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Fidel Castro – 94 anos do soldado das ideias

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Neste 13 de agosto de 2020, Fidel Castro Ruz, o comandante histórico da Revolução Cubana, faria 94 anos. Nesse vídeo que compartilhamos aqui, com legendas em português, é possível ouvir de cubanos célebres, como os intelectuais Abel Prieto e Miguel Barnet, mas também de jovens como o Professor Fábio Fernandez, historiador da Universidade de Havana, o quão profundas são as transformações provocadas na sociedade cubana pelo privilégio de ter convivido com Fidel.

Um dos momentos mais marcantes desse material produzido pelo Canal Cubavisión Internacional, é uma frase de Fidel, de que “sem cultura, sem conhecimento, não há liberdade possível”. E está claro que não só a saúde e o esporte, mas a cultura é um dos legados mais reconhecidos do povo cubano cujas realizações a ilha socialista compartilha com o mundo.

O material também tem informações históricas que ajudam a compreender a trajetória de um dos homens mais brilhantes da América Latina contemporânea.

Publicamos abaixo também a transcrição completa desse material.


Sua imagem e seu nome são parte da identidade de Cuba. A revolução que liderou e venceu em janeiro de 1959, materializou os ideais emancipatórios de milhões de seres humanos no mundo e segue sendo inspiração para todos aqueles que sonham e lutam por um mundo melhor.

FIDEL: “Um mundo melhor é possível, mas quando se tenha alcançado um mundo melhor, é possível que tenhamos que seguir repetindo que um mundo melhor é possível e depois voltar a repetir que um mundo melhor é possível”

90 anos é o que viveu Fidel Castro desde que, em 13 de agosto de 1926 nasceu em Birán, na região oriental de Cuba e se converteu no segundo filho homem de sua família. Durante 57 anos dessas 9 décadas, Fidel foi o artífice essencial do processo transformador da nação cubana, em todos os âmbitos.

A história revolucionária de Cuba conheceu o jovem Fidel Castro com apenas 26 anos. Quando ocorreu o golpe de estado de Fulgencio Batista em 10 de março de 1952, ele foi um dos primeiros a denunciar o caráter reacionário e ilegítimo do regime de fato e convocar à sua derrubada.

Organizou e treinou um numeroso contingente de aproximadamente 1200 jovens trabalhadores, empregados, estudantes, que vinham fundamentalmente das fileiras [do partido] ortodoxas. Com 160 deles, em 26 de julho de 1953 comandou o assalto ao Quartel Moncada em Santiago de Cuba e ao Quartel de Bayamo, em uma ação que foi concebida como detonante da luta armada contra o regime de Batista.

Nesta ação, falhou o fator surpresa, mas ainda que seja considerada uma derrota militar, essa história ficou conhecida como a ação que levaria o mundo a conhecer o movimento revolucionário que nascia na ilha.

Feito prisioneiro pelas forças repressivas da tirania, poucos dias depois do revés militar, foi submetido posteriormente ao juízo e condenado a 15 anos de prisão. Durante o processo judicial, assumiu sua própria defesa diante do tribunal que o julgou e pronunciou o discurso conhecido como “A história me absolverá” em que impulsionou o programa da futura revolução em Cuba.

Em julho de 1955, Fidel viajou ao México para organizar, desde o exílio, a insurreição armada. Depois de meses de treinamento e com Fidel à frente, na madrugada de 25 de novembro de 1956 zarparam em direção à Cuba 82 combatentes, a bordo do Iate Gramna, cuja idade média era de 27 anos.

Desembarcaram em 02 de dezembro nas Playas Coloradas na costa sul-ocidental da antiga província do oriente. Desde a Sierra Maestra continuou a luta revolucionária, e em sua condição de comandante em chefe, dirigiu a ação militar e a luta revolucionária das forças rebeldes e do Movimento 26 de Julho durante os 25 meses de guerra.

No amanhecer do 1º dia de janeiro de 1959, Fidel enfrentou – com uma greve geral revolucionária acatada por todos os trabalhadores – o golpe de estado na capital da república [de Cuba] promovido pelo governo dos EUA.

Ao concluir a luta insurrecional, manteve suas funções como Comandante em Chefe e em 13 de fevereiro de 1959 foi nomeado Primeiro Ministro do Governo Revolucionário, dirigiu e participou de todas as ações empreendidas em defesa do país e da revolução, nos casos das agressões militares procedentes do exterior ou atividades de grupos contrarrevolucionários dentro do país, em especial a derrota da invasão organizada pela Agência Central de Inteligência (CIA- EUA), levada a cabo em Playa Girón em abril de 1961.

Em nome do poder revolucionário, proclamou em abril de 1961, o caráter socialista da Revolução Cubana.

Ocupou o cargo de Secretário Geral das Organizações Revolucionárias Integradas e mais adiante o de Secretário Geral do Partido Unido da Revolução Socialista de Cuba. A partir da constituição do Comitê Central do Partido Comunista de Cuba, em outubro de 1965, seu cargo foi de Primeiro Secretário e Membro do Bureau Político, o que foi ratificado pelos cinco Congressos do Partido efetuados desde então. Foi eleito [e reeleito] Deputado na Assembleia Nacional do Poder Popular representando o Município de Santiago de Cuba, em seus sucessivos períodos de sessões desde a criação [da AP] em 1976. Desde então, e até o ano de 2008,ocupou o cargo de Presidente do Conselho de Estado e Presidente do Conselho de Ministros.

Durante quase 50 anos, impulsionou e dirigiu a luta do povo cubano pela consolidação do processo revolucionário, seu avanço em direção ao socialismo e a unidade das forças revolucionárias e de todo o povo, às transformações econômicas e sociais do país, o desenvolvimento da educação, da saúde, do esporte, da cultura, da ciência, da defesa, o enfrentamento das agressões externas, a condução de uma antiga política exterior de princípios, as ações de solidariedade com os povos que lutam pela independência, e o progresso e aprofundamento da consciência revolucionária internacionalista e comunista do povo cubano.


YADIRA BARRIOS (jornalista): Compartilhamos agora um momento de reflexão [no programa] ‘Enlace Cuba’ com o jovem professor da Universidade de Havana, Fabio Fernandez, bem vindo!

PROFESSOR FÁBIO FERNANDEZ: Muito obrigado!

YADIRA: Professor, para muitos é difícil compreender essa relação que por mais de cinco décadas se deu entre Fidel – como líder do processo revolucionário cubano – e o povo. Como você analisa essa história, esse diálogo entre o líder e a massa. E o que você acredita que o propiciou?

PROFESSOR: Veja, a história se dá em momentos em que determinados dirigentes ou líderes geram uma conexão tremenda com o grupo humano que buscam representar. Isso está vinculado fundamentalmente com a capacidade desse líder de identificar os ideais, os sonhos, as aspirações dessa comunidade, com a qual ele vai gerando uma conexão. Na história de Cuba, isso passou com o caso de Fidel que fez essa conexão com o povo cubano durante 50 anos de revolução. Agora, esse é um fenômeno que em nossa história já havia ocorrido em outros momentos. Há que pensar, por exemplo, na conexão de um José Martí com esse povo cubano, o qual ele convoca a lutar contra o colonialismo espanhol no final do século XIX, ou podemos pensar em um dirigente como Julio António Mellia, que também conseguiu ser um “furacão” que mobilizou a cidadania contra determinados assuntos que em sua época marcavam a cotidianidade cubana. E o que ocorre com Fidel é que desde a década de 50 ele é capaz de interpretar, repito, a lógica, a aspiração que movia a cidadania e depois consegue manter essa conexão a partir de realizações que foram marcando essa imbricação profunda que se gerou. Eu acredito que é a mágica, vamos chamar assim, de uma liderança carismática, essa capacidade de [fazer] que um povo entenda que um líder o representa e que esse líder está à altura da exigência que continuamente esse povo o apresenta. É algo muito difícil de explicar, algo que sociólogos, historiadores, psicólogos tentaram explicar com todas as suas variáveis e sempre se torna um pouco nebuloso porque, repito, esse é um fenômeno que tem certas doses de magia, essa capacidade de conexão, não é explicável simplesmente de modo racional porque também funciona o emocional que também é tão vital para as relações que se estabelecem entre os seres humanos.

YADIRA: Professor, porque você acredita que o projeto revolucionário cubano – ainda como foi pensado, como um projeto de nação – transcendeu fronteiras? E que papel você acredita que Fidel teve nisso?

PROFESSOR: A Revolução Cubana se converteu em um símbolo para os povos do terceiro mundo por sua capacidade de representar o fato de que determinadas aspirações históricas podiam se consumar. E que aspirações fundamentais? Justiça social e soberania nacional. Os povos do terceiro mundo, fundamentalmente, mas inclusive os povos de toda a humanidade entenderam a Revolução Cubana como um caminho, como uma via que podia levar à consumação dessas lutas históricas. Dentro de todo esse contexto, surge o simbolismo de Fidel. Como grande líder dessa revolução e como o homem que é capaz de, em conexão com seu povo, encontrar os caminhos para que essa aspiração de justiça, para que essa aspiração de soberania, pudesse verdadeiramente se materializar. Eu acredito que o simbolismo da Revolução Cubana, pela contundência de suas conquistas, é indubitavelmente o que marcou a conexão com esses povos, que não somente o [povo] cubano. Eu acredito que por aí se move essa história e inclusive é interessante como já são 60 anos do triunfo da Revolução Cubana e ainda o nome de Cuba segue representando, para muitas pessoas no mundo, a ideia de que há sonhos que podem ser verdade, que podem se materializar para além das dificuldades ou dos problemas, Cuba segue tendo uma carga simbólica tremenda para todos aqueles homens que aspiram – homens e mulheres, claro – que aspiram um mundo diferente e um mundo conectado com as mais arraigadas aspirações populares.


FIDEL: “E o que fazemos com a produção de armas nucleares, diante de um inimigo que tem milhares de armas nucleares? Entrar nesse jogo dos enfrentamentos nucleares? E nós possuímos “armas nucleares”, mas são nossas ideias! Nós possuímos “armas nucleares”, mas essas são a magnitude da justiça pela qual lutamos. Nós possuímos as “armas nucleares” da virtude, do poder invencível das armas morais. Por isso que nunca me ocorreu [ter armas nucleares]. O que me ocorreu foram “armas biológicas”, e para quê? As armas [biológicas] para combater a morte, para a combater a AIDS, as enfermidades, para combater o câncer. A isso é que dedicamos nossos recursos, apesar do banditismo desse – já não me lembro como se chama esse tipinho – que foi nomeado, não sei se algum de vocês se lembra, Bolton, Borton… sei lá, que está nada menos que secretário, representante dos EUA nas Nações Unidas! Um super mentiroso, descarado, que inventou que Cuba estava no centro da engenharia genética, investigando, para produzir armas biológicas. Também nos acusou de estar colaborando com o Irã, transferindo tecnologia. E o que estamos é construindo, entre Irã e Cuba, uma fábrica de produtos anticancerígenos! Isso é o que estamos fazendo e também querem nos proibir. Que vão para o diabo! Ou para onde queiram ir esses idiotas, que aqui não vão assustar ninguém”.

YADIRA: Em meio à pandemia de Covid-19 que já cobrou milhares de mortes em todo o mundo, os profissionais de saúde cubana que colaboraram com o controle da enfermidade em mais de 20 nações
tem sido os mais fiéis expoentes do ideal internacionalista de Fidel. Da Itália nos chegam essas reflexões que Cubavisión Internacional compartilhou em seus espaços nas redes sociais.

MICHELE CURTO (italiano): Para mim pareceu incrível quando vi aterrissar esse avião porque na verdade me dei conta que a história estava se acelerando. Foi extremamente emocionante e de imediato nos sentimos responsáveis, nós sabíamos que esse não era um ponto de chegada mas sim um ponto de partida. Encontrei um grupo de cubanos – porque muitas vezes lhes dizem “heróis” – mas eu diria um grupo de cubanos estelares. Eram jovens muito preparados, profissionais muito capazes, super comprometidos, que chegaram com uma tarefa clara e um compromisso muito forte. Colocaram em risco suas próprias vidas para lutar por minha cidade e pelo meu povo. Para mim esse é o resultado maduro da Revolução Cubana e dos ensinamentos do Comandante Fidel. Os médicos cubanos nos deram esperança, nos fizeram melhores, minha cidade é ainda mais linda depois do que aconteceu aqui. Porque isso é tão lindo, tão claro, que fica e ficará por muito tempo. Outro momento muito emocionante foi depois de três meses que estivemos fechados nesse hospital, sem ver a luz do sol, subimos todos juntos o Pico Fidel. O pico é uma conquista dos nossos jovens aqui de Turín. Porque, bem, quando faleceu o Comandante Fidel Castro, eles estenderam uma bandeira imensa na Torre aqui da cidade, que dizia “Hasta Siempre, Fidel”. E no aniversário de um ano [de sua morte], voltamos a subir ao Pico e o declaramos – graças aos apoio das prefeituras da região – esse pico oficialmente dedicado ao Comandante e que certamente será um dos primeiros. Mas ir aí com os médicos, para nós restou quase pacificado essa figura do ensinamento do Comandante com um dos resultados mais lindos, que são esses jovens tão preparados, de verdade que isso foi lindo. Hoje o que eu tenho claro e levo dessa experiência, é que quando se luta de verdade com compromisso, com convencimento e com unidade, se pode ganhar qualquer resultado. E de verdade, esses médicos demonstraram tanto aos médicos italianos, quanto a todos nós, que se pode. De verdade, sim, é possível. E sempre também com uma aposta muito clara, de que nós nascemos para apoiar Cuba e sua revolução e para derrubar o bloqueio norteamericano.

YADIRA: Em maio de 1985, durante 23 horas, Fidel e o Frei Dominicano de origem brasileira, Frei Betto, dialogaram sobre religião e temas contemporâneos. Dessa extensa conversa, nasceu o livro “Fidel e a religião” que foi publicado em mais de 20 idiomas. O intelectual brasileiro definiu Fidel como “um homem de transcendência histórica, não somente para América Latina, mas para todo o mundo”. Com exclusividade para “Enlace Cuba”, neste agosto de 2020, Frei Betto compartilha uma carta para seu amigo.

FREI BETTO: "Querido Fidel, neste dia do seu aniversário eu sinto muita saudade de nossas conversas. Sobretudo de sua inteligência luminosa para guiar-nos nessa nova conjuntura pandêmica. A vida e a história estão cheias de imprevistos. Com tantos atentados que a CIA preparou para te assassinar, quem poderia imaginar que você passaria ao outro lado da vida tranquilamente em sua cama, rodeado por pessoas queridas e honrado por seu amado povo cubano. Quem poderia imaginar que a União Soviética se desintegraria em 1991 sem disparar um único tiro. Quem poderia imaginar que os EUA teriam um presidente negro e a Igreja Católica um Papa argentino e progressista.
Durante nossas conversas em sua casa, você me falou várias vezes da séria ameaça de uma guerra nuclear. Esse perigo segue vigente. Mas quem poderia imaginar que esse ano o mundo deixaria de girar devido a um vírus invisível conhecido como Covid-19. Nossa querida Cuba, Fidel, reagiu diante da pandemia com um esforço heroico que se somou às atitudes corretas do povo, dos profissionais de saúde e do governo. Em comparação com outros países, se perderam poucas vidas, graças às medidas adotadas e acatadas pela população. E no espírito internacionalista e solidário que sempre marcou a história da Revolução, enviaram brigadas de saúde para socorrer aos povos de dezenas de países. O vírus colocou em evidência, como nunca, as podres entranhas do capitalismo, a abismal desigualdade social, a suprema contradição entre um sistema que produz avanços tecnológicos admiráveis mas é incapaz de evitar que a humanidade se veja afetada por um simples vírus.
Agradeço a Deus o dom de sua vida, Fidel. Aqui seguimos, com a responsabiliade de sermos fieis ao seu legado e dignos de seu exemplo de vida e de luta.
Venceremos, Comandante!
Fraternalmente, Frei Betto"

YADIRA: Voltamos com as palavras de Frei Betto, quando fala das entranhas do capitalismo. Um eixo central do pensamento de Fidel, é seu pensamento anticapitalista, anti-hegemônico.
Professor, o que você ressaltaria do discurso de Fidel, do seu pensamento especificamente anti-hegemônico, em meio a esses últimos acontecimentos que tem convulsionado o mundo nos últimos meses?

PROFESSOR: Fidel foi um pensador realmente anticapitalista,
que definiu o capitalismo como um sistema irracional, contrário aos melhores interesses da humanidade. E Fidel foi muito claro, tanto em sua projeção de pensamento como em sua prática, sobre a possibilidade de construir uma alternativa contra hegemônica em relação ao que é ditado pelo sistema capitalista mundial. Eu acho que esses alertas, essa defesa de Fidel de buscar um mecanismo, uma sociedade distinta do capitalismo, um mundo melhor que seria possível, segundo suas palavras, se tornou mais importante nos tempos atuais, em que o capitalismo demonstrou todos os elementos que o definem como um sistema injusto.
Estamos vivendo meses de pandemia onde vimos, de forma manifesta, que para o capitalismo, o capital, é muito mais importante a economia do que a vida das pessoas. E como um país como Cuba, que buscou e defendeu uma alternativa ao capitalismo e que prioriza a vida sobre a ganância econômica, logrou resultados de saúde muito mais apreciáveis. E eu acredito que fica claro nesse momento que o capitalismo é um sistema,
em mais de um sentido, fracassado sobretudo em sua versão neoliberal e como em circunstâncias verdadeiramente complexas, a lógica do capitalismo, que apenas busca a maximização da riqueza, e riqueza apenas para alguns poucos, não é a solução para os problemas. E Fidel disse isso claramente, ele construiu uma projeção política e desenvolveu
uma prática política que sem dúvida aspirava e defendia a possibilidade de construir um mundo diferente do capitalismo.
E eu acredito que esses alertas de Fidel, essas aspirações de Fidel estão perfeitamente vivas. E inclusive não somente com relação ao tema da Covid, que é uma conjuntura que, cedo ou tarde o mundo vai superar, mas, por exemplo, está também todo esse tema que tem a ver com os câmbios climáticos, que é um fenômeno muito mais estrutural e aí também Fidel nos disse: “o capitalismo não é o caminho, o capitalismo é o sistema que está levando a humanidade ao colapso. Portanto, eu acredito que as ideias de Fidel e o pensamento anticapitalista de Fidel segue sendo de meridiana importância no contexto que estamos vivendo e frente ao que há por vir.

YADIRA: #SomosContinuidad é uma hashtag constantemente usada nas redes sociais em Cuba e mesmo quando não a mencionam, está contido, contém o pensamento de Fidel. Eu gostaria de saber, professor, que ideais do seu legado você considera essenciais
para falar do futuro em Cuba.

PROFESSOR: Veja, falar de continuidade em Cuba implica, obrigatoriamente, se conectar com o legado de Fidel. E a continuidade, na minha opinião, com respeito à projeção histórica de Fidel, tem a ver com vários elementos fundamentais. Em primeiro lugar, a disposição permanente em não se render. Ou seja, a ideia de ser capaz de enfrentar as dificuldades mais tremendas e não se render, ancorando-se a um conjunto de valores, aspirações, a um projeto em que se tenha fé e se deposite esperança. Outro elemento de continuidade é a aposta em uma sociedade distinta do capitalismo, uma sociedade que é preciso aperfeiçoar continuamente, uma sociedade que precisa ainda encontrar plenamente sua definição, mas que está baseada no caminho, ou na consciência de que o caminho não é o que oferece o universo do capitalismo. Eu acredito que esse é outro elemento-chave no pensamento de Fidel que deve marcar a continuidade a que o povo cubano está dedicado. Outro elemento fundamental tem a ver com a inteligência que Fidel teve de entender que a mudança é imprescindível dentro de todo processo social. A ideia de que estar estático é o caminho claro em direção ao fracasso. É preciso mudar para adaptar-se aos contextos, para adaptar-se às novas circunstâncias, mas uma mudança que não implica em renunciar aos ideais, mas implica na capacidade de saber conectar-se com a especificidades dos contextos. E há outro elemento do legado de Fidel que eu creio que também é fundamental, e é sua posição anti-imperialista, vinculada com a defesa da soberania nacional. E à ideia de que um país como Cuba está obrigado, para poder encontrar um caminho claro em direção à prosperidade, está obrigado a manter uma posição de defesa de sua soberania e de não deixar que os destinos de cuba sejam regidos e definidos por uma potência estrangeira. Eu acho que esse é outro elemento do anti-imperialismo de Fidel que é chave para entender essa lógica de continuidade. Eu acredito que Fidel deve nos acompanhar, ao povo cubano, nos desafios do presente e do futuro, sempre lendo seu ideário de maneira crítica, ou seja, não é repetir Fidel, não é se calcar no que Fidel fez, é assumir o espírito de Fidel como uma espora, como uma ferramenta que nos ajuda a entender a realidade e a projetar nosso futuro dentro das complexas circunstâncias que nos cabe viver. Ou seja, a continuidade não é uma mera repetição mecânica. A continuidade é a conexão com um legado, é a conexão com um espírito que nos impulsa a mudar, mantendo sempre os ideais que assumimos como básicos desse projeto de sociedade que estamos construindo. Por aí vai minha ideia de continuidade, mudança, Fidel e seu legado.

YADIRA: Muito obrigada, Fabio por compartilhar conosco suas reflexões, precisamente sobre o líder da Revolução Cubana em ‘Enlace Cuba’.

PROFESSOR: Muito obrigado.


Como um intelectual revolucionário, o próprio Fidel gostava de diálogos com artistas e pensadores. Sob sua liderança indiscutível, Cuba vem sendo nas últimas décadas espaço de encontro e motivo de inspiração para intelectuais e criadores de todo o mundo.

Em junho de 1961, Fidel Castro se reuniu com um grupo de intelectuais na Biblioteca Nacional José Martí para debater temas cruciais dentro da vida cultural cubana. Durante três dias, os escritores e artistas analisaram junto com ele, os desafios que estavam por vir no campo cultural.

FIDEL: “Uma das metas e um dos propósitos fundamentais da revolução é desenvolver a arte e a cultura, precisamente para que a arte e a cultura cheguem a ser um verdadeiro patrimônio do povo”

Nascia aí [o livro] “Palavras aos intelectuais”, uma plataforma de ideias que transcendeu como pedra angular da política cultural da revolução, com uma visão democrática e inclusiva.
Sob a liderança de Fidel, se organizou a campanha de alfabetização, a primeira grande conquista cultural da revolução. E se criaram instituições que promoveram as artes e as letras, como o Instituto Cubano do Cinema, a Casa das Américas, a União de Escritores e Artistas de Cuba, o Sistema de Ensino Artístico e outras organizações que converteram ademais a Cuba, desde aqueles primeiros anos da revolução, em um farol para os pensadores, intelectuais e artistas da esquerda latino-americana. O livro deixou de ser um privilégio para se converter em um artigo de primeira necessidade.

MIGUEL BARNET: "Todo esse programa, tudo, foi iniciativa de Fidel. E um dos seus maiores legados, no momento mais difícil do 'período especial', quando quase chegamos ao fundo, a máxima com que Fidel encerrou um Conselho da União de Escritores e Artistas de Cuba, foi: "a cultura é o primeiro que precisamos salvar".
ABEL PRIETO: "Um dos maiores intelectuais, cubanos, latino-americanos e universais de todos os tempos. Um pensador, um homem que ademais escrevia como os deuses, escrevia como os deuses… e um leitor incansável, ele tinha uma relação tão… Fidel acreditava muito no papel transformador da cultura, acreditava muito nisso.. Porque a chave do que ele dizia, tem a ver com a famosa frase de José Martí, sobre liberdade e cultura: "ser culto é o único modo de ser livre". E Fidel o dizia de outra maneira: "sem cultura não há liberdade possível". O programa que ele criou, com Enrique Nuñes Rodriguez, com Miguel Barnet, com a própria Graciela, com os companheiros daquela equipe que estávamos aí na UNEAC [União de Escritores e Artistas Cubanos], Fidel criou um tipo de relação fraterna, ele se sentia muito cômodo se reunindo conosco, ele se sentia muito confortável, inclusive discutindo temas complexos conosco".
AMAURY PEREZ: "Não existe um homem na América Latina que possa chegar onde ele chegou. Ou seja, ele está nesse sentido.. tão heróico, tão Bolívar, tão Martí, onde está San Martín,
é nesse lugar que Fidel está. E os anos apenas vão fazer com que isso se sustente e se sedimente ainda mais".

Artistas e pensadores de todas as gerações reconhecem em Fidel o líder, o intelectual, o homem que incansavelmente se dedicou a semear ideas, a semear consciência e que assumiu o desafio de articular um sistema original no continente, o da cultura em um processo revolucionário e de convertê-la em uma das grandes conquistas sociais de Cuba.


Tradução e legendas: Juliana Medeiros

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1 Comment

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  1. Flávio Scavasin

    13/08/20 at 23:15

    É triste dizer que Fidel Castro foi. Mas, de fato, foi o maior líder e intelectual da América Latina, que transformou uma ilhota sob embargo cruel em potência mundial em educação mas principalmente em Saúde. Soube dar uma outra dimensão à Justiça social e soberania. Será sempre lembrado e motivo de inspiração para um mundo melhor.

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América Latina e Mundo

Chilenos enterram a Constituição de Pinochet e começam um inédito (e incerto) processo Constituinte

Carta Magna produzida em 1980 era a base do modelo neoliberal chileno, que destruiu a Saúde, a Educação e a Previdência públicas

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Estátua equestre do general Manuel Baquedano, que liderou expedições contra os indígenas do sul, pintada de vermelho - Bárbara Carvajal (@barvajal)

A data 25 de outubro ficará marcada para sempre na história do Chile. Em 2019, foi o dia em que mais de 1,2 milhão de pessoas saíram às ruas para exigir um país mais digno. Um ano depois dessa manifestação, a maior do país, no dia 25 de outubro de 2020 os chilenos decidiram enterrar o último legado da ditadura de Augusto Pinochet: a Constituição de 1980.

Por Amanda Marton Ramaciotti, jornalista brasileira-chilena

No domingo, milhões de chilenos votaram em um plebiscito sobre escrever ou não uma nova Carta Magna, uma medida que nasceu como uma saída política à crise social iniciada em 2019. O resultado foi avassalador: 78,27% da população aprovou a iniciativa, contra 21,73% que a rejeitou.

Além disso, 78,99% dos votantes disse que quer que a nova Constituição seja redigida por uma Convenção Constituinte formada por 155 membros eleitos pela sociedade; versus um 21,01% que expressou que preferia uma Convenção Mista, formada por 172 membros, a metade deles legisladores e o restante constituintes. 

A comemoração durou horas. Em Santiago, milhares de pessoas foram a pé, de carro e de bicicleta em caravana até a avenida principal da capital e à praça central (antes conhecida como Praça Itália e agora, pelas manifestações, chamada popularmente de “Praça Dignidade”). Bandeiras do Chile e cartazes com as palavras “adeus, general” (em referência ao Pinochet) eram vistos em várias ruas.

Nova Constituição: chance de o Chile renascer - @delight_lab_oficial
Nova Constituição: chance de o Chile renascer – @delight_lab_oficial

A sensação era de um êxtase coletivo. “Ainda não consigo acreditar no que está acontecendo… Mais do que isso, é impossível dimensionar tudo que conseguimos”, me disse uma manifestante. Em um dos edifícios emblemáticos de Santiago, foi possível ler uma grande projeção com a palavra “Renasce”.  

“Para mim, é o começo de uma nova era”, comentou um jovem que estava comemorando os resultados do plebiscito.

Ele tem razão. Apesar de que a Carta Magna “do Pinochet” —escrita pelo advogado constitucionalista e ideólogo da direita chilena Jaime Guzmán, sofreu alterações durante a democracia, manteve vários dos seus aspectos principais. Ela continuou sendo a base do modelo neoliberal chileno que se adentrou na saúde, educação e sistema de aposentadoria, e também impedia grandes reformas estruturais pela exigência de um quórum de dois terços ou três quintos que, na prática, sempre foi muito difícil de ser alcançado.  

O novo ciclo

A decisão de escrever uma nova Carta Magna encerra um ciclo doloroso para milhares de pessoas que foram vítimas da ditadura do Pinochet, uma das mais sangrentas na América Latina, e também para tantas outras que até agora vivem em um país desigual devido, em grande parte, às disposições da atual legislação. O ciclo que começa agora é cheio de esperanças, mas também repleto de desafios.

O presidente Sebastián Piñera, quem em nenhum momento do processo deixou claro qual era o seu voto, disse domingo de noite que o plebiscito “não é o fim, é o começo de um caminho que juntos deveremos percorrer para escrever uma nova Constituição para o Chile. Até agora, a Constituição nos dividiu. A partir de hoje todos devemos colaborar para que a nova Constituição seja o grande marco de unidade, de estabilidade e de futuro do país”.

Ainda são poucas as definições que já foram tomadas sobre como será a assembleia constituinte. Sabemos que, em abril de 2021, os chilenos voltarão às urnas para escolher os 155 cidadãos que serão parte do processo. Sabemos que ela estará formada de forma paritária por homens e mulheres (algo inédito no país). Mas ainda falta uma série de decisões, como se poderão participar do processo pessoas que não estejam associadas a partidos políticos e se o órgão terá assentos reservados para os povos originários.

A assembleia contará com até 12 meses para redigir uma nova Carta Magna, cujas normas deverão ser aprovadas por dois terços dos integrantes. Esta será submetida a outro plebiscito, cuja participação será obrigatória.

Esse ponto é o que desperta mais dúvidas na sociedade. É que o plebiscito do domingo passado foi de caráter voluntário, e acudiram às urnas um total de 7,5 milhões de chilenos dos mais de 14 milhões habilitados para votar. Apesar de ter sido a participação mais alta da sociedade desde 2012, quanto o sufrágio começou a ser optativo no país, a votação do dia 25 de outubro não deixa claro qual será o resultado final se as 6,5 milhões de pessoas que não participaram no domingo votarem em 2022.

Mas, como dizem por aqui, isso é uma decisão para o Chile do futuro. O Chile do presente quer comemorar. E tem motivos de sobra para isso.

O estádio nacional, um dos maiores centros de tortura durante a ditadura, neste domingo foi um dos lugares que recebeu mais votantes - Bárbara Carvajal (@barvajal)
O estádio nacional, um dos maiores centros de tortura durante a ditadura, neste domingo foi um dos lugares que recebeu mais votantes – Bárbara Carvajal (@barvajal)

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Chile

Chilenos se preparam para um plebiscito histórico sobre manter ou dar adeus à “Constituição do Pinochet”

Chilenos estão ansiosos para o plebiscito, adiado desde abril por conta da pandemia

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Era uma demanda colocada por alguns setores da sociedade chilena há anos, mas foram os protestos de 2019 os que voltaram exigir a derrubada da Constituição de 1981, imposta pela ditadura militar de Augusto Pinochet. Agora, no domingo 25 de outubro, mais de 14 milhões de chilenos acudirão às urnas em um plebiscito histórico que decidirá se o país “aceita” (aprueba) ou “rejeita” (rechaza) uma nova Carta Magna. A votação foi pensada como um caminho político para aplacar a crise social que o Chile enfrenta.

Por: Amanda Marton Ramaciotti, jornalista brasileira-chilena

Os ânimos estão à flor da pele. Nos muros, nas redes sociais, na mídia praticamente não se fala de outra coisa. Não é para menos, já que o plebiscito, inicialmente marcado para o dia 26 de abril, foi atrasado pelo governo devido à pandemia. Além disso, acontecerá somente uma semana depois do primeiro aniversário do chamado “estallido social”, iniciado em 18 de outubro de 2019, quando milhões de pessoas saíram às ruas para exigir um país mais igualitário. Mas a sociedade chilena -como tantas outras na América Latina e no mundo- está profundamente polarizada e, apesar de as pesquisas dizerem que a maioria votará pelo “aceita”, nada está definido.

Foto: Pablo Gramsch / Instagram: @active_grounds


Por um lado, o “apruebo” reúne intenções diversas, que vão desde exigir uma mudança no modelo neoliberal chileno até entregar mais direitos às mulheres, aos índios e às diversidades sexuais.

Alejandra Saez, uma trabalhadora independente, me disse que vai aprovar porque “se necessita uma mudança imediata, apesar de que o resultado chegue com o tempo, tomar a decisão de transformar o sistema já é um grande avanço”. “Quero que as novas regras validem o bem-estar das pessoas e não os cofres dos outros. Que não nos sintamos atacados pelo sistema”, afirmou.

Já o bioquímico Francisco Pereira me explicou que votará “apruebo” porque considera que é necessária uma “mudança drástica na atual Constituição, já que apesar de que outorga direito a serviços básicos, em nenhum momento garante o acesso a esses serviços, deixando muitos recursos principalmente nas mãos do mundo privado. Além disso, foi escrita para um contexto de desenvolvimento de país determinado muito diferente do atual, e é bastante rígida, o que dificulta que ela seja adaptada às atuais necessidades do Chile”.

Nas campanhas eleitorais, também é possível ver que muitos dos que pedem uma nova Constituição querem reformar as instituições encarregadas da segurança pública, já que, em 2019, pelo menos 30 pessoas morreram, milhares ficaram feridas e o Chile foi cenário de graves violações aos direitos humanos no marco dos protestos sociais, segundo Human Rights Watch, a ONU, entre outros. De acordo com o Instituto Nacional de Direitos Humanos, 460 pessoas sofreram lesões oculares durante as manifestações devido ao uso excessivo da força policial. Delas, pelo menos duas ficaram completamente cegas.

Por outro lado, Natalia C. (que pediu não ser identificada) aposta pelo “rechazo” porque considera que “não há necessidade de escrever uma nova Constituição inteira para realizar as reformas que o país precisa”. Nas redes sociais, as pessoas que chamam a votar por essa alternativa também dizem temer que o Chile se transforme em um país “caótico” e/ou “esquerdista”.

Além disso, muitos sinalizam que votar “apruebo” seria dar um aval à destruição de patrimônio que ocorreu no marco das mobilizações sociais. É que o metrô de Santiago, várias igrejas, ruas e estátuas foram parcialmente destruídos e/ou incendiados desde outubro de 2019, mas não há informação detalhada disponível sobre quem foram os responsáveis de cada um desses atos.

Foto: Pablo Gramsch / Instagram: @active_grounds


Muitos ainda estão indecisos. O microempresário Javier Baltra comentou que achava melhor votar nulo porque “ambas as opções estão cheias de problemas. Aprovar pode ser sinônimo de um Estado maior, e eu acho isso problemático para a economia. E rejeitar é deixar tudo como está até agora e não sei se isso é uma boa ideia”.

Além de escolher entre as opções “apruebo” ou “rechazo” uma nova Constituição, os chilenos devem votar se desejam que a eventual Carta Magna seja escrita por uma Convenção Constitucional formada por 155 constituintes eleitos ou por uma Convenção Mista de 172 membros (metade legisladores e metade cidadãos eleitos).


A LEI ATUAL


Qualquer pessoa que não conheça a história do Chile provavelmente se surpreenderá ao saber que um país como este tenha ainda uma Constituição que foi escrita na época da ditadura militar. “Nossa, mas é um país tão desenvolvido”; “como assim?”; “sério?” foram alguns dos comentários que recebi de amigos brasileiros quando contei sobre o que está acontecendo agora.


A Constituição atual foi aprovada em um questionado plebiscito realizado no dia 11 de setembro de 1980, em plena ditadura do Pinochet, quando milhões de chilenos viviam sob o medo da repressão, sem registros eleitorais e com os partidos políticos dissolvidos.
O texto foi escrito pelo advogado constitucionalista Jaime Guzmán, um dos maiores ideólogos da direita chilena, e que foi assassinado por um comando de ultraesquerda em 1991.

Ele foi escolhido por uma comissão designada pela ditadura. Posteriormente, a redação contou com a revisão e o apoio do Conselho de Estado e a Junta Militar, composta pelos máximos chefes do Exército e o diretor da polícia, que exercia como “poder legislativo”. Guzmán criou uma série de regras muito difíceis de alterar para perpetuar seu modelo econômico e político.

Como ele mesmo disse quando escrevia a Constituição, sua ideia era que, se os adversários chegassem a governar, eles se veriam “obrigados a seguir uma ação não tão distinta ao que alguém como nós gostaria (…) que a margem seja suficientemente reduzida para fazer extremamente difícil o contrário”.

Foto: Pablo Gramsch / Instagram: @active_grounds


Para realizar reformas à Carta Magna, Guzmán detalhou que é necessário alcançar um quórum de dois terços ou três quintos, segundo o caso, algo que, na prática, tem sido praticamente impossível de conseguir, porque nem o oficialismo nem a oposição conta com essa quantidade de votos.

Essa Constituição também instaurou um modelo econômico, político e social neoliberal, que se adentrou na educação e na saúde privada e um sistema de aposentadoria conhecido como AFP baseado na poupança individual e que no ano passado entregou aposentadorias pelo valor de 110.000 pesos chilenos (uns US$ 140). Esse sistema, hoje sumamente questionado pela população chilena, foi elogiado pelo Ministro de Economia do Brasil, Paulo Guedes, em várias ocasiões.

Se bem que o texto legal não estabeleça especificamente que a saúde, a educação ou o sistema de aposentadoria devam ser privados, na prática, sim, impõe princípios que limitam a ação do Estado e promove a atividade privada nesses setores. Por exemplo: não existe no Chile nenhuma universidade que seja gratuita.

Segundo analistas, a Constituição atual também é hierárquica e desconecta a cidadania do poder político, porque não inclui muitos mecanismos de participação.

Ao longo da sua história, sofreu duas modificações: a primeira, em 1989, ano do fim da ditadura, quando foi derrogado um artigo que declarava “ilícitos” a grupos que realizassem “violência ou uma concepção da sociedade do Estado ou da ordem jurídica de caráter totalitário ou fundada na luta de classes”. Outra, em 2005, quando depois de um grande acordo político o presidente socialista Ricardo Lagos conseguiu alterar outros aspectos, como que os comandantes em chefe das Forças Armadas passassem a estar subordinados ao poder civil, e a eliminação de senadores designados e vitalícios. Isto permitiu que em 2006 (há 14 anos!) o Senado fosse totalmente conformado por membros de eleição popular.

Agora, se a opção “apruebo” ganhar o plebiscito, o texto não só será modificado: a sociedade poderá dar adeus à chamada “Constituição do Pinochet”. Sem dúvidas, uma decisão histórica.

Veja também: Chileno preso no RIR: desembargador reconhece ilegalidade da prisão

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Bolívia

Veja a tradução da declaração de Evo Morales

Declaração de Evo Morales, ex-presidente da Bolívia, dada em 18 de outubro, dia da eleição presidencial após o golpe.

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DECLARAÇÃO DE IMPRENSA DO EX-PRESIDENTE EVO MORALES
Buenos Aires, 18 de outubro de 2020

  1. Desde a cidade de Buenos Aires, neste dia histórico, domingo, acompanho nosso povo em seu compromisso com a pátria, com nossa democracia e com o futuro de nossa amada Bolívia, de exercer seu direito ao voto em meio aos acontecimentos em nosso País.
  2. Saúdo o espírito democrático e pacífico com que se desenvolve a votação.
  3. Diante de tantos rumores sobre o que vou fazer, venho declarar que a prioridade é exclusivamente a recuperação da democracia.
  4. Quero pedir a vocês que não caiam em nenhum tipo de provocação. A grande lição que nunca devemos esquecer é que violência só gera violência e que com ela todos perdemos.
  5. Por este motivo, conclamo as Forças Armadas e a Polícia a cumprirem fielmente o seu importante papel constitucional.
  6. Diante da decisão do Tribunal Supremo Eleitoral de suspender o sistema DIREPRE (Divulgação de Resultados Preliminares) para ir diretamente para a apuração oficial, informo que, felizmente, o MAS possui seu próprio sistema de controle eleitoral e que nossos delegados em cada mesa irão monitorar e registrar cada ato eleitoral.
  7. O povo também nos acompanhará nesta tarefa de compromisso com a democracia, como o fez tantas vezes, situação pela qual somos gratos.
  8. É muito importante que todas e todos os bolivianos e partidos políticos esperemos com calma para que cada um dos votos, tanto das cidades como das zonas rurais, seja levado em conta e que o resultado das eleições seja respeitado por todos.
  9. Neste domingo, no campo, nas cidades, no altiplano, nos vales, nas planícies, na Amazônia e no Chaco; em cada canto de nossa amada Bolívia e de diversos países estrangeiros, cada família e cada pessoa participará com alegria e tranquilidade na recuperação da democracia.
  10. É no futuro que todos os bolivianos, inclusive eu, nos dedicaremos à tarefa principal de consolidar a democracia, a paz e a reconstrução econômica na Bolívia.
    Viva a Bolívia!
    Evo Morales

Tradução: Ricardo Gozzi /Jornalistas Livres

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