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Feminismo

O que o caso de estupro na Faculdade de Medicina da USP revela sobre a nossa sociedade

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Por Iolanda Depizzol / Jornalistas Livres

O processo de denúncia, que teve origem após o evento relatado em fevereiro de 2012, durante uma festa pré-carnaval em período de recepção de calouros, promovida por estudantes veteranos do curso de medicina da USP nas dependências da universidade, se estende há 5 anos. O estudante da Faculdade de Medicina é acusado de colocar algo na bebida da vítima e posteriormente ele a estuprou enquanto esta se encontrava em estado de vulnerabilidade, sem pleno controle de seus sentidos e consciência. A vítima diz se lembrar apenas de “flashes” de memória durante o dia, e que após recobrar a consciência tentou se desvencilhar em alguns momentos mas tinha pouca força nos membros e dificuldade para levantar.

O laudo médico realizado uma semana depois indicou lesões leves e hematomas nos braços, no quadril e nádegas, e, devido ao tempo decorrido ficou inviabilizado evidências de ato sexual, porém o laudo psicológico revelou que a vítima apresentava sinais “coerentes com vivência de abuso sexual”.

O estudante nega todas as acusações, e afirma que houve relação sexual consentida. O mesmo estudante é acusado em outros cinco casos de violência sexual na universidade, dos quais, dois casos tramitam na justiça .

Há cerca de três semanas, no dia 07/02, o juiz Klaus Arroyo da 23ª Vara Criminal absolveu o acusado. Na sentença, a qual os Jornalistas Livres tiveram acesso, justifica a conclusão pelo artigo 386, inciso VII do Código de Processo Penal, quando na verdade existiam laudos psiquiátrico e psicológico, sendo este último, de um hospital referência em atendimento de vítimas de violência sexual, além da palavra da vítima e todas essas provas foram absurdamente desconsideradas. O juiz desconsiderou provas, colocou a palavra do agressor sobreposta à da vítima e sentenciou de forma inconsistente com a realidade dos fatos (o inverso do que a jurisprudência preconiza), alegando que haveriam depoimentos que sustentavam a versão do acusado, depoimentos estes, de testemunhas com grande proximidade do acusado e que deveriam portanto, serem tomados com ressalvas.

Segundo o juiz, tudo o que ela fez foi consentido, porque anuiu entrar no quarto do estudante e se locomover até ali por livre e espontânea vontade, dado esse controverso, pois, a vítima ingeriu bebidas alcóolicas, passíveis de conterem substâncias entorpecentes, o que demonstra que a vítima não estava lúcida e portanto, não tinha condições de consentir com qualquer ato.

O Ministério Público entrou com recurso da decisão do juiz no dia 13/02, e informou aos Jornalistas Livres que não dariam mais informações, uma vez que o caso se encontra em sigilo.

Luiz Eduardo Greenhalgh, advogado que assiste à vítima no caso

O advogado Luiz Eduardo Greenhalgh, que assiste a vítima no caso, considerou a sentença “injusta, míope à prova dos autos, e desconsiderou a palavra da vítima que tem valor imprescindível”, como recomenda a jurisprudência, quando em consonância com as provas e avaliações médicas e psicológicas. Quando um crime ocorre em um espaço privado, cujas únicas pessoas presentes são a vítima e o agressor, a palavra da vítima se torna elemento importante devido ao grande constrangimento causado à mesma e à sua superação dos medos de denunciar.

Quando o juiz sugere que por ela estar por vontade própria em um ambiente festivo, ingerindo bebida alcoólica, e que consentiu em entrar no quarto do estudante, indica que ela consentiu em ter relação sexual, ele está analisando a situação de um ponto de vista machista, enraizado na sociedade e no sistema judiciário. Uma visão que impede de ver no perfil de um “bom colega”, “bom aluno”, “bom profissional”, um agressor ou estuprador, imagem geralmente associada a uma figura monstruosa e desconhecida.

Em entrevista aos Jornalistas Livres, a professora da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) e da Rede Não Cala da USP, Heloisa Buarque de Almeida, pesquisadora sobre violência de gênero, nos traz um panorama histórico e cultural sobre casos de estupro nas universidades brasileiras e no país: “Primeira coisa: nem tão raro, nem tão incomum, e não necessariamente com pessoas desconhecidas”. Pesquisa quantitativa do IPEA de 2014 com base nos dados da saúde mostra que 70% dos casos de violência sexual ocorre entre pessoas que já se conhecem.

Pesquisa do IPEA de 2014 sobre os dados da saúde mostra que no geral, 70% dos estupros são cometidos por conhecidos da vítima

E a não ser que a pessoa chegue muito ferida fisicamente nas delegacias, o que é igual na universidade, há uma suspeita sobre a vítima. Mas infelizmente, o mais comum em casos de estupro é que a vítima não necessariamente foi espancada. E na presença de tal situação, parece que aos olhos do judiciário, e da própria apuração da universidade, a denúncia feita pela vítima se torna duvidosa. Para Heloisa, essa dúvida está focada no imaginário de gênero, que abarca uma noção moral do que é uma “moça adequada”.

Se ela foi na festa e bebeu se desconfia da moralidade dela. Como se o fato de ir na festa tivesse junto a ideia de que ela esta disponível.”

Heloisa explica que ao analisar o histórico de pesquisas sobre casos similares de violência sexual desde os anos 90 até hoje, é comum que no processo jurídico se desconfie de novo da fala da vítima, em privilégio à palavra do réu, que diz que foi sexo e não violência. Isso porque, no geral, é muito difícil ter um exame de corpo de delito que comprove a violência sofrida. E se a pessoa foi dopada, por exemplo, ela possivelmente não irá apresentar marcas no corpo como quem ofereceu resistência.

Heloisa Buarque de Almeida, professora da FFLCH USP, da Rede Não Cala, e pesquisadora de gênero

Há uma dificuldade em entender a noção de consentimento, especialmente quando é entre pessoas que já se conhecem, tanto no sistema judicial quanto na universidade, segundo Heloisa. “A fronteira entre assédio e estupro é muito rápida, de repente passou para o outro lado”. Enquanto a paquera é recíproca, o assédio é insistente e agressivo. A paquera é um jogo de reciprocidade, mas existe um imaginário social machista de que quando a mulher diz que não está afim ou que não quer, ela está “se fazendo de difícil” para o homem. Quando indagado, o agressor vai dizer que ele não praticou violência, e sim que ele transou e que ela estava afim. Mas se uma pessoa está muito bêbada ou dopada, o que acontece além da universidade, como em festas no geral, especialmente agora no carnaval, aponta Heloisa, ela pode até se comunicar e expressar intenções, porém não significa que ela esteja consciente de tais manifestações. E por estar vulnerável, a violência é ainda mais grave.

Dentro da universidade, é especialmente associada a unidades que realizam trote, onde há uma noção da violência naturalizada como se fosse uma brincadeira, e também onde há uma forte noção de hierarquia. No caso da faculdade de Medicina envolve as duas coisas, e a hierarquia existe tanto entre professor e aluna, quanto a hierarquia geracional de entrada na universidade que existe entre veterano e caloura. E por isso o que é visto como uma “brincadeira” nos trotes, mas que é um sofrimento para as vítimas, se caracteriza como uma agressão, justamente pelo constrangimento causado, oriundo de uma relação hierárquica.

Cartaz da festa “Fantasias no Bosque”, uma das mais acusadas de agressões, assédios e homofobia

A definição de estupro na lei é caracterizada como um ato de constrangimento, e por isso podem existir “brincadeiras” sem violência aparente mas que se configuram um ato de constrangimento a uma pessoa, explica Heloisa. E para ela esses são os casos mais parecidos com a sociedade em geral, quando se houve histórias de vida de mulheres que foram assediadas por chefes, médicos, ou outras pessoas em situação superior na hierarquia, às vezes sendo o marido ou namorado.

“Estuprador” em geral é vista como uma “palavra forte”, associada ao imaginário do desconhecido monstruoso. Mas não é porque ele violentou uma pessoa que significa que ele se comporta como um monstro o tempo inteiro. O mais comum é justamente o acusado aparentar uma pessoa simpática e amável para um público, mas no espaço privado agir de maneira agressiva e violenta, o que ocorre também em relatos de violência doméstica.

Um caso exemplar foi o do médico Roger Abdelmassih, que só foi condenado porque a palavra da vítima foi levada em consideração, uma vez que eram várias que contavam uma história semelhante. Mas existem casos de agressores recorrentes, e que mesmo assim estão sendo absolvidos. O caso da jovem em questão na Faculdade de Medicina da USP é mais um entre outros cinco casos que se conhece na universidade que envolvem o mesmo acusado.

“O problema não é só punir e prender. É expor isto e mostrar e dizer que existe uma diferença entre sexo consentido e violência sexual.”

Heloisa aponta que nas pesquisas sobre processos judiciários, descritas no livro “Estupro: crime ou cortesia”, uma vez um juiz disse que a mulher era tão feia, que o estupro tinha sido uma cortesia. “É uma visão como se a mulher não pudesse escolher com quem ela quer transar, como se o assédio e o sexo sem consentimento fosse um elogio. Isso gera indignação, porque a pessoa está expressando um sofrimento ali, é uma humilhação!”

Pesquisa sobre processos jurídicos no Brasil, entitulado “Estupro: Crime ou Cortesia?”

A vítima é continuamente constrangida, inclusive para não realizar a denúncia. Relatos de jovens dentro da universidade contam como foram desencorajadas, e até mesmo ameaçadas, para não denunciarem, para não desvirtuar a reputação da casa. Ainda não existem dados quantitativos para a USP, mas estima-se que seja parecido com os dados do IPEA, de que cerca de 10% das mulheres apenas chegam a realizar a denúncia formal.

Nas universidades brasileiras existem poucos mecanismos de acolhimento e assistência às vítimas, e as regras das sindicâncias precisam ser revistas, pois não dão conta de um crime tão grave quanto o estupro. O processo deveria proteger a vítima, mas acaba colocando vítima e agressor frente a frente, o que é mais um constrangimento para quem já sofreu com a agressão e luta para superar o medo de denunciar.

Segundo pesquisa do IPEA de 2014, somente cerca de 10% dos casos de estupro viram denúncia formal

“Se não tem denúncia formal, está explícito que as pessoas não confiam na universidade pra denunciar.” Heloisa conta que é possível notar o período em que uma jovem sofreu violência na universidade pelo seu currículo, que passa de uma situação de bom desempenho e que de repente começa a ser reprovada, levando a uma irregularidade em sua carreira, e muitas vezes até mesmo à desistência. Para ela é necessário criar dentro da universidade ouvidorias, comissão de direitos humanos, e centros de referência de atendimento às vítimas, que fortaleça a rede de denúncias e de cuidado com as vítimas, propiciando sua permanência na universidade.

A assessoria de comunicação da Faculdade de Medicina da USP informou aos Jornalistas Livres que não vai se posicionar sobre um caso que corre na justiça, e que não envolve diretamente a unidade. E deixou claro que já houve uma sindicância interna há dois anos atrás por conta de um julgamento na Justiça, onde o aluno foi suspenso por 18 meses, sendo devidamente punido, não havendo necessidade de mais apurações na faculdade, por meio de sindicâncias, de outras denúncias de violência sexual.

 

 

 

 

 

 

 

Feminismo

“Estupro culposo”, culpa da vítima?

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Por Sonia Coelho*

O caso de André de Camargo Aranha veio à tona nas redes sociais por conta de sua absolvição pela denúncia de estupro de vulnerável. Segundo o The Intercept Brasil, durante o processo o promotor Thiago Carriço de Oliveira apresentou a tese de que não se pode comprovar, na conduta do acusado, a intenção de estuprar, a capacidade de perceber que Mariana não poderia consentir.

A audiência foi gravada e mostra como as vítimas de violência são revitimizadas pela Justiça que deveria acolhê-las. O tratamento à denúncia de estupro feita por Mariana Ferrer escancarou o que nós do movimento feminista temos denunciado sistematicamente: o quanto o Judiciário brasileiro é machista, misógino, patriarcal.

O advogado de defesa de André Aranha, Cláudio da Rosa Filho, armou um show contra Mariana, chegando a falar de sua roupa e de sua conduta para “justificar” o estupro. Expondo e julgando fotos que nada tinham a ver com o caso, e usando uma série de questões morais, tentou justificar que Mariana tivesse consentido com o estupro. É inaceitável que juiz e promotor presenciem a humilhação e o assédio moral proferidos pelo advogado de defesa em relação à vítima e não façam nada, não se pronunciem nem interrompam o advogado.

Não existe estupro “sem querer”

A interpretação do caso pela promotoria afirmou, segundo citação da Folha de São Paulo, que “não restou provada a consciência do acusado acerca de tal incapacidade, tendo-se, juridicamente, por não comprovado o dolo do acusado”– o que o portal The Intercept Brasil resumiu como “estupro culposo” em sua reportagem. O caso revela a dificuldade que as vítimas de crimes de estupro enfrentam para ver os agressores punidos, especialmente quando eles são brancos e ricos. O que Mariana relata é que o estupro aconteceu numa situação em que estava absolutamente vulnerável, sem condições de tomar qualquer decisão. Estupro não é acidente e a palavra da vítima deve prevalecer.

Embora a sentença não tenha citado a classificação do “estupro sem intenção” ou “estupro culposo”, a discussão do tema é essencial para evitar que mais uma tese seja emplacada no Judicário para absolver estupradores no Brasil. Teses machistas estão sendo retomadas no Judiciário, como as de “defesa da honra” e “violenta emoção”. São muitas as teses que o Judiciário brasileiro tem aceitado para manter a impunidade dos agressores no Brasil. Isso só fortalece a cultura do estupro.

O estupro não é um exercício da sexualidade. O estupro é o exercício do poder dos homens sobre as mulheres. Serve para colocar as mulheres no lugar de subordinação, e foi isso que essa audiência tentou: colocar Mariana Ferrer num lugar de subordinação.

O recente caso do jogador de futebol Robinho apresenta uma situação semelhante: ele mesmo dizia que a mulher sequer tinha condição de ficar em pé ou se expressar, mas continuou dizendo que ela quis, e que aquilo não era problemático porque “nem era sexo”. Essa é a tese machista de que os homens não têm essa capacidade de discernir, e é muito perigosa porque aceita como consentimento situações em que o consentimento é impossível. Na nossa sociedade, há um acobertamento dessas situações de violência, propondo uma aceitação como se fosse “algo da vida”. Isso é a banalização do estupro.

Os dados recentes do Fórum Brasileiro de Segurança Pública são alarmantes: em 2015, acontecia um estupro a cada 11 minutos, um dado já muito preocupante; em 2019, a situação piorou muito, passando a um estupro a cada oito minutos. Além disso, nesse período de pandemia que nos exigiu aumentar o isolamento social, vimos diversos estudos apontando um aumento ainda maior dos números de estupro e violência contra a mulher no Brasil. O que o Estado tem feito para se responsabilizar por essa calamidade?

Denunciar não pode acarretar em mais violências

A situação de Mariana Ferrer escancara uma realidade gravíssima. Oestupro já é um crime subnotificado, pela dificuldade de denunciar e ser ouvida. Muitas meninas e mulheres sentem vergonha de denunciar e expor sua intimidade, sua vida pessoal, seus traumas. A dificuldade aumenta quando não há confiança com a Justiça. O que aconteceu com a Mariana é uma prova dessa dificuldade: a vítima torna-se ré, torna-se culpada e é exposta, enquanto o violador sai impune e preservado, porque a palavra dele detém mais poder e confiança.

São várias mulheres e meninas que passam a vida convivendo com o fantasma do estupro que viveram sem conseguir denunciar, exatamente por medo e por vergonha. É por isso que muitas mulheres só conseguem falar sobre o que viveram depois de muitos anos. A desresponsabilização do Estado gera ciclos profundos de violência, anos de silêncio e dor, e afeta até mesmo a saúde mental das mulheres.

No Judiciário, a injustiça tem gênero, classe e raça. É bastante perceptível que a Justiça hoje criminaliza e ataca aqueles que oferecem algum risco ao sistema, ao mesmo tempo que permite a violência contra esses setores. O sistema que protege André de Camargo Aranha (um empresário branco que pode pagar por um dos advogados mais caros de Santa Catarina) é o mesmo que permite que a Polícia Militar assassine e encarcere a população negra, violando de forma brutal os direitos humanos.

Os homens poderosos acusados de estupro têm uma segurança de que as mulheres não vão ter coragem de denunciar e que, mesmo que denunciem, seu dinheiro e posição social são argumentos suficientes para jogar a culpa nas mulheres, dizendo que elas que “não se comportaram como deveriam”. Esse tipo de postura conivente do Judiciário dá a certeza para esses homens de que eles podem continuar estuprando e violentando as mulheres. E esse é um problema da Justiça brasileira e de toda a sociedade.

Isso significa que a Justiça só irá se mexer se nos mobilizarmos. Até 2005, por exemplo, o casamento do estuprador com sua vítima anulava o crime no Brasil. Não fosse o avanço do movimento feminista sobre esse tema, talvez isso ainda vigorasse até hoje. São diversos os casos de violência contra a mulher em que a manifestação do movimento feminista foi crucial para que a Justiça avançasse e a violência recuasse.

Só o feminismo pode mudar a nossa realidade

Graças à luta do movimento feminista, temos avanços importantes para que haja justiça diante de casos de violência e estupro.

Já tivemos muitos avanços, como a aprovação da Lei Maria da Penha em 2003, que possibilitou toda uma gama de políticas públicas de enfrentamento à violência. Ainda assim, precisamos de uma série de políticas que consigam concretizar o que está escrito nas leis, e isso só é possível com o movimento feminista organizado e com a responsabilização do Estado. No período dos governos do PT na Presidência da República, tivemos uma Secretaria de Política para as Mulheres responsável por políticas e programas muito importantes contra a violência e por ampliação da autonomia das mulheres. Infelizmente, muitas delas foram desmontadas pelo governo golpista de Temer ou pelo Ministério da Família de Damares e Bolsonaro.

Todas essas experiências nos mostram que, além de um sistema de justiça efetivo, é preciso uma série de políticas públicas para combater a violência. Essas políticas precisam ser permanentes, e se concretizar na vida das pessoas: serem acessíveis em todos os cantos das cidades, terem orientação feminista, combaterem a violência de forma integral. Para isso, não basta a política nacional. Políticas no âmbito estadual e municipal são cruciais, tanto para garantir a efetivação das políticas e dos serviços públicos, quanto para relacioná-las com a realidade de cada território, enfrentando os desafios próprios e se articulando com as organizações de mulheres e comunitárias em cada lugar.

O caso de Mariana Ferrer é mais um que mostra a necessidade da luta feminista e a necessidade de pensarmos em políticas para o combate à violência contra a mulher, incluindo aí um amplo debate sobre como esses casos são tratados pela Justiça brasileira. Precisamos nos manifestar e exigir que esses casos sejam tratados com a seriedade que lhes é devida. Temos que lutar para denunciar esse caso, fazê-lo retornar para um novo julgamento, onde haja respeito e o combate à violência seja levado a sério. Não iremos aceitar teses machistas, criadas para manter a impunidade do estupro no Brasil.

(*) Sonia Coelho é militante da Marcha Mundial das Mulheres, assistente social e candidata a vereadora em São Paulo.

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Estupro e feminicio em Alto Paraíso de Goiás, na Chapada dos Veadeiros

A cidade conhecida nacionalmente pelo clima esotérico, energia positiva e atrai turistas que exalam positividade, não tem sido um lugar seguro para as moradoras locais

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Republicação do jornal Metrópoles, por Anderson Costolli

APolícia Civil de Goiás (GO) investiga um caso de violência sexual que deixou os moradores de Alto Paraíso (GO), um dos principais destinos turísticos de Goiás, revoltados. Uma mulher, identificada como Oigna Rodrigues da Silva, 43 anos, foi estuprada e, devido aos graves ferimentos provocados pela brutalidade, morreu. Ela chegou a ser socorrida e encaminhada para o hospital da cidade, mas não resistiu.

O caso ocorreu nessa quarta-feira (16/9). Oigna foi encontrada em casa, por uma equipe do Centro de Referência de Assistência Social (CRAS), bastante machucada e o Serviço de Atendimento Móvel Urbano (Samu) foi acionado. A vítima recebeu o atendimento na unidade de saúde, com adoção dos procedimentos e protocolos indicados às vítimas de violência sexual, mas veio a óbito na manhã dessa quinta-feira (17/9).

A Secretaria Municipal de Saúde do município de Alto Paraíso disse que os serviços de segurança pública foram notificados das lesões que a paciente apresentava, através de exame comprobatório de corpo delito preenchido pelo médico de plantão.

O prefeito de Alto Paraíso, Martinho Mendes da Silva, repudiou o caso de violência e disse, por meio de nota, que acionou a PCGO, “solicitando uma atuação severa e investigação rigorosa”.

Oigna era uma mulher bastante conhecida no município. Por ter sofrimentos psíquicos, era atendida pela equipe da Secretaria de Assistência Social e do CRAS havia 12 anos, segundo a prefeitura.

Segundo o boletim de ocorrência, a vítima tinha um atendimento marcado com a assistente social do CRAS para quarta-feira (16/9), mas a paciente não compareceu. Desconfiada, uma equipe foi até a casa da mulher, que não atendeu a porta. Pela janela, uma das assistentes sociais avistou os pés de Oigna, que estava caída no chão.

Com a ajuda de uma vizinha, a funcionária do CRAS conseguiu entrar na casa de Oigna e a encontrou caída, de bruços, com vários ferimentos no rosto e com muito sangue no chão. “Ela estava sem consciência, sangrando, porém, respirando de forma ofegante”, consta no boletim.

Ao chegarem ao local, os atendentes do Samu fizeram os primeiros socorros e verificaram que o sangue na roupa da vítima já estava seco, o que indicava que os ferimentos haviam ocorrido tinha algum tempo.

Os sinais de violência sexual só foram identificados no hospital, no momento em que os funcionários da unidade davam banho em Oigna. “Ela possuía sinais de agressão física no tórax, seio, e também laceração na vagina, em decorrência de uma violência sexual”, diz o documento. Oigna aguardava pela transferência para um hospital em Goiânia, quando teve uma parada respiratória e faleceu.

Delegado da Polícia Civil de Goiás à frente do caso, Danilo Meneses diz que o crime foi cometido com requinte de crueldade. “Já identificamos um suspeito e pretendemos dar uma resposta à sociedade o quanto antes. O crime é realmente chocante. Inadmissível”, disse o delegado.

“Justiça por Oigna”

Nas redes sociais, um coletivo de mulheres de Alto Paraíso clama por segurança, uma vez que ninguém foi preso. O grupo organiza, ao menos, duas manifestações e exigem respostas das autoridades que investigam o caso.

Nesta sexta-feira (18/9), às 17h, ocorre a Marcha Justiça por Oigna, com concentração na Praça do Canãa. A orientação é que todas as mulheres compareçam ao protesto de roupas pretas e levem velas.

Uma nova manifestação está marcada para a próxima segunda-feira (21/9), desta vez em frente à Prefeitura Municipal de Alto Paraíso. O ato Justiça por Oigna começa às 10h.

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Belo Horizonte

A ciranda das mulheres que percorre o Brasil em podcast

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Texto: Lucas Bois
Revisão: Ágatha Azevedo

Escutar notícias, ouvir uma narração e ser levado por uma trilha sonora… O que antes poderia ser um programa de rádio, hoje talvez seja um episódio de podcast. Esse fenômeno que invadiu a internet há poucos anos, continua em constante crescimento no número de ouvintes e se expande também na variedade de assuntos oferecidos. Atualmente, grande parte dos temas de podcasts estão relacionados à pandemia da COVID-19 ou ao contexto sócio-político decorrente do bom ou mau enfrentamento dos governos a essa crise mundial sanitária. No nosso país, a pandemia escancara as desigualdades ao evidenciar os problemas sociais que separam as classes econômicas da população.

Diante desse contexto, as jornalistas Raquel Baster e Joana Suarez decidiram mergulhar no mundo do podcast para contar histórias de mulheres brasileiras que enfrentam a pandemia, além dos desafios diários vividos cotidianamente. “A gente tem certeza que as mulheres sempre tem as melhores soluções. Ao reunir essas histórias, trazemos muitas ideias e inspirações, formando uma grande ciranda. Daí veio o nome do podcast: Cirandeiras“, conta Joana.

Para conhecer melhor esse espaço de webrádio e feminismo, os Jornalistas Livres fizeram um bate-papo com as jornalistas que contam sobre o processo de produção, a pandemia e a relação desse projeto com a democratização da comunicação.

Como começou

Raquel Baster e Joana Suarez já dividiam afinidades pelas pautas feministas e bastou apenas uma semana de quarentena para que colocassem o projeto do podcast em ação. Joana, que vem do jornalismo de redação, conta que já vinha se aproximando da rede de podcasts, refletindo sobre a acessibilidade do áudio e seu poder de democratizar: “A maioria dos textos que eu faço são textos enormes e tenho a certeza que muita gente não lê, principalmente as mulheres sobre quem eu falo. O áudio me atraía muito porque leva as pessoas a imaginarem, criar cenários e ir para outra dimensão. Agora na pandemia onde as pessoas estão confinadas, o podcast virou uma companhia, uma forma de sair de casa.”

Já Raquel trouxe ao universo do podcast, sua experiência com a comunicação popular: “Eu sempre trabalhei muito com rádio comunitária e me interesso por essa forma de comunicação que está mais próxima das pessoas. Por mais que ainda seja um novo tipo de mídia, o podcast traz as características do rádio, como as histórias contadas através de uma narração.”

Como é produzido

Muitas vezes, quem escuta um podcast não imagina o que pode estar por trás de sua produção. Segundo as jornalistas, a primeira coisa a fazer é pensar no tema e escolher as mulheres para as entrevistas, por elas chamadas de “cirandeiras”.

“Geralmente o episódio tem a ver com uma pauta que já trabalhamos anteriormente e assim, procuramos mulheres que já tivemos contato. Por coincidência, toda vez que decidimos uma pauta, acontece algo nacionalmente que se conecta ao programa.” Joana lembra que o episódio recente Pandemia na internet sobre segurança digital foi ao ar na mesma semana em que o Senado brasileiro discutia o projeto de lei que combate fake news, enquanto outra discussão acontecia nas redes sobre a exposição de dados pessoais dos usuários do aplicativo FaceApp.

Após o primeiro contato, elas fazem uma pesquisa sobre a cirandeira, enviam as perguntas e dão algumas dicas à entrevistada de como fazer uma boa gravação utilizando o próprio WhatsApp. Como essa orientação, muitas vezes, não é suficiente, nem sempre os áudios tem a melhor qualidade, “mas na pandemia tá tudo justificado”, comenta Joana.

Com as respostas da entrevistada, o roteiro chega a ter mais de 10 páginas e leva de 20 a 30 horas para sua elaboração. A cada episódio, uma delas toma à frente a função de escrever o roteiro, incluindo referências pessoais, e em seguida, a parceira acrescenta a sua parte. “A gente percebe que às vezes um tema muito comum para uma, pode ser muito complexo para a outra. A gente vai se complementando para facilitar o entendimento de quem escuta”, conta Raquel.

Depois do roteiro, vem a hora da gravação que exige algumas preparações, como escolher um horário silencioso do dia para gravar, desligar a geladeira e armar um pequeno estúdio caseiro com edredons. “O legal do podcast é que é uma mídia barata. Basta ter um celular, internet e gambiarras”, conta Joana dando risadas.

Retorno dos ouvintes

As jornalistas contam que 75% das pessoas que ouvem o podcast são mulheres e pertencem ao grupo social que elas convivem. Além do desafio de expandir a rede de ouvintes, elas relatam que ainda é uma grande dificuldade fazer com que o podcast retorne às pessoas entrevistadas e a outras mulheres que não estão acostumadas a esse tipo de mídia.

Raquel conta que a cirandeira Lia de Itamaracá, entrevistada no episódio Pandemia na Ilha, só pôde escutar o podcast após seu produtor viajar até a ilha onde mora para mostrá-la pessoalmente em seu celular. Lia é uma das mulheres brasileiras que ainda não fazem parte dessa grande rede de internet em 2020.

Um infográfico produzido pelo site iinterativa utilizando as fontes do IBOPE, Spotify Newsroom e ABPod, mostra que cerca de 45% do público dos podcasts é formado por homens, do sudeste do país, que pertencem às classes A e B e tem entre 16 e 24 anos. Segundo a pesquisa feita em 2019, 32% dos entrevistados nem sabiam o que é um podcast.

Se o podcast ainda é limitado a uma pequena parcela da população, o WhatsApp talvez possa ser um lugar mais democrático para a sua difusão. As jornalistas contam que decidiram fazer os episódios em formatos pequenos de até 30 minutos para conseguir enviar pelo aplicativo de mensagens e garantir que o podcast alcance o maior número de pessoas.

Democratização da comunicação

Para a jornalista Raquel Baster, é inevitável discutir o alcance dos podcasts sem pensar na democratização dos meios de comunicação no Brasil. Apesar do surgimento das novas mídias, grande parte das informações veiculadas é controlada por um conglomerado de grandes empresários que atendem os interesses privados dessa própria elite.

Segundo ela, “não adianta inventar a roda do podcast, sem falar da estrutura da comunicação no Brasil. Para tornar (a comunicação) mais acessível, precisamos discutir a concentração midiática. A internet ainda não é acessível para grande parte da população brasileira. Precisamos que o maior número de pessoas tenham acesso, mas que possam também alcançar os meios de produção.”

No episódio sobre trabalhadoras rurais, a entrevistada Verônica Santana fala sobre a dificuldade das agricultoras em conseguir se comunicar durante a pandemia, visto que o trabalho sempre foi presencial. “A gente tem muita dificuldade, tanto no domínio dessas ferramentas, como no desafio de que a internet não funciona na maioria dos nossos territórios rurais. No campo, a internet ainda não é uma realidade.”, diz Verônica.

Segundo a pesquisa TIC Domicílios, apenas 50% da população rural tem acesso a internet e esses números podem diminuir ainda mais de acordo com o recorte social e econômico.

Por outro lado, Joana revela seu otimismo no poder das novas mídias: “Acho que o podcast vai se democratizar como aconteceu com o Instagram. Quando a gente poderia imaginar ter acesso a sotaques das pessoas do sertão do Cariri?” Joana se refere ao podcast BUDEJO, de Juazeiro do Norte, e cita ainda o Radionovela produzido por alunos da UFPE em Caruaru, no agreste pernambucano, que narra em formato de radionovela O Alto da Compadecida em Tempos de Pandemia, adaptação da obra de Ariano Suassuna.

Para onde vai essa Ciranda

O podcast Cirandeiras teve início durante a pandemia, portanto grande parte dos seus episódios tem esse tema como contexto. No entanto, as jornalistas Raquel Baster e Joana Suarez pretendem continuar os episódios futuramente, indo a diferentes locais do Brasil para entrevistar de perto as mulheres que conduzem “as cirandas”.

Os episódios das Cirandeiras estão disponíveis nas plataformas mais conhecidas de podcast e tem a cada quarta-feira um novo episódio. Também estão presentes no Instagram, onde ocorrem as lives com as outras mulheres dentro das temáticas dos programas.

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