Nicarágua
Estão aplicando manual da desestabilização na Nicarágua’, diz embaixadora
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7 anos atrásem
por
Victória Cócolo
A Nicarágua passa por um período turbulento marcado por intensos protestos contra o governo do presidente Daniel Ortega, reeleito em 2016 pela Frente Sandinista de Libertação Nacional. A cobertura internacional das manifestações tem destacado, em geral, a repressão aos participantes do movimento oposicionista, relatando prisões e até mesmo mortes.
Em entrevista ao Brasil de Fato, a embaixadora da Nicarágua, Lorena Martinez, defende que os protestos, iniciados por conta de uma proposta de reforma da previdência, já não tem mais razão de ser e tem sido instrumentalizados pela direita e pelo empresariado. Para ela, aplicam em seu país o mesmo “manual da desestabilização” utilizado em outros países, incluindo a Venezuela e o próprio Brasil.
Martinez afirma que as manifestações na Nicarágua hoje contam com a presença de indivíduos pagos que se valem do emprego de armas de fogo e violência. A diplomata afirma, em resumo, que há contra o governo sandinista uma tentativa de “golpe de Estado”.
Brasil de Fato: As notícias que chegam ao nosso país ressaltam a repressão policial às manifestações. Há, inclusive, uma certa confusão sobre o que reivindicam os protestos. O que realmente se passa na Nicarágua?
Lorena Martinez: Desde 18 de abril há protestos na Nicarágua. Antes dessa data, estávamos trilhando um bom caminho: crescendo economicamente, com bons níveis de redução da desigualdade e de inclusão social.
Os protestos surgiram por conta do tema da reforma da previdência, que, realmente, era um pedido do FMI. Nós temos um programa com o FMI. O governo não aceitou a proposta do FMI, pois era muito ruim. Propôs outra, que afetava mais o setor empresarial. Afetava a população também, mas era muito melhor que o projeto do FMI. A partir daí surgem os protestos, em alguma medida, com legitimidade. De outro lado, os empresários se aproveitaram. Eles têm a atitude de nunca deixar alguém mexer em algo que afete seus rendimentos. Os empresários, que não queriam contribuir mais, se envolveram.
O governo, depois de muitos dias de protestos retirou a proposta inicial, mas os protestos continuaram, sob o argumento de que havia repressão.
Como entender a atuação da Polícia Nacional nesse contexto? Há repressão?
A Polícia [da Nicarágua] é muito nova, tem 39 anos. A mesma idade da Revolução. Não é uma polícia repressora. O governo e o presidente Ortega não têm como objetivo reprimir o povo. É um presidente oriundo de uma Revolução. Os comandantes da Polícia e o presidente sofreram tortura, foram alvo da repressão. Sofreram muitas coisas que agora os acusam. Nossa Polícia tem valores revolucionários, não foi construída para assassinar o povo.
No momento em que houve muitos protestos, teve que atuar como em todos os países. Há mortos dos dois lados. No início, falava-se que eram estudantes. Mas agora não são estudantes, são pessoas pagas para continuar os protestos e continuar nas barricadas.
Quando o presidente Ortega chamou uma mesa de diálogo com os manifestantes, para que eles colocassem sua demanda, no primeiro dia, pediram a renúncia do presidente. Como se faz negociação sendo que o único ponto da agenda é a renúncia de uma pessoa eleita com quase 72% dos votos e com um grande apoio popular?
Há manifestantes armados, então? As imagens que nos chegam mostram apenas o uso de rojões.
Aqueles que permanecem protestando são extremamente violentos. Estão assassinando pessoas que se identificam como sandinistas. Se tornou um movimento ideológico, uma ação partidária. Há muitas casas incendiadas apenas por serem de familiares de dirigente ou parlamentar sandinista.
A população que estava protestando inicialmente não está mais nas ruas. Essa violência jamais foi vista em nosso país. O nível de ódio é assustador. São pessoas pagas por “programas especiais”, que chegam em nome da democracia, da liberdade de expressão, com financiamento para “jovens líderes”, e que depois desembocam nessa atuação.
Eles estão armados. Nós temos fotos. Eles têm armas de alto calibre. Não estão só com rojões, como eles dizem. Ainda que os rojões também matem. São pessoas destruindo a propriedade privada e a pública. Muitos diretórios sandinistas estão sendo queimados.
Além disso, já se demonstrou que várias ações violentas foram realizadas com o intuito de responsabilizar a Polícia sandinista.
O Brasil passou por uma onda de protestos em 2013, iniciados por uma reivindicação a respeito de tarifas de transporte. Muitos avaliam que, ao final, estes protestos foram canalizados pela direita. É essa a visão que o governo sandinista tem do atual processo?
Na Nicarágua, estão aplicando o manual da desestabilização. A mesma coisa que fizeram na Venezuela, aqui, em outros países, estão fazendo na Nicarágua. Há [por exemplo] manipulação de fotos: coisas que aconteceram em outros países e que passaram por montagens. Dizem que é “um assassinato cometido pela Polícia Nacional”, mas não é. Há a imagem de uma idosa que foi vítima de violência doméstica e que tem sido utilizada como vítima de violência policial na Nicarágua durante o Dia das Mães. Há uma manipulação grande. Temos uma grande preocupação em combater as notícias falsas, mas as fake news são mais rápidas do que qualquer outra coisa.
Você citou a divulgação de fake news. Como têm se comportado os meios de comunicação na Nicarágua?
Os meios de comunicação são poucos e estão em poucas mãos. A mesma família, normalmente. Sempre foram anti-sandinistas. Não é algo novo. Tanto os empresários, como parte da Igreja Católica, e os meios de comunicação, demonstram seu anti-sandinismo não é de agora, é desde sempre.
Desde o triunfo da Revolução, passando pelos 17 anos de neoliberalismo, sempre essa foi a atitude. Mostra que a esquerda são os “bandidos da história”. Neste momento, os meios de comunicação estão se prestando à manipulação da informação, ao incentivo do ódio, da violência.
Em relação ao financiamento de ‘novas lideranças’ e organizações não governamentais, a Nicarágua entende esse processo como ingerência internacional em seus assuntos internos?
Esse tipo de financiamento tem sim o objetivo de desestabilizar os países. Há vários programas pra fortalecer os focos de oposição ao governo. Os milhões que chegam não são para apoiar o povo da Nicarágua. Estão apoiando diretamente as ONGs que, supostamente, deveriam atuar em um tema determinado. Esses jovens vão para os países de onde vêm esses financiamentos para conhecer as fórmulas e métodos que vão utilizar depois.
Além da renúncia de Ortega, há mais alguma coisa sendo reivindicada pelos manifestantes?
Não têm nenhuma proposta. Primeiro porque são muito pequenos. São minoria. Os partidos envolvidos não tem uma boa representação na Câmara de Deputados. Não tem grande expressão social. Não há proposta de governo. Circularam memes com imagens de mensagens que eles supostamente estariam trocando, nas quais eles discutiam uma junta interina de governo. É isso que eles querem, chegar ao poder sem a necessidade de passar por eleições. Com votação popular, eles não passam. Que façam um trabalho político, partidário, participem das eleições. Não há razão para adiantar eleições ou para a saída do presidente.
Há grupos armados pedindo a saída de Ortega. O governo encara a continuidade dos protestos como um golpe de Estado, então?
É um golpe de Estado. Ou melhor, é uma tentativa de golpe. Querem dar um golpe. É um grupo que quer desestabilizar o governo. Se um governo sai pelo desejo de uma minoria, isso é um golpe de estado.
Edição: Tayguara Ribeiro
Fonte: Brasil de Fato
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América Latina e Mundo
Brian Willson, um norte-americano herói nacional da Nicarágua
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5 anos atrásem
04/09/20por
Juliana Medeiros
Há 33 anos o dia primeiro de setembro marca um acontecimento trágico que fez de um norte-americano, veterano do Vietnã, um verdadeiro herói nacional para o povo da Nicarágua.
Por Juliana Medeiros
Durante protestos que ocorriam em 1987 nos EUA pelo fim da ingerência na região centro-americana, o pacifista Brian Willson teve as pernas amputadas por um trem carregado de armas dos EUA cujo governo apoiava diretamente os chamados contra, tentando derrotar a revolução sandinista que vencera em 1979 a ditadura dos Somoza, uma das mais sanguinárias e longevas das Américas.

Brian e mais outros dois veteranos acreditavam que o trem – em baixa velocidade em razão da presença de manifestantes na área – seria parado e, de acordo com a lei e protocolos vigentes, ele e seus companheiros seriam detidos em seguida. No entanto, ocorreu o oposto ao esperado por todos: o trem acelerou o triplo de sua velocidade – de 5HPM para 17HPM – atropelando Brian Willson e quase o matando.

Depois de um longo período de cirurgias, adaptação às próteses e recuperação dos vários ferimentos por todo o corpo, Brian sobreviveu para seguir fazendo o mesmo de então: ser uma voz dissonante da narrativa bélica e imperialista de seu próprio país. Em seu perfil no Facebook ele afirmou: “Foi uma tentativa de assassinato. Portanto, estou comemorando 33 anos desde minha quase morte, junto a meus companheiros e irmãs nicaraguenses”.
CELEBRIDADE DA LUTA PELA PAZ
A vice-presidenta Rosário Murillo anunciou no dia anterior que o dia 1º seria repleto de homenagens do povo nicaraguense “ao sacrifício do herói da solidariedade e da paz e que honra a Nicarágua vivendo em nosso país”. O anúncio oficial em cadeia nacional era um convite aos nica para que participassem do evento já que na Nicarágua todos conhecem bem e se orgulham desse personagem. Desde esses acontecimentos, Brian Willson tornou-se uma verdadeira celebridade, sendo às vezes difícil para ele uma simples caminhada nas ruas sem ser abordado por nicaraguenses ávidos por conversar e tirar fotos com o ídolo.

O dia de homenagens começou na Chancelaria do país e depois Brian – que já havia sido condecorado em 1988 com a Medalha Augusto César Sandino – foi homenageado na Assembleia Nacional onde recebeu a Ordem José Dolores Estrada em seu máximo grau. No final do dia ele ainda esteve em outro evento na Universidade Nacional.
A honraria recebida por Brian na Assembleia remete à outra luta do povo nicaraguense, anterior ao período dos Somoza. Em 1855 outro norte-americano, o flibusteiro William Walker, foi para a Nicarágua acompanhado de seus recrutas mercenários e acabou se envolvendo em um conflito interno se unindo ao lado que procurava derrubar o então presidente Fruto Chamorro Pérez. À medida em que avançava em sua campanha militar, conseguiu fraudar o processo eleitoral e se “autoproclamou” presidente da Nicarágua. O então presidente dos EUA, Franklin Pierce, reconheceu imediatamente seu governo como “legítimo”, em mais uma das várias evidências históricas da política intervencionista que os EUA mantêm até os dias hoje contra dezenas de países. Na ocasião, o General nicaraguense José Dolores Estrada comandou e venceu a batalha conhecida como San Jacinto (região próxima à Capital, Manágua). William Walker depois de fugir da Nicarágua, tentou ainda ocupar Honduras, mas foi capturado e fuzilado no país vizinho. As invasões do “aventureiro” Walker – que já havia estado também no México – acabaram contribuindo para a formação do conceito de América Latina. Já o General Estrada, homem mestiço negro e índio, mesmo tendo libertado seu país do invasor não foi devidamente reconhecido na época. As elites nicaraguenses se recusaram a render homenagens a um mestiço. Foi o governo revolucionário que, décadas depois de sua morte, decidiu dar seu nome a um dos graus máximos de distinção nacional.
Brian Willson relatou no documentário que conta sua história- Paying the Price for Peace – que em janeiro de 1986 pediu demissão de seu trabalho no escritório de atenção a veteranos no estado de Massachusetts para viajar à Nicarágua e “aprender sobre a Revolução Popular Sandinista”. O então jovem novaiorquino disse que “queria ver com seus próprios olhos a natureza e extensão da intervenção”, realizada pelo governo do então presidente Ronald Reagan, que financiava os contra – mercenários que com dinheiro do Congresso e apoio da CIA foram armados e treinados com o objetivo de exterminar a resistência popular à ditadura dos Somoza. Quando voltou aos EUA, Willson se comprometeu ainda mais com as manifestações pela paz no seu país e organizou o protesto em frente à base militar no estado da Califórnia, de onde saíam as munições para a repressão na Nicarágua. Mas as cerca de 50 pessoas envolvidas no ato pacífico não foram presas por desobediência civil, como estabelecia a lei. Willson relata que mais tarde soube que o FBI já os investigava desde 1986, a ele e outro veterano, suspeitos de “terrorismo doméstico” e que houve “uma ordem para que a tripulação não detivesse o trem”.
UMA HONRA COMPARTILHADA
Em seu discurso na Assembleia Nacional da Nicarágua, o veterano de 79 anos recém-completados – Willson faz aniversário, ironicamente, no dia 4 de julho quando os EUA celebram sua independência – lembrou desse período e resumiu o que o motivou a correr o imenso risco, inclusive sofrendo ataques fundamentalistas e perseguição em seu próprio pais, e seguir defendendo a causa sandinista até hoje:
“(…) O trem estava carregado com armas, munições e explosivos que seriam transportados a El Salvador e Nicarágua com o objetivo de assassinar camponeses nesses países e atender aos interesses criminosos do Congresso e governo dos EUA. Eu e mais de 40 manifestantes fomos à base militar na Califórnia para tentar impedir que o trem saísse e o que nós esperávamos é que seríamos presos por conta disso. Mas nesse dia o trem não parou, ao contrário, acelerou três vezes mais que o limite de velocidade. Diferente dos outros manifestantes eu estava sentado nos trilhos com as pernas cruzadas e não consegui sair a tempo e o trem passou por cima de mim. Soubemos depois que já éramos investigados por “terrorismo doméstico” pelo FBI e que o trem recebeu ordens de não parar. Hoje, portanto, é o aniversario dessa tentativa de assassinato (…).
Eu desenvolvi essa motivação para denunciar a política dos EUA depois de 1969 quando fui enviado a comandar uma unidade militar no Vietnã. Nós literalmente cometemos atrocidades todos os dias naquele país. Eu tinha 27 anos, um pouco mais do que a média dos que cumpriam o serviço militar na ocasião, e tive uma epifania enquanto assistia aos bombardeios [dos EUA no Vietnã]. Todos incluíam Napalm [bomba incendiária] e com isso nós destruímos milhares de vilarejos e matamos incontáveis vietnamitas. Foi quando comecei a questionar o que eu estava fazendo ali e o que esses pobres camponeses tinham a ver com tudo aquilo. Pessoas que simplesmente queriam viver suas vidas tranquilamente. Mas nós, nos EUA, sempre usamos aquela “palavra mágica” e os classificamos de “comunistas”, mesmo não tendo a menor ideia do que isso significa. Eu me dei conta, vendo aqueles milhares de corpos de camponeses vietnamitas pelo chão, de que essas eram pessoas realmente autenticas e que não fazia o menor sentido eu estar ali, há mais de 9000 milhas de casa, matando aquelas pessoas. Eu me senti como um robô ideológico, cumprindo ordens insanas e criminosas. Foi através dessas experiências que me tornei crítico à política dos EUA e passei, nos últimos 50 anos, a estudar a história do meu próprio país e aí me dei conta de outra coisa: tudo que nos ensinaram sobre as origens e fundação dos EUA era uma mentira. Nada ocorreu como nos contaram, os EUA sempre foram um estado policial para indígenas, negros e para as mulheres. É basicamente uma terra de supremacistas brancos e a verdade é que sempre foi assim. Nós criamos uma identidade falsa que nos permite até hoje fazer o que quisermos contra qualquer um que consideramos inferior a nós, e isso é o que domina nossa história (…).
Eu cheguei em 1986 na Nicarágua procurando entender a revolução sandinista porque é algo que jamais ocorreu nos EUA. Nós falamos dos fundadores da pátria como revolucionários, mas na verdade esses eram um monte de brancos que tinham seus escravos e cujas propriedades passaram a ser valorizadas quando eles iniciaram o extermínio da população indígena. Por isso me entusiasmou muito ver na Nicarágua um povo que tinha a valentia de se livrar de uma ditadura apoiada pelos EUA. Também foi muito emotivo ver o que esse governo vem realizando desde 2007 com tantos programas sociais(…).

Não é casual que Cuba, Venezuela e Nicarágua vem sendo chamados de “trio do mal” pelos EUA. É simplesmente porque esses são os países que se recusam a adotar as políticas neoliberais impostas por Washington na região e servem sua população com programas de educação, saúde, nutrição, com rodovias, pontes, que literalmente investem em sua gente(…).
E agora temos esse plano mais recente dos EUA, uma guerra cibernética contra a Nicarágua usando softwares especiais e alta tecnologia para tentar gerar distúrbios na sociedade nicaraguense. Este plano foi revelado no final de julho deste ano e eu quero alertar o povo nicaraguense para que esteja preparado para os distúrbios que vão ocorrer, com desestabilização da conexão WiFi no país, interferências na rede elétrica, dentre outros. Mas saibam que nós, os expatriados que estamos aqui, certamente estaremos defendo junto a vocês sua soberania. Essa revolução não vai se deter(…).
Por fim, eu apenas queria lembrar a vocês que nem todos os gringos são estúpidos, há muitos que tem consciência, ainda que como eu, tenham famílias cuja maioria é de extrema direita. Donald Trump, podemos dizer que é a uma pessoa asquerosa, detestável, mas cumpriu uma função histórica importante. Ele mostrou a natureza autêntica desse governo que sempre foi o mesmo. Quando aquele policial colocou seu joelho no pescoço de George Floyd, naqueles 8 minutos e 46 segundos o mundo viu a fotografia real desses 400 anos de supremacia branca, 400 anos de perseguição aos pobres, indígenas, negros. E a verdade é que ninguém pode prever o que vai ocorrer nos próximos 3 meses. Trump tem 85 milhões de seguidores no Facebook, muitos deles estão armados e eu acho que Trump vai fazer sua parte para incentivar que haja mais violência. Então talvez tenhamos uma guerra civil, talvez um cometa nos atinja, não sei, mas sei que será um momento de calamidade nos EUA e no mundo. E é por isso que o exemplo da Nicarágua, tentando preservar os avanços que conseguiu em sua luta são tão importantes. Vocês [o governo sandinista] são exemplo de justiça para seu povo. E eu sei que a oposição vem sendo bastante apoiada e financiada pelos EUA, mas quando ouço e vejo suas ações eu apenas penso que francamente eles deveriam se mudar para lá e deixar a Nicarágua em paz(…)

COMPANHEIROS VETERANOS
Marvin Ortega, atual Embaixador da Nicarágua no Panamá, conta que a maioria dos nicaraguenses passou a saber da existência de Brian Willson em razão da greve de fome que ele e seus companheiros fizeram na escadaria do Capitólio, antes dos fatos ocorridos na Califórnia.
“Eu o conheci através de uma amiga norte-americana que casou e vive Nicarágua e que é o ponto de contato com a solidariedade nos EUA. Ela realizou um evento da solidariedade e ele estava nessa festa, mas até aquele momento, Brian era mais um dentre tantos – porque realmente eram e continuam sendo muitos os norteamericanos solidários à Nicarágua. Mas a partir dessa greve de fome ele passou a ficar realmente conhecido no país. Desde esse momento ele já foi elevado a uma personalidade nacional de primeira linha e começou a ser visto como “o cara” da solidariedade nos EUA. E ele tem sido uma pessoa muito ativa nas relações com a Nicarágua, inclusive participou de uma caminhada na fronteira organizada por Miguel D’Escoto [teólogo e ex-chanceler da Nicarágua, falecido em 2017] em que participou também Dom Pedro Casaldáliga [Bispo hispano-brasileiro da prelazia de São Félix do Araguaia, falecido em agosto deste ano]”.
O sandinista, de 75 anos, conclui: “Depois desse episódio trágico, ele se tornou uma celebridade na Nicarágua porque isso é algo realmente muito forte e mesmo depois que perdemos as eleições [em 1989] ele continuou vindo e apoiando a revolução”.
Já o advogado e ativista norteamericano Dan Kovalik, que também tem uma longa história de solidariedade com a Revolução Sandinista e cujo último livro (“No More War: How the West Violates International Law by Using ‘Humanitarian’ Intervention to Advance Economic and Strategic Interests” ) conta com um cuidadoso prefácio de Willson, lembra que o conheceu ainda em 1988, um ano depois do trágico ocorrido participando do Comboio da Paz dos Veteranos:
“Por acaso estava na Nicarágua em 1º de setembro de 1987, quando Brian fez seu grande sacrifício pela paz na América Central. Soubemos muito rapidamente que isso havia acontecido e me afetou muito, especialmente porque os nicaraguenses foram muito afetados por isso. É tão irônico e comovente que Brian, um oficial militar dos EUA no Vietnã, tenha ficado gravemente ferido e sido quase morto, não no campo de batalha, mas em sua ação pela paz. Depois, conheci Brian brevemente em 1988, quando estava dirigindo para a Nicarágua com o Comboio. Brian havia perdido as pernas menos de um ano antes, mas estava de volta à estrada para apoiar nossos esforços e continuar seu trabalho pela paz. Finalmente, passei um tempo real com Brian durante o verão de 2018 em sua casa em Granada, Nicarágua. Foi justo na época em que a crise [mais recente tentativa de golpe de estado] daquele verão estava acabando [Dan trabalhou na ocasião na produção do documentário: The April Crises & Beyond]. Brian sofreu muito durante este período, de depressão e solidão, já que muitos de seus ex-amigos na Nicarágua se voltaram contra a revolução que ele ama. Mas ele perseverou e se recuperou desde então. Brian é um homem de grande força, determinação e compaixão. Não se pode deixar de ser inspirado e grato por seu incrível exemplo”.

MAIS DE 40 ANOS DE RESISTÊNCIA POPULAR
Brian e a Nicarágua só veriam a Frente Sandinista de Libertação Nacional vencer de fato a guerrilha dos contra em 1989, quando estes perderam capacidade combativa, mas a luta popular precisou seguir resistindo. Em 1986, depois de ganharem as primeiras eleições pós-revolução, os sandinistas foram vítimas do intenso desgaste provocado por anos de guerra e seguidas tentativas de interferências em seu governo por parte das elites e da direita no país, o que fez com que perdessem as eleições em 1989 para a liberal Violeta Barrios de Chamorro. O movimento não voltou à luta armada, reconheceu a derrota e se reorganizou em suas bases para voltar a vencer eleições em 2006 com Daniel Ortega, um dos comandantes da guerrilha que vem sendo reeleito desde então. Mas abandonar as armas não foi o suficiente para os EUA que negando, como costumeiramente faz, ter participado das várias prisões ilegais, torturas e chacinas promovidas pelos Somoza, passou a acusar o governo revolucionário eleito de ser uma “ditadura”, jamais deixando de atacá-lo até os dias de hoje.
Como acrescentou Rosário Murillo em seu comunicado: “Estarão presentes os nossos embaixadores em diversos países do mundo, as nossas missões, também os representantes dos movimentos de solidariedade e ONGs, todos participando desta grande e merecida homenagem de amor, de reconhecimento à sua coragem, que nunca esqueceremos, que sempre saberemos elevar e reconhecer, do irmão representante daquele bom povo dos Estados Unidos da América que ao longo da história se opôs às políticas de seu governo em diversos países do mundo, onde infelizmente essas políticas representaram morte, interferência e morte, intervenção e morte, destruição de modelos de culturas que são momentaneamente invadidas ou interrompidas por essas políticas, bem como geraram genocídio. A boa gente dos Estados Unidos que sempre se manifestou nas ruas contra as injustiças”.
A luta para libertar o país centro-americano da repressão começou formalmente com a FSLN – Frente Sandinista de Libertação Nacional em 1961, mas desde a morte de Augusto César Sandino em 1934, vários foram os movimentos e guerrilhas populares que tentaram vencer a dinastia dos Somoza. Após a guerrilha conhecida como “Chaparral” os sobreviventes organizaram a Frente Sandino que se unificaria com a FSLN em 1961. A família Somoza influenciou governos muitos anos antes e depois governou a Nicarágua em uma ditadura hereditária por mais de 40 anos, tendo sido uma das mais mortais da história contemporânea. Em todo esse largo período, os EUA estiveram por trás de governos, forças paramilitares, sabotagens e planos de extermínio.
A SOMBRA QUE PAIRA SOBRE A AMÉRICA LATINA
A sombra intervencionista do Império segue pairando sobre a América Latina, agora com a possibilidade de ter o Brasil como aliado, como evidenciam os novos documentos da Política Nacional de Defesa, reveladas em reportagem do The Intercept, que “propõem uma política de defesa sem transparência, ameaçam vizinhos [especialmente a Venezuela] e afrontam a Constituição”. Na verdade, desde o início do Governo Bolsonaro já se está colocando em prática estratégias que coincidem com planos golpistas da oposição ao Governo Bolivariano como demonstra em outra reportagem sobre o tema, o Brasil de Fato, cujo levantamento traça uma linha do tempo entre os acontecimentos no país caribenho e as ações da política externa brasileira.
Também o diário britânico independente The Guardian publicou essa semana uma extensa reportagem sobre a nefasta Operação Condor, onde o presidente Jair Bolsonaro é um dos citados por haver defendido em várias ocasiões a ditadura ocorrida no Brasil:
“O medo da violência de extremistas de direita ainda persegue a América do Sul, especialmente entre os sobreviventes. A defesa da ditadura pelo presidente Jair Bolsonaro é especialmente preocupante. A ideia de que uma rede semelhante à Condor possa um dia reaparecer não é fantasiosa. O melhor escudo contra isso é garantir que os perpetradores do terrorismo de estado sejam presos, mesmo que isso leve décadas (…)”
A tragédia que atingiu Brian Willson não conseguiu fazer com que ele desistisse de apoiar a Nicarágua e siga denunciando os planos intervencionistas e a política de terror dos EUA. Com disposição inclusive de lutar, se preciso, contra as novas ameaças aos sandinistas, ele finalizou seu discurso na Assembleia Nacional dizendo que aprendeu com a Nicarágua aquilo que sua experiência no Vietnã não permitiu:
“Compartilho com vocês a honra de receber essa medalha hoje e essa honra se deriva da inspiração que tiro de vocês. A Nicarágua me ensinou como se faz uma revolução. Quando eu estava no Vietnam, vi que estava do lado errado e isso é uma coisa muito difícil de se reconhecer naquelas condições. Mas desde que cheguei aqui, em 1986, e me deparei com esta revolução, foi quando me senti em casa”.
Perto de completar 80 anos de idade, em meio a uma pandemia e cenário político caótico em seu próprio país, é de Granada, na Nicarágua, onde vive há alguns anos, que Brian Willson envia seu recado ao mundo e deixa sementes que certamente serão necessárias às futuras gerações de defensores da paz.
Geopolítica
VENEZUELA SOB ATAQUE: 7 PONTOS SOBRE O APAGÃO ELÉTRICO
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6 anos atrásem
11/03/19
Confira a tradução do artigo original, que pode ser encontrado no link: http://misionverdad.com/La-Guerraen-Venezuela/venezuela-bajo-ataque
Entre a tarde de 8 de março e a madrugada do dia 10, a Venezuela foi vítima de outro ataque de sabotagem, o maior de sua história republicana. Desta vez, foi na usina hidrelétrica de Guri, que deixou sem eletricidade pelo menos 80% da população. O objetivo da sabotagem: minar o propósito do governo venezuelano de estabilizar a economia e conter o quadro insurrecional que os Estados Unidos e seus representantes, como Juan Guaidó, tentam completar com sucesso no país.
1. A preparação do choque. Antes da sabotagem que sacudiu todo o Sistema Elétrico Nacional, deixando sem luz boa parte do país nos últimos dois dias, vários movimentos e declarações anunciaram que recorreriam à ação de força bruta.
O retorno falsamente épico de Guaidó durou menos do que o esperado. Ante a chegada do “presidente interino” não houve deserções críticas nas Forças Armadas Nacionais Bolivarianas (FANB), que misturadas com uma revolta social generalizada conseguissem instalá-lo em Miraflores (o palácio presidencial) para que, enfim, pudesse exercer o poder. Esse round (sua “gloriosa chegada” ao Aeroporto de Maiquetía), após a derrota de 23 de Fevereiro, dia em que decretou o ingresso da “ajuda humanitária” no País, não teve efeito além de um frenesi temporário da mídia. Como resultado, Guaidó retornou ao desconfortável ponto de partida de há dois meses. Desgastado pela derrota de 23 de fevereiro e sem ações concretas de mando presidencial que o catapultem internamente, a orquestração das operações seguintes correria inteiramente por conta dos Estados Unidos.
Excitado como de costume é, Marco Rubio anunciava horas antes do apagão que “os venezuelanos viverão a mais severa escassez de alimentos e gasolina”, revelando que ele sabia que algum tipo de ação de choque se daria nas horas seguintes. O governo russo, por sua vez, emitiu um comunicado alertando que “os Estados Unidos estão preparando um plano de apoio que tenta introduzir grupos armados ilegais na Venezuela, treinados para realizar atividades de sabotagem”. A guerra suja em curso foi transmitida por ambos os lados do conflito geopolítico sobre a Venezuela.
A profecia auto-realizável de Rubio se tornou realidade em um apagão generalizado que teve um impacto ampliado na rede bancária, de telecomunicações e de serviços públicos vitais do país (hospitais, abastecimento de água, transporte etc.), dificultando de forma prolongada seu funcionamento e paralisando as atividades rotineiras da população. Em resumo, um ataque encoberto ao centro gravitacional do sistema elétrico venezuelano, planejado para agudizar o mal-estar social e econômico e retomar a narrativa da “crise humanitária” e do “Estado falido”, com a qual eles esperam reativar a liderança aleijada de Guaidó.
Mas esta tendência de apelar para opções antipolíticas e de guerra não convencional, quando os recursos políticos não dão resultado, não é nova nem recente (basta recordar os ataques elétricos continuados quando as revoluções coloridas de 2014 e 2017 entraram em declínio). A seu modo, a agência de notícias Bloomberg insinuou em sua última reportagem que o desgaste de Guaidó, sua incapacidade de encabeçar um processo de transição mais ou menos sério, limpou o terreno para que os ataques como o ocorrido em Guri, a violência armada, a guerra irregular ao estilo dos “contra” nicaraguenses, se tornem alternativas “legítimas” e “urgentes” para enfrentar o Chavismo. Destas formas de guerra tem amplo conhecimento o delegado de Trump para a Venezuela, Elliott Abrams, pai da guerra mercenária contra a Nicarágua na década de 1980.
2. Embargo e sanções: armas de destruição em massa. Às vulnerabilidades históricas de um sistema
de eletricidade dependente do rendimento da receita petroleira, se somou uma feroz política de sanções financeiras que diminuiu a capacidade de investimento público em ramos estratégicos do Estado. Já se contabiliza em 30 bilhões de dólares o dinheiro venezuelano embargado pelos Estados Unidos, que utilizando como ferramenta o “governo paralelo” de Guaidó, deixou o país sem recursos líquidos para
enfrentar as dificuldades causadas pelas sanções. Enquanto isso, Guaidó usa o dinheiro embargado, segundo ele, para amortizar sem transparência alguns juros da dívida externa.
O sistema elétrico nacional tem estado sob ataque por uma mistura explosiva de desinvestimento reforçada pelo bloqueio financeiro, a perda de pessoal técnico especializado para a desvalorização dos salários e operações de sabotagem sistemáticas, estas últimas sempre colocadas em vigor quando o chavismo recupera a ofensiva política. Razão tinha Chris Floyd, autor do livro “The Empire Burlesque” que designou as sanções financeiras como um “holocausto”: o uso desta arma de destruição em massa em países como o Iraque, o Irã e a Síria evidencia que os danos à infra-estrutura crítica são semelhantes a uma intensa campanha de bombardeios com mísseis de cruzeiro.
Nesse sentido, o apagão é uma extensão do embargo contra a Venezuela, da política estadunidense de restringir importações, bloquear contas e impedir o acesso ao dinheiro líquido no mercado financeiro internacional e em seu próprio mercado petroleiro, proibindo o pagamento das exportações para a Venezuela. O blecaute também é uma metáfora para o estado de sítio em que o país é mantido – assim como o bloqueio financeiro, que dificulta o uso do dinheiro para recuperar um sistema nacional de eletricidade já debilitado, que sustenta a atividade petrolífera e econômica do país – é o substituto das armas de guerra.
3. A modalidade do golpe cibernético e crime contra a humanidade. A princípio, e é isso que Guaidó quis dizer com seu chamado a uma “greve nacional” na última terça-feira diante de alguns sindicatos da administração pública, uma ação de força viria a precipitar essa anunciada paralisia. A modalidade de fabricação de uma situação de colapso, como quando a plataforma de pagamento da Credicard, em 2016, cancelou seu sistema para interromper todas as atividades comerciais e econômicas do país, desta vez foi
executada pela ampliação de seu raio de impacto. E a carga de estresse e descontentamento que busca induzir na população, como um combustível para estimular uma situação de anarquia generalizada, que de alguma forma poderiam ser canalizados para violentos protestos a favor de Guaidó, indica que a estratégia de caos (mediante sabotagem cibernética e artesanal focada em infraestruturas críticas que fazem o país funcionar) é usada como uma ferramenta de choque massivo com o objetivo de desgastar a população. A operação não é apenas de guerra elétrica, já que suas conseqüências cobrem todas as atividades rotineiras da sociedade venezuelana, o que dificulta o acesso a alimentos, serviços hospitalares e comunicações básicas. Os focos violentos que eles tentaram desencadear foram rapidamente extintos por um clima de exaustão coletiva que aguardava a chegada da eletricidade.
Um crime contra a humanidade visto à luz do Estatuto de Roma e do direito internacional, enquanto buscavam a destruição física de um grupo populacional utilizando como armas de guerra os elementos básicos de sua subsistência.
Marco Rubio e Mike Pompeo reagiram de forma jocosa ao blecaute, imprimindo-lhe uma carga de humilhação e sadismo que reflete com precisão as motivações e a estratégia subjacente do golpe contra a Venezuela: à medida que o “plano Guaidó” falha em seus objetivos de alcançar a fratura da FANB que possibilite depor Maduro, a população civil (sem discriminação ideológica) é alçada a vítima de primeira ordem das contínuas agressões militares encobertas, lideradas pelos Estados Unidos.
Este golpe cibernético contra o sistema elétrico nacional implica uma agressão militar de fato, uma extensão da que ocorreu na fronteira colombo-venezuelana em 23 de fevereiro.
4. Não é um fim em si mesmo: condições para a guerra irregular. Desde o retorno de Guaidó, sua projeção na mídia tornou-se marginal. Esta deliberada redução de sua visibilidade, contrasta com o peso cada vez maior que tem a orientação de mudança de regime do Comando Sul dos EUA, John Bolton, Marco Rubio e Mike Pompeo. Neste sentido, os efeitos nocivos do apagão se encaixam perfeitamente com a narrativa de “crise humanitária”, sob o qual o Comando Sul e a ultra-direita na Venezuela, desde 2016, mobilizam a “urgência” de se ativar um dispositivo de “intervenção humanitária” que neutralize a proibição do Congresso estadunidense, do Conselho de Segurança da ONU e do consenso pragmático pela não-intervenção que ocorreu na América Latina.
Sem dúvida, o apagão, como tal, não é um fim em si mesmo. Em nível operacional, pareceria mais, sobretudo por causa do blecaute que gerou a interrupção do sistema elétrico, que se trata de uma manobra para agudizar as vulnerabilidades do país e medir a capacidade de resposta militar dos sistemas defensivos da República frente a uma ação militar irregular e mercenária, que aproveitaria o contexto do bloqueio de informações para encobrir incursões armadas, seu mapa operacional e os responsáveis diretos em campo.
Por fim, ao nível do teatro de operações de guerra contra a Venezuela, o apagão se traduz na geração de um panorama difuso e de confusão que favoreceria a realização de operações de falsa bandeira, incursões paramilitares e outras ações violentas que precipitariam um estado de comoção generalizado, que possa ser apresentado como o fato gerador de uma intervenção militar preventiva, seja para “estabilizar o país pela crise humanitária” ou para “salvar os venezuelanos de uma situação de Estado falido” em “crise humanitária”. Nessa estrutura narrativa, Julio Borges, Antonio Ledezma, Juan Guaidó e o gabinete de guerra contra a Venezuela em Washington apertam as mãos e trabalham juntos amparados pela doutrina do caos controlado de metodologia estadunidense.
Com o apagão, eles buscam dar concretude física à “crise humanitária”, não apenas no nível da propaganda, mas aproveitando as perdas humanas e complicações de toda sorte, geradas pela operação de sabotagem .
5. Características da agressão. Desta vez, não foi um ataque a subestações ou linhas de transmissão, como se havia ensaiado várias vezes, de acordo os com manuais de sabotagem da CIA contra a Nicarágua Sandinista dos anos 80, já tornados públicos.
Cabe ressaltar que o software utilizado (chamado Scada) no Sistema de Controle Automatizado (SCA) que opera os motores é o que foi criado pela empresa ABB, que não trabalha no país há anos. Esta empresa ABB, que na Venezuela trabalhou como Consórcio Trilateral ABB (ABB Venezuela, ABB Canadá, ABB Suíça), desenhou um projeto de modernização da Central de Guri no final da década passada, durante o governo de Hugo Chávez, no qual descreve em profundidade tanto o sistema atacado quanto a organização básica do Guri.
O analista geopolítico Vladimir Adrianza Salas, em entrevista à TeleSur, relaciona o ataque ao consórcio. Ele explicou que a barragem de Guri “requer um sistema de controle que tecnicamente é chamado de ‘sistema SCADA’, que nada mais é do que um sistema de monitoramento, controle e requisição de dados que permite, a partir da perspectiva da tecnologia da informação, controlar todos os elementos de geração de energia. Quem sabota isso, sabota o funcionamento. Mas para sabotar isso, são necessárias duas coisas: ou se deve ter acesso do lado de fora ou é necessária cumplicidade interna para modificar os processos “.
Precedentes desse tipo são encontrados em países atacados ou diretamente pressionados pelos Estados Unidos, como Iraque e Líbano, onde os blecautes foram sistemáticos e consecutivos, um após o outro, por dezenas de horas. As “réplicas” na interrupção do fornecimento de energia responderiam a essas sequências de ofensivas que já foram experimentadas em outros contextos de guerra assimétrica e irregular.
A criação de exércitos de hackers e de materiais de ciberguerra pela CIA e pela NSA tem sido documentada por esta tribuna: resenhamos um documentário em que se explicava a origem do vírus Stuxnet, que revela as pegadas destas agências da inteligência americana. Aquele instrumento de ciberataque teve como objetivo tanto a sabotagem das instalações de pesquisa nuclear no Irã, com o objetivo de instalar um quadro circunstancial que pudesse culminar em um ataque contra à rede nacional automatizada de eletricidade iraniana (sistema análogo ao de Guri), em caso de guerra declarada entre Washington e a República Islâmica.
O Presidente Nicolás Maduro, no final da tarde de 9 de Março, assegurou que este era o maior ataque contra a Venezuela dos últimos 200 anos republicanos, depois de ampliado, de forma intermitente, o ataque ao sistema elétrico nacional para 60 horas.
6. Frear as tendências de recuperação. O apagão ocorre em meio a tendências de recuperação em diferentes escalas, a nível econômico, uma baixa dos preços dos alimentos sensíveis reduziu a tensão do início deste ano, enquanto financeiramente a reestruturação do mercado de câmbio conseguiu conter uma das variáveis de inflação induzida: o aumento do preço das moedas no mercado negro. Estas tendências têm favorecido a estabilidade política do país em meio a agressões não convencionais e ameaças de intervenção militar, tirando de Guaidó não só o poder de convocação, mas de manobra para capitalizar sobre o mal-estar causado pelas sanções.
Assim, o apagão visa frear estas tendências na recuperação social, política e econômica, agravando mediante um boicote generalizado os meios de pagamento, o acesso aos alimentos e aos hospitais e o desenvolvimento normal da sociedade venezuelana. Da mesma forma, a agressividade do ataque visa enfraquecer a produção petrolífera e industrial do país.
7. A consciência do país (recordar 2002-2003) e o pulsar da intervenção. Assim como em 2002, a
população venezuelana passou por uma prova de fogo generalizada. Uma operação de sabotagem destinada a precipitar um caos generalizado que ponha em risco a saúde e a nutrição das pessoas, a atividade econômica do país, suas telecomunicações e nossas rotinas mais básicas, nos remete ao cenário da sabotagem do petróleo dos anos 2002- 2003, onde a oposição daquele momento, os mesmos que
administram uma intervenção junto aos Estados Unidos e Colômbia, executaram um estado de sítio paralisando a indústria petrolífera.
A reação da população, atacada psicologicamente nos últimos anos a fim de estimular uma guerra civil que permita uma intervenção, tem sido adversa ao cálculo da sabotagem. Se impôs a calma, o uso de fogões a lenha nos edifícios e bairros para cozinhar, a mobilização dos recursos físicos do país para enfrentar as emergências mais urgentes; mas acima de tudo, a vocação generalizada do país de não cair em uma provocação que visa levar a um confronto civil e armado. A violência foi derrotada como em 2002-2003, essa paisagem que marca nossa história contemporânea hoje oferece a lição de que, depois de uma prova de fogo superada, onde a brutalidade do golpe é de impacto massivo, a coesão do povo se reafirma.
Juan Guaidó tenta canalizar o impacto do apagão para “declarar uma emergência extraordinária” na Assembleia Nacional, porque segundo ele “chegou o momento de dar o próximo passo”, flertando com a ideia de usar a Constituição para legitimar a intervenção. Precisamente neste sentido, como um fechamento de ciclo de sabotagem, se pode perceber que o fim do apagão tenta fabricar as condições de anarquia, caos e falta de serviços vitais, para pressionar por uma “intervenção humanitária” em solo venezuelano, com a aprovação da Assembléia Nacional e da “coalizão de países latino-americanos”, prontos para uma ação de força, que está sendo montada por John Bolton.
Essa pressão, sem dúvida, é específica e escalonada. Ante a chegada da missão técnica do Alto Comissariado para os Direitos Humanos, o apagão procurará ser canalizado para uma engorda do expediente da “crise humanitária” na Venezuela, que bem agenciado e promovido na mídia, possa resultar em uma mudança de posturas a nível regional, da mesma ONU, do Congresso estadunidense, sobre a “urgência” de
uma ação de “ajuda humanitária” solicitada pelo “governo paralelo”.
Uma manobra que baixa a cortina para Guaidó, prisioneiro de um plano mal concebido e dependente da cadeia de comando do gabinete de guerra contra a Venezuela em Washington. Ele, deve ser sacrificado para abrir a porta para a guerra. Imagem suficientemente convincente do sacrifício, é que um político use um palanque do poder do Estado, neste caso, a Assembleia Nacional, para legitimar uma intervenção militar estrangeira. Um suicídio acompanhado por setores da ultra-direita caraquenha, filhos diretos dos primeiros colonizadores espanhóis, que clamam para que se ative a “Responsabilidade de Proteger” (R2P) que destruiu Kosovo, Líbia, Iraque e outros lugares que os Estados Unidos tem saqueado para manter seu status de potência.
Mas o apagão deve ter outra lição, e deve obrigar-nos a olhar para os códigos sociais e hábitos coletivos e de solidariedade que surgiram em 2002-2003, nossas armas como comunidade histórica e espiritual disponíveis para manter o fio da vida de nossa história pátria.
Tradução: Juliana Medeiros
água
“Haverá muita luta e resistência”, diz José Dirceu sobre governo Bolsonaro
Publicadoo
6 anos atrásem
21/12/18por
Vinicius Souza
José Dirceu dispensa apresentações. Um dos mais conhecidos ativistas da esquerda brasileira desde a década de 1960, passou de líder estudantil secundarista a guerrilheiro, de preso político a exilado, de clandestino no Brasil a fundador do Partido dos Trabalhadores, de Ministro Chefe da Casa Civil a condenado sem provas no chamado “Mensalão”. Nem seus mais de 70 anos, uma virose “braba” que exigiu uma “bomba” de antibiótico, uma viagem de carro de Campo Grande a Cuiabá (“estou evitando viajar de avião”) e uma queda que lhe luxou uma das costelas foram o suficiente para se negar a uma maratona de compromissos na capital mato-grossense acima de 36 graus. Reunião com a Juventude do PT pela manhã, entrevistas à tarde, palestra para cerca de 200 pessoas no início da noite e autógrafos no seu novo livro, Zé Dirceu – Memórias, Volume 1 (Geração Editorial, 2018. De sua infância à cassação do mandato parlamentar), até as 23:00 provam que ele segue sendo uma potência política e uma voz fundamental na conjuntura atual.
Em meio a tudo isso, pontualmente às 17:00 Dirceu atendeu por mais de 40 minutos os Jornalistas Livres. Veja abaixo, os principais trechos da entrevista (que pode ser ouvida na íntegra aqui). A autógrafos podem ser vistos aqui (o PT e a classe trabalhadora), aqui (Preparação para a resistência e a necessidade do salto para a agroecologia), Aqui (Lula e a inserção do Brasil no Mundo e na América Latina), aqui (As riquezas do Brasil e as conquistas populares e sociais) e aqui (DIrceu, Guerreiro, do Povo Brasileiro).
Áudio, fotos e vídeos: www.mediaquatro.com Edição de Vídeos: Anna Clara Natividade
Sobre a Ação Penal 470, o chamado “Mensalão”, e o ativismo jurídico:
“O domínio de fato foi precedido por uma série de medidas que já demonstravam o ativismo político e a submissão à chamada ‘pressão popular’, ou seja, da mídia, no meu caso. Eu não poderia ser cassado porque eu era deputado licenciado e a jurisprudência do Supremo rezava que não podia. Então, por sete a quatro, o Supremo mudou, durante o meu indiciamento na Câmara, o entendimento e reviu a sua jurisprudência. Isso foi em 2005 ainda. Aí construíram a tese de que o parlamentar ‘carrega’ o decoro com ele, ‘carrega’ o mandato com ele. Depois o Supremo me condenou sem provas, mas o Congresso me cassou sem provas, na verdade, dizendo que cassou o Roberto Jefferson porque ele não provou que havia o ‘mensalão’, então ele tinha atacado a honra da Câmara, e me cassaram porque eu era o ‘chefe do mensalão’.
[…] O domínio de fato não tem nenhuma relação com a minha situação, porque o próprio jurista que definiu isso disse à Folha de São Paulo que na verdade essa instituição foi criada na Alemanha para diferenciar os autores de crimes de guerra, os participantes daqueles que tinham o domínio do fato, depois de condenados para diferenciar as sentenças. Não era base para condenação. A base para a condenação eram as provas materiais. O domínio de fato foi criado para diferenciar a pena de morte da prisão perpétua, da pena de 25 anos, de 15 anos, para os demais participantes do crime. […] aqui no Brasil foi usado pra dizer que eu tinha obrigação de saber o que estava acontecendo, porque antes exigia um ‘ato de ofício’. E mais, um ministro dizia que o ônus da prova cabia a mim, o Fux, e a Rosa Weber falou, está nos anais do Supremo, que não tinha prova mas a literatura jurídica permitia. Isso teve consequências graves, abriu caminho para tudo o que assistimos depois na Lava Jato. Infelizmente nós não aprendemos a lição e ainda votamos uma legislação na Câmara que tem sido utilizada de maneira abusiva além do que o texto dos artigos permitisse, como a Lei da Delação, a Lei da Organização Criminosa, Lavagem de Dinheiro, a Lei Antiterrorista… São legislações que têm de ser cercadas de cuidados para que não sejam usada politicamente. Por exemplo, como é que alguém pode ficar preso quatro anos e depois delatar? Como é que alguém pode delatar preso? Os procuradores dizendo na imprensa que iam condenar a 100 anos, prendendo familiares, bloqueando bens, processando familiares… Como é que essa delação pode ser digna, espontânea, à vontade própria? Então houve muita pressão psicológica, na família. […]
Depois nós assistimos às ilegalidades, algumas que o Supremo já deteve, como é o caso das conduções coercitivas sem a recusa do investigado ou réu de se apresentar em juízo quando é intimado pela autoridade competente. Isso agora está proibido. As prisões preventivas, eu fiquei preso um ano e nove meses sem ser julgado na segunda instância. As antecipações de pena… E a situação está se agravando. Hoje não há sigilo bancário, fiscal, telemático, nenhum. O Ministério Público tem o poder de fazer investigações sigilosas, dizem que são administrativas, mas foi o Supremo que deu aquilo que a Constituinte negou. A Constituinte negou que o Ministério Público Federal, Estadual, fosse a polícia judiciária na União e nos Estados. O Supremo em 2016 deu o poder de investigação ao Ministério Público: quem investiga, acusa. Então nós estamos tendo não só o ativismo judicial”

Foto: www.mediaquatro.com
Sobre a Lei Antiterrorismo e os Movimentos Sociais
“O mais grave é a tentativa de usar Lei Antiterrorismo contra os Movimentos Sociais como ele (Jair Bolsonaro) ameaçou, de classificar o Movimento dos Trabalhadores Sem Teto de terroristas. Isso é gravíssimo! […] Os movimentos têm de atuar dentro da lei, defender a lei, recorrer à lei, ao Ministério Público, ao judiciário. Eles que fiquem com o ônus de compactuar (com as ilegalidades). Como foi o caso da cassação da candidatura do Lula. Nós não podíamos retirar a candidatura do Lula, o Lula desistir, indicar outro. O Lula tinha de ser registrado como candidato porque assim a Constituição reza, porque não foi condenado em última instância.
Evidentemente que, no caso concreto, os movimentos têm todas as condições jurídicas de atuar dentro da lei. E nós temos que lutar para mudar as leis que nós consideramos injustas, faz parte. Lei é produto da sociedade, do movimento da sociedade, das lutas sociais, das lutas políticas, das transformações econômicas e sociais de um país”.
Sobre seu papel hoje e o governo Bolsonaro
“Fazer o que estou fazendo. Andar pelo país, ouvir, aprender, reler o país, que mudou muito nos últimos 15 anos, desde que o Lula foi eleito presidente, nos cinco anos em que eu estive ausente. Falar, contar a minha história, a história da minha geração. Defender o PT, defender o legado de Lula. Defender aquilo que mas propostas que estão sendo apresentadas pelo novo governo com relação a várias questões importantes para o país. Primeiro, a democracia. Realmente a defesa radical da democracia, das liberdades, das garantias individuais, que ele vive ameaçando. Fala em desconstituir os direitos difusos, do consumidor, da mulher, do negro, do índio, do meio-ambiente. Em outros momentos mistura Estado com religião, e isso é gravíssimo, só olhar os conflitos no mundo. Ameaça usar a violência contra os adversários, várias vezes, reiteradas vezes, ou antinacional, apesar de falar de Brasil, Brasil, Brasil. Mas as propostas dele, econômicas, essa submissão dele à política econômica externa do Trump, essa coisa quase inacreditável de colocar o Brasil nessa posição de satélite dos EUA. E principalmente a política econômica, a austeridade, corte de gastos, desconstituição de direitos sociais…
Economia pelo lado do trabalhador, da saúde, da educação, da previdência, não do lado dos juros e da reforma tributária. Não da propriedade, da riqueza e da renda daqueles 10% de brasileiros que têm a metade da renda nacional. E sim dos 50% de brasileiros, 100 milhões, que só tem 10% (da renda). Muito menos do que aqueles 0,1% que têm quase 30% da renda nacional e que deviam pagar imposto sobre grandes fortunas, heranças, doações. Como aconteceu na Franca, agora, quando o clamor nacional foi taxar as grandes fortunas e não a gasolina”.
E a conjuntura nacional em relação à internacional?
“Vejam o que está acontecendo agora na França, na Argentina, na Hungria. Haverá resistência, haverá oposição, haverá luta. Haverá muita oposição às futuras medidas. Eu espero que o futuro governo se mantenha dentro da democracia e aceite as regras do jogo democrático, como nós aceitamos quando eles ocupavam as ruas do país, paravam o país, protestava, ocupavam Brasília, até chegar ao ponto de derrubar a presidenta através de um impeachment que todos nós sabemos que foi forjado. Uma inverdade de pedaladas, de uso de transferências de recursos complementares sem autorização constitucional, enquanto nós sabemos que nada disso era crime de responsabilidade”.
A oposição terá poder para propor mudanças nas leis e resistir ao retrocesso político?
“Nós temos experiência acumulada no Brasil para apresentar propostas de reforma da previdência, tributária, contrapondo a dele (Bolsonaro). Também de sistema bancário e de reforma política. E temos também como enfrentar. Porque o futuro ministro da Justiça, Sérgio Moro, e os procuradores que estão em torno dele, podem apresentar uma série de propostas de reforma do Código de Processo Penal que, na verdade, como a prisão em segunda instância, são outra invasão da atribuição constitucional. Isso só o Congresso pode mudar a Constituição onde diz que alguém só pode ser considerado culpado quando o último recurso tramita julgado no Supremo ou no STJ. Tanto é que os procuradores tinham proposto fazer essas mudanças constitucionais, o Ministro Peluzzo, enquanto Presidente do Supremo, enviou uma proposta de PEC pro Congresso, mas não passou.
Então acredito que nós temos condições, sim, de por exemplo debatermos mudanças no regime penal. O que quer o presidente eleito? Terminar com as progressões de penais, agravar as penas… Agora, com essa estrutura penitenciária que nós temos no país, enquanto toda a tendência no mundo é cada vez menos regime fechado, cada vez mais multas pecuniárias, perda de direitos e funções, trabalho alternativo, em último caso exigir regime fechado. Se você não dá condições para o preso trabalhar e estudar, se não dá pra ele condições mínimas de vida, lógico que ele não só reincide no crime, como passa a participar das organizações criminosas como o PCC porque eles têm estrutura para dar apoio e cobertura pra família dele e para ele, às vezes pra fugir, inclusive”.
Como tem sido o cumprimento das sentenças de cadeia por você e pelo Presidente Lula?
“Bom, falando sobre o Presidente Lula, muito bem, com altivez, dignidade, trabalhando, lendo, escrevendo, se relacionando com os companheiros e companheiras todos dos partidos, as lideranças, recebendo visitas. E ele está se defendendo através de seus advogados nas instâncias da justiça e denunciando quando há decisões que nós consideramos que atingem as garantias de direitos individuais e do devido processo legal, o contraditório, que o ônus da prova cabe ao acusador e mesmo quando determinados institutos jurídicos são deformados e utilizados contra nós.
No meu caso, eu fiquei preso um ano e nove meses, já tinha ficado preso sete mesmo no fechado no chamado ‘mensalão’ e quatro meses no semiaberto e dez no aberto. Então eu cumpri a pena e fui indultado, o que é uma verdadeira mancha na história do Supremo Tribunal Federal. […] Eu cumpria pena e transformei um ano e oito meses que eu fiquei preso no Centro Médico Penitenciário de Pinhais no Paraná numa luta. Cuidei de uma biblioteca, reorganizei para atender os presos, sábado e domingo escrevi esse livro que agora estou divulgando pelo Brasil, cuidei da minha família e sou muito grato pela solidariedade e apoio que tive por todo o país.”
Sobre as disputas com a Direita:
“Nós temos que nos acostumar, porque até é um direito, que o MBL, ou as igrejas evangélicas, ou pastores, façam a disputa política conosco, seja pelos bairros das cidades, seja nas universidades e nos sindicatos, porque eles vão acabar trazendo a pluralidade sindical. Nós temos que lutar, porque nós temos do nosso lado os direitos dos trabalhadores e teremos apoio deles. É só olhar a Argentina, a França a Hungria e você vê isso.
Haverá luta no Brasil, haverá resistência na tentativa de retirar direitos. Tem de tirar privilégios, isso nós vamos apoiar! Fazer Reforma da Previdência começa com militares e judiciário, não pelos trabalhadores rurais e pelos trabalhadores da iniciativa privada, que esses contribuem, empregado e empregado, em meio trilhão de reais na Previdência do INSS. Agora, os militares contribuem com R$ 2 bilhões e custam R$ 34, o funcionalismo público, principalmente o judiciário, não contribui nem com 20% dos benefícios que recebe. Então, haverá luta. A ditadura já tentou criar os Diretórios Acadêmicos pelegos, proibiu a UNE, os DCEs. Mas nós sobrevivemos. Em 1976, 77 a UNE já estava reconstruída. E nós mesmos enfrentamos a ditadura e reabrimos todos os centros acadêmicos ainda na década de 60. Agora, é preciso mudar os métodos de atuação dos partidos, do movimento social, das centrais sindicais, que já estão se reunindo para criar seminários e construir um Congresso das Classes Trabalhadoras para enfrentar as medidas do Bolsonaro”.
E quanto às Comunicações?
“O que nós assistimos na campanha foi que foi feita uma reforma eleitoral que deu direito ao candidato de autofinanciar sua campanha. Isso liberou o poder econômico, porque o Meirelles gasta R$ 40 milhões, mas os candidatos do PT, nenhum tinha mais de um milhão pra gastar e assim mesmo do fundo partidário. Segundo, eles diminuíram o tempo de rádio e televisão, nos dias e horários. Aís as televisões, os jornais e as rádios é que faziam a campanha. Terceiro, e é mais grave ainda, eles não combateram Fake News, não combateram o uso ilegal das redes, entendeu? E mais, não combateram a compra de votos! Porque houve uma compra de votos no país imensa. Nós temos que ter, já podíamos ter tido desde 2008, capacidade de responder nas redes. Porque em 2008, na eleição do Obama, já ficou evidente a importância das redes, e na do Trump nem se diga, dando até numa crise internacional. O problema do Brasil é que se precisa aplicar a Constituição. É isso! Porque agora eles começam a ter concorrência pela primeira vez, a Globo, a Record, SBT, Bandeirantes, a Folha de S. Paulo, O Estado de São Paulo, porque o El País tem um jornal na internet e a internet não exige capital nacional, onde só permite 33% de capital estrangeiro, então vão ao Supremo tentar impedir que o El País tenha uma página, um jornal aqui. Mas eles não têm como impedir que as plataformas da Amazon, Netflix, Fox, Warner, Disney, entrem no país. Uma coisa é taxar o Google, taxar os grandes grupos econômicos, grandes monopólios, agora, não tem como impedir que eles disputem publicidade. Então eles (a Grande Mídia nacional) vão ficar cada vez mais dependentes do sistema bancário, da indústria automobilística, farmacêutica, imobiliária e mais dependentes do governo, da publicidade governamental, que é uma grande força principalmente para as oligarquias políticas que dominam rádio e televisão nos estados, onde duas ou três famílias de políticos dominam o cenário. Nós para nos opormos a isso hoje, não precisamos de jornal impresso, nem de televisão, basta utilizar as redes. E o Bolsonaro mostrou isso na campanha. Lógico que isso desequilibra a luta democrática: poder econômico e oligarquias midiáticas fazendo campanha abertamente pra políticos tentando controlar a opinião pública nos estados.
Hoje não há diversidade e pluralismo na Rede Globo, por exemplo, nem na GloboNews. E não há informação, há ‘formação’. Todo o tempo querendo convencer o país de um determinado rumo. É um direito deles fazer isso no editorial. Mas os debates, entrevistas, têm de ser plurais e diversificados porque a Constituição exige. Então o que nós precisamos fazer e não fizemos é aplicar a Constituição”.
Patriotismo, religião e sexo:
“Essa tentativa do Bolsonaro é a mais perigosa. A manipulação da fé do povo. Na verdade, ele usa o nacionalismo, a pátria, religião e a família, como aliás os militares usavam em 64. Era a Marcha da Família, com Deus pela Liberdade, como se o Brasil estivesse ameaçado pelo comunismo, pela União Soviética. Agora é a Venezuela, o PT, são os vermelhos. Há uma manipulação muito grande. E há uma intenção clara de reprimir a diversidade, o pluralismo, as diferentes orientações sexuais. Há um preconceito muito grande contra o pobre, o negro.
Mas ele, até porque não foi tratado pela mídia como deveria ter sido tratado, a mídia foi conivente muitas vezes e omissa com as declarações que ele fazia como ‘matar 30 mil’, ‘vamos metralhar os petistas’, deixando claro o preconceito racial, no caso dos quilombolas, deixando claro o machismo dele, exacerbado, com relação às mulheres, quando acha natural que as mulheres ganhem um salário desigual ao dos homens, que a mulher seja do lar, recatada, essa história que a função da mulher é ser mãe, e tudo isso a humanidade, inclusive o país que ele usa como referência, os EUA, já superou. É um direito das pessoas não concordarem com isso, temos de respeitar. Agora, o governo tentar fazer disso uma escola sem partido? Daqui a pouco vai fazer teatro sem partido, música sem partido, literatura sem partido, imprensa sem partido, igreja sem partido, ou seja, uma coisa totalitária e isso nós temo de combater”.
A questão das disputas e talvez conflitos na América Latina e no mundo.
“Os EUA são um império em decadência e a China em ascensão. Não existe império que entra em decadência sem lutar. O Trump já é a expressão disso: uma tentativa de defender a América em primeiro lugar, de defender a economia e o emprego nos Estados Unidos. Tudo o contrário que o Bolsonaro está pregando no Brasil. O Bolsonaro devia aprender com o Trump a defesa dos interesses nacionais, do emprego brasileiro, da indústria brasileira, da tecnologia brasileira. A China, por outro lado, será a maior potência do mundo nos próximos anos. A questão da guerra comercial, no fundo, é uma cortina de fumaça pra isso. Na verdade, o Trump está esperneando para tentar evitar a decadência dos EUA.
Com relação à América Latina, o Lopes Obrador acabou de ganhar a eleição no México. O Macri hoje perderia a eleição na Argentina. É verdade que o Piñera voltou ao poder, mas ele já perdeu pra Michele Bachelet e surgiu um partido novo forte agora no Chile. Então, são altos e baixos e luta da política e social. A Frente Farabundo Martí governa duas vezes El Salvador. Daniel Ortega já está há dois mandatos na Nicarágua. No Panamá é bem provável que vença uma frente progressista. Na República Dominicana tem um governo progressista. Em Honduras houve um golpe para interromper o governo Zelada. No Equador o Rafael Correa fez seu sucessor mas foi traído, mas ele continua com o respaldo que num plebiscito completamente manipulado ele teve 36% de votos. E o próprio Peronismo resiste, sobrevive e pode vencer novamente na Argentina.
Sobre intervenção militar, conflito regional, se os americanos decidem fazer uma intervenção na Venezuela é evidente que haverá um conflito regional porque imediatamente 500 mil venezuelanos irão imigrar para o Brasil e um milhão para a Colômbia. E muitos colombianos irão imigrar para o Equador, como aconteceu em outros momentos. Vai ser uma desagregação da Amazônia e Colômbia, Equador e Brasil se verão envolvidos nesse conflito. Não adianta falar que não acontecerá. Tem de se opor à intervenção nos assuntos internos da Venezuela. […] Os militares brasileiros, a elite brasileira ficam sonhando com o guarda chuva americano, isso é uma ilusão”.
Como está o Brasil hoje?
“As riquezas que o Brasil tem, o pré-sal que estão entregando, a Amazônia, a água, as terras, o sol… O Brasil é o país mais rico do mundo, porque não tem inverno. Outros são ricos como o Brasil mas têm inverno, como a China, a Rússia, o Canadá. E o Brasil é o sexto país do mundo, quinto território, oitava economia… Industrializado, rico, mas tem desigualdade e pobreza. O principal problema do Brasil é a desigualdade, não é o déficit público, não é o problema do sem-terra ocupar terra, ou o sem-teto ocupar áreas abandonadas nas cidades.
O problema do Brasil é a profunda desigualdade e o profundo egoísmo das elites e a vocação delas para o autoritarismo. A história do Brasil prova isso. Quando há ascensão social, cultural, política, de amplas massas do povo trabalhador, eles vêm e dão o golpe e colocam um governo de direita, muitas vezes com apoio de parcelas dos trabalhadores. Mas a verdade esse é o ciclo da vida histórica do Brasil”.
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