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América Latina e Mundo

Eleições da Bolívia: eleitores avaliam governo Evo Morales

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Por Martha Raquel Rodrigues e Leonardo Milano, direto da Bolívia, especial para os Jornalistas Livres 

A poucas horas das eleições presidenciais a Bolívia vive um momento de disputa nas ruas. Entre El Alto e La Paz a equipe dos Jornalistas Livres conversou com dezenas de pessoas que se dividiram entre a intenção de votar no atual presidente Evo Morales e no segundo colocado Carlos Mesa. Mas uma coisa foi unânime, todas as pessoas destacaram que a vida da população mais pobre melhorou muito durante os três governos de Evo Morales, do MAS (Movimento ao Socialismo).

De 2006 a 2018 23% da população saiu da extrema pobreza e 24% saíram da pobreza. A ascensão econômica do país, cujo PIB passa de 4%, atingiu toda a população, mas fez teve uma importância ainda maior na vida da população baixa renda.

A Feira 16 de Julho, a maior feira do mundo, é famosa por ocupar toda a avenida durante as quintas-feira e os domingos. É possível encontrar de tudo, desde material para higiene ou limpeza, até roupas, sapatos, verduras, legumes, eletrônicos, etc. Em dia de eleição não há feira, por isso parte dela esteve presente neste sábado (19). Quando o assunto são as eleições, os vendedores se dividem entre os candidatos.

Foto: Leonardo Milano / Jornalistas Livres

Salomé Quispe Collque tem 35 anos e dois filhos. Artesã e vendedora de material escolar há 7 anos, ela sustenta a casa com o dinheiro das vendas da feira. Ao nos ouvir falar sobre as eleições tratou logo de dizer que seu candidato é Evo Morales. Antes mesmo de ser questionada já explicou que a vida do povo melhorou, que as crianças têm escola, os adultos têm emprego e que as casas tem comida. Para ela, Evo entende o sofrimento do povo porque já passou por ele – já que era agricultor e é indígena. Ela diz que ele quando criança ele também sentiu a pobreza, então entende as necessidades do povo.

A estudante Ximena Mamani, de 21 anos, disse que ainda não tem candidato mas destacou que Evo Morales fez o que havia prometido em suas campanhas. Ela destacou que os teleféricos ajudam muito a população, principalmente os trabalhadores e os estudantes. Hoje ela mora com seus pais e três irmãos a poucas quadras da Avenida 16 de Julho, onde cuida da banca da família.

Ximena Mamani – Foto: Leonardo Milano / Jornalistas Livres

Liset Huanca, de 28 anos, é estudante e também trabalha como vendedora na feira. Quando questionada sobre o atual governo, disse gostar muito porque ele investiu em muitas obras, hospitais e escolas. Liset se emocionou ao dizer que viver na Bolívia e, em especial em El Alto, é muito bom. Ela disse não se imaginar vivendo em outro país. Apesar de concordar que o país teve avanços e que melhorou a vida do povo, ela irá votar pela mudança de partido.

Liset Huanca – Foto: Leonardo Milano / Jornalistas Livres

 

 

COMO ESTÁ A BOLÍVIA HOJE SOB O COMANDO DE EVO MORALES 

Foto: Leonardo Milano / Jornalistas Livres

Educação a porta de entrada para outros direitos

O governo do presidente Evo Morales dedica 10% do orçamento nacional à educação, o que coloca o país como o segundo maior investidor no setor na América Latina, perdendo apenas para Cuba. Segundo o vice-presidente Álvaro García Linera, o objetivo desse investimento é melhorar e ampliar a qualidade da educação recebida por crianças e jovens bolivianos e, também, o fortalecimento da educação pública. Desde 2006 mais de 3 mil centros educacionais foram reformados e pelo menos outros 16 mil foram criados. Numa conta rápida, se equipararmos ao Brasil pelo número de pessoas vivendo no país, significaria ter disponível mais de 300 mil escolas – hoje temos apenas 184 mil.

Combate ao analfabetismo: O programa “Yo Sí Puedo” (Sim, Eu Posso) importado de Cuba ensinou mais de um milhão de adultos a escrever. Hoje menos de 3% da população não sabe ler ou escrever. O combate ao analfabetismo foi uma das prioridades do primeiro governo Evo Morales em 2006. O projeto surgiu de um estreitamento das relações diplomáticas e ideológicas com Cuba e Venezuela. Evo Morales, Fidel Castro e o falecido Hugo Chávez desenvolveram juntos o projeto na Bolívia. A Venezuela deu suporte financeiro e Cuba cedeu profissionais e os materiais necessários para a implementação. Mais de oito milhões de pessoas já foram alfabetizadas através do método em mais de 30 países, de acordo com dados cubanos.

Ensino universitário público e de qualidade: A Bolívia tem hoje 12 universidades públicas espalhadas pelo país. A Universidade Pública de El Alto, por exemplo, recebeu um investimento de 1 milhão de bolivianos em 2018. A UPEA, como é conhecida, tem 35 cursos para milhares de alunos da região. Para os moradores de El Alto a UPEA foi uma grande oportunidade para seus jovens.

 

Teleféricos como principal meio de transporte

Silencioso, limpo, seguro, rápido, barato e movido a energia elétrica e solar. O teleférico é o principal meio de transporte público que liga a cidade de La Paz a cidade de El Alto, na Bolívia. El Alto fica 400 metros acima de La Paz e seu percurso de carro pode levar até uma hora e meia. De teleférico a viagem dura em média 17 minutos.

Com a maior linha do mundo, o teleférico transporta 440 mil pessoas por dia. Os bondinhos distribuídos em 10 linhas e 36 estações, são movidos a energia elétrica, que é parcialmente fornecida por células fotovoltaicas instaladas em cima de cada um. Eles andam a uma velocidade média de 6 metros por segundo e a cada 12 segundos um novo bondinho está disponível. Com capacidade para 10 pessoas, algumas linhas contam com mais de 200 cabines disponíveis. No total as linhas alcançam mais de 30 km. O transporte de passageiros funciona de segunda a sábado das 06h às 23h e de domingo das 07h às 21h.

O projeto foi iniciado em 2014 pelo governo de Evo Morales e teve um investimento inicial de 230 milhões de dólares. Para os passageiros a passagem sai 3 bolivianos, em média R$ 1,80. A segunda baldeação custa 2 bolivianos, R$ 1,20. Estudantes de 3 a 25 anos, idosos e pessoas com deficiência pagam meia passagem.

Foto: Leonardo Milano / Jornalistas Livres

 

Saúde como direito e não mercadoria 

O Sistema Único de Saúde boliviano é bem parecido com o brasileiro. Todas e todos têm direito aos cuidados de saúde sem qualquer pagamento direto dos usuários no local ou horário dos cuidados. Medicamentos essenciais também são ofertados de forma gratuita pelos governos municipais. Quando há necessidade de um procedimento ainda não é ofertado pelo SUS, o paciente terá direito de realizá-lo em unidades privadas e seus custos serão pagos pelo Ministério da Saúde.

 

“Calle de las Brujas” (Mercado das Bruxas)

Foto: Leonardo Milano / Jornalistas Livres

O Mercado das Bruxas de La Paz é conhecido por tomar as ruas da região central da cidade e por vender todo tipo de artigo, inclusive alguns considerados exóticos pelos turistas. Tomado por cores, é possível encontrar desde roupas, artesanatos, quadros, sapatos, comidas típicas e até fetos de lhamas empalhados. As lhamas empalhadas são usadas como prenda para Pachamama (Mãe-Terra) em um ritual que consiste em montar uma mesa de oferendas a Pachamama com lhamas empalhadas e doces. A prenda é queimada ao final do ritual e acredita-se que traz segurança, saúde, prosperidade. Segundo as vendedoras muitas empresas fazem o ritual antes de construírem seus prédios.

Nas lojas o entra e sai é constante. Mery Pacossilo tem 33 anos e há 3 trabalha na loja “Dona Maria Mãe Poderosa”. Ela conta que muitas pessoas costumam levar os amuletos para deixar em casa ou presentear um ente ou amigo querido. O que mais sai custa 10 bolivianos (R$ 6) tem várias versões. Pode proteger a casa, os moradores, os carros, as viagens ou os animais. Já esta é a semente de Huayruro é usada como amuleto para trazer dinheiro. Se ingeridas são tóxicas, então os compradores carregam dentro da carteira. Já esta coruja é um amuleto para ajudar nos estudos. No mesmo estilo há este amuleto de uma mão segurando um saco de dinheiro, que é usado como amuleto da sorte na hora de fazer investimentos financeiros.

 

La Paz é a capital da Bolívia e a 3ª maior cidade do país.

 

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América Latina e Mundo

Chilenos enterram a Constituição de Pinochet e começam um inédito (e incerto) processo Constituinte

Carta Magna produzida em 1980 era a base do modelo neoliberal chileno, que destruiu a Saúde, a Educação e a Previdência públicas

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Estátua equestre do general Manuel Baquedano, que liderou expedições contra os indígenas do sul, pintada de vermelho - Bárbara Carvajal (@barvajal)

A data 25 de outubro ficará marcada para sempre na história do Chile. Em 2019, foi o dia em que mais de 1,2 milhão de pessoas saíram às ruas para exigir um país mais digno. Um ano depois dessa manifestação, a maior do país, no dia 25 de outubro de 2020 os chilenos decidiram enterrar o último legado da ditadura de Augusto Pinochet: a Constituição de 1980.

Por Amanda Marton Ramaciotti, jornalista brasileira-chilena

No domingo, milhões de chilenos votaram em um plebiscito sobre escrever ou não uma nova Carta Magna, uma medida que nasceu como uma saída política à crise social iniciada em 2019. O resultado foi avassalador: 78,27% da população aprovou a iniciativa, contra 21,73% que a rejeitou.

Além disso, 78,99% dos votantes disse que quer que a nova Constituição seja redigida por uma Convenção Constituinte formada por 155 membros eleitos pela sociedade; versus um 21,01% que expressou que preferia uma Convenção Mista, formada por 172 membros, a metade deles legisladores e o restante constituintes. 

A comemoração durou horas. Em Santiago, milhares de pessoas foram a pé, de carro e de bicicleta em caravana até a avenida principal da capital e à praça central (antes conhecida como Praça Itália e agora, pelas manifestações, chamada popularmente de “Praça Dignidade”). Bandeiras do Chile e cartazes com as palavras “adeus, general” (em referência ao Pinochet) eram vistos em várias ruas.

Nova Constituição: chance de o Chile renascer - @delight_lab_oficial
Nova Constituição: chance de o Chile renascer – @delight_lab_oficial

A sensação era de um êxtase coletivo. “Ainda não consigo acreditar no que está acontecendo… Mais do que isso, é impossível dimensionar tudo que conseguimos”, me disse uma manifestante. Em um dos edifícios emblemáticos de Santiago, foi possível ler uma grande projeção com a palavra “Renasce”.  

“Para mim, é o começo de uma nova era”, comentou um jovem que estava comemorando os resultados do plebiscito.

Ele tem razão. Apesar de que a Carta Magna “do Pinochet” —escrita pelo advogado constitucionalista e ideólogo da direita chilena Jaime Guzmán, sofreu alterações durante a democracia, manteve vários dos seus aspectos principais. Ela continuou sendo a base do modelo neoliberal chileno que se adentrou na saúde, educação e sistema de aposentadoria, e também impedia grandes reformas estruturais pela exigência de um quórum de dois terços ou três quintos que, na prática, sempre foi muito difícil de ser alcançado.  

O novo ciclo

A decisão de escrever uma nova Carta Magna encerra um ciclo doloroso para milhares de pessoas que foram vítimas da ditadura do Pinochet, uma das mais sangrentas na América Latina, e também para tantas outras que até agora vivem em um país desigual devido, em grande parte, às disposições da atual legislação. O ciclo que começa agora é cheio de esperanças, mas também repleto de desafios.

O presidente Sebastián Piñera, quem em nenhum momento do processo deixou claro qual era o seu voto, disse domingo de noite que o plebiscito “não é o fim, é o começo de um caminho que juntos deveremos percorrer para escrever uma nova Constituição para o Chile. Até agora, a Constituição nos dividiu. A partir de hoje todos devemos colaborar para que a nova Constituição seja o grande marco de unidade, de estabilidade e de futuro do país”.

Ainda são poucas as definições que já foram tomadas sobre como será a assembleia constituinte. Sabemos que, em abril de 2021, os chilenos voltarão às urnas para escolher os 155 cidadãos que serão parte do processo. Sabemos que ela estará formada de forma paritária por homens e mulheres (algo inédito no país). Mas ainda falta uma série de decisões, como se poderão participar do processo pessoas que não estejam associadas a partidos políticos e se o órgão terá assentos reservados para os povos originários.

A assembleia contará com até 12 meses para redigir uma nova Carta Magna, cujas normas deverão ser aprovadas por dois terços dos integrantes. Esta será submetida a outro plebiscito, cuja participação será obrigatória.

Esse ponto é o que desperta mais dúvidas na sociedade. É que o plebiscito do domingo passado foi de caráter voluntário, e acudiram às urnas um total de 7,5 milhões de chilenos dos mais de 14 milhões habilitados para votar. Apesar de ter sido a participação mais alta da sociedade desde 2012, quanto o sufrágio começou a ser optativo no país, a votação do dia 25 de outubro não deixa claro qual será o resultado final se as 6,5 milhões de pessoas que não participaram no domingo votarem em 2022.

Mas, como dizem por aqui, isso é uma decisão para o Chile do futuro. O Chile do presente quer comemorar. E tem motivos de sobra para isso.

O estádio nacional, um dos maiores centros de tortura durante a ditadura, neste domingo foi um dos lugares que recebeu mais votantes - Bárbara Carvajal (@barvajal)
O estádio nacional, um dos maiores centros de tortura durante a ditadura, neste domingo foi um dos lugares que recebeu mais votantes – Bárbara Carvajal (@barvajal)

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Chile

Chilenos se preparam para um plebiscito histórico sobre manter ou dar adeus à “Constituição do Pinochet”

Chilenos estão ansiosos para o plebiscito, adiado desde abril por conta da pandemia

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Era uma demanda colocada por alguns setores da sociedade chilena há anos, mas foram os protestos de 2019 os que voltaram exigir a derrubada da Constituição de 1981, imposta pela ditadura militar de Augusto Pinochet. Agora, no domingo 25 de outubro, mais de 14 milhões de chilenos acudirão às urnas em um plebiscito histórico que decidirá se o país “aceita” (aprueba) ou “rejeita” (rechaza) uma nova Carta Magna. A votação foi pensada como um caminho político para aplacar a crise social que o Chile enfrenta.

Por: Amanda Marton Ramaciotti, jornalista brasileira-chilena

Os ânimos estão à flor da pele. Nos muros, nas redes sociais, na mídia praticamente não se fala de outra coisa. Não é para menos, já que o plebiscito, inicialmente marcado para o dia 26 de abril, foi atrasado pelo governo devido à pandemia. Além disso, acontecerá somente uma semana depois do primeiro aniversário do chamado “estallido social”, iniciado em 18 de outubro de 2019, quando milhões de pessoas saíram às ruas para exigir um país mais igualitário. Mas a sociedade chilena -como tantas outras na América Latina e no mundo- está profundamente polarizada e, apesar de as pesquisas dizerem que a maioria votará pelo “aceita”, nada está definido.

Foto: Pablo Gramsch / Instagram: @active_grounds


Por um lado, o “apruebo” reúne intenções diversas, que vão desde exigir uma mudança no modelo neoliberal chileno até entregar mais direitos às mulheres, aos índios e às diversidades sexuais.

Alejandra Saez, uma trabalhadora independente, me disse que vai aprovar porque “se necessita uma mudança imediata, apesar de que o resultado chegue com o tempo, tomar a decisão de transformar o sistema já é um grande avanço”. “Quero que as novas regras validem o bem-estar das pessoas e não os cofres dos outros. Que não nos sintamos atacados pelo sistema”, afirmou.

Já o bioquímico Francisco Pereira me explicou que votará “apruebo” porque considera que é necessária uma “mudança drástica na atual Constituição, já que apesar de que outorga direito a serviços básicos, em nenhum momento garante o acesso a esses serviços, deixando muitos recursos principalmente nas mãos do mundo privado. Além disso, foi escrita para um contexto de desenvolvimento de país determinado muito diferente do atual, e é bastante rígida, o que dificulta que ela seja adaptada às atuais necessidades do Chile”.

Nas campanhas eleitorais, também é possível ver que muitos dos que pedem uma nova Constituição querem reformar as instituições encarregadas da segurança pública, já que, em 2019, pelo menos 30 pessoas morreram, milhares ficaram feridas e o Chile foi cenário de graves violações aos direitos humanos no marco dos protestos sociais, segundo Human Rights Watch, a ONU, entre outros. De acordo com o Instituto Nacional de Direitos Humanos, 460 pessoas sofreram lesões oculares durante as manifestações devido ao uso excessivo da força policial. Delas, pelo menos duas ficaram completamente cegas.

Por outro lado, Natalia C. (que pediu não ser identificada) aposta pelo “rechazo” porque considera que “não há necessidade de escrever uma nova Constituição inteira para realizar as reformas que o país precisa”. Nas redes sociais, as pessoas que chamam a votar por essa alternativa também dizem temer que o Chile se transforme em um país “caótico” e/ou “esquerdista”.

Além disso, muitos sinalizam que votar “apruebo” seria dar um aval à destruição de patrimônio que ocorreu no marco das mobilizações sociais. É que o metrô de Santiago, várias igrejas, ruas e estátuas foram parcialmente destruídos e/ou incendiados desde outubro de 2019, mas não há informação detalhada disponível sobre quem foram os responsáveis de cada um desses atos.

Foto: Pablo Gramsch / Instagram: @active_grounds


Muitos ainda estão indecisos. O microempresário Javier Baltra comentou que achava melhor votar nulo porque “ambas as opções estão cheias de problemas. Aprovar pode ser sinônimo de um Estado maior, e eu acho isso problemático para a economia. E rejeitar é deixar tudo como está até agora e não sei se isso é uma boa ideia”.

Além de escolher entre as opções “apruebo” ou “rechazo” uma nova Constituição, os chilenos devem votar se desejam que a eventual Carta Magna seja escrita por uma Convenção Constitucional formada por 155 constituintes eleitos ou por uma Convenção Mista de 172 membros (metade legisladores e metade cidadãos eleitos).


A LEI ATUAL


Qualquer pessoa que não conheça a história do Chile provavelmente se surpreenderá ao saber que um país como este tenha ainda uma Constituição que foi escrita na época da ditadura militar. “Nossa, mas é um país tão desenvolvido”; “como assim?”; “sério?” foram alguns dos comentários que recebi de amigos brasileiros quando contei sobre o que está acontecendo agora.


A Constituição atual foi aprovada em um questionado plebiscito realizado no dia 11 de setembro de 1980, em plena ditadura do Pinochet, quando milhões de chilenos viviam sob o medo da repressão, sem registros eleitorais e com os partidos políticos dissolvidos.
O texto foi escrito pelo advogado constitucionalista Jaime Guzmán, um dos maiores ideólogos da direita chilena, e que foi assassinado por um comando de ultraesquerda em 1991.

Ele foi escolhido por uma comissão designada pela ditadura. Posteriormente, a redação contou com a revisão e o apoio do Conselho de Estado e a Junta Militar, composta pelos máximos chefes do Exército e o diretor da polícia, que exercia como “poder legislativo”. Guzmán criou uma série de regras muito difíceis de alterar para perpetuar seu modelo econômico e político.

Como ele mesmo disse quando escrevia a Constituição, sua ideia era que, se os adversários chegassem a governar, eles se veriam “obrigados a seguir uma ação não tão distinta ao que alguém como nós gostaria (…) que a margem seja suficientemente reduzida para fazer extremamente difícil o contrário”.

Foto: Pablo Gramsch / Instagram: @active_grounds


Para realizar reformas à Carta Magna, Guzmán detalhou que é necessário alcançar um quórum de dois terços ou três quintos, segundo o caso, algo que, na prática, tem sido praticamente impossível de conseguir, porque nem o oficialismo nem a oposição conta com essa quantidade de votos.

Essa Constituição também instaurou um modelo econômico, político e social neoliberal, que se adentrou na educação e na saúde privada e um sistema de aposentadoria conhecido como AFP baseado na poupança individual e que no ano passado entregou aposentadorias pelo valor de 110.000 pesos chilenos (uns US$ 140). Esse sistema, hoje sumamente questionado pela população chilena, foi elogiado pelo Ministro de Economia do Brasil, Paulo Guedes, em várias ocasiões.

Se bem que o texto legal não estabeleça especificamente que a saúde, a educação ou o sistema de aposentadoria devam ser privados, na prática, sim, impõe princípios que limitam a ação do Estado e promove a atividade privada nesses setores. Por exemplo: não existe no Chile nenhuma universidade que seja gratuita.

Segundo analistas, a Constituição atual também é hierárquica e desconecta a cidadania do poder político, porque não inclui muitos mecanismos de participação.

Ao longo da sua história, sofreu duas modificações: a primeira, em 1989, ano do fim da ditadura, quando foi derrogado um artigo que declarava “ilícitos” a grupos que realizassem “violência ou uma concepção da sociedade do Estado ou da ordem jurídica de caráter totalitário ou fundada na luta de classes”. Outra, em 2005, quando depois de um grande acordo político o presidente socialista Ricardo Lagos conseguiu alterar outros aspectos, como que os comandantes em chefe das Forças Armadas passassem a estar subordinados ao poder civil, e a eliminação de senadores designados e vitalícios. Isto permitiu que em 2006 (há 14 anos!) o Senado fosse totalmente conformado por membros de eleição popular.

Agora, se a opção “apruebo” ganhar o plebiscito, o texto não só será modificado: a sociedade poderá dar adeus à chamada “Constituição do Pinochet”. Sem dúvidas, uma decisão histórica.

Veja também: Chileno preso no RIR: desembargador reconhece ilegalidade da prisão

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Bolívia

Veja a tradução da declaração de Evo Morales

Declaração de Evo Morales, ex-presidente da Bolívia, dada em 18 de outubro, dia da eleição presidencial após o golpe.

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DECLARAÇÃO DE IMPRENSA DO EX-PRESIDENTE EVO MORALES
Buenos Aires, 18 de outubro de 2020

  1. Desde a cidade de Buenos Aires, neste dia histórico, domingo, acompanho nosso povo em seu compromisso com a pátria, com nossa democracia e com o futuro de nossa amada Bolívia, de exercer seu direito ao voto em meio aos acontecimentos em nosso País.
  2. Saúdo o espírito democrático e pacífico com que se desenvolve a votação.
  3. Diante de tantos rumores sobre o que vou fazer, venho declarar que a prioridade é exclusivamente a recuperação da democracia.
  4. Quero pedir a vocês que não caiam em nenhum tipo de provocação. A grande lição que nunca devemos esquecer é que violência só gera violência e que com ela todos perdemos.
  5. Por este motivo, conclamo as Forças Armadas e a Polícia a cumprirem fielmente o seu importante papel constitucional.
  6. Diante da decisão do Tribunal Supremo Eleitoral de suspender o sistema DIREPRE (Divulgação de Resultados Preliminares) para ir diretamente para a apuração oficial, informo que, felizmente, o MAS possui seu próprio sistema de controle eleitoral e que nossos delegados em cada mesa irão monitorar e registrar cada ato eleitoral.
  7. O povo também nos acompanhará nesta tarefa de compromisso com a democracia, como o fez tantas vezes, situação pela qual somos gratos.
  8. É muito importante que todas e todos os bolivianos e partidos políticos esperemos com calma para que cada um dos votos, tanto das cidades como das zonas rurais, seja levado em conta e que o resultado das eleições seja respeitado por todos.
  9. Neste domingo, no campo, nas cidades, no altiplano, nos vales, nas planícies, na Amazônia e no Chaco; em cada canto de nossa amada Bolívia e de diversos países estrangeiros, cada família e cada pessoa participará com alegria e tranquilidade na recuperação da democracia.
  10. É no futuro que todos os bolivianos, inclusive eu, nos dedicaremos à tarefa principal de consolidar a democracia, a paz e a reconstrução econômica na Bolívia.
    Viva a Bolívia!
    Evo Morales

Tradução: Ricardo Gozzi /Jornalistas Livres

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