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Tag: Dirce Waltrick do Amarante

  • O sítio, por Dirce Waltrick do Amarante

    O sítio, por Dirce Waltrick do Amarante

    Por Dirce Waltrick do Amarante*

     

    Quase dois meses sem sair de um apartamento de 30 metros quadrados, com duas janelas minúsculas que dão para os fundos prédio do lado, vejo no Instagram fotos de uma amiga a céu aberto, rodeada de flores, de árvores… ! Em tempos de pandemia, ela se refugiara num sítio.

    Amiga solidária, quando se deu conta da pequena cela em que me encontrava e sabendo dos cuidados que havia tomado até então, convidou-me para passar o restante da temporada “pandêmica” em sua casa.

    Ah, mas que alegria! Arrumei as malas, desliguei geladeira, dei as plantas para a vizinha cuidar …

    Foi então que me percebi que não tinha o endereço, o qual ela, rapidamente, me enviou pelo WhatsApp: “Rua Pinheiros, 109. Atibaia”.

    Religuei a geladeira, desfiz as malas e recuperei as plantas. A vista da minha cela nem é tão ruim assim, virando bem a cabeça à esquerda dava para ver uma nesguinha do mar.

     

    *Tentando pensar em algo para colocar aqui.

  • O buraco é mais embaixo, por Dirce Waltrick do Amarante

    O buraco é mais embaixo, por Dirce Waltrick do Amarante

    Dirce Waltrick do Amarante*

     

    Quando Alice caiu na toca do coelho, lá na Inglaterra, viu um mundo completamente diferente do seu. Mas depois de anos caindo no mesmo buraco, acabou se acostumando com ele, e a sensação de perplexidade e maravilhamento deu lugar a uma certa monotonia e fastio.

    Alice decidiu, então, conhecer outros buracos. Foi para a França, para a Índia, para o Japão, para Botsuana etc.

    Depois de um tempo caindo nos mais diferentes buracos, chegou à conclusão de que todos davam no mesmo lugar.

    Ela já havia esquecido essa história de buracos quando, atravessando o Brasil rumo à Argentina, onde visitaria o amigo Funes, conhecido como o memorioso, tropeçou e caiu, sem querer, no nosso buraco.

    Nunca mais apareceu.

     

    • Em queda vertiginosa.
  • “O fogo”, por Dirce Waltrick do Amarante

    “O fogo”, por Dirce Waltrick do Amarante

    Por Dirce Waltrick do Amarante*

    Com este miniconto inédito, Jornalistas Livres começam a publicar, todos os domingos, uma série de contos tragicômicos da escritora que compõem uma espécie de literatura do absurdo da realidade

    Dirce Waltrick do Amarante. Foto: Ângela do Amarante

    O Brasil estava pegando fogo e ninguém podia fazer nada a respeito, pois os bombeiros haviam desaparecido inesperadamente. Na época, eu trabalhava no extinto Instituto Florestal Brasileiro (IFB), extinto porque, depois que as florestas sumiram, o IFB foi substituído pelo Instituto da Soja Brasileira (ISB).

    Mas, antes de tudo pegar fogo de vez, empreendi esforços para encontrar pelo menos um bombeiro que desse fim àquele fogaréu. Foi quando me lembrei que o Sr. e a Sra. Smith, que moravam nos arredores de Londres, sempre recebiam a visita do bombeiro. Assim, tomei o primeiro avião e segui para o Reino Unido (que na época ainda era Unido, hoje nem Reino nem Unido, mas isso eu conto depois).

    Chegando à casa dos Smith, bati três vezes à porta (no Reino Unido, só o bombeiro bate à porta quatro vezes). Eles me acolheram com muito carinho na sua residência. Naquela noite, além do bombeiro, jantava com eles um dramaturgo romeno, naturalizado francês, chamado Eugène Ionesco.

    Foi um jantar maravilhoso e tipicamente inglês, com fish and chips e pudding, que estava meio duro, de forma que numa mordida descuidada quebrei um pedacinho do meu molar superior. Mas o que interessa é que, entre uma garfada e outra, contei o que estava acontecendo com as matas brasileiras. Eles ficaram estarrecidos e o bombeiro se dispôs imediatamente a vir ao Brasil apagar o incêndio.

    Ocorre que quando o bombeiro, que era francês, chegou ao Brasil, foi proibido de atuar por causa de uma desavença entre a primeira-dama brasileira e a primeira-dama francesa. Parece que a primeira-dama francesa havia dito que o presidente do Brasil não tinha hombridade, no sentido de dignidade, mas a outra entendeu hombridade apenas no sentido de virilidade e a briga começou.

    Bom, o bombeiro voltou para a França, e do Brasil sobrou apenas esse poema de minha autoria:

    O Fogo

    Os polycânderos brilhavam no bosque
    Uma pedra pegou fogo
    O castelo pegou fogo
    A floresta pegou fogo
    Os homens pegaram fogo
    As mulheres pegaram fogo
    Os passarinhos pegaram fogo
    Os peixes pegaram fogo
    A água pegou fogo
    O céu pegou fogo
    A cinza pegou fogo
    A fumaça pegou fogo
    O fogo pegou fogo
    Tudo pegou fogo
    Pegou fogo, pegou fogo.

     

    *Tradutora de autores como James Joyce, Eugène Ionesco, Edward Lear; autora, entre outros, de Cenas do teatro moderno e contemporâneo (Iluminuras), professora do Curso de Pós Graduação em Estudos da Tradução da UFSC.