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  • A suavidade retórica do Banco Central

    A suavidade retórica do Banco Central

     

    “Não há mal que sempre dure, nem bem que nunca se acabe.” A economia brasileira haverá de crescer um dia, independentemente dos erros de Levi e Meirelles. Teremos de ouvir, então, que voltamos ao caminho certo como resultado da austeridade, das reformas, do fim da “farra” com o dinheiro público.

    A verdade, no entanto, é que a crise política, que vinha se formando desde a eleição de Lula em 2002, passando pelo ilegítimo “domínio do fato”, pela campanha midiática transformada em manifestações de rua de 2013, culminando com a rejeição do resultado das eleições de 2015, cobrou alto preço econômico dos brasileiros, especialmente daqueles em maior vulnerabilidade.

    Verdade, também, é que as políticas econômicas, desde o início de 2015, só fizeram aprofundar a recessão e o desemprego, seu efeito mais perverso. Seguimos pelo caminho mais penoso. Mesmo tendo como contraexemplo mais recente as políticas adotadas pelos Estados Unidos, na crise financeira iniciada em 2008.

    Os EUA verteram tanto dinheiro na economia quanto julgavam necessário para escapar da pior, e potencialmente mais danosa, crise econômica desde 1929. Sofreram, derraparam, mas escaparam. O desemprego estado-unidense bateu 10 % em um único mês, outubro de 2009, enquanto o nosso, que bateu 13,7% no primeiro trimestre desse ano, está acima de 10% desde o início de 2016.

    É nesse quadro desalentador que o Banco Central reduz a taxa básica de juros da economia brasileira para 7,5% e vem nos informar, na ata de seu Comitê de Política Monetária (Copom) de outubro, que “o conjunto dos indicadores de atividade econômica divulgados desde a última reunião do Copom mostra sinais compatíveis com a recuperação gradual da economia brasileira”.

    Há uma oposição importante entre as duas afirmações. Ou bem a economia está se recuperando e não precisamos de cortes alucinados de juros para tentar animá-la, ou estamos derrapando sem sair do lugar há quase três anos e precisamos, desesperadamente, empurrar potenciais investidores para que saiam da sombra e água fresca dos juros e invistam na economia real.

    O Banco Central iniciou o mês de outubro do ano passado com uma taxa Selic em 14,25% ao ano. A taxa é hoje quase a metade da taxa de um ano atrás. Isso indica que “recuperação gradual” não é a denominação correta do paradeiro que estamos vivenciado. Se estivéssemos nos recuperando de modo satisfatório os cortes nos juros não seriam nem tão fortes e nem tão frequentes.

    Se bem procurarmos, encontraremos que “o Copom entende que a conjuntura econômica prescreve política monetária estimulativa, ou seja, com taxas de juros abaixo da taxa estrutural”. Mas o que isso quer dizer? Bem, significa que a conjuntura econômica está dizendo, com todas as letras, que a economia brasileira está mal das pernas, que precisa de estímulo e que o único recurso que o governo quer usar é baixar os juros.

    A ata afirma, ainda, que nas últimas reuniões do Copom, “debateram-se os dados mais suaves de atividade referentes ao mês de agosto, mas também a possibilidade de uma retomada mais forte à frente’. “Dados mais suaves” deve ser, possivelmente, o modo elegante de afirmar que nossa economia está patinando. O dicionário Houaiss ensina que suavidade é “efeito doce e muito agradável ou aprazível aos sentidos; doçura, maciez, delicadeza”.

    Gostaria de ver os integrantes do Copom dizerem aos 13 milhões de desempregados brasileiros que os dados da atividade econômica de agosto foram “mais suaves”, mas que estamos no caminho certo.

     

  • A inflação de janeiro foi baixa. Vamos comemorar?

    A inflação de janeiro foi baixa. Vamos comemorar?

    Há um mês “celebramos” a queda da taxa de juros. A chamada taxa Selic caiu de 13,75% ao ano para 13%. Um corte ousadíssimo, dado o conservadorismo dessa diretoria do Banco Central. Naquele momento, dissemos que o corte não era um bom sinal, mas mostra de uma economia em forte desaquecimento.

    Agora, somos informados, pelo IBGE, que a inflação de janeiro, medida pelo IPCA, ficou em 0,38%. Muito abaixo do que esperavam os sábios do mercado financeiro. O gráfico mostra a queda da inflação calculada em períodos de 12 meses. Devemos comemorar?

    Perdão, sem querer ser um estraga prazeres, pediria que olhássemos o quadro completo: Como anda o desemprego? Como andam as vendas no varejo e o setor de serviços? Como andam os indicadores de pobreza?

    Temos 12 milhões e 300 mil desempregados no país, é o que nos informou o IBGE. No gráfico abaixo é possível notar a aceleração do desemprego após 2014. Durante o ano passado 3,3 milhões de pessoas passaram a fazer parte desse enorme grupo de desempregados. Essas pessoas, certamente, não vão comemorar a inflação baixa de janeiro. Elas devem, sim, estar se perguntando se a inflação caiu por conta do emprego que elas perderam. Elas tem razão de questionar, uma vez que, de fato, as políticas que pretendem baixar a inflação atingem em cheio o emprego. Ou você acha que juros altos e cortes de investimentos e gastos do governo beneficiam o emprego?

    Será que encontraremos boas novas no comércio ou no setor de serviços? A pesquisa do IBGE nos mostra que as vendas do Comércio Varejista Ampliado caíram 8,7% em 2016. As vendas de veículos caíram 14% e as de material de construção caíram 10,7%. As vendas do comércio sem veículos e material de construção caiu 6,2% em 2016, Como mostra o gráfico abaixo.

    O setor de serviços engloba transportes, comunicação, alojamento e turismo, entre outros. A queda nesse setor foi de 5% em 2016. O destaque de queda (10,4 %) foi no transporte terrestre. Aqui, é importante ressaltar, está o transporte de cargas, como matérias-primas e produtos acabados para a indústria. Menos transporte para a indústria implica menor produção industrial. As dificuldades da indústria também se refletem nos preços: não dá para aumentar preços, se nem vender direito a indústria está conseguindo. Comemorar inflação baixa, às custas de queda na produção industrial, é absolutamente descabido.

    Aqui é fácil perceber que aqueles que continuam empregados estão receosos de trocar de carro ou construir/reformar suas casas. Um governo que, no meio de uma brutal recessão, só fala em cortes de investimentos e gastos consegue dar confiança para que os trabalhadores consumam, especialmente, bens duráveis como automóveis?

    E a questão da pobreza? Bem, nessa semana fomos surpreendidos por um estudo do Banco Mundial que afirma que, somente nesse ano de 2017, a recessão deve derrubar 3,6 milhões de brasileiros para baixo da linha da pobreza. Cerca de 1 milhão desses “novos pobres” passarão a depender do benefício do Bolsa Família, que já ajuda 14 milhões de pessoas, sublinha o estudo. O pior é que, quando imaginamos que esse quadro é passageiro, nos lembramos que o orçamento do governo está “encarcerado” até 2036.

    Mal comparando, podemos imaginar nosso carro num atoleiro, com lama por todos os lados. De repente, o alegre motorista exclama: “Senhores, nosso limpador de para-brisas está funcionando perfeitamente. Estamos no caminho certo. Isso não é maravilhoso?”

    Comemorar a inflação baixa de janeiro é a mesma coisa. A economia brasileira está num atoleiro. Há dois anos que afundamos na lama. As políticas econômicas adotadas ajudam a afundar mais e mais. O desemprego, a queda de um enorme contingente de pessoas abaixo da linha da pobreza, a queda das vendas no varejo, a queda nos serviços e a enorme queda no PIB devem ser esquecidos. Celebremos a “vitória” diante do monstro inflacionário e bom Carnaval para todos nós!

    Notas

    1 Para ver o relatório do IBGE sobre o desemprego: http://saladeimprensa.ibge.gov.br/noticias.html?view=noticia&id=1&idnoticia=3367&busca=1&t=pnad-continua-taxa-desocupacao-foi-12-0-quarto-trimestre-2016-media-ano

    2 Para ver o relatório do IBGE sobre a queda das vendas no varejo:

    http://saladeimprensa.ibge.gov.br/noticias.html?view=noticia&id=1&idnoticia=3375&busca=1&t=dezembro-2016-vendas-varejo-recuam-2-1-fecham-ano-6

    3 Para ver o relatório do IBGE sobre a queda nas atividades do setor de serviço:

    http://saladeimprensa.ibge.gov.br/noticias.html?view=noticia&id=1&idnoticia=3376&busca=1&t=dezembro-setor-servicos-cresce-0-6-fecha-ano-5

    4 Para ver a matéria sobre o estudo do Banco Mundial:

    http://agenciabrasil.ebc.com.br/economia/noticia/2017-02/banco-mundial-crise-pode-levar-36-milhoes-de-brasileiros-de-volta-pobreza

    Para ver o relatório sobre a inflação de janeiro de 2017:

    http://saladeimprensa.ibge.gov.br/noticias.html?view=noticia&id=1&idnoticia=3372&busca=1&t=ipca-fica-0-38-janeiro

  • Deu ruim: queda brusca na taxa de juros não é bom sinal!

    Deu ruim: queda brusca na taxa de juros não é bom sinal!

    (Os parágrafos em itálico e negrito são do comunicado do Banco Central)

    Há muito tempo, o Banco Central (BC) não corta 0,75% em uma só reunião. E hoje cortou a taxa básica da economia brasileira, a Selic, de 13,75% para 13% ao ano. Para os neoliberais, hoje na direção do BC, ser conservador é manter a taxa muito alta. Desse modo, decidir por esse corte, indo contra seu habitual “conservadorismo”, tem somente uma interpretação: Deu ruim! Os sinais da economia brasileira são horrorosos!

    A atualização do cenário básico do Copom pode ser descrita com as seguintes observações:

    O conjunto dos indicadores sugere atividade econômica aquém do esperado. A evidência disponível sinaliza que a retomada da atividade econômica deve ser ainda mais demorada e gradual que a antecipada previamente;

    Atividade aquém do esperado quer dizer continuamos em recessão brava com queda na produção e no emprego. A volta ao crescimento e melhora no emprego não estão no horizonte.

    No âmbito externo, o cenário ainda é bastante incerto. Entretanto, até o momento, os efeitos do fim do interregno benigno têm sido limitados;

    Afirmar que o cenário externo é incerto é procurar transferir parte da culpa para a economia mundial. Os opositores de Dilma, agora no poder, adotam a explicação da influência externa que negaram existir ao longo de 2015. O desmonte em curso da nossa economia, entretanto, tem muito, muito mais relação com o sitiamento do governo Dilma, a crise política gerada pelo golpe e o garrote imposto pelas políticas econômica e monetária de Temer, Meirelles e Goldfajn.

    A inflação recente continuou mais favorável que o esperado. Há evidências de que o processo de desinflação mais difundida tenha atingido também componentes mais sensíveis à política monetária e ao ciclo econômico;

    Carregamos demais na dose é o significado da afirmação que a desinflação está mais difundida. Em português claro, o que os membros do Comitê de Política Monetária do BC estão dizendo é: estávamos, e ainda estamos, em uma enorme recessão e mantivemos a taxa de juros mais alta, muito mais alta, do que devíamos por mais tempo, muito mais tempo, do que devíamos. Assim a inflação está perdendo força mais rapidamente do que eles esperavam.

    A inflação acumulada no ano passado alcançou 6,3%, bem abaixo do esperado há poucos meses e dentro do intervalo de tolerância da meta para a inflação estabelecido para 2016;

    As expectativas de inflação apuradas pela pesquisa Focus recuaram para em torno de 4,8% para 2017, e mantiveram-se ancoradas ao redor de 4,5% para 2018 e horizontes mais distantes;

    Como subir preços quando o quadro recessivo e o desemprego só se agravam? É óbvio que a inflação ia cair, ainda mais com cortes de investimentos públicos e com as altíssimas taxas de juros mantidas pelo Banco Central. Só o Governo e o Copom estão surpresos.

    As projeções condicionais do Copom também recuaram em relação às divulgadas no Relatório de Inflação passado, que foram baseadas no conjunto de informações disponíveis até 9 de dezembro de 2016. Dentre outros fatores, os recuos nas projeções foram influenciados por dados de inflação e atividade econômica divulgados desde então. As projeções no cenário de referência encontram-se em torno de 4,0% e 3,4% para 2017 e 2018, respectivamente. Já no cenário de mercado, situam-se em torno de 4,4% e 4,5% para 2017 e 2018, respectivamente; e

    Em outras palavras, a inflação e o crescimento previstos estão muito mais baixos do que eles esperavam anteriormente.

    Os passos no processo de encaminhamento e aprovação das reformas fiscais têm sido positivos até o momento.

    Os passos nas reformas fiscais têm sido “positivos” para quem imagina que o melhor par o Brasil é a devastação. Cortes de gastos sociais, cortes de direitos, inflação em queda com brusca desaceleração da economia só faz feliz uma classe social: a dos endinheirados.

    O Comitê ressalta os seguintes riscos para o cenário básico para a inflação:

    Por um lado, (i) o alto grau de incerteza no cenário externo pode dificultar o processo de desinflação; (ii) o processo de desinflação de alguns componentes do IPCA mais sensíveis ao ciclo econômico e à política monetária requer atenção contínua; (iii) o processo de aprovação e implementação das reformas e ajustes necessários na economia é longo e envolve incertezas;

    O que querem dizer é que: a vaca foi pro brejo, mas, mesmo assim, estaremos vigilantes para ter certeza de que ela não se desvie do brejo. Esse é o resumo desse parágrafo do Copom.

    Por outro lado, (iv) a atividade econômica mais fraca e o elevado nível de ociosidade na economia podem produzir desinflação mais rápida que a refletida nas projeções do Copom; (v) a inflação tem se mostrado mais favorável, o que pode sinalizar menor persistência no processo inflacionário; e (vi) o processo de aprovação e implementação das reformas e ajustes necessários na economia pode ocorrer de forma mais célere que o antecipado.

    Existe o risco da inflação cair mais do que estamos esperando hoje. A razão é a elevada ociosidade na economia, ou seja, há muitas máquinas e recursos produtivos parados e desemprego. Em outras palavras, sangramos o paciente até ele quase desfalecer, por isso a inflação pode ser menor do que estávamos mirando.

    Considerando o cenário básico, o balanço de riscos e o amplo conjunto de informações disponíveis, o Copom decidiu, por unanimidade, pela redução da taxa básica de juros para 13,00% a.a., sem viés. O Comitê entende que a convergência da inflação para a meta de 4,5% no horizonte relevante para a condução da política monetária, que inclui os anos-calendário de 2017 e, com peso gradualmente crescente, de 2018, é compatível com intensificação da flexibilização monetária em curso.

    Todos os membros do Comitê votaram pela queda da taxa de 13,72 para 13%. Isso significa menos o mais monetaristas perceberam que o aperto passou muito dos limites.

    O Copom avaliou a alternativa de reduzir a taxa básica de juros para 13,25% e sinalizar uma intensidade maior de queda para a próxima reunião. Entretanto, diante do ambiente com expectativas de inflação ancoradas, o Comitê entende que o atual cenário, com um processo de desinflação mais disseminado e atividade econômica aquém do esperado, já torna apropriada a antecipação do ciclo de distensão da política monetária, permitindo o estabelecimento do novo ritmo de flexibilização. A extensão do ciclo e possíveis revisões no ritmo de flexibilização continuarão dependendo das projeções e expectativas de inflação e da evolução dos fatores de risco mencionados acima.

    Esse penúltimo parágrafo afirma que eles estarão de olho: se a economia cismar de cresce eles voltam com as pauladas.

    Votaram por essa decisão os seguintes membros do Comitê: Ilan Goldfajn (Presidente), Anthero de Moraes Meirelles, Carlos Viana de Carvalho, Isaac Sidney Menezes Ferreira, Luiz Edson Feltrim, Otávio Ribeiro Damaso, Reinaldo Le Grazie, Sidnei Corrêa Marques e Tiago Couto Berriel.

    Eis os nomes daqueles que, junto com Henrique Meirelles e Temer, estão tornando mais distantes o emprego e crescimento econômico

    Brasília, 11 de janeiro de 2017.

    Banco Central do Brasil

  • De economia e medicina medievais

    De economia e medicina medievais

    No final de novembro ocorreu mais uma reunião do Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central do Brasil (BCB). Essa reunião avalia o estado geral da economia, notadamente, o risco de alta inflação para determinar a taxa de juro básica da economia brasileira. Esse comitê tem, portanto, o poder de determinar o piso dos juros no país e, por consequência, determinar quanto o governo pagará para aqueles que tem dinheiro investido em títulos da dívida pública.

    “Em doze meses, os juros nominais atingiram R$406,8 bilhões (6,61% do PIB)”, afirma a Nota de Política Fiscal do BCB de 28/11/2016. Uma montanha de dinheiro que sai do orçamento do governo diretamente para os bolsos de que empresta dinheiro para o governo, ao mesmo tempo responsável pelo agravamento da desigualdade de renda e invisível. Em nenhuma conversa sobre “austeridade” se fala sobre esse que é o maior gasto do Estado brasileiro.

    Contudo, há um efeito ainda pior: ao ter direito a esse montante de juros, o detentor de recursos não investe seu dinheiro em bens que contribuiriam para o crescimento econômico. Ele tem um resultado ótimo, sem risco e com liquidez, a qualquer momento pode vender seus títulos e ter o dinheiro livre de volta. É o melhor dos mundos. Para que investir numa fábrica?

    Juntando, então, na mesma cumbuca a taxa de juros, a instabilidade política e a política de “austeridade” temos a recessão que estamos vivendo. Veja como a ata do Copom explica os dados que colheu até novembro:

    O conjunto dos indicadores divulgados desde a última reunião do Copom sugere atividade econômica aquém do esperado no curto prazo. Houve reduções nas projeções para o PIB em 2016 e 2017 e interrupção na recuperação dos componentes de expectativas de índices de confiança. Após ter interrompido uma longa sequência de quedas no segundo trimestre, a medida de investimento nas contas nacionais voltou a recuar no terceiro trimestre.

    A ata revela, em linguagem suave e bem medida, que estamos em uma recessão maior do que esperávamos, que as projeções indicam queda maior nesse ano e no próximo, que as pesquisas mostram queda na confiança na recuperação da economia e que o investimento voltou a cair. Continua a ata:

    A economia segue operando com alto nível de ociosidade dos fatores de produção, refletido nos baixos índices de utilização da capacidade da indústria e, principalmente, na taxa de desemprego.

    A indústria vem produzindo, assim, menos do que poderia e trabalhadores que buscam emprego e não encontram rondam a casa dos 12 milhões.

    Após os recuos dos indicadores de atividade econômica relativos a agosto, a ausência de uma reversão nos meses seguintes torna menos provável o cenário em que esses movimentos refletiriam oscilações naturais da atividade econômica em torno de momentos de estabilização. Aumenta, portanto, a probabilidade de que a retomada da atividade econômica se já mais demorada e gradual que a antecipada previamente.

    Em outras palavras, a economia não vai voltar a crescer nos próximos meses. Para não dizer que não há notícias boas, a inflação tem mostrado menos força, a ponto de reduzirem a taxa de juros em mirabolantes 0,25 ponto percentual. Cabe perguntar se para o conjunto da população brasileira vale a pena pagar esse custo para reduzir o ritmo da inflação.

    Ilustração Joana Bra sileiro
    Ilustração Joana Brasileiro

    Na Idade Média, era muito comum usar sangrias e sanguessugas para todos os males que afligiam a humanidade. Como o sangue “transportava” a doença, melhor era tirar o sangue. A forma como as autoridades econômicas brasileiras pensam a economia é igual: “O dinheiro é problema? Austeridade é a salvação, retire-se o dinheiro de circulação. Vamos ter uma fraqueza, mas logo todos voltarão a ter confiança de que estamos no rumo certo.”

    O desemprego derruba o consumo, a taxa de juros e a incerteza derrubam o investimento privado e, o governo, com sua política de “austeridade”, derruba seus gastos e seus investimentos. Em regozijo estão apenas os do mercado financeiro, nacionais e estrangeiros. E os especialistas da vez nos pedem calma. É preciso ter muita fé nesses economistas medievais!

  • Viva o jornalismo econômico!

    Viva o jornalismo econômico!

    Qual é o efeito da taxa de juros na atividade econômica e no emprego? Taxas mais altas prejudicam o crescimento e aumentam o desemprego. Procure em qualquer manual de economia e é isso que encontrará. Não é por outro motivo que, desde o início da crise de 2008, EUA e UE praticam taxas próximas de zero. Mas no Brasil…

    O presidente do Banco Central sinalizou ontem (28/06) que manterá a taxa de juros em 14,25% ao ano por período maior do que o esperado. O Jornal Valor Econômico, os, apressou-se em tranquilizar a nação e, em artigo de primeira página, Novo discurso do BC adia início da queda dos juros, afirmou que isso não afetará a retomada do crescimento.

    Quais são as previsões do próprio boletim Focus divulgado pelo BC? A inflação prevista para os próximos 12 meses é 6%. Se a taxa de juros básica é 14,25% ao ano, o ganho acima da inflação (ganho real) para quem aplica em títulos do governo indexados à taxa básica é 8% ao ano.

    O artigo do Valor admite que a taxa é absurdamente alta, e comete um errinho na conta: “O juro real (descontada a inflação) também deve se manter entre os mais altos do planeta, em 6% ao ano.”

    Imagine que você tem recursos para investir em um negócio. Você olha para a previsão de crescimento do país e descobre que os economistas acham que o PIB vai cair 3,4%. Daí, você olha para taxa de juros, percebe que pode ganhar 8% acima da inflação. Sem risco e com liquidez, pois pode vender os títulos a qualquer momento se mudar de ideia. O que você decide?

    meio

    Ilan Goldfajn, presidente do BC, diz que assim a inflação irá mais rapidamente para o centro da meta e com “menos custos”. Os economistas de bancos e administradoras de recursos vibram e dizem que ele está sendo cauteloso e conservador. E dane-se o emprego. O juro real nesse nível sacia plenamente a voracidade do mercado financeiro. Só o governo Federal paga ao redor de 600 bilhões de reais por ano de juros. É muita grana para a gente ainda ter que se preocupar com o emprego, não é?

    Todos os países desenvolvidos do mundo, na iminência de recessão, baixam os juros. No Brasil, a taxa é aumentada, mantida por longo tempo. O Valor até concorda que o mundo caminha no sentido contrário: “A tendência brasileira é contrária à do ambiente global.” Segue o artigo dizendo que a saída do Reino Unido da União Europeia deve provocar a queda de taxas de juros na Europa e que o Fed, banco central norte-americano, pode estancar seu movimento de alta de taxas.

    No entanto, não precisamos nos preocupar muito, pois: “A provável manutenção dos juros em 14,25% ao ano no Brasil pelo menos até outubro terá pequeno impacto sobre a atividade econômica, segundo analistas.” O Brasil manter a maior taxa de juros real do planeta não é um grande problema, não é mesmo?

    O incrível artigo é encerrado com a pérola: “O novo discurso do BC, portanto, não comprometeria a retomada da economia, que começa a aparecer nos indicadores de confiança, principalmente na indústria.”

    ilustrações Joana Brasileiro

    O jornal e os jornalistas contam com a vantagem de que, daqui a duas semanas, ninguém se lembrará do que foi dito. A certeza de que agora estamos em boas mãos, por outro lado, permanecerá por período um pouco maior. Torçamos para que a peripécia não tenha custado um mau jeito na coluna.

  • Por que a inflação foi 10,67% em 2015

    Por que a inflação foi 10,67% em 2015

    Parece que virou moda comunicar-se por carta em Brasília. Você viu a carta que Alexandre Tombini, presidente do Banco Central (BC), mandou para Nelson Barbosa, ministro da fazenda?

    caro ministro

    caro ministrotexto-01caro ministro   caro ministrocaro ministro

    Bem, mas nesse caso não é bem assim.

    É que o regime de “metas para a Inflação”, implantado no Brasil em 1999, estabelece que a missão do BC é executar políticas para cumprir a meta estabelecida, especialmente administrando as taxas de juros no país. E nesse ato, o presidente do BC fica também responsável por explicar as razões do descumprimento, a cada vez que a meta não é atingida.

    A meta atual para a inflação anual é de 4,5% com tolerância de mais ou menos dois pontos percentuais. O que é o mesmo que dizer que o alvo, que o BC deve mirar, é uma faixa entre 2,5% e 6,5% de inflação, medida pelo IPCA, ao ano. Quando a inflação fica dentro dessa faixa, o presidente do BC não precisa fazer nada. Como a inflação ficou em 10,67% em 2015, ele teve de explicar, em carta aberta, ao ministro da Fazenda as razões do estouro. O que faz com que essa carta seja menos “Temerária”, digamos.

    Causas do descumprimento da meta

    O texto de Tombini começa pelas causas do descumprimento da meta:

    texto_02

    Oops, calma Tombini, você está indo muito depressa. O que são preços administrados? E preços livres? O que é processo de realinhamento de preços? O que é realinhar preços domésticos com os internacionais?

    Bem, preços administrados são aqueles que o governo federal tem o poder de regular (telefonia, derivados de petróleo, eletricidade e planos de saúde) ou aqueles que os governos estaduais ou municipais regulam (água, IPVA e transporte público). Os preços livres são todos os outros incluídos no cálculo do IPCA, ou seja, aqueles outros preços que não têm ingerências dos governos. Os preços administrados têm um peso próximo de 1/4 do IPCA e os livres de 3/4 do índice. Veja na Tabela 1, que está na carta de Tombini, como vêm variando preços livres e administrados desde 2014. Repare bem no que aconteceu com os preços administrados no 1o trimestre de 2015.

    grafiso_taxa de variacao

    Veja que, em 2014, os preços livres ganharam a corrida, 6,72% de aumento no ano, contra 5,32% dos administrados. No entanto, conforme se nota os administrados aceleraram rapidamente no início de 2015 e se mantiveram subindo com velocidade durante todo o ano. Até que no final de 2015 se percebeu que os preços administrados subiram 18,07%.

    texto_03

    Como é possível que os preços administrados tenham subido mais de 18% se a inflação de 2015 foi abaixo de 11%?  Bem, a razão é que os administrados representam perto de 25% dos preços e os livres, que representam os outros 75%, subiram bem menos, 8,51%.

    Um resumo do que aconteceu com a inflação em 2015 é que o governo tomou a decisão de recompor, de realinhar os preços que administra. Esses preços vinham aumentando menos do que os preços livres. O governo reajustou fortemente, por exemplo, a eletricidade e os derivados de petróleo. Salientemos que eletricidade e derivados de petróleo entram no custo de quase tudo o que é produzido. O que quer dizer que os aumentos na eletricidade e nos combustíveis provocaram mais aumentos nos preços livres.

    Além dessa ação deliberada do governo, houve a subida do dólar, era a isso que Tombini se referia quando falou do realinhamento dos preços domésticos em relação aos preços internacionais. Nós sabemos que a cotação do dólar influencia inúmeros preços aqui no Brasil. Um caminho para essa influência são os produtos importados e os componentes importados de produtos feitos aqui. Um carro importado sobe de preço diretamente com a subida do dólar, mas o carro nacional que tem componentes importados também sobe de preço, já que o custo de produzir o carro aumenta.

    Mesmo no caso de produtos que exportamos existe influência da alta do dólar. Digamos que você produza açúcar no Brasil e vende aqui mesmo por RS 50 a saca de 50 quilos. Digamos que o preço equivalente no exterior seja US$ 20. Se o dólar sai de R$ 2,50 e vai para R$ 4,00, você tem a chance de vender no exterior a R$ 80 a saca, que é o resultado dos 20 dólares vezes os 4 reais por dólar. Minha pergunta é: você continuará a vender o açúcar aqui no Brasil por R$ 50? O resultado é que o preço daqui sobe para se alinhar com o preço internacional, mesmo que nada tenha mudado na produção de açúcar aqui dentro do país. Depois do preço do açúcar ter caído um pouco em 2014, o preço no varejo em 2015, de fato, subiu mais de 30%.

    Repare então no que fez o dólar em 2014 e 2105. Esse Gráfico 3 também faz parte da carta de Tombini. A taxa de câmbio começou o ano a R$ 2,70 por dólar, subiu até R$ 3,26 no final de março, voltou um pouco e fechou o ano em R$ 3,90. Esse aumento de mais de 40% na cotação do dólar pressionou a inflação de 2015. Seu efeito sobre a inflação foi bem menor do que os reajustes nos preços administrados, mas foi relevante.

    grafico_dolar

    Nesse último dia 20 o Comitê de Política Monetária do Banco Central resolveu manter a taxa de juros em 14,25%. Será que os componentes do Comitê estão antevendo uma inflação mais comportada? Vamos acompanhar.

    texto_final

     Ilustrações por Joana Brasileiro

    Nota: a íntegra da carta está em http://www.bcb.gov.br/htms/relinf/carta2016.pdf