América Latina e Mundo
Foro de São Paulo defende a comunicação contra-hegemônica
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Os mais de 300 delegados do 23º Foro de São Paulo, realizado na Nicarágua entre os dias 15 e 19 de julho, apresentaram um documento destinado a orientar a luta das forças progressistas e de esquerda, intitulado “Consenso da Nossa América”. Nele, alguns dos mais representativos líderes da esquerda latino-americana defendem a construção de um modelo comunicacional contra-hegemônico, destinado a enfrentar o “dilúvio de mentiras” que embasam a propaganda pró-imperialista e de direita.
O documento também insiste na necessidade de se construir hegemonia popular, em vez de apenas ocupar os espaços institucionais, o que pode ser lido como uma autocrítica em relação à atuação de partidos como o PT do Brasil, durante os governos de Lula e Dilma Rousseff.
Notável também é o apoio irrestrito à Revolução Bolivariana na Venezuela. Os delegados decidiram por unanimidade apoiar a convocação da Assembleia Nacional Constituinte feita pelo presidente da Venezuela, Nicolás Maduro, para mudar a Constituição do país e alcançar a paz.
Segundo a presidente do Partido dos Trabalhadores (PT), senadora Gleisi Hoffmann, convocar o povo a votar é a melhor maneira de decidir o destino de um país. As eleições para decidir os integrantes da Constituinte estão marcadas para o dia 30 de julho.
O Foro de São Paulo reuniu representantes de 18 partidos políticos de esquerda da América Latina e Caribe. A síntese das discussões está contida no documento chamado “Consenso da Nossa América”.
Participaram do evento representantes de partidos de esquerda de Argentina, Aruba, Barbados, Bolívia, Brasil, Chile, Colômbia, Costa Rica, Cuba, Curaçao, Equador, El Salvador, Guatemala, Haiti, Honduras, Martinica, México, Nicarágua, Panamá, Paraguai, Peru, Porto Rico, República Dominicana, Trinidad e Tobago, Uruguai e Venezuela.
Abaixo, o documento:
Declaração Final do 23º Foro de São Paulo
Nossa América na luta
Rumo à Unidade de Nossa América para sua segunda e definitiva Independência
Depois de mais de cinco séculos de dominação estrangeira e luta indígena e popular pela emancipação, pela primeira vez na história da América Latina e do Caribe seus povos alcançaram uma substancial acumulação social e política, incluindo a ocupação dos espaços institucionais que os coloca ante a tremenda oportunidade e o enorme desafio de desenvolver processos de transformação revolucionária ou reforma social progressista.
Na primeira década de eleições e sucessivas reeleições dos governos de esquerda e progressistas (1999-2009), a necessidade de transformar ou reformar a sociedade a partir dos espaços institucionais recém-ocupados fez com que se negligenciasse o desafio de construir hegemonia popular, única fonte de poder capaz de dotá-los da força necessária para derrotar as tentativas previsíveis do imperialismo e das oligarquias “criollas” de restaurar seu antigo domínio monopolista do Estado, e a vacina para imunizá-los contra deficiências, desvios e erros que causam desacúmulos social e políticos.
No tempo transcorrido desde a segunda década do atual estágio da luta (2009 até o presente) é esse desafio o que dificulta o reconhecimento da oportunidade para transformar ou reformar nossas sociedades. Onde as forças de esquerda e progressistas perderam o controle do poder executivo (Honduras, Paraguai, Argentina e Brasil) os povos intensificam a batalha contra a nova onda neoliberal, e se reorganizam para reconquistar os espaços perdidos. E onde resistem à ofensiva destinada a fechar os espaços democráticos e reverter as transformações sociais, na Venezuela, Bolívia, Equador, Uruguai, Nicarágua e El Salvador, nossas forças seguem trabalhando em função da transformação social para alcançar sua plena e definitiva emancipação, para construir um genuíno sistema de integração regional, e para coadjuvar a construção de um mundo multipolar no qual impere uma correlação de forças favorável aos povos.
Atualmente nos batemos contra uma nova fase de ataques do imperialismo, da direita e das forças oligárquicas a seu serviço, o que torna necessária uma plataforma politica de esquerda, que sirva de instrumento para reagrupar nossas forças no espaço governamental, partidário, dos movimentos sociais e intelectuais com o objeto de relançar os processos de integração latino-americana e caribenha, que têm na Comunidade dos Estados Latino-Americanos e Caribenhos (CELAC) o seu espaço mais precioso, e cujo desenvolvimento e consolidação deve ser um dos nossos objetivos estratégicos de primeira ordem.
No 50º aniversário do assassinato de Che Guevara e do Centenário da vitória da Grande Revolução Socialista de Outubro, não poderia haver melhor homenagem do que, juntamente com as análises auto-críticas, conseguir a criação de uma frente comum continental anti-imperialista que nos leve à nossa segunda e definitiva independência, mediante a luta popular e o aprofundamento dos processos de mudança progressistas e revolucionários no nosso continente.
Após 27 anos de vida, o Foro de São Paulo continua a trabalhar para se fortalecer como um espaço de debate, acordo e convergência da esquerda América Latina e caribenha. O documento Consenso de Nossa América, em permanente elaboração, é uma contribuição para este objetivo político de construir a necessária e indispensável unidade de nossos povos na luta que temos de levar.
Nossa América em sua hora decisiva
América Latina e Caribe continuam a ser um palco de combates entre as oligarquias locais aliadas do imperialismo e os povos organizados em suas lutas patrióticas e anti-imperialistas, orientadas para o socialismo.
Hoje nosso continente vive momentos cruciais de sua história, nos quais são cada vez mais visíveis os efeitos da crise econômica-financeira, política e moral do sistema capitalista. As grandes economias estão cada vez mais pressionadas pelas crises de superprodução e a saturação de seus mercados, o que lhes gera déficit comercial, endividamento, tensão orçamentaria e precarização crescente e não só causado por elas fora do seus territórios, mas dentro deles.
A globalização neoliberal foi projetada e serviu para favorecer as potências imperiais, que não renunciaram e nem renunciarão a proteger suas fronteiras nem a ter negócios rentáveis em todos os cantos do mundo, especialmente aqueles que extraem matérias-primas para a indústria. Tampouco renunciaram e nem renunciarão a derrubar e eliminar a fronteiras do restante dos países, nem a desestabilizar politicamente os nossos governos e a erodir a soberania de nossos povos. Outra coisa é o neoprotecionismo imperial impulsionado por Donald Trump, com o qual se pretende modificar a favor dos Estados Unidos –mas não suprimir—os termos sob os quais se estabeleceram as relações da dita potência com o resto do mundo no marco da globalização neoliberal que as potências imperialistas impulsionaram e seguirão impulsionando.

Bolívar e a solidariedade à Revolução na Venezuela
Os principais ataques do imperialismo e seus aliados na América Latina e no Caribe são contra a Venezuela e sua Revolução Bolivariana, por seus valiosos recursos naturais e sua importância geopolítica e estratégica, da qual se depreende que sua derrota provocaria um efeito dominó na esquerda governante latino-americana e caribenha, sobretudo nos países integrantes da Aliança Bolivariana para os Povos de Nossa América – Tratado de Comércio dos Povos (ALBA-TCP), além de enfraquecer os paradigmas de acordo político, cooperação e integração promovidos pelos governos dos países membros desta aliança. Daí a importância de defender a Venezuela e prevenir a consumação deste plano.
A batalha pela Venezuela é a batalha pelo continente e pelo mundo. O triunfo das forças revolucionárias na Venezuela representa o triunfo de todas as forças de esquerda em todo o mundo e especialmente na América Latina e no Caribe. Sendo a Revolução Bolivariana o alvo de ataque principal do imperialismo e seus lacaios, o movimento revolucionário e progressista da América Latina e até mesmo global não podem fazer menos do que ter como principal prioridade em seus planos de luta e estratégias a defesa da Revolução Bolivariana até suas últimas consequências. É por isso que esta XXIII Reunião do Foro de São Paulo teve como conteúdo fundamental a BATALHA PELA VENEZUELA.
São bem conhecidos os processos desestabilizadores realizados pelo imperialismo norte-americano através das oligarquias locais, contra os processos progressistas e revolucionários de mudança em nosso continente. Os golpes de Estado em Honduras, Paraguai e Brasil; as tentativas de golpe na Venezuela e a guerra econômica contra este país; as tentativas de golpe policial no Equador e secessionista na Bolívia; a ameaça de vetar o acesso da Nicarágua aos créditos dos organismos financeiros internacionais, com a iniciativa legislativa da extrema direita norte-americana conhecida como Lei Nica; a campanha de obstrução e descrédito da gestão do governo da Frente Farabundo Martí de Libertação Nacional (FMLN), de El Salvador; a judicialização da política na Argentina, Brasil e El Salvador; bem como as declarações ofensivas e descontextualizadas do presidente Donald Trump contra Cuba e, mais recentemente, com respeito a que os Estados Unidos vão tomar medidas econômicas fortes e rápidas se a Venezuela levar adiante a Assembléia Nacional Constituinte em 30 de julho; estes são apenas alguns exemplos da intervenção imperialista em nossos países.
Depois de um ano do golpe no Brasil, existem medidas tomadas pelos golpistas que terão sérias repercussões internacionais, especialmente em nossa região, como as reformas trabalhistas e da previdência social, que violam várias convenções da OIT, além de promover uma política externa subordinada ao imperialismo e agressiva contra o governo venezuelano. O golpe é contínuo e um passo a mais acaba de ser dado com a condenação do ex-presidente Lula, para impedir que seja candidato novamente à presidência em 2018.
Um golpe contra um é um golpe contra todos e estamos todos ao lado de Lula, de seu partido e de seus aliados em defesa da democracia e contra o retrocesso econômico, social e político agora vigente no Brasil.
Desde o triunfo da Revolução Bolivariana em 1998, que inaugurou a fase ascendente para a esquerda latino-americana e caribenha na luta pelo poder, chegando a governar em dez nações latino-americanas, só na Argentina as forças populares perderam o governo por eleições. Este é um fato que prova conclusivamente a força dos processos de mudança no nosso continente. Enquanto isso, em Cuba, Nicarágua, Equador, Bolívia, Uruguai e El Salvador os governos esquerdistas se consolidam cada vez mais.
Em Cuba, avança a passos firmes a atualização do modelo econômico e social e a consolidação do Partido como fiador da continuidade histórica do processo revolucionário. Na Nicarágua, a Revolução Sandinista avança em sua segunda fase, criando poder popular e reduzindo a pobreza e a desigualdade social no marco do modelo de consenso com amplo apoio respaldo da população. No Equador, tem lugar a renovação criativa do processo de mudanças e transformações da Revolução Cidadã liderada inicialmente pelo companheiro Rafael Correa Delgado. Na Bolívia, a Revolução Democrática e Cultural alcançou grandes conquistas sociais, o que fortalece a liderança do presidente Evo Morales, indicado pelos movimentos sociais para as eleições de 2019 no marco da Constituição e das leis, para garantir a continuidade do processo revolucionário. No Uruguai, priorizam-se nas políticas governamentais, aspectos sociais que significaram progressos significativos em áreas como saúde, educação, direitos do trabalho, bem como na segurança pública e infra-estrutura. Em El Salvador, a esquerda luta para ampliar e consolidar a transição democrática iniciada a partir dos Acordos de Paz de 1992, e as transformações sociais e econômicas iniciadas desde que chegou ao governo em 2009 e 2014 pela FMLN, constantemente enfrentando tentativas da direita oligárquica para revertê-las e/ou estancá-las. Na Venezuela, apesar da crise causada pelas manobras do imperialismo e da guerra econômica contra o povo e o governo, as forças bolivarianas conseguiram manter a iniciativa com a convocação da Assembléia Nacional Constituinte para o aprofundamento da revolução bolivariana e a defesa da paz e estabilidade no país, que gradualmente vai conseguindo sair da crise, apesar da imagem em sentido contrário apresentada pelos meios de desinformação.
Desde o início da atual ofensiva imperial, a esquerda obteve três triunfos presidenciais: em El Salvador com o professor Salvador Sánchez Ceren em 2014; na Nicarágua com o Comandante Daniel Ortega em 2016; e no Equador, com o companheiro Lenin Moreno Garcés em 2017, dando continuidade ao processo da Revolução Cidadã. Isto e o que foi dito antes refutam a tese do “fim do ciclo progressista” na América Latina e no Caribe.
Devemos incentivar a unidade mais ampla e sólida das forças progressistas e revolucionárias dentro de cada país e em nível continental, e dar um salto de qualidade em nossos mecanismos organizacionais, que nos permita definir uma estratégia e um programa conjuntos de todas as forças de esquerda no continente, sem lamentar revezes ou gabar-se dos triunfos, e sendo, em contrapartida, autocríticos e firmes defensores de nossas conquistas, visando aprofundá-las com iniciativa e ousadia.
Ali onde a direita recuperou o governo, os povos estão prontos para lutar e as forças de esquerda e progressistas têm muitas possibilidades de voltar a governar no curto prazo. A direita não tem outro projeto que não seja o neoliberal, que tanto mal causou aos povos. Por isso – e como demonstram os fatos no Brasil e na Argentina – a ferocidade das medidas da reação nos países onde ela recuperou o governo está sendo um fator objetivamente causador de uma radicalização das forças populares e de ativação de setores até o momento apáticos ou manipuláveis, o que se vê favorecido pela difícil situação econômica e social na qual ainda vivem milhões de latino-americanos e caribenhos, afligidos pela desigualdade, a pobreza extrema, a fome, o desemprego, o analfabetismo, a falta de acesso à educação e aos mais básicos serviços de saúde, o consumo de drogas, a violência, a discriminação e outros males sociais próprios do capitalismo e exacerbados pelo modelo neoliberal. Todos esses males sociais se acentuam com a política das forças imperiais e oligárquicas, que buscam minar as bases sociais da esquerda através de marginalização e banalização mais atroz. A indústria do entretenimento se usa como droga para construir ídolos cada vez mais desumanizados e supérfluos.
Conforme expresso na Declaração Final da 14ª Cúpula de Chefes de Estado e de Governo da ALBA-TCP em Caracas no dia 5 de março de 2017:
“Os governos e os povos da ALBA-TCP (Aliança Bolivariana para os Povos de Nossa América – Tratado de Comercio dos Povos) vemos nesses fenômenos uma nova oportunidade para reagrupamento, mobilização e luta. Devemos apoiar as ações emancipatórias, definir com clareza e realismo os horizontes, identificar bem os valores e princípios que nos unem e assumir um programa de ação integracionista, solidário e internacionalista, que estabeleça as premissas econômicas, sociais e políticas da mudança libertadora.”
Hoje mais do que nunca cobram vigência as palavras do Che na Assembleia Geral das Nações Unidas, citando a Segunda Declaração de Havana:
“Essa onda de estremecido rancor, de justiça reclamada, de direito pisoteado, que começa a se levantar pelas terras da América Latina, essa onda não parará mais. Essa onda irá crescendo cada dia que passe. Porque essa onda a formam os majoritários em todos os aspectos, os que acumulam com seu trabalho as riquezas, criam os valores, fazem andar as rodas da história e que agora despertam do grande sonho embrutecedor a que foram submetidos. Porque essa grande humanidade disse BASTA! E começou a andar. E sua marcha de gigantes não se deterá até conquistar a verdadeira independência…”
A revolução cubana abriu a era da luta continental pela libertação e o socialismo. Vinte anos depois, a Revolução Sandinista reavivou as esperanças na luta revolucionária e inaugurou a era do colapso das ditaduras militares pró-imperialistas de Direita no continente. Vinte anos depois, a Revolução Bolivariana foi o início de uma ofensiva revolucionária sem precedentes, em que até uma dezena de países da América Latina chegou a ser governada por forças progressistas e de esquerda.
A pouco tempo de se completarem os vinte anos da Revolução Bolivariana, novos processos de luta se desenvolvem a partir do grande potencial revolucionário de nossos povos. A única maneira de enfrentar a ofensiva imperialista é fortalecer a unidade das forças de esquerda e aprofundar os processos de mudança social em curso. Só assim conseguiremos incentivar e levar a crescente luta dos povos para manter o terreno alcançado e avançar até novos triunfos populares em toda a grande pátria latino-americana e caribenha.
O aprofundamento das mudanças em andamento está na criação de um novo modelo político e econômico, no qual os cidadãos não só elejam representantes e governantes, mas que decidam as políticas públicas, de Estado e de Governo, tomem decisões, definam o marco de ação de seus representantes e governantes eleitos, e controlem o desempenho destes e do que deverá ser uma nova institucionalidade a partir da qual o povo, desta maneira, exerça diretamente o poder. Um modelo que, no âmbito econômico, consiste na coexistência da empresa privada com um novo setor econômico de caráter popular, em que os trabalhadores possam criar seus próprios meios de produção, e onde o Estado seja o fiador desta democracia econômica complementar para o desenvolvimento das forças produtivas, a prosperidade com eqüidade social e erradicação da pobreza.
O aprofundamento das mudanças está também na estratégia de luta pelo poder, que implica não reduzi-lo à luta eleitoral pelo governo, mas sim incluindo-se as lutas sociais e a disputa por todos os espaços institucionais para sua transformação e evitar que a direita faça uso deles para reverter as conquistas sociais alcançadas.
A concretização de um bloco político e social de mudanças para deslocar o bloco dominante deve ter na classe trabalhadora do campo e da cidade (assalariados e os que não o são) o seu principal protagonista, acompanhada por amplos e diversos setores da sociedade, incluindo a classe média, intelectuais e progressistas, pequenos produtores e empresários. A defesa e o aprofundamento das mudanças sociais e da democracia exige uma ampla base de apoio para eles. A criação do novo modelo político e econômico é parte indispensável na construção de uma nova forma de exercer o poder.
Este novo modelo político e social precisa de um instrumento político que impulsione o protagonismo popular e a construção de uma vontade coletiva nacional e popular.
(…)
Isto implica a necessidade de uma liderança revolucionária que deve ser forjada e perdurar durante a instauração das mudanças sociais necessárias, a fim de contribuir para o maior grau possível de irreversibilidade do processo de transformação.
O Estado deve desempenhar o papel fundamental de direção e regulação da atividade econômica e, portanto, deve garantir a distribuição justa da riqueza e implementar planos de desenvolvimento econômico e social que gozem de apoio popular e se articulem ao processo de integração regional na América Latina e Caribe.
O âmbito cultural e comunicacional
Devemos criar uma frente cultural e comunicacional anti-hegemônica, que some tanto os esforços dos governos progressistas como os das forças políticas de esquerda e dos movimentos sociais. Não é possível uma revolução verdadeira se não for acompanhada por uma profunda revolução cultural e comunicacional.
Não se pode perder a memória sobre a opressão que sofremos os povos colonizados e neocolonizados, desde a conquista com o saque e a destruição, até as primeiras patadas do nascente Império do Norte contra o México, arrebatando deste último a metade de seu território, toda a história da exploração de nossos recursos naturais, intervenções armadas, ditaduras militares impostas pelos Estados Unidos e a continuação atual da opressão imperialista mediante a ação depredadora das corporações sobre nossos países, cuja pobreza se origina em toda essa história de latrocínio.
Isto se manifesta na crônica sinistra das sucessivas intervenções imperiais na América Central e no Caribe, o apoio às ditaduras sangrentas, a gestação de golpes militares, o Plano Condor, implementado pelas ditaduras militares do Cone Sul, com a sua sequela de tortura e desaparecimentos, o uso continuado do terrorismo, a guerra suja contra a Nicarágua na década de oitenta, o criminoso bloqueio e as operações subversivas contra Cuba e outros países progressistas do continente, constituem um legado que não podemos esquecer.
Por causa disso, devemos usar as efemérides associadas a esta história para conduzir campanhas, eventos, fóruns on-line e outras iniciativas que nos ajudem a espalhar a verdade, livre de distorções e manipulações; assim como estimular o desenvolvimento de análise crítica sobre “obras” e “figuras” dos falsos ídolos e sobre as armadilhas do aparelho de legitimação do sistema capitalista, desmontando e denunciando as manipulações.
As forças de esquerda devem se esforçar para promover redes que articulam os núcleos de resistência cultural que hoje estão dispersos; conformar uma frente de pensamento anti-hegemônico sob princípios capazes de trazer os indivíduos e os grupos de diferentes filiações políticas, desde as mais radicais até as de inspiração humanista.
Também se exige uma modificação do discurso e da linguagem política, baseando-se em novos códigos, que incluam um adequado enfoque classista, identitário e de gênero, que mantenha a honestidade, a comunicação direta e confiável com as pessoas, que seja capaz de auscultar e refletir as suas preocupações e interesses, e que contribua para o desenvolvimento do pensamento independente, comprometido com a transformação emancipadora. A defesa permanente da verdade é essencial na atuação da esquerda.
É necessário promover a gestação de organizações de investigação e promoção que funcionem como aliadas dos movimentos sociais e progressistas de esquerda para influenciar no campo da cultura. Onde já existem estas instituições, é preciso potencializá-las ao máximo, implantá-las nos setores intelectuais sem qualquer tipo de sectarismo. Algumas destas entidades podem desempenhar um papel ativo na produção de conteúdo e na geração de propostas para canalizar as nossas ideias, considerando os enormes investimentos que fez e continua a fazer o Império para conceber estratégias cada vez mais sutis a serviço de seus interesses.
Devem fazer-se visíveis as figuras e obras que representem a cultura da resistência; é preciso identificar os eventos culturais e programas onde podem ser apresentados e promovidos; desmontar as fraudes do neoliberalismo e do capitalismo e promover as idéias da emancipação com o apoio da intelectualidade que o maquinário hegemônico excluiu. Nosso desafio está em somar essa vanguarda e conseguir um uso eficaz das novas tecnologias em função da participação cidadã e a da defesa de causas e idéias verdadeiramente justas.
Deve-se conectar os ativistas das redes sociais com aqueles que usam como um meio de expressão de suas demandas, as emissoras de rádio e televisão comunitárias, de modo que a verdade vá encontrando circuitos para se dar a conhecer frente ao grande dilúvio de mentiras. Deve-se incorporar a nossa agenda os temas culturais e somar a nossa luta, sem preconceitos, os esforços daqueles que enfrentam o discurso hegemônico no campo intelectual, especialmente na batalha midiática.
É necessário fazer pleno uso das redes sociais, criar meios de comunicação alternativos em todos os formatos existentes (rádio, televisão, redes sociais, imprensa escrita), que nas mãos de comunicadores sociais gerem o debate sem manipulação, gerem informações a partir de posições firmes de esquerda, distanciadas do panfletário, que é estéril, mas com direção política e conteúdo ideológico. Também é necessário procurar penetração também na mídia comercial e meios de comunicação convencionais, para incluir as vozes progressistas e combater a guerra midiática da direita contra os governos progressistas do continente. Deve-se vincular essa tarefa com o estudo da história e da teoria revolucionária, de modo a ser capaz de combater na luta de idéias, que é a mais importante das lutas revolucionárias.
Todas estas tarefas são exigências destes tempos em que, talvez, mais do que nunca, é crucial diversificar as vias para chegar às bases e multiplicar nossa capacidade de –como disse Fidel– “semear idéias, semear consciência”.
Projeções gerais de curto e médio prazo
É necessária a mobilização das forças progressistas e de esquerda, tanto a nível político partidário como de movimentos sociais, identificando os temas que podem gerar unidade no mais amplo espectro ideológico possível, com o objetivo de desenvolver uma agenda de consolidação da unidade de nossas forças e promover a CELAC como o principal espaço de acordo político da região.
Temos de avançar no acordo entre as forças políticas e os movimentos de esquerda, que permita uma ação coordenada nos foros regionais e internacionais e para enfrentar a ofensiva imperialista e de direita.
Devem ser ampliados os espaços de acordo e cooperação com todos os atores e organizações internacionais que desafiam a hegemonia dos EUA e defendem um mundo multicêntrico e multipolar.
Deve-se detectar, estudar e tirar o máximo proveito de todos os aspectos que constituem os pontos fracos do imperialismo e das forças oligárquicas, assim como as suas próprias contradições.
Considerando que a livre circulação de capitais, a ausência de controles dos bancos privados e a ganância dos proprietários das empresas e das corporações permitiram que da América Latina se evadissem U$ 340 bilhões, convertendo-se isto em um enorme escândalo de corrupção no setor privado, invisibilizada pelas corporações de mídia, apoiamos a proposta do governo equatoriano, da criação de um organismo internacional tributário nas Nações Unidas, e reconhecemos seu esforço executivo e legislativo na luta contra os paraísos fiscais.
O compromisso com a proclamação da América Latina e do Caribe como Zona de Paz, adotada na Segunda Cúpula da CELAC realizada em Cuba em janeiro de 2014, deve orientar a nossa ação internacional, assim como a defesa dos valores universalmente reconhecidos no direito internacional e consagrado na Carta das Nações Unidas. Isto deve incluir um profundo compromisso antiimperialista e portanto anticolonialista, que reivindique o direito à independência, soberania e autodeterminação dos povos.
Uma ameaça ou agressão do imperialismo contra qualquer de nossos países deve ser assumida por todos como uma ameaça e agressão a todos e a cada um dos que compõem a frente continental de forças progressistas e de esquerda, bem como um insulto e violação da Proclamação da América Latina e Caribe como Zona de Paz.
Eixos de mobilização popular
Nossa luta é parte da luta mundial que, de diferentes formas, faz frente à ofensiva imperial dos Estados Unidos. Neste sentido, apoiamos e retomamos o desafio da recente declaração das bancadas de esquerda da Europa e América Latina.
Condenamos o fortalecimento do militarismo no mundo inteiro e instamos os Estados Unidos e a Europa a acabar com as incursões militares que desestabilizam os países do Oriente Médio para apoderarem-se de seus recursos naturais, em aberta cumplicidade com grupos terroristas, o que tanta desolação e morte tem levado aos povos afetados, e verdadeira origem da migração em massa para a Europa daqueles que fogem da morte e guerra levada pela própria Europa aos seus países.
Denunciamos o papel da Organização dos Estados Americanos (OEA) como Ministério das Colônias dos EUA, que a partir da Secretaria-Geral e de maneira particularmente beligerante nos últimos anos, se colocou sempre a serviço dos interesses intervencionistas e se faz de cega diante dos múltiplos atentados contra a democracia e as graves violações dos direitos humanos por parte dos governos oligárquicos e pró-imperialistas na América Latina e nos Estados Unidos.
Condenamos a guerra não convencional e de amplo espectro, econômica e midiática contra a Venezuela por parte da direita oligárquica venezuelana que, incentivada pelo governo dos EUA, está empenhada em desestabilizar e pôr fim, mediante o terrorismo, ao governo democraticamente eleito do presidente Nicolás Maduro que, apesar da situação difícil em sua economia, continua a alocar 70% do orçamento público para o bem-estar de seu povo.
O Foro de São Paulo se declara em estado de alerta e em Sessão Permanente, em apoio à luta do povo venezuelano em defesa da Revolução Bolivariana.
Estamos solidários com as forças políticas e sociais que são reprimidas e perseguidas pelo governo do presidente Mauricio Macri.
Estamos solidários com a paz na Colômbia e denunciamos o conjunto de ações com as quais a extrema-direita naquele país pretende boicotá-la; os assassinatos sistemáticos de dezenas de líderes sociais, defensores dos direitos humanos, lutadores pela paz e indultados das FARC e seus familiares, por forças paramilitares abrigadas sob o manto protetor do terrorismo de Estado; assim como exigimos o cumprimento integral do Acordo de Paz, especialmente a libertação dos presos políticos que estão em greve de fome há vinte e quatro dias, exigindo o cumprimento da lei de anistia. Da mesma forma, apoiamos as negociações com o Exército de Libertação Nacional (ELN).
Exigimos a liberdade de Simón Trinidad e Sonia, revolucionários colombianos e combatentes das FARC que estão presos injustamente nos Estados Unidos, apesar de que, uma depois da outra, foram desmascaradas as falsas acusações que foram feitas contra eles.
Exigimos a liberdade de Milagro Sala, deputada do Parlasul, dirigente social argentina e prisioneira política por defender os direitos dos setores mais humildes e negligenciados em seu país.
Regozijamo-nos com a liberdade do lutador pela independência de Porto Rico Oscar Lopez Rivera, recentemente libertado da prisão graças à tenaz campanha internacional pela sua liberdade e sua forte resistência e firmeza a toda prova.
Apoiamos plenamente a mobilização dos trabalhadores brasileiros contra as políticas neoliberais e antipopulares do governo golpista e de direita de Temer, e a Lula em sua luta por justiça social e democracia, que desencadeou a fúria de seus oponentes, que querem inabilitá-lo politicamente.
Estamos solidários com o povo e o governo da Nicarágua, país que atualmente enfrenta a ameaça do veto dos Estados Unidos contra seu acesso aos créditos nos organismos financeiros internacionais, como chantagem política exercida pelos setores mais reacionários do Congresso, o Senado e o governo dos EUA, encorajados pela direita “criolla” com a vã ilusão de que, como resultado disso, os ditames imperiais serão acatados pelos sandinismo, cujas raízes estão na luta vitoriosa de Augusto C. Sandino contra as tropas intervencionistas norte-americanas, e que conta com um amplo apoio popular e uma correlação de forças amplamente favorável em todos os âmbitos da vida política nacional.
Estamos solidários com o povo e o governo de El Salvador, que conseguiu deter e começar a reverter a crise econômica resultante de duas décadas de governos neoliberais, reduzir a pobreza em 8% e aplicar um exitoso plano de segurança, apesar de ter sido submetido a uma estratégia multifacetada desestabilizadora que inclui o bloqueio econômico à gestão governamental por parte do partido da oligarquia (ARENA) na Assembleia Legislativa e dos magistrados a seu serviço que o controlam a Câmara Constitucional do Supremo Tribunal de Justiça.
Lutamos pela educação gratuita e o acesso à educação de qualidade; por uma cobertura de saúde universal, gratuita e de qualidade; pela eliminação da fome e da desigualdade em toda a região.
Repudiamos a criminalização dos imigrantes, as políticas anti-imigração e a violação dos direitos humanos e trabalhistas dos latino-americanos e caribenhos nos Estados Unidos. Apoiamos primordialmente a luta para manter os benefícios temporários de trabalho (TPS) que ajudam a centenas de milhares de famílias em El Salvador, Honduras, Nicarágua e Haiti.
Repudiamos absolutamente as ameaças do governo dos EUA, do Partido Republicano e de congressistas de direita que pretendem extorquir estes e outros governos para forçar o voto em organismos internacionais como a OEA, por causa do apoio ao intervencionismo dos Estados Unidos, sob a ameaça de eliminar os benefícios migratórios desses povos. Defendemos que o governo do México devolva os fundos de poupança usurpados dos chamados “braceros”, trabalhadores mexicanos que foram empregados nos Estados Unidos entre 1941 e 1964.
Apoiamos um mundo sem fronteiras em que se priorize a livre circulação dos seres humanos e não apenas a livre circulação de mercadorias. Por isso, rejeitamos os muros, especialmente o que se pretende construir na fronteira entre Estados Unidos e México.
Pronunciamo-nos pela total eliminação do arsenal nuclear que existe no mundo, nos opomos à corrida armamentista e à existência de bases militares em solo estrangeiro.
Rechaçamos qualquer forma de racismo e discriminação. Impulsionamos o exercício pleno dos direitos econômicos, culturais, sociais e políticos das mulheres, e a eliminação da cultura patriarcal.
Exigimos a retirada das forças da MINUSTAH que, seguindo o mandato do antidemocrático Conselho de Segurança da ONU, mantém ocupado o Haiti há mais de uma década.
Condenamos o narcotráfico, o tráfico de seres humanos e o terrorismo, e denunciamos a dupla moral de um sistema que diz lutar contra o crime organizado, enquanto protege os seus grandes promotores e os principais responsáveis. Defendemos o cultivo legal e o uso tradicional benéfico da folha de coca.
Condenamos as políticas anti-imigrantes e o terrorismo e promovemos o reconhecimento dos imigrantes como trabalhadores, o reconhecimento de seus direitos trabalhistas e o respeito pelos seus direitos humanos.
Estamos solidários com os povos que enfrentam hoje os governos de direita na região. Proclamamos o direito humano à água, lutando contra a destruição do meio ambiente, a ameaça à biodiversidade e ao ecossistema em geral.
Apoiamos as demandas dos pequenos Estados insulares do Caribe à reparação pelos danos humanos da escravidão e a acessar recursos que permitam sua resiliência frente às alterações climáticas.
Exigimos o levantamento incondicional, total e definitivo do bloqueio econômico, comercial e financeiro do governo dos Estados Unidos contra Cuba, e a indenização do povo cubano pelos danos e prejuízos causados por mais de meio século de agressões de todos os tipos.
Exigimos a devolução ao povo de Cuba do território ocupado pela ilegal base naval americana em Guantánamo.
Apoiamos a reivindicação histórica da Argentina sobre a soberania das Ilhas Malvinas, Geórgia do Sul e Sandwich do Sul.
Apoiamos a Bolívia em sua reivindicação de saída para o mar com soberania.
Exigimos a descolonização completa do Caribe e apoiamos de maneira particular a independência de Porto Rico, que no dia 25 de julho de 2017 lembra cento e dezenove anos da invasão militar estadounidense contra esta nação caribenha. Nós também defendemos a eliminação de todas as formas de colonialismo e neocolonialismo.
Exigimos a eliminação de todas as bases militares dos EUA que existem na região (77 no total, que, juntamente com a Quarta Frota, cobrem todo o espaço regional), e todas as bases militares estrangeiras de qualquer país, onde quer que estejam.
Apoiamos o pedido de indenização ao Caribe pelos horrores da escravidão e o tráfico de escravos, assim como ao resto da América Latina, por 500 anos de saques a suas riquezas e a seus povos, que ainda continua.
Defendemos os direitos e as culturas dos povos originários, cuja existência tanto hoje como ontem, sempre esteve ameaçada.
Neste momento decisivo para o nosso continente enfrentaremos o desafio de aprofundar os processos de mudança em curso como a única maneira de derrotar a ofensiva da direita e do imperialismo. [Mantemo-nos] fiéis à nossa luta pela paz, a democracia e o socialismo, única garantia para alcançar nossa segunda, definitiva e verdadeira independência política e econômica, bem como a nossa emancipação cultural e nossa própria identidade continental latino-americana e caribenha; a identidade, soberania e autodeterminação desta grande pátria, justamente batizada pelo apóstolo continental José Martí como NOSSA AMÉRICA, que é o sonho de Bolívar cada vez mais perto de ser realidade.
Nossa América na luta, HASTA LA VICTORIA SIEMPRE!
Cidade de Manágua, em 19 de julho, 2017.
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América Latina e Mundo
Chilenos enterram a Constituição de Pinochet e começam um inédito (e incerto) processo Constituinte
Carta Magna produzida em 1980 era a base do modelo neoliberal chileno, que destruiu a Saúde, a Educação e a Previdência públicas
Publicadoo
5 anos atrásem
27/10/20
A data 25 de outubro ficará marcada para sempre na história do Chile. Em 2019, foi o dia em que mais de 1,2 milhão de pessoas saíram às ruas para exigir um país mais digno. Um ano depois dessa manifestação, a maior do país, no dia 25 de outubro de 2020 os chilenos decidiram enterrar o último legado da ditadura de Augusto Pinochet: a Constituição de 1980.
Por Amanda Marton Ramaciotti, jornalista brasileira-chilena
No domingo, milhões de chilenos votaram em um plebiscito sobre escrever ou não uma nova Carta Magna, uma medida que nasceu como uma saída política à crise social iniciada em 2019. O resultado foi avassalador: 78,27% da população aprovou a iniciativa, contra 21,73% que a rejeitou.
Além disso, 78,99% dos votantes disse que quer que a nova Constituição seja redigida por uma Convenção Constituinte formada por 155 membros eleitos pela sociedade; versus um 21,01% que expressou que preferia uma Convenção Mista, formada por 172 membros, a metade deles legisladores e o restante constituintes.
A comemoração durou horas. Em Santiago, milhares de pessoas foram a pé, de carro e de bicicleta em caravana até a avenida principal da capital e à praça central (antes conhecida como Praça Itália e agora, pelas manifestações, chamada popularmente de “Praça Dignidade”). Bandeiras do Chile e cartazes com as palavras “adeus, general” (em referência ao Pinochet) eram vistos em várias ruas.

A sensação era de um êxtase coletivo. “Ainda não consigo acreditar no que está acontecendo… Mais do que isso, é impossível dimensionar tudo que conseguimos”, me disse uma manifestante. Em um dos edifícios emblemáticos de Santiago, foi possível ler uma grande projeção com a palavra “Renasce”.
“Para mim, é o começo de uma nova era”, comentou um jovem que estava comemorando os resultados do plebiscito.
Ele tem razão. Apesar de que a Carta Magna “do Pinochet” —escrita pelo advogado constitucionalista e ideólogo da direita chilena Jaime Guzmán—, sofreu alterações durante a democracia, manteve vários dos seus aspectos principais. Ela continuou sendo a base do modelo neoliberal chileno que se adentrou na saúde, educação e sistema de aposentadoria, e também impedia grandes reformas estruturais pela exigência de um quórum de dois terços ou três quintos que, na prática, sempre foi muito difícil de ser alcançado.
O novo ciclo
A decisão de escrever uma nova Carta Magna encerra um ciclo doloroso para milhares de pessoas que foram vítimas da ditadura do Pinochet, uma das mais sangrentas na América Latina, e também para tantas outras que até agora vivem em um país desigual devido, em grande parte, às disposições da atual legislação. O ciclo que começa agora é cheio de esperanças, mas também repleto de desafios.
O presidente Sebastián Piñera, quem em nenhum momento do processo deixou claro qual era o seu voto, disse domingo de noite que o plebiscito “não é o fim, é o começo de um caminho que juntos deveremos percorrer para escrever uma nova Constituição para o Chile. Até agora, a Constituição nos dividiu. A partir de hoje todos devemos colaborar para que a nova Constituição seja o grande marco de unidade, de estabilidade e de futuro do país”.
Ainda são poucas as definições que já foram tomadas sobre como será a assembleia constituinte. Sabemos que, em abril de 2021, os chilenos voltarão às urnas para escolher os 155 cidadãos que serão parte do processo. Sabemos que ela estará formada de forma paritária por homens e mulheres (algo inédito no país). Mas ainda falta uma série de decisões, como se poderão participar do processo pessoas que não estejam associadas a partidos políticos e se o órgão terá assentos reservados para os povos originários.
A assembleia contará com até 12 meses para redigir uma nova Carta Magna, cujas normas deverão ser aprovadas por dois terços dos integrantes. Esta será submetida a outro plebiscito, cuja participação será obrigatória.
Esse ponto é o que desperta mais dúvidas na sociedade. É que o plebiscito do domingo passado foi de caráter voluntário, e acudiram às urnas um total de 7,5 milhões de chilenos dos mais de 14 milhões habilitados para votar. Apesar de ter sido a participação mais alta da sociedade desde 2012, quanto o sufrágio começou a ser optativo no país, a votação do dia 25 de outubro não deixa claro qual será o resultado final se as 6,5 milhões de pessoas que não participaram no domingo votarem em 2022.
Mas, como dizem por aqui, isso é uma decisão para o Chile do futuro. O Chile do presente quer comemorar. E tem motivos de sobra para isso.

Chile
Chilenos se preparam para um plebiscito histórico sobre manter ou dar adeus à “Constituição do Pinochet”
Chilenos estão ansiosos para o plebiscito, adiado desde abril por conta da pandemia
Publicadoo
5 anos atrásem
23/10/20
Era uma demanda colocada por alguns setores da sociedade chilena há anos, mas foram os protestos de 2019 os que voltaram exigir a derrubada da Constituição de 1981, imposta pela ditadura militar de Augusto Pinochet. Agora, no domingo 25 de outubro, mais de 14 milhões de chilenos acudirão às urnas em um plebiscito histórico que decidirá se o país “aceita” (aprueba) ou “rejeita” (rechaza) uma nova Carta Magna. A votação foi pensada como um caminho político para aplacar a crise social que o Chile enfrenta.
Por: Amanda Marton Ramaciotti, jornalista brasileira-chilena
Os ânimos estão à flor da pele. Nos muros, nas redes sociais, na mídia praticamente não se fala de outra coisa. Não é para menos, já que o plebiscito, inicialmente marcado para o dia 26 de abril, foi atrasado pelo governo devido à pandemia. Além disso, acontecerá somente uma semana depois do primeiro aniversário do chamado “estallido social”, iniciado em 18 de outubro de 2019, quando milhões de pessoas saíram às ruas para exigir um país mais igualitário. Mas a sociedade chilena -como tantas outras na América Latina e no mundo- está profundamente polarizada e, apesar de as pesquisas dizerem que a maioria votará pelo “aceita”, nada está definido.

Por um lado, o “apruebo” reúne intenções diversas, que vão desde exigir uma mudança no modelo neoliberal chileno até entregar mais direitos às mulheres, aos índios e às diversidades sexuais.
Alejandra Saez, uma trabalhadora independente, me disse que vai aprovar porque “se necessita uma mudança imediata, apesar de que o resultado chegue com o tempo, tomar a decisão de transformar o sistema já é um grande avanço”. “Quero que as novas regras validem o bem-estar das pessoas e não os cofres dos outros. Que não nos sintamos atacados pelo sistema”, afirmou.
Já o bioquímico Francisco Pereira me explicou que votará “apruebo” porque considera que é necessária uma “mudança drástica na atual Constituição, já que apesar de que outorga direito a serviços básicos, em nenhum momento garante o acesso a esses serviços, deixando muitos recursos principalmente nas mãos do mundo privado. Além disso, foi escrita para um contexto de desenvolvimento de país determinado muito diferente do atual, e é bastante rígida, o que dificulta que ela seja adaptada às atuais necessidades do Chile”.
Nas campanhas eleitorais, também é possível ver que muitos dos que pedem uma nova Constituição querem reformar as instituições encarregadas da segurança pública, já que, em 2019, pelo menos 30 pessoas morreram, milhares ficaram feridas e o Chile foi cenário de graves violações aos direitos humanos no marco dos protestos sociais, segundo Human Rights Watch, a ONU, entre outros. De acordo com o Instituto Nacional de Direitos Humanos, 460 pessoas sofreram lesões oculares durante as manifestações devido ao uso excessivo da força policial. Delas, pelo menos duas ficaram completamente cegas.
Por outro lado, Natalia C. (que pediu não ser identificada) aposta pelo “rechazo” porque considera que “não há necessidade de escrever uma nova Constituição inteira para realizar as reformas que o país precisa”. Nas redes sociais, as pessoas que chamam a votar por essa alternativa também dizem temer que o Chile se transforme em um país “caótico” e/ou “esquerdista”.
Além disso, muitos sinalizam que votar “apruebo” seria dar um aval à destruição de patrimônio que ocorreu no marco das mobilizações sociais. É que o metrô de Santiago, várias igrejas, ruas e estátuas foram parcialmente destruídos e/ou incendiados desde outubro de 2019, mas não há informação detalhada disponível sobre quem foram os responsáveis de cada um desses atos.

Muitos ainda estão indecisos. O microempresário Javier Baltra comentou que achava melhor votar nulo porque “ambas as opções estão cheias de problemas. Aprovar pode ser sinônimo de um Estado maior, e eu acho isso problemático para a economia. E rejeitar é deixar tudo como está até agora e não sei se isso é uma boa ideia”.
Além de escolher entre as opções “apruebo” ou “rechazo” uma nova Constituição, os chilenos devem votar se desejam que a eventual Carta Magna seja escrita por uma Convenção Constitucional formada por 155 constituintes eleitos ou por uma Convenção Mista de 172 membros (metade legisladores e metade cidadãos eleitos).
A LEI ATUAL
Qualquer pessoa que não conheça a história do Chile provavelmente se surpreenderá ao saber que um país como este tenha ainda uma Constituição que foi escrita na época da ditadura militar. “Nossa, mas é um país tão desenvolvido”; “como assim?”; “sério?” foram alguns dos comentários que recebi de amigos brasileiros quando contei sobre o que está acontecendo agora.
A Constituição atual foi aprovada em um questionado plebiscito realizado no dia 11 de setembro de 1980, em plena ditadura do Pinochet, quando milhões de chilenos viviam sob o medo da repressão, sem registros eleitorais e com os partidos políticos dissolvidos.
O texto foi escrito pelo advogado constitucionalista Jaime Guzmán, um dos maiores ideólogos da direita chilena, e que foi assassinado por um comando de ultraesquerda em 1991.
Ele foi escolhido por uma comissão designada pela ditadura. Posteriormente, a redação contou com a revisão e o apoio do Conselho de Estado e a Junta Militar, composta pelos máximos chefes do Exército e o diretor da polícia, que exercia como “poder legislativo”. Guzmán criou uma série de regras muito difíceis de alterar para perpetuar seu modelo econômico e político.
Como ele mesmo disse quando escrevia a Constituição, sua ideia era que, se os adversários chegassem a governar, eles se veriam “obrigados a seguir uma ação não tão distinta ao que alguém como nós gostaria (…) que a margem seja suficientemente reduzida para fazer extremamente difícil o contrário”.

Para realizar reformas à Carta Magna, Guzmán detalhou que é necessário alcançar um quórum de dois terços ou três quintos, segundo o caso, algo que, na prática, tem sido praticamente impossível de conseguir, porque nem o oficialismo nem a oposição conta com essa quantidade de votos.
Essa Constituição também instaurou um modelo econômico, político e social neoliberal, que se adentrou na educação e na saúde privada e um sistema de aposentadoria conhecido como AFP baseado na poupança individual e que no ano passado entregou aposentadorias pelo valor de 110.000 pesos chilenos (uns US$ 140). Esse sistema, hoje sumamente questionado pela população chilena, foi elogiado pelo Ministro de Economia do Brasil, Paulo Guedes, em várias ocasiões.
Se bem que o texto legal não estabeleça especificamente que a saúde, a educação ou o sistema de aposentadoria devam ser privados, na prática, sim, impõe princípios que limitam a ação do Estado e promove a atividade privada nesses setores. Por exemplo: não existe no Chile nenhuma universidade que seja gratuita.
Segundo analistas, a Constituição atual também é hierárquica e desconecta a cidadania do poder político, porque não inclui muitos mecanismos de participação.
Ao longo da sua história, sofreu duas modificações: a primeira, em 1989, ano do fim da ditadura, quando foi derrogado um artigo que declarava “ilícitos” a grupos que realizassem “violência ou uma concepção da sociedade do Estado ou da ordem jurídica de caráter totalitário ou fundada na luta de classes”. Outra, em 2005, quando depois de um grande acordo político o presidente socialista Ricardo Lagos conseguiu alterar outros aspectos, como que os comandantes em chefe das Forças Armadas passassem a estar subordinados ao poder civil, e a eliminação de senadores designados e vitalícios. Isto permitiu que em 2006 (há 14 anos!) o Senado fosse totalmente conformado por membros de eleição popular.
Agora, se a opção “apruebo” ganhar o plebiscito, o texto não só será modificado: a sociedade poderá dar adeus à chamada “Constituição do Pinochet”. Sem dúvidas, uma decisão histórica.
Veja também: Chileno preso no RIR: desembargador reconhece ilegalidade da prisão
Bolívia
Veja a tradução da declaração de Evo Morales
Declaração de Evo Morales, ex-presidente da Bolívia, dada em 18 de outubro, dia da eleição presidencial após o golpe.
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5 anos atrásem
19/10/20
DECLARAÇÃO DE IMPRENSA DO EX-PRESIDENTE EVO MORALES
Buenos Aires, 18 de outubro de 2020
- Desde a cidade de Buenos Aires, neste dia histórico, domingo, acompanho nosso povo em seu compromisso com a pátria, com nossa democracia e com o futuro de nossa amada Bolívia, de exercer seu direito ao voto em meio aos acontecimentos em nosso País.
- Saúdo o espírito democrático e pacífico com que se desenvolve a votação.
- Diante de tantos rumores sobre o que vou fazer, venho declarar que a prioridade é exclusivamente a recuperação da democracia.
- Quero pedir a vocês que não caiam em nenhum tipo de provocação. A grande lição que nunca devemos esquecer é que violência só gera violência e que com ela todos perdemos.
- Por este motivo, conclamo as Forças Armadas e a Polícia a cumprirem fielmente o seu importante papel constitucional.
- Diante da decisão do Tribunal Supremo Eleitoral de suspender o sistema DIREPRE (Divulgação de Resultados Preliminares) para ir diretamente para a apuração oficial, informo que, felizmente, o MAS possui seu próprio sistema de controle eleitoral e que nossos delegados em cada mesa irão monitorar e registrar cada ato eleitoral.
- O povo também nos acompanhará nesta tarefa de compromisso com a democracia, como o fez tantas vezes, situação pela qual somos gratos.
- É muito importante que todas e todos os bolivianos e partidos políticos esperemos com calma para que cada um dos votos, tanto das cidades como das zonas rurais, seja levado em conta e que o resultado das eleições seja respeitado por todos.
- Neste domingo, no campo, nas cidades, no altiplano, nos vales, nas planícies, na Amazônia e no Chaco; em cada canto de nossa amada Bolívia e de diversos países estrangeiros, cada família e cada pessoa participará com alegria e tranquilidade na recuperação da democracia.
- É no futuro que todos os bolivianos, inclusive eu, nos dedicaremos à tarefa principal de consolidar a democracia, a paz e a reconstrução econômica na Bolívia.
Viva a Bolívia!
Evo Morales
Tradução: Ricardo Gozzi /Jornalistas Livres
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