Depois de fazer duras críticas à Polícia Federal e ao governo de Michel Temer em sua coluna semanal em O Globo, o economista Paulo Nogueira Batista Jr. ouviu do departamento de RH do jornal que, devido à linha editorial seguida pelo autor, o jornal deixaria de publicar sua coluna. Na publicação ele denunciava outra perseguição do governo Michel Temer, dando nomes aos bois inclusive, que o destituiu de forma traiçoeira do cargo de Vice-Presidente do Banco de Desenvolvimento dos BRICS, o qual ajudou a fundar, e depois de servir ao Brasil por mais de 10 anos como representante junto ao FMI (Fundo Monetário Internacional).
Quem revela essa história é um grupo de voluntários que criou um evento chamado “Precisamos Falar Sobre o Fascismo”, que acontece mensalmente no Rio de Janeiro, reunindo intelectuais e psicanalistas interessados na defesa dos direitos humanos e no combate ao discurso de intolerância e ódio.
Premonitoriamente, a última edição do evento, ocorrida segunda-feira (11/12), foi intitulada “Mordaça”, e Paulo Nogueira Batista Jr. teve a oportunidade de se aprofundar no tema que abordou em sua coluna em O Globo sobre as perseguições políticas nas instituições públicas. No dia seguinte ele foi demitido.
Leia a Nota de Solidariedade escrita pelo coletivo Precisamos Falara Sobre o Fascismo.
Assista ao vídeo com a fala de Paulo Nogueira Batista Jr. no evento.
Abaixo reproduzimos também a coluna do economista, restrita aos assinantes de O Globo, por entendermos se tratar de fato de interesse jornalístico.
Nota de Solidariedade
A Paulo Nogueira Batista Júnior
Ao longo do ano de 2017 realizamos uma série de debates intitulado: Precisamos Falar Sobre o Fascismo.
O projeto se originou da necessidade do enfrentamento a práticas e discursos que tinham a intolerância e o ódio e, consequentemente, a aniquilação à diferença como motor.
Assim, vocalizamos pontos nodais que se acirraram e, em alguns momentos, atualizaram- se violentamente. A pretensão de erigir o modelo homem-branco, heterossexual e burguês nos fez falar de nossa história escravocrata e racista, do extermínio das etnias indígenas, dos que estão à margem do processo produtivo, dos relegados à indigência social e excluídos da lógica do capital, dos fora da normatividade sexual e de suas pretensas expressões degeneradas. Enfim, as diferenças foram convocadas à fala.
No nosso último debate, enfrentamos as Mordaças de nossos dias.
Estavam lá falas e corpos interditados pela lógica hegemônica vigente. Um de nossos convidados foi o economista Paulo Nogueira Batista Júnior, que viveu recentemente não um processo de demissão, mas uma cassação, em toda truculência que esta palavra significa . Sua destituição do cargo de Vice-Presidente do Banco de Desenvolvimento dos BRICS foi urdida por um governo que se alçou ao poder através de espúrias negociações, que são evidenciadas à luz do dia.
Se fosse legítima sua demissão, já que demissões são possíveis, por que Paulo foi cerceado em seu direito de defesa? Por que lhe foi negado acesso e comunicação aos seus colegas e funcionários e até mesmo a sua sala e ao local em que trabalhava? Por que sua presença causava tanto mal-estar e inquietude?
Antes de sua participação no debate, Paulo faz um relato direto e esclarecedor no jornal O Globo, onde mantinha coluna desde seus tempos como representante do Brasil junto ao FMI. Há nomes e sobrenomes em seu relato. Esta trama sórdida foi detalhada e aprofundada em sua fala no nosso debate.
Mas não se rasga a mordaça. Ao contrário, afirma-se a palavra interditada em um retorno à violência do silêncio coagido.
Paulo Nogueira Batista Júnior teve sua palavra cassada novamente pelo referido jornal, sem justificativas sustentáveis. Sua coluna não será mais publicada!
Foi descartado, reduzido ao silêncio desejado.
Sabemos que os bois sempre tem nome e Paulo não vai dizê-los sozinho.
Sem medo ou mordaças, estamos com ele!
Precisamos Falar, Resistir e agir sobre o Fascismo.
Reprodução da Coluna de Paulo Nogueira Batista Jr em O Globo (08/12/2017)
PAULO NOGUEIRA BATISTA JR.
Barbárie
Poucas coisas são mais importantes no Brasil hoje do que apurar o ocorrido na UFSC
O estado de direito, as garantias individuais, o amplo direito à defesa, a proteção contra o abuso de autoridade, a presunção de inocência — tudo isso é como o ar que se respira, a água que se bebe. Só nos damos conta da sua importância vital quando nos são retirados.
O Brasil parece caminhar a passos largos para um estado de exceção, em que prevalecerá o arbítrio, a truculência, o desrespeito aos direitos humanos. A barbárie avança a olhos vistos. Nos últimos dias, tivemos um ataque à Universidade Federal de Minas Gerais — episódio que parece fazer parte de uma ofensiva contra as universidades públicas.
Mais uma vez, assistimos ao abuso da prisão coercitiva do reitor e de professores da universidade, uma humilhação desnecessária e ilegal. Mais uma vez, integrantes do Poder Judiciário e da Polícia Federal se aliaram à mídia para fazer operação espalhafatosa e arbitrária de combate à corrupção. Soldados armados até os dentes, como se estivessem enfrentando perigosos inimigos, invadiram uma universidade para expor professores à execração pública.
Ainda pior foi o que aconteceu há pouco tempo em Florianópolis, na Universidade Federal de Santa Catarina. Prenderam o reitor Luiz Carlos Cancellier, sob a acusação de que ele estava obstruindo investigações. A mídia se encarregou de jogar o seu nome na lama, como corrupto e responsável por desvio de imensas somas. Na prisão, foi submetido a humilhações. Depois de solto, foi proibido de entrar na universidade.
O trabalho na universidade era sua vida. Poucos dias depois, o reitor Cancellier atirou-se do alto de um shopping em Florianópolis. No bolso, trazia o bilhete: “A minha morte foi decretada quando me baniram da Universidade!!!”. Poucas coisas são mais importantes no Brasil hoje do que apurar o ocorrido na Federal de Santa Catarina e punir os responsáveis pelo abuso de poder.
O caso do reitor Cancellier me tocou particularmente, leitor. É que há algumas semelhanças com o que eu mesmo vivenciei. Também sofri recentemente um processo administrativo irregular e arbitrário que levou a meu afastamento da vice-presidência no Banco do Brics em Xangai. Dou nome aos bois. A iniciativa foi de alguns integrantes do governo brasileiro, nomeadamente do presidente do Banco Central, Ilan Goldfajn, acolitado por Marcello Estevão, um assessor irresponsável e bisonho do Ministro da Fazenda. Acusaram-me, sem base, de quebrar o código de conduta, em alguns artigos publicados nesta coluna. Acusaram-me, também sem qualquer base, de ter assediado moralmente um funcionário brasileiro, um certo Sergio Suchodolski, cuja demissão havia recomendado por desempenho pífio no período probatório.
Depois, acusaram-me, sem provas, de obstruir investigações. Negaram-me o direito de defesa. Fui condenado em uma reunião de diretoria, que ocorreu pelas minhas costas, quando estava em viagem de trabalho. Meus funcionários foram instruídos a não fazer qualquer contato comigo. Fui proibido de entrar no banco, e minha sala foi lacrada.
Mas, enfim, poderia ter sido pior. Estou vivo, com saúde, próximo à família, aos amigos e aos correligionários. E disposto a fazer minha parte, por pequena que possa ser, na luta contra a maré ascendente da barbárie.
Paulo Nogueira Batista Jr. é economista e foi vice-presidente do Novo Banco de Desenvolvimento e diretor executivo no FMI pelo Brasil e mais dez países.
vídeo com a fala de Paulo Nogueira Batista Jr. no evento Precisamos Falar Sobre o Fascismo
https://www.facebook.com/jornalistaslivres/videos/654143161376231/
Os Jornalistas Livres tentaram por diversas vezes questionar o jornal sobre os motivos da demissão, mas a redação de O Globo informa que as questões devem ser feitas ao SAC da empresa.
O SAC de O Globo não possui sistema de comunicação com não leitores.
As perguntas enviadas seriam:
- Qual o motivo da demissão do colunista Paulo Nogueira Batista Jr., depois de mais de 10 anos de contribuição para o jornal “O Globo”?
-
O governo Michel Temer e/ou a Polícia Federal intercederam pela demissão de Paulo Nogueira Batista Jr. do jornal “O Globo”?
Caso a empresa responda, atualizaremos a matéria.
4 respostas
E a toda “poderosa” ainda tem coragem de falar em democracia, uma máquina poderosa da comunicação a serviço de um governo ilegítimo.
É um momento de insegurança, de medo e injustiça, no Brasil. Mas estou disposta a lutar.
Bem, pelo que eu saiba, foi o jornalista e colunista Lauro Jardim de ” O Globo “, quem denunciou dando um furo de reportagem, o áudio do diálogo entre o presidente Temer e o dono da JBS na garagem do palácio do Jaburu. Após esse furo jornalístico , o grupo Globo bateu violentamente em Temer à favor de seu impeachment e de seu julgamento como corrupto. Portanto, acho que é mentira que a Globo defenda Temer. Não fez sentido.