40 escolas ocupadas. Nem posso prever quantas estarão ao terminá-lo. Torço, sinceramente, que sejam três dígitos. 100, 200, 300. Um movimento claro em suas reivindicações. Um movimento que sabe donde surgiu, como surgiu e para que surgiu. Um movimento que aceita os esforços de apoio, seja de pais, associações de professores, movimentos sociais, movimentos estudantis, mas que se colocam como artífices da porra toda. Pontas-de-lança nesse tabuleiro de forças e obstáculos institucionais que teimam em domesticar esse delay educacional.

    Andronico, Azevedo Junior, Beathris, Rachid Jabur, Capitão Amaral, Jesuíno, Irene,

    Julio de Mesquita, Vilela, Eliseu, Cícero, Arlindo, Orville, Renê

    E mais. A rede. O zap. A revolução nunca será televisionada. Será zapeada. Será postada. Será compartilhada. E muito mais. Essa rede está se organizando viralmente como nenhum governo soube antever. Escolas em luta. Uma assinatura de lealdade, comunidade, resistência. Troca de ideias pelo whatsapp, imagens da ocupação pelo instagram, notícias pelo facebook, apelos pelo telegram, documentações via periscope, snapchat, tsu. Uma teia gigantesca e inimaginável começa a traçar veias e artérias com informação, templates, documentos, atividades. Cada escola carrega em seus símbolos todas as outras escolas. Nas ruas, faróis, passarelas, vê-se o nome de todas as escolas em luta. E quanto mais resistente, quanto mais comunitário, quanto mais lealdade, mais forte, mais viral. Disparador de uma revolução verdadeiramente popular e continuada.

    Crispiniano, Aracy Leme, Etelvina, Moabe Cury, Barão de Jundiaí, Plínio, Riolando,

    Jamil Gadia, Humberto de Campos, Notari, Antonio Vieira, Olindo, Estela, José Alfredo

    Acompanhei os estudantes na Audiência Pública no Fórum João Mendes. Frente a frente com o secretário estadual de educação, Sr. Herman Voorwald. Representantes de várias escolas que estão movimentando essa placa tectônica invisível resistente e autoritária, estiveram presentes. E, sinceramente, deram um baile na presunção do Governo do Estado. Primeiro, não aceitaram uma proposta tacanha do Senhor Secretário, onde se dizia que a partir da desocupação das escolas e da leitura do regulamento de reintegração, e posterior envio das demandas dos estudantes, seria aberto um possível diálogo. Depois, trouxeram a sua carta de intenções. Clara e objetiva:

    “A reorganização suspensa por todo o ano de 2016. O debate sobre o tema deve incluir toda a comunidade escolar, pais, professores, associações e ainda alunos que concluirão o ensino médio em 2015. Nenhum estudante, funcionário, professor, diretor que tenha apoiado o movimento será punido. A premissa principal para que os estudantes iniciem o diálogo é a garantia de que nenhuma escola será fechada.”

    Vila Any, Tullio, João XXIII, Faggin, Décio, Maria Zilda, Benedita Lino, Augusto Meireles

    Rodrigues Bueno, Maria José, Adelaide Rosa, Conte, Arthur Chagas, Mignoni

    A partir desse momento, o movimento só se fortaleceu. Transformando a tecnologia de rede na tecnologia de encontro. Assembleias, encontros, troca de saberes e experiências. Horizontalidade. Parafraseando a Marcha das Mulheres, mexeu com uma escola, mexeu com todas. Todas as escolas, escolas de luta. Nunca antes na história. A última cartada do Alckmin e do Governo de São Paulo é criar uma milícia extra-curricular, onde diretores regionais, diretores de escolas, professores antiquados, pais desinformados e alunos enganados são os soldados armados de violência e intransigência, mentiras e ameaças rasas sobre perda de ano letivo, castigos infames e perseguições prováveis, com a salvaguarda do efetivo da Polícia Militar como escudo e brasão. Talvez o movimento mais forte e saudável desde a luta contra a ditadura, recebendo o ataque de um governo nos moldes dessa mesma ditadura.

    Virgília, Jardim Angela, Firmino, Alves Cruz, Salim, Casimiro, Monsenhor Maggi,

    Antônio Aggio, Castanho, Dom Barreto, Gonçalves Vieira, Ivani, Marta Teresinha

    Meus tempos de Crispim e de Federal não voltam mais. Sei disso, mas acompanhar de perto essa chama inflamável de rebeldia, traz de volta aqueles sonhos suspensos. O oxigênio entra mais forte. O sangue corre mais rápido. Os olhos vasculham incessantemente. Chegamos junto, levamos conosco pavios de outros tempos que se acendem novamente. O que aprendemos passamos como testamento para essa nova geração. Conceitos, ideias, palavras, ações, documentos da revolução. Tudo exposto. O que foi nosso agora já é do tempo. Meu buda, já são 200.

    Wanda, Leico Akaishi, Alvaro, Bruno Pieroni, Gaspar, Georgina, Helio del Cistia,

    Julio Prestes, Madureira, Otília, Gregório, Monsenhor Bicudo, Maria do Carmo, Oswald

    Eu vejo os primeiros dias do resto de nossas vidas. O Exército de Brancaleones está sabendo recontar a história, está recontando, experimentando, tentando, errando e acertando. Não se deixem levar por pequenos obstáculos, desvios de passagem, intimidações toscas e mentiras arquitetadas em mesas de marfim. Vocês estão aprendendo na vida, cidadania e identidade. Fazendo política. Entenderam que somos seres políticos. Lacem o destino e se coloquem à frente da parada. O arco e a flecha. As esperanças de um movimento esquecido. Aquele cidadão que dirige essa cidade. Que se comove, que escuta, que aprende, que pratica, que transforma. Um cidadão que constrói esse País, que continua grande no coração dessa rapaziada. Tamojunto de verdade.

    Dagoberto, Bonilha, Senador Vergueiro, Genésio, Cordeiro, Martinho, Zulmira, Guiomar, Poletto, Pastor Cicero, Wilfredo, Maria Ramos, Procópio, Antonio Caio, Jethro, Romeu, Cavalcanti, DeGaulle, Funaro, Cepam, Toufic, Norberto, Hugo, Ezequiel, Ossis, Lysanias, Clotilde, Ferreira de Menezes, CEDOM, Iracema Crem, Savino, Sebastiana, Ferrucio, Galhiego, Asa Branca, Prisciliana, Anhanguera, Colonia dos Pescadores, Justina, Maria de Lourdes, Zacarias, Lacava, Apparecido, José Ermírio, Maria Osório, Brotero, da Ré…

    … e que venham mais…

    Eu acredito na fúria. Eu acredito no sonho. Eu acredito em corações cheios de sonho e fúria.

    Queremos conquistar esta cidade. Porque esta é a nossa cidade. É aqui o nosso lugar. A partir daqui, na incessante busca desse lugar, aqui estaremos.

    E.E. Fernão Dias — Fotos: Sato do Brasil

    P.S.: Antes desse meu depoimento chegar a vocês estive cobrindo a manifestação dos estudantes na Avenida Nove de Julho, no dia 01 de dezembro, pelos Jornalistas Livres. Essa ação que chamo de “Carteirada”. Já que não existe o mínimo diálogo entre o governador do Estado, Geraldo Alckmin, ou do seu secretário da educação, Hermann Vorwald, os estudantes estão promovendo a “Carteirada”. Salas de aula nas ruas, parando a cidade para expor suas necessidades e sua luta. Deixo com vocês essa última imagem. Diz muito sobre tudo o que escrevi aqui. Estamos de “luta”.

    Lute como uma menina

    PS 2: Hoje, dia 4 de dezembro de 2015, o governador Geraldo Alckmin fez um pronunciamento oficial, dizendo que a reorganização escolar está suspensa.

    Sossega coração
    Ainda não é agora
    A confusão prossegue
    Sonhos afora
    Calma calma
    Logo mais a gente goza
    Perto do osso
    A carne é mais gostosa.
    (Paulo Leminski)

    Desculpe seu governador. Mas eu só confio, vendo. É ver para crer. No exato momento de seu pronunciamento, a imprensa alternativa (Jornalistas Livres, Carta Capital, Jornal do Professor, entre outros) foi proibida por seguranças truculentos do Palácio do Governo a acompanhar o ato. No exato momento de seu pronunciamento, a Polícia Militar deitava o cassete(te) nos estudantes secundaristas em manifestação no centro da capital. Se a censura faz parte do seu dia-a-dia e a repressão violenta continua como abre-alas de sua instituição, não há como acreditar em suas ações.

    A reorganização está suspensa, apenas suspensa. E não, cancelada. Suspensa até quando? Não existem datas nem previsão. Você diz que haverá audiências para discussão sobre a reorganização. Como se darão essas audiências, em que momento e que pessoas participarão delas? As matrículas estão garantidas, é um progresso, mas isso não garante o ano todo. Um decreto, como muitos outros que já foram feitos, pode mudar isso de um dia para o outro, não é mesmo, governador? Aliás, governador, onde está a revogação do decreto anterior, que previa as reorganizações das escolas? Esperemos pelo “Diário Oficial”? E plano, plano mesmo, nada.

    Escola por escola. Sério, governador, até hoje de manhã, você não dialogaria com ninguém, agora vai conversar com escola por escola? As 400? Jura mesmo que você quer que a gente acredite nessa ladainha? A força do movimento está na unidade. O senhor sabe disso, né, governador? Mas os estudantes também sabem. Eles construíram esse conceito, essa forma, essa coletivização, essa rede, esse encontro.

    Espero, mesmo, que eu esteja errado, pois esta é uma vitória coletiva, horizontal, gigantesca, monumental. Uma vitória de cada escola em luta que, juntas, tornaram-se um organismo só. Forte, pungente, brutal. Nunca mais essa escola será o que já foi. Nunca mais essa escola será um lugar estranho novamente. Vocês, estudantes, reconheceram cada canto, cada armário, cada buraco, cada giz que a vocês pertence. Essa escola agora é de vocês. Pertence a vocês e vocês pertencem a ela. Vocês alimentaram cada espaço, dentro da escola e na rua, no campo, no espaço público, com seus espíritos. Isso é imensurável. Vocês, começaram a revolução educacional que sempre sonhamos. Vocês, agora, são pontas-de-lanças de um novo tempo que está apenas abrindo suas portas.

    Lembrem-se de tudo que aprenderam e compreenderam até aqui. Lembrem-se das tretas, do gás, do rango, das noites mal-dormidas, dos abraços. Olhem-se nos espelhos. Hoje não será como antes. As espinhas podem ainda estar lá mas isso não importa mais. Olho para vocês e vejo companheiros de jornada. Companheiros na construção de uma nova ideia, um novo país.

    E por fim, insisto: ninguém sai, ninguém sai, ninguém sai.


    Menino, não chore!

    Menino, cresça e apareça!

    Menino, seja homem!

    Não, senhores! Serei menino

    Serei menino a correr atrás da bola

    Meus senhores

    Serei menino a correr atrás de ideias

    Meus senhores

    Serei menino a correr atrás de sonhos

    Meus senhores

    E mais, meus senhores

    Serei menino para errar quando poderia ter acertado

    Serei menino para gritar quando poderia escutar

    Serei menino para dar uma porrada quando poderia ter soprado

    Serei menino para silenciar quando poderia sussurrar

    Por isso peço a mim mesmo, meus senhores

    Quando for homem crescido que não erra

    que não grita, que não dá porrada, que não silencia

    Que esse homem crescido não chore

    quando o menino que vocês,

    meus senhores, chamam de homem

    Tenha crescido quando ainda menino.

    Foto: Sato do Brasil
  • A Prefeitura de São Paulo, gestão Fernando Haddad (PT), quem diria, pisou nos Direitos das Crianças e Adolescentes.

    A Prefeitura de São Paulo, gestão Fernando Haddad (PT), quem diria, pisou nos Direitos das Crianças e Adolescentes.

    Responsável pela organização da eleição dos conselheiros tutelares da cidade de São Paulo, que ocorreu neste domingo (15/11), a Secretaria Municipal de Direitos Humanos deu mostras de irresponsabilidade e descaso com os direitos das crianças e adolescentes. Uma nova eleição terá de ser realizada em fevereiro de 2016.

    Foi um vexame. Para quem não sabe, os conselheiros tutelares são peças fundamentais para garantir os direitos básicos de meninos e meninas. Uma criança está sendo obrigada a trabalhar? Não vai à escola? É espancada pelos pais? É abusada sexualmente? Está doente e não recebe cuidados adequados? É o conselheiro tutelar quem recebe as denúncias, quem se dirige à família e aos órgãos públicos. É quem conversa, negocia e checa se há condições de melhorar a vida daquela criança que sofre. É quem encaminha os casos sem solução para a Justiça…

    Dá para dizer, assim, que os conselheiros são a linha de frente dos defensores das crianças e adolescentes.

    É por isso que o Estatuto da Criança e do Adolescente estabelece que esses caras, tão importantes para a garantia dos direitos humanos básicos dos meninos e meninas da cidade, têm de ser eleitos pela comunidade.

    Têm de ser pessoas que gozem da confiança das vizinhanças em que vão atuar.

    Neste ano, na cidade de São Paulo, havia 1.562 candidaturas, dentre os quais seriam eleitos 260 conselheiros para atuarem em 52 conselhos.

    Seriam… Se não fosse a bagunça que a Prefeitura fez.

    Não foram colocadas urnas eletrônicas nos colégios eleitorais. As urnas nem sequer chegaram à maioria dos locais de votação. O resultado é que tudo precisou ser improvisado. Caixas de sapato, de frutas, de feira viraram urnas. Sem lacres… O horário de votação, que deveria ser das 8h às 17h, não foi respeitado. Houve urnas que abriram às 12h, outras que fecharam às 14h.

    E por que aconteceu isso?

    Quer a real? O governo Haddad e o secretário municipal dos Direitos Humanos, Eduardo Suplicy, resolveram economizar na eleição.

    Por considerarem altos os R$ 4.000.000 gastos nas últimas eleições de conselho tutelar, optaram por chamar uma empresa, a G&P para organizar o pleito com a Prodam, a empresa de processamento de dados da Prefeitura. Parecia um grande negócio. No total, seriam gastos R$ 2.400.000, uma economia de 40%.

    Deu tudo errado.

    Contra a desorganização e o caos, os movimentos sociais em defesa dos direitos das crianças e os candidatos a conselheiros tutelares realizaram uma manifestação na porta da Secretaria Municipal de Direitos Humanos. Homens da Guarda Civil Metropolitana foram colocados na porta, para impedir o acesso dos mais exaltados. Foi mal.

    O jeito foi considerar inválidas as urnas. Uma nova eleição deve acontecer na terceira semana de fevereiro de 2016.

    Com isso, a posse dos novos conselheiros, que deveria acontecer em 10 de janeiro de 2016, será adiada por quase dois meses… Serão dois meses com conselheiros tutelares sem legitimidade, porque seus mandatos já terão expirado.

    Segundo Carmen Silva Ferreira, dirigente da Frente de Luta pela Moradia, é inadmissível que tenha ocorrido essa confusão toda. “Quando vemos os direitos das crianças e adolescentes sendo atacados pelas forças políticas que querem reduzir a maioridade penal; quando vemos que muitos meninos e meninas ficarão sem acesso à educação, por causa do fechamento de escolas pretendido pela administração Alckmin, aí é que a atuação do conselheiro tutelar seria mais importante. Isso não poderia ter acontecido.”

  • Intimidação contra a ocupação da Escola Estadual Pio Telles Peixoto

    Intimidação contra a ocupação da Escola Estadual Pio Telles Peixoto

    Pressões, intimidações e revolta. Foi este o clima que encontrei na Escola Estadual Pio Telles Peixoto, que fica na Vila Jaguara, zona noroeste de São Paulo, na sexta-feira, 13/11. A escola estava ocupada pelos estudantes, em protesto contra a reorganização escolar proposta pelo governador Geraldo Alckmin, que acarretará o fechamento de 94 escolas e o encerramento de ciclos e de turnos de ensino em muitas outras.

    A Pio Telles Peixoto, que ensinava 251 alunos do 6º ao 9º ano do fundamental e mais 654 estudantes do ensino médio da 1ª à 3ª séries, além de 481 alunos da Educação de Jovens e Adultos, passará a ter apenas o ensino fundamental do 6º ao 9º ano.

    Quando cheguei, percebi logo que a Secretaria de Educação tinha uma estratégia bem articulada para encerrar a ocupação e evitar que a mesma servisse de exemplo para outras escolas da região.

    No portão dos alunos, para onde me dirigi na tentativa de entrar na escola, tive pouco êxito. Os estudantes, precavidos, me indicaram que tentasse entrar pela secretaria. Lá, funcionários antipáticos receberam-me.

    Acabei entrando em contato com a primeira aluna que, entre tímida e receosa, concedeu entrevista a seguir, em que aborda como a reorganização deve impactar seus estudos:

    Gravei sua fala e voltei para a entrada, onde tentaria novamente conversar com alunos e entrar. No portão, conversei com Rafael (membro do grêmio estudantil do Pio Telles Peixoto), que me contou que naquele momento ocorria uma reunião entre alunos e a Sra. Lúcia Regina Mendes Espagolla, dirigente da Região Norte 1 e subordinada direta do Secretário da Educação. Segundo ele, depois de tal reunião seria possível entrar. Vinte minutos depois, consegui entrar, por volta das 15h30.

    Aqui vale um registro histórico…

    Em 2012, Lúcia Regina Mendes Espagolla apareceu nos jornais em situação mais do que constrangedora….

    Já ocupando a Diretoria Regional de Ensino Norte-1, que comanda 101 escolas estaduais de nove bairros da zona norte da capital, Lúcia Regina Mendes Espagolla “usou uma circular oficial e o site da instituição [Secretaria de Estado da Educação] para convocar dirigentes de escolas estaduais da capital a participar de reunião de apoio à campanha de José Serra (PSDB)”.

    Segundo o jornal “Agora”, que fez reportagem sobre a atividade eleitoral desempenhada por Lúcia Regina Mendes Espagolla, diretores e vice-diretores entrevistados disseram que, “depois de disparar a circular, Lúcia Regina telefonou para seus subordinados ameaçando os que não comparecessem à reunião da campanha com a perda do cargo.”

    Por causa do escândalo na época, a Secretaria de Estado da Educação foi obrigada a soltar uma nota, dizendo que, “ao tomar conhecimento do fato determinou o imediato afastamento da dirigente regional de ensino e instaurou procedimento administrativo de apuração”.

    Mas isso foi em 2012.

    De novo no batente, Lúcia Regina é um trator quando se trata de aplicar as diretrizes tucanas na administração escolar. Foi o que eu vi na escola ocupada.

    O clima aparentemente ameno, sem a presença de policiais e com alunos espalhados pelo pátio, apenas servia para mascarar a real situação de intimidação a que estavam submetidos alunos e professores na escola.

    Mas a verdade começou a aflorar quando conversei com um aluno que havia falado com a Sra. Lúcia…

    Logo, ele denunciou que a dirigente, na tentativa convencê-lo a parar com a ocupação da escola, lhe ofereceu uma vaga no colégio em que ele desejava estudar. Vejam depoimento abaixo:

    Alunos preferiram não ter o rosto filmado com receio de represálias

    Já para os alunos que passarão para o 3º ano do Ensino Médio, a proposta foi outra… Lúcia Regina propôs que os estudantes encerrassem a ocupação em troca da promessa de continuidade dos estudos no Pio Telles Peixoto em 2016 — apesar da tal “reorganização escolar”.

    Desconfiados, os alunos exigiram que essa promessa fosse selada em documento… É este que se vê aí, na sequência.

    Documento dado aos alunos que fizessem acordo com a Dirigente

    A tal “Ata de Reunião” está escrita em uma folha em branco, sem qualquer timbre, documento de identificação, nome da funcionária que assina, com uma redação bastante vaga, que efetivamente apenas se compromete a levar a proposta dos alunos a frente.

    Ahahahahahaha!

    Bons em interpretação de texto, os estudantes perceberam na hora a manobra. Tratava-se tão somente de um documento feito para criar entre os alunos uma falsa esperança de continuar da escola e, com base nisto, desestabilizar a ocupação.

    Vejam depoimento sobre o acordo proposto:https://goo.gl/X8pH0R.

    Trata-se de uma manobra anti-ética e vergonhosa para uma senhora que responde diretamente ao Secretário da Educação, Herman Jacobus Cornelis Voorwald.

    Já seria bastante se parassem por aí as artimanhas da senhora Lúcia para dissuadir os alunos de reivindicarem seus direitos, mas não parou.

    Ao longo de toda a tarde, membros da Secretaria de Educação presentes na escola tiravam fotos de alunos no pátio, sem pedir consentimento, como tentativa de intimidar. Em uma destas sessões fiz uma intervenção ao apontar a câmera para eles. Vejam como foi:

    Minha ação, no entanto, foi pouco eficaz… E eles começaram a me fotografar também, como forma de me intimidar. Tudo para compor a estratégia de desmobilização em curso.

    Os alunos, que ocupavam a escola desde o início do dia, e que tiveram uma comunicação bastante restritiva com os professores, devido às intimidações feitas, tiveram pouco tempo para pensar em como viabilizar a ocupação, o que fez com que a maioria optasse por sair da escola às 18h.

    Cartaz fixado no pátio dos alunos

    Resistiram cerca de 30 alunos, dentre os quais cerca de 10, que se propuseram a dormir na escola. Realizou-se uma nova reunião, onde alguns, desanimados com a evasão dos colegas e se sentindo contemplados com oacordo firmado com a Sra. Lúcia, acabaram por sugerir o fim de ocupação e o indicativo de uma possível retomada da mesma, com mais estrutura na próxima segunda-feira (16/11).

    Enquanto conversavam sobre como fariam para colocar as carteiras e cadeiras no lugar novamente, funcionários da Secretaria de Educação, forçaram uma porta fechada e invadiram o pátio onde estavam os alunos, como uma maneira de forçar o fim da ocupação.

    Superado tal momento, enquanto os alunos colocavam as cadeiras no lugar para deixar tudo como estava, ocorreu mais um episódio, protagonizado pelo Sr. Juvelino funcionário da Secretaria de Educação e identificado por ele mesmo como PCLP (ele não explicou o que é isso!), que em atitude extremamente autoritária pediu ao Rafael (professor de Sociologia da Escola) que se retirasse da mesma. O motivo: o fato de o professor não estar no seu horário de aula.

    Veja o vídeo aí embaixo.

    Este foi o último dos episódios de intimidação que presenciei durante a ocupação. A vitória obtida no Judiciário, cancelando todas as reintegrações de posse das escolas ocupadas pelo estudantes, certamente deve ser comemorada. Mas ainda não existe um final feliz para esta história… O melhor que se conseguiu até agora foi a certeza de que o movimentos dos alunos representa uma força que o governador não pode mais ignorar.

    Cartazes fixados no pátio dos alunos
  • Movimento Sem Teto começa ocupação em escolas de SP

    Movimento Sem Teto começa ocupação em escolas de SP

    Ao menos duas escolas da capital paulista foram ocupadas no fim dessa tarde pelo movimento sem teto, em um apoio direto a mobilização dos estudantes.

    A medida, anunciada já há algumas semanas pelo movimento, tomou corpo em paralelo a explosão de ocupações que ocorreram ao longo da semana por toda cidade.