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América Latina e Mundo

Fiscais da Lava Jato peruana voltam ao Brasil após suicídio de ex-presidente

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Nesta terça-feira os fiscais da Lava jato peruana voltarão ao Brasil para nova delação do funcionário da Odebrecht Jorge Barata cujos depoimentos anteriores implicaram todos os últimos quatro presidentes eleitos do Peru, incluindo Alan García, que suicidou-se na última quarta-feira pouco antes do que seria a sua prisão. Mesmo diante do trágico acontecimento a operação que dizimou a classe política do Peru pretende dar continuidade às investigações em meio ao apoio popular angariado e as ainda tímidas críticas e questionamentos sobre os métodos empregados ao largo da força-tarefa.

García, prestes a completar 70 anos, sempre alegou inocência frente às acusações de recebimento de coimas (propinas) no valor de 4 milhões de dólares provenientes da brasileira Odebrecht na licitação do metrô de Lima e da estrada interoceânica, duas megaobras que marcaram sua gestão de 2006 a 2011. A delação do brasileiro Barata implicando pessoas do entorno do ex-presidente, incluindo seu ex-ministro e secretário pessoal Luis Nava baseou a decisão da Justiça peruana, sem a demonstração de provas materiais.

O ex-mandatário havia pedido ao Uruguai asilo político denunciando ser vítima de perseguição, argumento rejeitado pelos uruguaios no início do ano. “O presidente sempre assumiu suas responsabilidades frente ao povo e à história, não frente a polícia fascista que deseja exibir troféus. Estabeleceu-se um mecanismo de perseguição e busca de popularidade de pessoas imbuídas de poder que querem passar para a história como carcereiros, mas suas biografias ficarão escritas em páginas muito escondidas e com letras bem pequenas”, afirmou direto do hospital onde se deu o falecimento, o experiente deputado do Aliança Popular Revolucionária Americana (APRA) Mauricio Mulder, amigo pessoal de García e um dos raros críticos dos métodos empregados ao largo dos processos e suas consequentes sentenças.

A filial peruana da força tarefa nascida no Brasil demonstra uma vez mais que a Lava Jato transformou-se em uma rede que atua através do ativismo de juízes e promotores de forma coordenada em diferentes partes da América Latina – República Dominicana, Equador e Panamá são alguns dos países implicados. Enquanto agrada a opinião pública ao projetar-se como instrumento de combate à corrupção, os fiscais cometeriam atos de exceção como a instalação de grampos clandestinos, a fundamentação de processos calcados em delações de condenados e a utilização da imprensa para vazamentos de informações de caráter sigiloso.

foto: ANDINA/Vidal Tarqui

“A visão crítica é por parte da população a qual considera que se está  abusado de duas figuras jurídicas: a detenção preliminar, que permite o encarceramento do investigado por até dez dias e a prisão preventiva, quando a reclusão pode alcançar 36 meses. Nós os analistas políticos dizemos que a justiça é igual para todos”, comenta Luis Fernando Nunez.

No ano em que elegeu o combate à corrupção como tema da República para 2019, a Justiça decretou a prisão preventiva do último presidente eleito, Pedro Pablo Kuczynski, de 80 anos, o qual renunciou ao cargo devido a supostos delitos de corrupção em 2018, além da compra de votos de parlamentares para evitar sua destituição. Na mesma condição desde o ano passado está a opositora Keiko Fujimori, líder do fujimorismo, corrente majoritária no Congresso através da Fuerza Popular. Ollanta Humala (2011-2016), presidente que permaneceu privado de sua liberdade por quase um ano segue investigado e há ainda a demanda para extradição do ex-presidente Alejandro Toledo (2001 – 2006), atualmente vivendo nos Estados Unidos, todos por conta de possíveis desvios relacionados às atividades da Odebrecht.

“Nesses últimos tempo com a caída dos presidentes acendeu uma luz de esperança em relação ao judiciário, o fiscal José Perez é um ídolo do momento, mas a verdade é que para os pobres nunca há sentenças justas. Se você tem dinheiro e poder pode sair liberado de qualquer situação, o nível de corrupção do judiciário é incrível. Essa é a visão de 99% dos peruanos”, garante Davi Singpatong , morador da periferia da capital.

A situação da massa carcerária é outra similaridade entre os sistemas punitivos do Brasil e do Peru. Pelo menos 84 mil presos aguardando julgamento, segundo relatórios de organizações locais e não há força tarefa alguma nem empenho das autoridades judiciais para tratar da questão.  “São pessoas pobres de poucos recursos, que não contam com advogado de ofício, somente um defensor público, geralmente sobrecarregado de trabalho. As prisões feitas para três mil pessoas , tem dez, quinze mil encarcerados” , relata o professor Miguel Cano.

Os conflitos de García

Apesar da montanha russa que caracterizou a atuação política do líder do movimento aprista, o suicídio chocou aliados e adversários uma vez que o enfrentamento de crises era recorrente na carreira do político, eleito pela primeira vez à presidência com 35 anos. Embora surpresos com a notícia de que o ex-mandatário havia atirado contra a própria cabeça no momento em que a polícia entrava em sua casa, o sentimento expressado por muitos demonstrava pouca resignação diante do ocorrido, senão um tom revanchista, conforme expressam peruanos ouvidos pela reportagem. O atual presidente Martín Vizacarra expressou suas condolências.

“Quase não acreditei no que vi. Você se dá conta do nível de ego que tem esse personagem? Agora supostamente as pessoas o tomam como mártir”, comenta a estudante Mariana Rivera, direto de Puno, na região norte. “Era hora que esse rato morresse. Sua prisão estava dada faz tempo, mas antes ele possuía fiscais e o sistema judicial debaixo de seus pés”, apregoa Henrique Tapia, desde Arequipa, no sul.

Da tentativa de nacionalização de setores da economia durante o primeiro mandato de 1985 a 1990, quando chegou a ser considerado uma liderança do campo de esquerda na região, ao alinhamento às práticas neoliberais nos anos 2000, época em que voltou à presidência, García manteve-se por décadas na dianteira de um dos movimentos políticos maios longevos do Peru, o Apra, apesar das contestações. “Em 1985 o partido Aprista, que havia sido proscrito em décadas anteriores ao ser vinculado com a extrema-esquerda,  tinha entre suas bandeira a luta contra o imperialismo. Sob essa perspectiva, García representava o social cristianismo e vinculava-se à Internacional Socialista”, contextualiza Luis Poma, assessor parlamentar.

“Seu governo tenta expropriar os bancos privados, razão do confronto com as oligarquias, desencadeando hiperinflação e o descalabro econômico. Essa posição inicial de estatizar os meios de produção se contradizia com a política que atentava contra os direitos humanos em sua  luta contra o Sendero Luminoso, grupo guerrilheiro”, complementa. As evidências de violações possuem uma síntese da violência empregada pelo Estado no episódio da Matança de El Frontón, correspondente ao assassinato de cem presos que seriam ligados à guerrilha durante um suposto motim na ilha prisão localizada nas proximidades de Lima, em 1986.

Logo após deixar o executivo, o ex-presidente considerou-se ameaçado pelo regime de Fujimori que dominaria de 1990 a 2000 e exilou-se por oito anos entre a Colômbia e a França – García evitava repetir a experiência vivida por seu pai, preso político durante a ditadura de 1950 por trabalhar como secretário do APRA. De volta ao Peru com a prescrição de processos que enfrentava perderia a eleição de 2001 para Alejandro Toledo, mas cinco anos mais tarde, em aliança com as oligarquias que antes enfrentara,derrotaria Ollanta Humala, associando o adversário ao chavismo  ao mesmo tempo em que apresentava-se como moderado e capaz de fazer o país avançar.

 O arrojo discursivo e a moderação bastaram para que o eleitorado relevasse as denúncias de violação e as dificuldades financeiras da primeira gestão, colocando uma vez mais Alan García no principal posto da República em 2006. O chamado superciclo econômico experimentado com o a subida do preço dos minerais, sobretudo do cobre, fizeram o PIB peruano deslanchar, possibilitando a realização de obras e alguns programas sociais como o Água para Todos, mas a sensação era de que a bonança pertencia às empresas e investidores e não à massa dos trabalhadores. Em resumo, o povo não desfrutou dos benefícios conquistados com a nova estratégica de aproximação com Estados Unidos e Europa através de tratados de livres comércio e de distanciamento do pacto andino (que inclui Bolívia, Venezuela, Equador e Chile).

A última eleição comprovou o espaço perdido.  García fez menos de 5% dos votos no primeiro turno da disputa presidencial e o movimento aprista elegia uma de suas menores bancadas para o parlamento com apenas cinco deputados. Pesquisa divulgada pela Ipsos em 2018 apontou que 90% da população desaprovava o ex-presidente, números que foram de alguma maneira amenizados com o comparecimento expressivo de apoiadores ao funeral público do líder, que deixou uma carta lida por sua filha Lucia na qual expõe as razões para o seu ato.

“Se reverterá (essa rejeição) porque  ao final da história onde está a propriedade, as minhas contas correntes? Não existem. O que me interessa é que o Peru avance e o partido aprista se mantenha. Passarão os anos para entenderem que o meu interesse é pela história e não a opinião imediatista e pequena dos que agora vivem”, declarou Alan García em entrevista à TV peruana um dia antes de seu suicídio.

Publicado no Opera Mundi

 

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América Latina e Mundo

Chilenos enterram a Constituição de Pinochet e começam um inédito (e incerto) processo Constituinte

Carta Magna produzida em 1980 era a base do modelo neoliberal chileno, que destruiu a Saúde, a Educação e a Previdência públicas

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Estátua equestre do general Manuel Baquedano, que liderou expedições contra os indígenas do sul, pintada de vermelho - Bárbara Carvajal (@barvajal)

A data 25 de outubro ficará marcada para sempre na história do Chile. Em 2019, foi o dia em que mais de 1,2 milhão de pessoas saíram às ruas para exigir um país mais digno. Um ano depois dessa manifestação, a maior do país, no dia 25 de outubro de 2020 os chilenos decidiram enterrar o último legado da ditadura de Augusto Pinochet: a Constituição de 1980.

Por Amanda Marton Ramaciotti, jornalista brasileira-chilena

No domingo, milhões de chilenos votaram em um plebiscito sobre escrever ou não uma nova Carta Magna, uma medida que nasceu como uma saída política à crise social iniciada em 2019. O resultado foi avassalador: 78,27% da população aprovou a iniciativa, contra 21,73% que a rejeitou.

Além disso, 78,99% dos votantes disse que quer que a nova Constituição seja redigida por uma Convenção Constituinte formada por 155 membros eleitos pela sociedade; versus um 21,01% que expressou que preferia uma Convenção Mista, formada por 172 membros, a metade deles legisladores e o restante constituintes. 

A comemoração durou horas. Em Santiago, milhares de pessoas foram a pé, de carro e de bicicleta em caravana até a avenida principal da capital e à praça central (antes conhecida como Praça Itália e agora, pelas manifestações, chamada popularmente de “Praça Dignidade”). Bandeiras do Chile e cartazes com as palavras “adeus, general” (em referência ao Pinochet) eram vistos em várias ruas.

Nova Constituição: chance de o Chile renascer - @delight_lab_oficial
Nova Constituição: chance de o Chile renascer – @delight_lab_oficial

A sensação era de um êxtase coletivo. “Ainda não consigo acreditar no que está acontecendo… Mais do que isso, é impossível dimensionar tudo que conseguimos”, me disse uma manifestante. Em um dos edifícios emblemáticos de Santiago, foi possível ler uma grande projeção com a palavra “Renasce”.  

“Para mim, é o começo de uma nova era”, comentou um jovem que estava comemorando os resultados do plebiscito.

Ele tem razão. Apesar de que a Carta Magna “do Pinochet” —escrita pelo advogado constitucionalista e ideólogo da direita chilena Jaime Guzmán, sofreu alterações durante a democracia, manteve vários dos seus aspectos principais. Ela continuou sendo a base do modelo neoliberal chileno que se adentrou na saúde, educação e sistema de aposentadoria, e também impedia grandes reformas estruturais pela exigência de um quórum de dois terços ou três quintos que, na prática, sempre foi muito difícil de ser alcançado.  

O novo ciclo

A decisão de escrever uma nova Carta Magna encerra um ciclo doloroso para milhares de pessoas que foram vítimas da ditadura do Pinochet, uma das mais sangrentas na América Latina, e também para tantas outras que até agora vivem em um país desigual devido, em grande parte, às disposições da atual legislação. O ciclo que começa agora é cheio de esperanças, mas também repleto de desafios.

O presidente Sebastián Piñera, quem em nenhum momento do processo deixou claro qual era o seu voto, disse domingo de noite que o plebiscito “não é o fim, é o começo de um caminho que juntos deveremos percorrer para escrever uma nova Constituição para o Chile. Até agora, a Constituição nos dividiu. A partir de hoje todos devemos colaborar para que a nova Constituição seja o grande marco de unidade, de estabilidade e de futuro do país”.

Ainda são poucas as definições que já foram tomadas sobre como será a assembleia constituinte. Sabemos que, em abril de 2021, os chilenos voltarão às urnas para escolher os 155 cidadãos que serão parte do processo. Sabemos que ela estará formada de forma paritária por homens e mulheres (algo inédito no país). Mas ainda falta uma série de decisões, como se poderão participar do processo pessoas que não estejam associadas a partidos políticos e se o órgão terá assentos reservados para os povos originários.

A assembleia contará com até 12 meses para redigir uma nova Carta Magna, cujas normas deverão ser aprovadas por dois terços dos integrantes. Esta será submetida a outro plebiscito, cuja participação será obrigatória.

Esse ponto é o que desperta mais dúvidas na sociedade. É que o plebiscito do domingo passado foi de caráter voluntário, e acudiram às urnas um total de 7,5 milhões de chilenos dos mais de 14 milhões habilitados para votar. Apesar de ter sido a participação mais alta da sociedade desde 2012, quanto o sufrágio começou a ser optativo no país, a votação do dia 25 de outubro não deixa claro qual será o resultado final se as 6,5 milhões de pessoas que não participaram no domingo votarem em 2022.

Mas, como dizem por aqui, isso é uma decisão para o Chile do futuro. O Chile do presente quer comemorar. E tem motivos de sobra para isso.

O estádio nacional, um dos maiores centros de tortura durante a ditadura, neste domingo foi um dos lugares que recebeu mais votantes - Bárbara Carvajal (@barvajal)
O estádio nacional, um dos maiores centros de tortura durante a ditadura, neste domingo foi um dos lugares que recebeu mais votantes – Bárbara Carvajal (@barvajal)

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Chile

Chilenos se preparam para um plebiscito histórico sobre manter ou dar adeus à “Constituição do Pinochet”

Chilenos estão ansiosos para o plebiscito, adiado desde abril por conta da pandemia

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Era uma demanda colocada por alguns setores da sociedade chilena há anos, mas foram os protestos de 2019 os que voltaram exigir a derrubada da Constituição de 1981, imposta pela ditadura militar de Augusto Pinochet. Agora, no domingo 25 de outubro, mais de 14 milhões de chilenos acudirão às urnas em um plebiscito histórico que decidirá se o país “aceita” (aprueba) ou “rejeita” (rechaza) uma nova Carta Magna. A votação foi pensada como um caminho político para aplacar a crise social que o Chile enfrenta.

Por: Amanda Marton Ramaciotti, jornalista brasileira-chilena

Os ânimos estão à flor da pele. Nos muros, nas redes sociais, na mídia praticamente não se fala de outra coisa. Não é para menos, já que o plebiscito, inicialmente marcado para o dia 26 de abril, foi atrasado pelo governo devido à pandemia. Além disso, acontecerá somente uma semana depois do primeiro aniversário do chamado “estallido social”, iniciado em 18 de outubro de 2019, quando milhões de pessoas saíram às ruas para exigir um país mais igualitário. Mas a sociedade chilena -como tantas outras na América Latina e no mundo- está profundamente polarizada e, apesar de as pesquisas dizerem que a maioria votará pelo “aceita”, nada está definido.

Foto: Pablo Gramsch / Instagram: @active_grounds


Por um lado, o “apruebo” reúne intenções diversas, que vão desde exigir uma mudança no modelo neoliberal chileno até entregar mais direitos às mulheres, aos índios e às diversidades sexuais.

Alejandra Saez, uma trabalhadora independente, me disse que vai aprovar porque “se necessita uma mudança imediata, apesar de que o resultado chegue com o tempo, tomar a decisão de transformar o sistema já é um grande avanço”. “Quero que as novas regras validem o bem-estar das pessoas e não os cofres dos outros. Que não nos sintamos atacados pelo sistema”, afirmou.

Já o bioquímico Francisco Pereira me explicou que votará “apruebo” porque considera que é necessária uma “mudança drástica na atual Constituição, já que apesar de que outorga direito a serviços básicos, em nenhum momento garante o acesso a esses serviços, deixando muitos recursos principalmente nas mãos do mundo privado. Além disso, foi escrita para um contexto de desenvolvimento de país determinado muito diferente do atual, e é bastante rígida, o que dificulta que ela seja adaptada às atuais necessidades do Chile”.

Nas campanhas eleitorais, também é possível ver que muitos dos que pedem uma nova Constituição querem reformar as instituições encarregadas da segurança pública, já que, em 2019, pelo menos 30 pessoas morreram, milhares ficaram feridas e o Chile foi cenário de graves violações aos direitos humanos no marco dos protestos sociais, segundo Human Rights Watch, a ONU, entre outros. De acordo com o Instituto Nacional de Direitos Humanos, 460 pessoas sofreram lesões oculares durante as manifestações devido ao uso excessivo da força policial. Delas, pelo menos duas ficaram completamente cegas.

Por outro lado, Natalia C. (que pediu não ser identificada) aposta pelo “rechazo” porque considera que “não há necessidade de escrever uma nova Constituição inteira para realizar as reformas que o país precisa”. Nas redes sociais, as pessoas que chamam a votar por essa alternativa também dizem temer que o Chile se transforme em um país “caótico” e/ou “esquerdista”.

Além disso, muitos sinalizam que votar “apruebo” seria dar um aval à destruição de patrimônio que ocorreu no marco das mobilizações sociais. É que o metrô de Santiago, várias igrejas, ruas e estátuas foram parcialmente destruídos e/ou incendiados desde outubro de 2019, mas não há informação detalhada disponível sobre quem foram os responsáveis de cada um desses atos.

Foto: Pablo Gramsch / Instagram: @active_grounds


Muitos ainda estão indecisos. O microempresário Javier Baltra comentou que achava melhor votar nulo porque “ambas as opções estão cheias de problemas. Aprovar pode ser sinônimo de um Estado maior, e eu acho isso problemático para a economia. E rejeitar é deixar tudo como está até agora e não sei se isso é uma boa ideia”.

Além de escolher entre as opções “apruebo” ou “rechazo” uma nova Constituição, os chilenos devem votar se desejam que a eventual Carta Magna seja escrita por uma Convenção Constitucional formada por 155 constituintes eleitos ou por uma Convenção Mista de 172 membros (metade legisladores e metade cidadãos eleitos).


A LEI ATUAL


Qualquer pessoa que não conheça a história do Chile provavelmente se surpreenderá ao saber que um país como este tenha ainda uma Constituição que foi escrita na época da ditadura militar. “Nossa, mas é um país tão desenvolvido”; “como assim?”; “sério?” foram alguns dos comentários que recebi de amigos brasileiros quando contei sobre o que está acontecendo agora.


A Constituição atual foi aprovada em um questionado plebiscito realizado no dia 11 de setembro de 1980, em plena ditadura do Pinochet, quando milhões de chilenos viviam sob o medo da repressão, sem registros eleitorais e com os partidos políticos dissolvidos.
O texto foi escrito pelo advogado constitucionalista Jaime Guzmán, um dos maiores ideólogos da direita chilena, e que foi assassinado por um comando de ultraesquerda em 1991.

Ele foi escolhido por uma comissão designada pela ditadura. Posteriormente, a redação contou com a revisão e o apoio do Conselho de Estado e a Junta Militar, composta pelos máximos chefes do Exército e o diretor da polícia, que exercia como “poder legislativo”. Guzmán criou uma série de regras muito difíceis de alterar para perpetuar seu modelo econômico e político.

Como ele mesmo disse quando escrevia a Constituição, sua ideia era que, se os adversários chegassem a governar, eles se veriam “obrigados a seguir uma ação não tão distinta ao que alguém como nós gostaria (…) que a margem seja suficientemente reduzida para fazer extremamente difícil o contrário”.

Foto: Pablo Gramsch / Instagram: @active_grounds


Para realizar reformas à Carta Magna, Guzmán detalhou que é necessário alcançar um quórum de dois terços ou três quintos, segundo o caso, algo que, na prática, tem sido praticamente impossível de conseguir, porque nem o oficialismo nem a oposição conta com essa quantidade de votos.

Essa Constituição também instaurou um modelo econômico, político e social neoliberal, que se adentrou na educação e na saúde privada e um sistema de aposentadoria conhecido como AFP baseado na poupança individual e que no ano passado entregou aposentadorias pelo valor de 110.000 pesos chilenos (uns US$ 140). Esse sistema, hoje sumamente questionado pela população chilena, foi elogiado pelo Ministro de Economia do Brasil, Paulo Guedes, em várias ocasiões.

Se bem que o texto legal não estabeleça especificamente que a saúde, a educação ou o sistema de aposentadoria devam ser privados, na prática, sim, impõe princípios que limitam a ação do Estado e promove a atividade privada nesses setores. Por exemplo: não existe no Chile nenhuma universidade que seja gratuita.

Segundo analistas, a Constituição atual também é hierárquica e desconecta a cidadania do poder político, porque não inclui muitos mecanismos de participação.

Ao longo da sua história, sofreu duas modificações: a primeira, em 1989, ano do fim da ditadura, quando foi derrogado um artigo que declarava “ilícitos” a grupos que realizassem “violência ou uma concepção da sociedade do Estado ou da ordem jurídica de caráter totalitário ou fundada na luta de classes”. Outra, em 2005, quando depois de um grande acordo político o presidente socialista Ricardo Lagos conseguiu alterar outros aspectos, como que os comandantes em chefe das Forças Armadas passassem a estar subordinados ao poder civil, e a eliminação de senadores designados e vitalícios. Isto permitiu que em 2006 (há 14 anos!) o Senado fosse totalmente conformado por membros de eleição popular.

Agora, se a opção “apruebo” ganhar o plebiscito, o texto não só será modificado: a sociedade poderá dar adeus à chamada “Constituição do Pinochet”. Sem dúvidas, uma decisão histórica.

Veja também: Chileno preso no RIR: desembargador reconhece ilegalidade da prisão

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Bolívia

Veja a tradução da declaração de Evo Morales

Declaração de Evo Morales, ex-presidente da Bolívia, dada em 18 de outubro, dia da eleição presidencial após o golpe.

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DECLARAÇÃO DE IMPRENSA DO EX-PRESIDENTE EVO MORALES
Buenos Aires, 18 de outubro de 2020

  1. Desde a cidade de Buenos Aires, neste dia histórico, domingo, acompanho nosso povo em seu compromisso com a pátria, com nossa democracia e com o futuro de nossa amada Bolívia, de exercer seu direito ao voto em meio aos acontecimentos em nosso País.
  2. Saúdo o espírito democrático e pacífico com que se desenvolve a votação.
  3. Diante de tantos rumores sobre o que vou fazer, venho declarar que a prioridade é exclusivamente a recuperação da democracia.
  4. Quero pedir a vocês que não caiam em nenhum tipo de provocação. A grande lição que nunca devemos esquecer é que violência só gera violência e que com ela todos perdemos.
  5. Por este motivo, conclamo as Forças Armadas e a Polícia a cumprirem fielmente o seu importante papel constitucional.
  6. Diante da decisão do Tribunal Supremo Eleitoral de suspender o sistema DIREPRE (Divulgação de Resultados Preliminares) para ir diretamente para a apuração oficial, informo que, felizmente, o MAS possui seu próprio sistema de controle eleitoral e que nossos delegados em cada mesa irão monitorar e registrar cada ato eleitoral.
  7. O povo também nos acompanhará nesta tarefa de compromisso com a democracia, como o fez tantas vezes, situação pela qual somos gratos.
  8. É muito importante que todas e todos os bolivianos e partidos políticos esperemos com calma para que cada um dos votos, tanto das cidades como das zonas rurais, seja levado em conta e que o resultado das eleições seja respeitado por todos.
  9. Neste domingo, no campo, nas cidades, no altiplano, nos vales, nas planícies, na Amazônia e no Chaco; em cada canto de nossa amada Bolívia e de diversos países estrangeiros, cada família e cada pessoa participará com alegria e tranquilidade na recuperação da democracia.
  10. É no futuro que todos os bolivianos, inclusive eu, nos dedicaremos à tarefa principal de consolidar a democracia, a paz e a reconstrução econômica na Bolívia.
    Viva a Bolívia!
    Evo Morales

Tradução: Ricardo Gozzi /Jornalistas Livres

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