Jornalistas Livres

Tag: Cacique Raoni

  • Quem é Ropni, a onça fêmea?

    Quem é Ropni, a onça fêmea?

    por Adelino Mendes / antropólogo HCTE-UFRJ

    Os Menbengokre, conhecidos por Kayapó Setentrionais, viviam divididos em três grupos distintos: os Irã’ãmranh-re (“os que passeiam nas planícies”), os Goroti Kumrenhtx (“os homens do verdadeiro grande grupo”) e os Porekry (“os homens dos pequenos bambus”). Estes três grupos, desde tempos imemoriais, habitavam a região do curso inferior do Tocantins.

    Depois de séculos habitando as terras do “grande pé de milho”, os Goroti Kumrenhtx e os Porekry se recusam a entrar em contato com agentes enviados pelo Estado, o que favorece cisões internas, determinando o surgimento de novos grupos Kayapó. Neste instante, um dos grupos recém separados, são os Mekrãgnoti (“os homens com grandes pinturas vermelhas sobre o rosto”) ou Metuktire (os que estão pintados de preto), quando prontos para guerra, que reagem com agressividade às tentativas de contato e “pacificação” ocorridas durante os anos de 1930, 40 e 50, embrenhando-se pelo interior do país, estabelecendo-se em território quase exclusivamente coberto pela floresta equatorial úmida, na porção meridional da floresta amazônica do estado do Pará, a Oeste do que foi seu tradicional território.

    Por volta do início da década de 1930, em meio as guerras contra as frentes de expansão e outros grupos Kayapó, então inimigos, nasce, no lugar chamado Krajmopyjakare, hoje TI Kapot, Ropni, a onça fêmea. Seu pai, Umoro, era um dos mais temidos líderes de guerra dos Botocudo Setentrionais.


    ilustrações por helio carlos mello©

     

  • A borduna e a palavra

    A borduna e a palavra

    Ropni Metyktire, julho de 1971/ acervo Projeto Xingu/UNIFESP

    Como chuva na face, em tarde quente, a Fundação Darcy Ribeiro traz um alento aos que vagam desanimados, sedentos, entre um país em desconstrução. Instituição dedicada à pesquisa e ao desenvolvimento de projetos educacionais, culturais, sociais e científicos, a Fundação encaminhou o nome de Ropni (onça fêmea) Metyktire, o cacique Raoni, como indicado ao Prêmio Nobel da Paz  2020. 

    Cacique Raoni dança durante o Acampamento Terra Livre, Brasília, abril de 2017.
    Cacique Raoni dança durante o Acampamento Terra Livre, Brasília, abril de 2017. por Helio Carlos Mello©

    A borduna e a palavra, o homem e suas armas,  o grande líder tradicional do povo Mebêngôkre (Kayapó), há mais de meio século defendendo a floresta e a permanência dos povos originários em seus territórios tradicionais, após pisar a terra de muitos países e seus povos, o cacique Raoni insiste com os homens: a floresta não pode morrer. 

    O músico britânico Sting em visita à Terra Indígena do cacique Raoni Metuktire – por Ricardo Chaves©

     

    Não sei se uma honraria assim pára o machado, a serra, o fogo, mas alimenta a chama em nós, não queima.

    Como escreveu Leonel Kaz,  no O Globo:

    Pouco mudou. Aliás, muito pouco mudou desde a chegada dos primeiros predadores, em 1500, que dizimaram milhões pela escravidão ou pelas doenças com que os infestaram. Somos um povo feito de gente desfeita, dizia Darcy. Continuamos sendo: à ocupação de terras indígenas com garimpos ilegais, segue-se o desmatamento desenfreado. Isso significa que não apenas os indígenas estão caindo em desgraça, mas nós também — urbanoides leitores de jornais… E por quê?

    Os rios voadores resultantes da evapotranspiração de bilhões de árvores da Amazônia é que permitem que a Região Sudeste deste país sobreviva em umidade e chuva. Sem a Amazônia, estaremos liquidados.

     

     

    imagens por Helio Carlos Mello©

     

     

     

     

     

  • “Nós, os povos da Amazônia, estamos cheios de medo. Em breve você estará muito”

    “Nós, os povos da Amazônia, estamos cheios de medo. Em breve você estará muito”

    Leia o artigo original (em inglês) do The Guardian

    Fotos: Leonardo Milano

    Você destrói nossas terras, envenena o planeta e semeia a morte, porque está perdido. E logo será tarde demais para mudar. (Cacique Raoni)

    “Por muitos anos, nós, líderes indígenas e povos da Amazônia, temos avisado vocês, nossos irmãos que causaram tantos danos às nossas florestas. O que você está fazendo mudará o mundo inteiro e destruirá nossa casa – e destruirá sua casa também.

    Separamos nossa história dividida para nos unirmos. Apenas uma geração atrás, muitas de nossas tribos estavam lutando entre si, mas agora estamos juntos, lutando juntos contra nosso inimigo comum. E esse inimigo comum é você, os povos não indígenas que invadiram nossas terras e agora estão queimando mesmo aquelas pequenas partes das florestas onde vivemos que você deixou para nós. O presidente Bolsonaro do Brasil está incentivando os proprietários de fazendas perto de nossas terras a limpar a floresta – e ele não está fazendo nada para impedir que invadam nosso território.

    Foto: Leonardo Milano

     

     

  • Ando possuído

    Ando possuído

    Não sei se é questão de remédios, óculos ou maus médicos, mas algo não vai certo.

    Foge ave, foge passarinho, foge gavião; o céu anda excêntrico.

    Ando com sentimento estranho, profunda tristeza: esse homem presidente não gosta das árvores, não gosta de nordestino, não gosta de índio, não gosta de comunista, não gosta de artista, não gosta de nada diferente. 

     

    O presidente gosta de parente.

     

    Quer um mundo belo, sendo ele tão feio.

     

    Árvores, seres de longa data, moram em qualquer sertão, rincão, grotão. Tudo rima com árvore; rio, saúde, riquezas. Desaforo queimar árvore, é como queimar asilo de senhores, bondosas velhinhas.

     

    Tu concordas em queimar velhas senhoras?

    Encontrei, hoje, imagem esmaecida do jovem cacique Raoni. Antigo negativo em róseos tons, no arquivo histórico em que trabalho. Vejo um cachimbo entre uns rebordos distintos, um olhar para algo longínquo, tão firme destino.

     

    Olhos de cacique, abstraio no ofício, é diferente de olhos de presidente.  Vê-se longe quando se tem consciência do tempo, da existência, da mecânica da vida.  

     

    Ser cacique, creio, deve ser  como ser árvore: vida longa, abrigo, sombra, alimento, providência.

     

    Raoni foi meu primeiro cacique, conheci tantos. Presidentes vi alguns: Geisel, Figueiredo, Henrique e Lula foram favas, mas Tancredo acompanhei e fotografei no cortejo fúnebre, minhas primeiras imagens remuneradas.

     

    Temo gente perversa, por isso furtei-me de Temer e Bolsonaro.

     

    Tenho a cruz.

     

    imagens por Helio Carlos Mello© e Acervo Projeto Xingu/ EPM©