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Morador de rua agredido pela PM faz pedido desesperado para Bolsonaro

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A Policia Militar do Estado de São Paulo agrediu um homem em situação de rua e queimou todos os pertences e documentos durante o ato da Greve Geral, na Avenida Paulista. No vídeo de Laura Barbosa, do Jornalistas Livres, ele faz um pedido desesperado para Jair Bolsonaro. 

Foto: Tiago Macambira / Jornalistas Livres

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Edifício Caveirão: entre ruínas e violência policial, mulheres lutam para não ir para a rua

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Caveirão: ruínas do edifício-garagem que nunca foi concluído servem de casa para sem-teto

Por Laura Capriglione e Lina Marinelli

“Aqui tudo parece
Que era ainda construção
E já é ruína
Tudo é menino, menina
No olho da rua
O asfalto, a ponte, o viaduto
Ganindo pra lua
Nada continua” (Caetano Veloso)

 

O prédio localizado no número 103 da rua do Carmo, a poucos passos do marco zero da cidade de São Paulo, contém hoje 100 moradores equilibristas. São idosos, portadores de deficiências físicas e mentais, mulheres, algumas grávidas, e crianças, muitas crianças, vivendo em um prédio-símbolo da Arquitetura da Especulação de que a cidade de São Paulo está repleta. Monstro urbano à espera de valorização imobiliária, o edifício recebeu o apelido de “Caveirão” porque é praticamente um esqueleto de prédio: vigas de concreto recheadas de vergalhões de ferro e 23 lajes, imensas lajes, que foram construídas para abrigar automóveis. No projeto, o Caveirão seria um edifício-garagem.

Dançarinos no vácuo, equilibristas sem rede de proteção, os moradores do Caveirão se situam no último elo da cadeia alimentar que define quem come e quem é comido na cidade. Eles são os comidos. Todo o prédio ecoa a música evangélica que sai aos berros de um dos barracos –sim, dentro do esqueleto, os moradores construíram uma favela com os restos mortais de São Paulo (tapumes de obras, portas descartadas, caibros comidos por cupim). A música evangélica parece que fala com cada um dos equilibristas: “O Deus do Impossível não desistiu de mim. Sua [mão] destra me sustenta e me faz prevalecer…”

O prédio tem lixo espalhado por todo lado. São toneladas de dejetos, que os moradores tentam agora limpar. E está condenado. Em março de 2012 o engenheiro Merinio C. Salles Jr. atestou que “a estrutura vem sofrendo deterioração com o tempo, podendo vir a ruir, tendo em vista que sua estrutura de concreto armado já apresenta sua armadura exposta e sem condições de reparação, podendo assim vir a entrar em colapso causando grave acidente na região”. Mas o ruim tem ficado pior porque, nos últimos sete meses, o Caveirão está assombrado por 18 homens, soldados da PM, que aparecem todos os dias para esculachar os moradores, ameaçá-los e exigir que saiam do lugar. “Vai, sua puta, vagabunda, encosta na parede!” É pé na porta, humilhação das mulheres, destruição dos barracos, pontapés nas televisões e celulares esmigalhados sob os coturnos (para os moradores não filmarem a violência). Em um dos ataques, uma moradora com um bebê no colo e um cadeirante foram jogados no chão. Sofreram ainda com os efeitos do spray de pimenta. Os militares aparecem fardados, mas sem a identificação colada no uniforme.

Caveirão: policiais militares ameaçam moradoresl, torturam moradores; moradores denunciam torturas e maus tratos gridem moradores, destroem tudo e

Caveirão: policiais militares ameaçam moradores

Há relatos de tortura contra os homens, que são obrigados a deitar no chão, de bruços, mãos nas cabeças. Os soldados chutam os corpos e pisam neles. Uma moradora tomou choques elétricos no pescoço e nos bicos dos seios, a energia vinda dos varais de fios elétricos que percorrem a ocupação. Na terça-feira passada (23), os policiais chegaram pouco antes das 19h. Entraram de novo no prédio, sem mandado nem nada e, usando os métodos de milicianos, disseram que ou os moradores do Caveirão saíam por bem ou haveria mortes. Para reforçar a ameaça, rasgaram um colchão a facada, o talhe em forma de cruz. E deixaram o bilhete: “O prazo é hoje”. O Centro Gaspar Garcia de Direitos Humanos está oferecendo auxílio jurídico para as famílias ameaçadas.

O incrível em toda essa história do Caveirão da rua do Carmo é que o proprietário atual, Rivaldo Sant’anna, também chamado de “Rico”, que afirma ter comprado o prédio em 2009 por R$ 800 mil (cerca de 1,5 milhão de reais em valores de hoje), nem sequer possui decisão judicial apoiando sua pretensão de despejar as pessoas que lá residem.

 

Sofrimento demais

Caveirão abriga vítimas de violência doméstica, como Elisângela (à esq.), que foi arremessada pelo ex-marido do 1º andar, quando estava grávida de 8 meses

Caveirão abriga vítimas de violência doméstica, como Elisângela (à esq.), que foi arremessada pelo ex-marido do 1º andar, quando estava grávida de 8 meses

Miseráveis, os moradores têm um histórico de dor e sofrimento bíblicos. Elisângela Neves David, 37 anos, sempre foi espancada pelo marido. Grávida de oito meses, ele a arremessou da varanda do apartamento em que viviam. Elisângela foi recolhida pelo SAMU. Vergada de dor, ouviu uma agente de saúde lhe perguntar:

–Você quer fugir?

Ela nem ouviu. Ela sentiu:

–Meu filho ainda está comigo? Minha filha está aqui?

–Sim!

–Quero!

“Era tudo o que eu precisava. Dali, eu fui levada para uma Casa-Abrigo, onde fiquei escondida.” Benjamim, o menino que Elisângela carregava no útero quando foi atacada pelo marido, sobreviveu. “Eu desapareci do mundo e, quando vi, estava aqui.”

Elisângela é auxiliar de enfermagem. Como há três anos não consegue pagar a taxa de anuidade do Conselho Regional de Enfermagem (R$ 172,45 em 2020), não pode exercer sua profissão. Ela vende, então, balas nos semáforos, trufas na porta da escola das filhas, o que der. Agora, em época de pandemia, está impossível trabalhar. As pessoas nem abrem o vidro dos carros, por medo de assalto e do contágio. “Da pobreza eu caí na degradação ”, diz Elisângela.

Valéria da Silva Nascimento, 43 anos, mãe de cinco, vive para o filho portador de deficiência, João Gabriel Henrique da Silva Dias, de 20 anos. Hoje músico e compositor, o jovem toca violão, guitarra, baixo, ukulele. Paraplégico, isso não o impediu de jogar basquete e tornar-se dançarino de hip hop. Na escola, escutou pela primeira vez Geraldo Vandré: “Pra Não Dizer que não falei das Flores”. Um professor tocava ao violão. “Eu me apaixonei e pedi para o professor me ensinar. Um dia ele me deu um violão. Eu chorei de alegria. Não parei mais de tocar.” Gabriel é um sujeito doce, com uma auto-estima de gigante. A mãe sempre o cumulou de amores, de olhares e cuidados. Para sobreviverem, ela cata reciclagem, compra e vende na feira do rolo, costura, lava roupa para fora, às vezes até para pessoas que moram em albergue.

Infância no Caveirão: O menino Samuel David, de 3 anos, é autista e sofre com problemas respiratórios. A mãe, Cristiana, já mora no prédio há 18 anos

Infância no Caveirão: O menino Samuel David, de 3 anos, é autista e sofre com problemas respiratórios. A mãe, Cristiana, já mora no prédio há 18 anos

Cristiana Alessandra Moreira, de 40 anos, tem dois filhos atualmente: Cauê, de 21 anos, e Samuel Davi, de três anos. Mas Cristiana pariu sete, dos quais cinco morreram logo. Mora no Caveirão há 18 anos, interrompidos quatro vezes por despejos. Voltou sempre. Ela precisa estar todo o tempo com o filho Samuel Davi, que é autista e sofre com problemas respiratórios. Da última vez que foi despejada, a Prefeitura pagou auxílio-aluguel para as famílias que viviam no Caveirão (R$ 400 por mês), mas o benefício foi cortado e Cristiana voltou para o prédio.

Cristiana sai de seu barraco por volta das 11h, com um vasilhame usado de margarina. Está repleto de urina. Samuel Davi, agitado, não deixou que ela dormisse a noite toda. O menino só se acalmou por volta das 5h, quando ela, enfim, descansou. A urina terá de ser despejada no térreo do prédio, porque o Caveirão não tem banheiros funcionando. Aquele que Cristiana construiu com as próprias mãos foi destruído pelos usuários de crack que ocuparam o prédio depois do despejo dos moradores e pela Polícia Militar.

 

Moradia de carros

 

Anúncio publicado na "Folha de S.Paulo", em 1964: A sua garagem automática, por 50.000 cruzeiros

Anúncio publicado na “Folha”, em 1964: compre sua garagem automática, por 50.000 cruzeiros

O drama do Caveirão vem de longe. Em 1964, a Folha de S.Paulo publicou anúncio da construção de um edifício-garagem a poucos metros da praça da Sé. Era ele, o espigão da rua do Carmo, ainda em fase de vendas. Nessa época não existia nem o metrô. Mas havia edificações espetaculares e reluzentes de novas. Como a própria Catedral da Sé, inaugurada havia apenas 10 anos (a construção só seria finalizada em 1967). Ou o Fórum João Mendes Júnior, março histórico da cidade de São Paulo e símbolo da Justiça paulista. Pois o Fórum foi inaugurado em 1958, apenas seis anos antes do anúncio da Folha.

O novo empreendimento representava a crença inabalável daquele período de que as cidades do futuro seriam as cidades dos automóveis. Portanto, era preciso construir apartamentos, escritórios e edifícios-garagem, para armazenar gente e dezenas de milhares de veículos. No anúncio da Folha, lê-se que era possível tornar-se o feliz proprietário de uma vaga de carro a poucos metros da praça da Sé, com uma entrada de 50 mil cruzeiros, hoje equivalentes a 2 mil reais.

O fato é que as tais garagens jamais foram entregues e, inconclusas, resultaram em um dos retratos mais obscenamente explícitos da cupidez materialista na megalópole.

 

Casa sem banheiro, sem teto, sem nada

 

O Caveirão não tem telhado. Quando chove, chove dentro. Instalações sanitárias existem apenas no térreo. Porque carros não precisam delas. A polícia também fez questão de arrancar e destruir escadas e degraus que ligavam as lajes dos andares. Os moradores sobem e descem escalando escadas imaginárias ou banguelas, com degraus quebrados ou simplesmente faltando. Cristiana sobe e desce essas escadas surreais carregando os cilindros de oxigênio de que o filho Samuel Davi precisa para sobreviver.

Amor de mãe no Caveirão: Valéria e João Gabriel, paraplégico: o jovem está morando no prédio há um mês; para ele, é um "lugar maravilhoso"

Amor de mãe no Caveirão: Valéria e João Gabriel, paraplégico: o jovem está morando no prédio há um mês; para ele, é um “lugar maravilhoso”

João Gabriel, o filho paraplégico de Valéria, mudou-se para o Caveirão há um mês, depois que a mãe pavimentou o chão e construiu rampas para o trânsito da cadeira de rodas. “Pra mim, aqui é um lugar maravilhoso. Eu sinto uma alegria, uma união, um prazer. Aqui tenho amigos para conversar. Sei que posso contar com muitas pessoas aqui dentro e elas sabem que podem contar comigo também.”

“Eu sou muito feliz aqui dentro. E eu sofro por ver que o prédio está se acabando sem cuidado nenhum, o proprietário não o usa para nada, e a gente tem milhares de pessoas vivendo nas ruas”, diz Cristiana.

 

O drama das famílias do Caveirão é a condição de existência de milhares de pessoas na cidade de São Paulo. A Prefeitura de São Paulo calcula que, em 2019, havia 24.344 pessoas vivendo em situação de rua. Mas o Movimento Pop Rua calcula que o número correto seja superior a 32 mil pessoas. E segue crescendo à medida em que a inadimplência gera despejos por falta de pagamento de aluguel. E a rua é um terror, principalmente para as mulheres, conforme depoimento de Valéria:

“Eu sou uma ex-moradora de rua. Passei sete anos vivendo na rua. Você não pode fazer sua comida, você não pode trazer os seus filhos para a rua, você fica vulnerável, você é mal vista, você é apontada, as mulheres não têm valor nenhum. Se você arrumar um homem, ele vai te espancar, ele vai te estuprar, ele vai te usar. E se você não tiver força, você vai virar uma usuária de droga ou vai se prostituir. A rua é o último lugar. Não tem mais para onde cair quando você chega na rua. Por outro lado, ninguém quer viver em albergue. Porque no albergue você é maltratada, você é pisada, você é humilhada. Os funcionários dos albergues te tratam como lixo. A casa de parentes também não dá. O parente joga na tua cara, quando você tem filhos, maltrata os seus filhos. Vivendo na rua, a gente tem medo do Conselho Tutelar, a gente tem medo de tocarem fogo na gente, de estuprarem minhas filhas. Minha filha foi estuprada num abrigo. Eu achei que ela estava num lugar seguro e ela não estava. Eu sou costureira, sempre trabalhei. Já aluguei um cantinho, mas dali a pouco você é mandada embora do emprego e é despejada. Ninguém mora numa ocupação porque quer. Você mora ao lado de pessoas que não conhece, tem muito barulho, a luz cai, a polícia invade. Você tem mais medo do que qualquer outra coisa.

Mas é infinitamente melhor do que a rua.”

 

“A minha luta só termina quando eu tiver a minha moradia. Porque para a rua eu e meus filhos não vamos. A PM tem a arma, mas eu tenho o direito legítimo. Eu ofereço o meu peito para a a bala. E, se me matarem, meus filhos lutarão por mim” (Elisângela)

Veja o vídeo gravado na ocupação:

 

 

 

 

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Assistência Social

Prefeitura de SP aproveita-se da pandemia para “limpar” a Cracolândia

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Gentrificação: tangidos como animais, povo pobre que vive na Cracolândia foi enviado para a Várzea do Glicério - Foto de Lina Marinelli

Por Laura Capriglione e Katia Passos

 

A Prefeitura de São Paulo, sob o comando de Bruno Covas, desfechou hoje mais uma ação com o propósito de “limpar” a região conhecida como Cracolândia da presença miserável dos usuários de crack. Assim, cerca de 160 seres humanos paupérrimos, muitos idosos, vários não-dependentes químicos, foram tangidos como animais para dentro de três ônibus e despachados para a baixada do Glicério, na várzea do rio Tamanduateí. Outras 50 pessoas preferiram ir a pé, seguindo para o mesmo endereço dos primeiros: Rua Prefeito Passos, 25, em um dos bairros mais degradados da cidade, região de cortiços, alta concentração de moradores de rua, de imigrantes e refugiados. O Glicério fica a dois quilômetros de distância da atual Cracolândia.

 

Acabar com o constrangedor desfile dos usuários de drogas envoltos em cobertores imundos, sempre em busca das pedras de crack, tem sido uma obsessão de vários prefeitos e governadores do PSDB em São Paulo. O atual governador João Doria Jr, ainda na condição de prefeito da cidade, protagonizou em 2017 cena desastrada que por pouco não se transformou em tragédia. Deu-se que, para posar de destemido adversário do crack, Doria ordenou a derrubada de casas na região. Quase matou por soterramento três pessoas que moravam em uma delas e que ficaram feridas. Covas aproveita-se do fato de todos estarem focados na pandemia de Covid-19 para tentar mais uma vez.

Chama-se “gentrificação” o processo de transformação de centros urbanos através da mudança dos grupos sociais ali existentes. A idéia é expulsar a população de baixa renda e substituí-la por moradores de camadas mais ricas. É isso o que está em curso no centro de São Paulo: Gen-tri-fi-ca-ção.

Único lugar a prover meios de higiene, alimentação e descanso para moradores em situação de rua, o Atende-2 foi fechado hoje

Único lugar a prover meios de higiene, alimentação e descanso para moradores em situação de rua, o Atende-2 foi fechado hoje – Foto de Lina Marinelli

Para acabar de uma vez com a Cracolândia, a idéia dos “geniais” urbanistas que trabalham para a Prefeitura foi simples: retiraram de lá o único equipamento ainda existente para acolhimento, higiene, alimentação e encaminhamento médico para dependentes químicos vivendo em situação de rua no centro da cidade. Era chamado de Atende-2, e ficava na rua Helvétia, epicentro dos usuários de crack.

Crueldade das crueldades, fecharam o Atende-2, que atendia 185 pessoas, e fizeram isso em plena pandemia de Covid-19. Nem uma pia restou para lavar as mãos naquele pedaço. Segundo a Prefeitura, o mesmo serviço que era feito pelo Atende-2 será oferecido na Baixada do Glicério, agora rebatizado de Siat 2 (Serviço Integrado de Acolhida Terapêutica).

Resta saber se o tráfico de drogas, que acontece hoje nas barbas das polícias Civil e Militar, da Guarda Civil Metropolitana e do Corpo de Bombeiros, todos com bases no território da Cracolândia, topará também migrar seu negócio milionário para o Glicério. Se não topar, se continuar havendo oferta de drogas baratas nas ruas da Cracolândia, o fluxo de usuários certamente voltará para lá –agora, sem banho, sem lugar para dormir, sem pia, sem médicos. E isso em plena pandemia, quando se sabe que se trata de população que já é ultra-vulnerável: 9,5% têm tuberculose, 6,3% têm HIV e quase 10%, sífilis. Será morticínio certo.

Se o tráfico topar mudar o rolê para o Glicério, haverá alguma chance de que se torne realidade o sonho tucano de restaurar um pouco que seja do brilho quatrocentão do antigo bairro dos Campos Elíseos, onde viveu boa parte da elite paulistana até meados no século passado, e que é o território onde hoje se situa a Cracolândia.

Nesse caso, o bairro tentará esquecer seus dias de miséria e dará lugar a novíssimas torres de prédios, que farão a festa das empreiteiras, incorporadoras e bancos. Doria e Covas poderão usar a imagem daquelas ruas (antes, com o comércio de drogas a céu aberto, e depois, “limpinhas”) em suas propagandas eleitorais, que os apresentará como “vencedores”.

A venda e o consumo de crack, entretanto, continuarão com antes. Só terão mudado de endereço. Em vez do Centro, a várzea invisível. Mais do que Doria e Covas gostariam de admitir, o futuro do território onde está a Cracolândia depende muito mais do tráfico de drogas do que do poder público. E é o tráfico o próximo a jogar os dados…

EM TEMPO:

Quando essa reportagem estava concluída, a juíza Celina Kiyomi Toyoshima decidiu liminarmente impedir o fechamento da unidade Atende-2, situada na rua Helvétia. Ela determinou o restabelecimento das atividades na unidade fechada. A Prefeitura ainda pode pedir a revisão dessa decisão.

Aqui a decisão da juíza:

“Tendo em vista que o estabelecimento em questão é o único ponto de atendimento na região central da cidade, que concentra uma grande parte de pessoas vulneráveis, e tendo em vista o perigo da demora, já que a medida está prevista para a data de hoje, defiro por ora a liminar, para que não sejam tomadas quaisquer medidas visando o fechamento da unidade ATENDE, localizado na Rua Helvétia, nº 57.
Caso já tenha se iniciado o fechamento, as atividades deverão ser, por ora, reestabelecidas.
Oficie-se.
Após a vinda da contestação, a medida poderá ser revista.”

 

Leia também:

Governo ameaça fechar o ATENDE 2, último equipamento público na Cracolândia

O amor em tempos de crack

Como a linda Adélia Batista Xavier, morta na Cracolândia, de vítima transformou-se em bandida

 

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Ação Humanitária

Contra vírus, filantropa se une a líder sem-teto: “Juntas conseguimos mais”

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Por Flávia Martinelli, do blog MULHERIAS


Em meio à pandemia do coronavírus, duas mulheres estão preocupadas. É preciso agir com urgência. Cada uma a seu modo, então, começa a articular as próprias redes de contatos. Ouvem ideias, buscam dados, sugerem e recebem propostas. Os dias, as horas e os minutos frenéticos de cada uma são ocupados por questões muito mais pontuais do que com as polêmicas do presidente sem rumo. O número de infectados aumenta, o confinamento exige condições de sobrevivência, há pessoas sem trabalho, sem comida, com filhos espremidos entre idosos em cômodos apertados ou simplesmente sem ter para onde ir ou a quem recorrer. Por diferentes vias e vivências, ambas sabem: a fome tem pressa.

E assim nasce o Comitê Popular de Combate ao Covid-19, plataforma criada por um grupo diverso, com a participação de instituições privadas e lideranças de movimentos comunitários que, em menos de uma semana, mapeou os locais onde a crise se mostra mais aguda em São Paulo. Nesse meio-tempo, também captou R$ 3.037.000,00 (três milhões e 37 mil reais) para atender as demandas das populações mais vulneráveis da cidade.

Em apenas dois dias de atividades, só na região central e arredores, mais de 3 mil famílias, cerca de 10 mil pessoas, receberam cestas básicas ou marmitas. No mesmo fim de semana, uma rede de oficinas de costura começou a confeccionar máscaras de pano para as comunidades.

 

Os kits de alimentos e higiene, que em geral duram duas semanas para quatro pessoas, são comprados nas regiões onde vivem os moradores para o fomento da economia dos bairros. Cerca de 27 mil famílias serão assistidas, uma ação que atinge 110 mil pessoas que congregam bairros do Centro, Heliópolis,  Cumbica, Cidade Tiradentes, Sapopemba e Jardim Colombo, São Remo, Vila Guaraciaba e Jardim Keralux. Há ainda um núcleo na favela da Maré, no Rio de Janeiro.

Nos próximos 15 dias, a meta é levantar um total de R$ 8.190.000,00 para ampliar o número de atendimentos e manter a constância de fornecimento e outras necessidades que surgem, botijões de gás e alcool gel, ao longo do período de isolamento social. 

As duas mulheres, no entanto, continuam preocupadas. A mineira Marisa Moreira Salles e a baiana Carmen Silva, sabem que é preciso muito mais.

Marisa é editora, redatora, designer e empresária do setor de livros na BEI Editora, que significa “um pouco mais” em tupi. Tem uma longa carreira no universo das artes, arquitetura, literatura e educação.

Carmen é corretora de planos de saúde e há mais de 20 anos fundou o Movimento Sem-Teto do Centro, que já tirou quase 3 mil pessoas de moradias insalubres, de viadutos ou de aluguéis impraticáveis ao promover inclusão social e promoção do bem-estar em prédios abandonados da cidade.

“Ela me deixa de queixo caído com as soluções que encontra para os problemas urbanísticos e do dia-a-dia das ocupações”, diz Marisa sobre Carmen. A editora costuma ouvir as aulas da líder sem-teto como professora convidada no Insper, o Instituto de Ensino e Pesquisa, onde Marisa é conselheira.

A entidade oferece cursos de gradução e pós em administração, economia, direito e engenharia e conta com o Núcleo de Mulheres e Território em seu Laboratório de Cidades, um programa interdisciplinar voltado para ações transformadoras de gestão urbana. “Quando a empatia, o olho no olho, a solidariedade e a educação são valores sólidos, independentemente de educação formal, informal ou das ‘caixinhas’ onde nos colocam, surgem soluções inovadoras.”

Marisa Moreira Salles, Carmen Silva e Tomas Alvim: em ação emergencial de combate ao coronavírus. “Carmen é da minha rede de confiança, minha amiga, com ela descobri que podemos trabalhar junto para conseguir algo melhor para a sociedade como um todo”, diz Marisa. A líder sem-teto completa: “sozinha não sou ninguém”, e Tomas reitera: “a tecnologia para lidar com crises e urgências já está estruturada nas organizações comunitárias” (Foto: acervo pessoal)

Sem rodeios, Marisa defende que é preciso aproximar a sabedoria e a tecnologia das ruas às politicas públicas, academia e instituições públicas e privadas. “São inteligências diferentes. Devemos estar juntos como nunca agora. E se estivéssemos há mais tempo, já teríamos propostas mais próximas das necessidades humanas, de como as pessoas querem viver. E tudo isso ainda estaria normatizado pelas leis que o país nos oferece.” Numa mesa de decisões, ela sugere, sempre devem estar representantes da sociedade civil, Estado, instituições e comunidade. “Se falta algum, vai faltar eficácia.”

Carmen, por sua vez, tem como mantra a frase “sozinha eu não sou ninguém”. As cinco ocupações do MSTC são famosas pelas portas abertas aos excluídos dos sistemas de moradia digna e a todo tipo de apoio e colaboração externa dos que vivem outras realidades. Pelos prédios ocupados já passam dezenas de especialistas, professores, estudantes de artes, gestão, urbanismo, arquitetura, paisagismo, engenharia, jornalismo, saúde pública, gastronomia, moda e até equipes de cinema e documentários.

Quem passa pela Ocupação 9 de Julho sempre aprende sobre a logística da recuperação do imóvel que já foi um depósito de 50 toneladas de lixo e fedentina. Também vê de perto como funcionam os núcleos de autogestão de moradores e voluntários que desenvolvem programas de cuidados coletivos, sustentabilidade e, principalmente, cidadania.

Sem Teto foram eleitos para ocupar o conselho tutelar da região e para a gestão do Parque Augusta, estão presentes em diversos conselhos participativos do governo, associações de bairros e campanhas para melhorias de espaços públicos.

“A luta por moradia tem essa característica: é um ‘guarda-chuva’ de muitas negligências à população mas mostra, de maneira coletiva e organizada, como é possível atuar de maneira ativa na gestão da cidade como um todo”, ensina Carmen. Ela conta que, para além de sanar o problema imediato da falta de comida, a omissão das omissões, o objetivo da operação é prevenir o contágio do coronavírus entre os mais fragilizados e, claro, em toda a cidade.

Cadastramento de moradores (Foto: Elton/Casa Verbo)

“Sabemos quem vive na rua ou em lugar insalubre, como cortiços que não permitem isolamento e ainda compartilham banheiros, casos de idosos que dividem espaços com crianças que são comprovadamente vetores e ainda as situações de famílias que não têm renda nenhuma”, conta a consultora em políticas públicas Márcia Terlizzi, voluntária do projeto com experiência de 30 anos de carreira na Secretaria de Habitação do Município.

Márcia acompanhou a gestão de dez prefeitos diferentes como gestora de conflitos entre a prefeitura e movimentos sociais. Na operação atual, também está na retaguarda das prestações de contas e transparência das atividades.

“As pessoas precisam ter comida na mesa já, agora. Estamos falando de prevenção”, lembra Carmen, ressaltando a dificuldade de as populações de baixa renda ou sem renda manterem a quarentena. “Houve demissões em massa e todos estão impedidos de fazer seus corres como ambulantes ou no mercado informal.” Sem reservas econômicas, é uma questão humanitária a liberação, já aprovada pelo Congresso, do auxílio de R$ 600 ou R$ 1200 para as famílias.

Tem gente com fome!

A agilidade da Operação Povo Sem Fome acontece a partir do contato entre redes de apoio que se conversam e trocam boas práticas e saberes. “É a única maneira de chegarmos nas mesas das pontas da cidade e descobrir as reais necessidades das pessoas.” A ação conta com a participação de outras cinco líderes comunitárias e de movimentos por moradia da cidade.

Tomas Alvim, braço direito e sócio de Marisa na BEI Editora, explica que a maneira mais ágil para alcançar o objetivo foi destinar a verba das doações diretamente a essas lideranças. “Estamos falando de mulheres que são especialistas em situações de crise desde sempre! Elas sabem dos lugares de maior vulnerabilidade de seus territórios como a palma da mão e conhecem pelo nome quem são as pessoas que passam por dificuldades.”

A líderes comunitárias se tornaram, assim, as responsáveis pela logística de distribuição dos donativos. “Elas permitem que a ação tenha o alcance e a capilaridade necessária e de maneira rápida porque essa tecnologia já está estruturada nas organizações delas”, diz Alvim, que também é parceiro de Marisa na criação da plataforma ArqFuturo, que congrega arquitetos, economistas e empresários mais influentes do país e do mundo para debater soluções de desenvolvimento urbano com a participação popular.

“Essas pessoas e organizações às quais encaminharemos os recursos arrecadados há anos se dedicam ao apoio das comunidades vulneráveis de São Paulo, e é com absoluta confiança que nos colocamos ao lado delas neste momento de grande apreensão para todos”, reitera Marisa, fazendo questão de citar, além de Carmen Silva (à esquerda da foto acima), a presidente da União de Núcleos, Associações dos Moradores de Heliópolis e Região, a UNAS, Cleide Alves; Ester Carro que preside a União Esportiva e Educacional do Jardim Colombo; Evaniza Rodrigues, diretora da União dos Movimentos de Moradia (UMM); Marília De Santis, gestora do CEU Professora Arlete Persoli, de Heliópololis e Eliana Silva, diretora das Redes da Maré, que também está organizando ações locais no Rio de Janeiro (Foto: acervo pessoal)

“Talvez o grande motivo de a gente escolher se aglomerar numa cidade como São Paulo num país, assim, tão grande como o nosso seja a oportunidade de ter contato com as diferenças”, conta Marisa no vídeo (abaixo), sobre suas inquietações como moradora de São Paulo. “Vivemos diferenças de idades, de raças, de culturas, de gostos, enfim, uma variedade de coisas que te provocam e que te fazem crescer, pensar, mudar.”

Para ela, esse contato, frente a frente, é o que pode gerar inovação, crescimento, desenvolvimento e se pergunta: “Por que que sendo esse o motivo que nos faz ficar numa cidade como São Paulo a gente continua se fechando atrás de muros? Não se preocupando com os espaços públicos e nossas calçadas? Sempre preocupados apenas com o nosso quintal e não na cidade como um espaço de encontro? E por que pessoas inteligentes ainda continuam fazendo políticas urbanas tão insensatas?” E revela que essa, talvez, seja sua maior inquietação.

Quanto a Carmen, vale a pena assistir sua fala histórica momentos depois do resultados das últimas eleições presidenciais. “Nós iremos fazer a nossa resistência como nós sempre fizemos. A resistência não é com armas, é com a voz, com o canto, com amor. Nós somos uma família. Uma família que se ama e que independe de classe, cor e sexualidade. Somos nós.”

EM TEMPO:
Carmen Silva responde em liberdade a um processo que a acusa de prática de extorsão por “aluguéis” em ocupações. O caso é um desdobramento de uma investigação referente ao edifício Wilton Paes de Almeida, que era ocupado por sem-teto, e desabou depois de um incêndio ocorrido no dia 1º de maio de 2018. A filha de Carmen, a cantora Preta Ferreira e o filho, o educador Sidney Silva, chegaram a ser presos por três meses por acusações semelhantes. Hoje também respondem à Justiça em liberdade, depois de ampla reivindicação popular, de celebridades da mídia e de diferentes profissionais do Direito, da imprensa e das artes.

Os chamados “aluguéis” do processo dizem respeito à contribuição mensal, acordada em assembleia com maioria dos moradores. No caso das ocupações do MSTC, essas contribuições são de R$ 200 por mês e por família. O valor é usado para reformas nas áreas comuns e para cumprir normas de segurança, como extintores de incêndio, corrimãos, instalações elétricas e hidráulicas dos edifícios.

Em nenhum momento os ativistas tiveram relação com a ocupação do Wilton Paes, senão aquela estabelecida logo após o desabamento, quando comitês de ajuda organizados por Carmen prestaram auxílio às famílias desabrigadas.

À época das prisões, Marisa Moreira Salles se pronunciou publicamente em defesa de Carmen. A empresária e editora, apesar de sua longa carreira e atividades, é muitas vezes citada na imprensa apenas como a esposa de Pedro Moreira Salles, presidente do conselho de administração do Itaú Unibanco. O banqueiro é um filantropo discreto de projetos culturais, artísticos e sociais. Cadeirante, entre os quatro irmãos da família, talvez seja o que mais tenha se dedicado aos negócios do banco criado pelo pai.

Tanto Carmen como Marisa sabem que sempre serão julgadas tudo e por todos. Mas não estão preocupadas com isso no momento. Elas têm pressa. 

 

 

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