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Categoria: solidariedade

  • “Nossos idosos são nossa memória”: o medo da covid-19 nos quilombos

    “Nossos idosos são nossa memória”: o medo da covid-19 nos quilombos

    Com reportagem de Flávia Martinelli e Jéssica Ferreira, especial para o blog MULHERIAS 

    Todo quilombo é memória viva. Cada espaço de resistência criado por remanescentes de escravizados é mantenedor da cultura e da história afro-brasileira. Os 2.847 territórios reconhecidos, apenas entre os certificados no Brasil, carregam em seu cotidiano aquilo que os livros não contam. São, por si só, espaços educacionais preciosos. E ainda há centenas, talvez milhares, que sequer foram mapeados – algo que o Censo de 2020, atualmente adiado, iria quantificar e é fundamental para a discussão de políticas públicas. A negligência diante do risco de contágio pelo coronavírus nessas comunidades representa (mais um) risco de extermínio institucional.

    Se no passado quilombos lutaram por liberdade no regime escravista, hoje é o descaso e até a inconstitucionalidade do Estado que comprometem vidas de remanescentes, além do acesso ou preservação de suas terras, natureza e ensinamentos ancestrais. Na última sexta-feira (27), por exemplo, em meio à pandemia do covid-19, o ministro do Gabinete de Segurança Institucional, o general Augusto Heleno, assinou e anunciou que o Brasil irá remover as mais de 100 comunidades quilombolas de Alcântara, no Maranhão.

    Em repúdio à expulsão dos quilombos de Alcântara, a Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (CONAQ) pressiona o Estado por políticas públicas adequadas e alerta que o Brasil é signatário da Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), que prevê a consulta prévia, livre e informada sobre instalação e impactos de projetos em territórios tradicionalmente ocupados (Foto: Reprodução/Conaq)
    O Brasil é signatário da Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), que prevê a consulta prévia, livre e informada sobre instalação e impactos de projetos em territórios tradicionalmente ocupados (Foto: Reprodução/Conaq)

    Triste ironia, no século 19, bem à época da escravidão, as ricas famílias de fazendeiros de açúcar e algodão em decadência econômica abandonaram a cidade quando uma epidemia, provavelmente de febre amarela, se abateu no local. Apenas negros e indígenas permaneceram entre os casarões e a doença. Lá permaneceram desde então. São os donos das terras, portanto, por posse e direito adquirido, ainda que a luta por reconhecimento como terra quilombola nunca tenha chegado a um acordo.

    A expulsão, que vai contra a recomendação de isolamento social, é motivada pelo convênio que o presidente Jair Bolsonaro fez com os Estados Unidos, para uso do local como mais uma base espacial norte americana. O ato viola a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho, sobre Povos Indígenas e Tribais. Em repúdio, a Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (CONAQ) pressiona o Estado por políticas públicas adequadas, principalmente diante da pandemia.

    Fábrica de bolos da comunidade quilombola do Canelatiua em Alcântara: populações expulsas em plena pandemia para construção de base espacial americana (Fotos: Reprodução Facebook)

    A violência institucional se somou a outra na mesma semana, quando o ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, em pronunciamento público, afirmou que há presença de SUS em 100% dos quilombos de todo o país. Não é verdade. Ainda que o trabalho de visita de profissionais do programa Estratégia Saúde da Família (ESF) seja muito bem avaliado, houve impacto na saída dos médicos cubanos no Brasil nas áreas rurais e, por consequência, nos  quilombos. A precariedade das dinâmicas de saúde, quando existem, ou das complicações do deslocamento para atendimento em municípios vizinhos, também continuam na pauta de reivindicações do movimento quilombola.

    A política de morte que dá licença para matar

    Em tempos de covid-19, todas essas dificuldades se intensificam e amedrontam quilombos que, culturalmente, reverenciam e exaltam seus sábios anciãos, os chamados griôs. “Eles são nossa memória e nossa história. Telefono aos mais velhos e explico que eles não podem mais, como de costume, ir na casa um do outro”, conta a cientista social Marta Quintiliano, do Quilombo Vó Rita em Goiás. Ali, o posto médico mais próximo fica a 35 minutos a pé da comunidade.

    Marta cita o filósofo e professor camaronês Achile Mbembe para esclarecer que as negligências tem endereço. “Sim, existe uma necropolítica e um necropoder que, juntos, escolhem os sujeitos que vão morrer e que vão viver”, menciona. A teoria escancara a crueldade das práticas de morte de governantes que priorizam a criação de políticas  públicas voltadas para populações que não são as que mais necessitam delas. O poder estatal ganha, assim, licença para matar e têm alvo certeiro: povos periféricos, indígenas, negros, quilombolas e vulneráveis.

    Diante desse cenário, a autogestão dos riscos foi a saída dos moradores do Quilombo Ivaporunduva, que fica em Eldorado, município paulista da região do Vale do Ribeira, uma das mais pobres do país, e cidade natal do presidente Jair Bolsonaro. Ali, a própria comunidade fechou estradas, passou a controlar acessos ao território em três turnos, montou equipes para idas e vindas à cidade e visitas de casa em casa para saber das necessidades de todas as famílias. “Se por aqui alguém contrair o coronavírus, existe muita pouca chance de resistir”, desabafa a educadora e moradora Cristiana Monteiro.

    Já a mineira Maria das Graças Epifânio, filha da histórica Dona Tiana do quilombo urbano Carrapatos da Tabatinga, localizado em Bom Despacho, a 156 quilômetros de Belo Horizonte, sabe que o racismo está enraizado na visão do que são as culturas, tradições e sabedorias afro-brasileiras e o quanto isso  impossibilita a construção de políticas direcionadas. “Não tem aquele respeito, não tem uma cartilha ou protocolos que expliquem aos profissionais da saúde as características da nossa comunidade ou necessidades pontuais. É uma questão de olhar e entender, de maneira respeitosa, as nossas tradições”, detalha.

    Confia os depoimentos das três mulheres quilombolas que, diante da pandemia, lutam para proteger seus idosos e, portanto, parte de sua história e legado.

    “O posto de saúde mais próximo fica a 35 minutos a pé do nosso quilombo”

    “E se algo acontecer e nos contaminar? O que vamos fazer? A probabilidade do vírus se espalhar é enorme e a morte será em massa nos quilombos ou entre os indígenas”, preocupa-se Marta Quintiliano, de 37 anos, doutoranda em antropologia social na Universidade Federal de Goiás (UFG). Moradora do Quilombo Vó Rita, no município de Trindade, da região metropolitana de Goiânia (GO), ela conta que na comunidade existem de cerca de 200 pessoas; 50 são idosos. O posto de posto de saúde mais próximo, porém, fica a 35 minutos andando a pé e não há hospital para uma consulta ou atendimento especializado na região. 

    O local tinha características rurais, com roçado, até ser engolido pela urbanização. Na transição que a comunidade ainda vivencia, são os mais velhos que contam as histórias de Rita Felizarda de Jesus, que nasceu em 1909, neta de escravizados que deram origem ao quilombo. Vó Rita teria chegado a Goiás com a família vinda da Bahia a pé, depois de uma previsão, surgida à época, de que o mundo acabaria e que o primeiro local a ser atingido seria onde moravam antes.

    A antropóloga Marta, : (Foto: acervo pessoal)
    Marta, doutoranda em antropologia e quilombola: “telefono aos nossos mais velhos e explico que eles não podem mais, como de costume, ir na casa um do outro” (Foto: Isabela Alves)

    No quilombo, Vó Rita teve 11 filhos que criou com o emprego em uma fábrica de farinha na cidade e lavando roupa pra fora. As filhas a ajudavam no trabalho doméstico e na fábrica, os filhos plantavam arroz, mandioca, milho e outros produtos que compartilhavam com a comunidade. Tradições como os bailes, cantigas e rezas são legados que os mais velhos ainda contam.

    O avanço urbanístico na área do quilombo mudou essa rotina sem, no entanto, trazer a infraestrutura médica necessária à comunidade. “O que temos é uma agente de saúde que vem até a comunidade atender a todos. Mas, neste momento de pandemia, ela não está vindo visitar as casas, segundo ela, por questões de segurança”, explica Marta. “Quando acontece alguma coisa, se alguém está doente, a gente liga e pergunta o que é melhor fazer. Agora todo mundo está com medo.”

    Marta conta que muitos na comunidade precisam se submeter a trabalhos com risco de contágio. São ofícios em jardinagem e empregos de motoristas e empregadas domésticas. “Temos um alto índice de serviços informais e desemprego. Não temos condições financeiras nem de comprar álcool gel”, pontua enquanto conta que não houve distribuição do produto no local e explica que a estratégia da comunidade é permanecer dentro de casa e fazer a lavagem adequada das mãos.

    Política pública não é apenas avisar para não sair de casa

    Aos mais velhos, ela explica os motivos para não mais ficarem, como de costume, indo um na casa do outro e reforça a importância de  manter o isolamento. “Mas é difícil. Aqui em casa, por exemplo, tem um monte de idoso. Os que têm doenças não saem de jeito nenhum… E é isso: seguimos conversando com nossos mais velhos orientando por telefone, porque estão angustiados.”

    Mas isso não é uma política pública, muito menos específica aos que, de maneira tão brasileira, marcaram a identidade do Brasil com seus benzimentos, a devoção a São Sebastião e a Santo Antônio e a manipulação de ervas na cura de enfermidades que até hoje a ciência está estudando. “Atenção à saúde com essa população precisa ir além de informação que vem da TV. Aqui, só o que dizem é pra não sair.” 

    “Os idosos são a nossa história, parte da nossa resistência” 

    A agricultora familiar e educadora Cristiana Marinho, de 35 anos, entende que o combate ao coronavírus no Brasil está vinculado ao enfrentamento da desigualdade e da negligência do Estado. Sabe também que essa combinação representa um risco enorme às comunidades periféricas e historicamente ignoradas ou mesmo vistas como inimigas por agentes do poder. Cristiana é moradora do Quilombo de Ivaporunduva, que fica em Eldorado, município paulista da região do Vale do Ribeira, uma das mais pobres do país, e cidade natal do presidente Jair Bolsonaro.

    “É muito preocupante. Se a gente perde parte desses idosos, é nossa história que se perde. Queremos  cuidar deles de todas as formas para que não sejam contaminados. Se por aqui alguém contrair o coronavírus, existe muita pouca chance de resistir”, desabafa. Ela cita a precariedade da estrutura de saúde pública da cidade da família do político que comanda o país. “O município não tem UTI e nem mesmo equipamentos de oxigênio e intubação.”

    Cristiana Marinho, explica que a manutenção da cultura dos quilombos se dá pela sabedoria dos idosos. "A grande preocupação é com esse grupo de risco, que são os idosos, que é nossa história, é parte da nossa resistência" (Foto: acervo pessoal)
    Cristiana, do Quilombo Ivaporunduva: a própria comunidade fechou estradas, passou a controlar acessos ao território e montou equipes para idas à cidade e visitas de  casa em casa para saber das necessidades de cada família (Foto: acervo pessoal)

    Os moradores de Eldorado dependem do hospital regional, de Pariquera que segundo Cristina, tem apenas 39 leitos de UTI. “Estão sendo instaladas mais dez, mas ainda é muito pouco para um número muito grande de gente. Sabemos que é perda mesmo, caso não haja cuidado”. O Vale do Ribeira abriga uma população de quase 500 mil habitantes e inclui em sua área de 31 municípios; nove paranaenses e 22 paulistas.

    A resistência, como sempre, é construída no “nós por nós”

    As comunidades quilombolas da região avaliam o turismo e a ida à cidades como fatores de alto risco de transmissão do vírus. Os próprios moradores de Ivaporunduva, então, bloquearam estradas locais e, por si, vigiam os acessos durante os três turnos. Ninguém entra e ninguém sai. Dentro da comunidade, de cada território, há coordenadores para lidar com a crise.

    Há equipes que cuidam da divulgação de informações, outras cuidam de compras de remédios ou mantimentos na cidade. Parte da alimentação vem das roças orgânicas, mas há alimentos que ainda precisam aguardar a colheita. “Tem também um grupo que vai de casa em casa para saber o que está faltando para cada família. Estamos fazendo de tudo para que ninguém precise sair do isolamento social”, explica Cristiana. “Fiz também um apelo ao posto emergencial de saúde por causa da falta de materiais de prevenção, como álcool em gel, máscaras, luva. Isso deveria ser fornecido, mas que nem os profissionais da saúde têm.”

    Mecanismos de resistência, como sempre, estão sendo construídos por e para eles. “A comunidade está unida, mais do que nunca, para vencer essa luta. Se aos que estão nas cidades já é difícil, nos territórios quilombolas é ainda mais por questões de logística, de transporte, de cuidado e de um olhar diferenciado que não existe nessa questão da saúde para o nosso povo.”

    “Falta aos profissionais de saúde um protocolo de respeito às características da nossa comunidade. É uma questão de olhar, de entender as nossas tradições” 

    Diferente de muitas realidades, há dois anos, toda a dinâmica da saúde pública mudou para melhor no quilombo urbano Carrapatos da Tabatinga, localizado em Bom Despacho, em Minas Gerais, a 156 quilômetros de Belo Horizonte. “A chegada do programa Estratégia Saúde da Família (ESF), foi muito boa pra comunidade toda; tanto pra nós, quilombolas, quanto para quem não é. E é um conforto que a gente tem; não precisar correr léguas para ter atendimento”, conta a moradora da comunidade e técnica de saúde bucal Maria das Graças Epifânio, de 48 anos.

    Maria das Graças Epifânio, 48 anos, conta que o maior problema das políticas públicas de saúde é não respeitar as tradições quilombolas (Foto: acervo pessoal)
    Graça, do quilombo urbano de Carrapatos e Tabatinga: o racismo, enraizado na visão do que são as culturas, tradições e sabedorias afro-brasileiras, impossibilita a construção de políticas direcionadas. (Foto: Isabela Alves)

    Graça elogia a facilidade de acesso à equipe médica que vai até a comunidade para intervir nos fatores que colocam a saúde em risco. De fato, pesquisas apontam que a política pública promove maior adesão a tratamentos e evita intervenções de média e alta complexidade. Esse nível de atenção resolve 80% dos problemas de saúde da população. Ainda, assim, ela pontua que a população quilombola tem especificidades culturais que devem ser respeitadas pelos agentes da saúde. “Em geral, colocam tudo no mesmo balaio e vão levando. Não precisava ser assim”.

    Filha da matriarca do quilombo, Dona Tiana, falecida no ano passado aos 87 anos, Graça segue a militância pelos direitos quilombolas e é coordenadora de Igualdade Racial da Secretaria de Cultura da prefeitura de Bom Despacho. Ela sabe que o racismo está enraizado na visão do que são as culturas, tradições e sabedorias afro-brasileiras e o quanto isso  impossibilita a construção de políticas direcionadas. “Não tem aquele respeito, não tem uma cartilha ou protocolos que expliquem aos profissionais as características da nossa comunidade ou necessidades pontuais. É uma questão de olhar e entender, de maneira respeitosa, as nossas tradições”, detalha Graça.

    Dona Tiana, sua mãe, lutou pelo reconhecimento e certificado da comunidade como quilombo urbano da comunidade que, justamente, é referência na valorização da identidade e legado da cultura afro-brasileira. A líder incentivou e criou de grupos de dança afro, afoxé, teatro, capoeira, congado e até uma escola de samba. Detentora de saberes tradicionais, foi “zeladora de Santo”, filha de São Sebastião e benzedeira, reconhecida por toda comunidade de Bom Despacho, pelo poder público e entidades locais enquanto Dandara, sinônimo da resistência quilombola. Veja, abaixo, o documentário sobre sua vida e legado.

  • Entenda a luta do povo Guarani pelo Parque Ecológico Yary Ty no Jaraguá-SP

    Entenda a luta do povo Guarani pelo Parque Ecológico Yary Ty no Jaraguá-SP

    A Ocupação Yary Ty (CEYTY) comunica ESTADO DE EMERGÊNCIA DO TERRITÓRIO INDÍGENA da T.I. Jaraguá e convoca imprensa, parceiras e parceiros para comparecerem dia 04 de março, às 15h, no Fórum da 14a. Vara Federal, na Avenida Paulista 1682, para fortalecer na reza dos Guarani durante a audiência. A luta do povo Guarani no Jaraguá continua.

     

    Principais tópicos da luta do povo Guarani no Jaraguá

    Em visita à ocupação do povo Guarani na área do sonhado Parque Ecológico Yary Ty (CEYTY), descobrimos vários caminhos fraudulentos e mesmo criminosos trilhados pela Tenda Negócios Imobiliários, que tem como principais acionistas a AMBEV e o Itaú, e que estão garantindo à construtora tomar posse dessa área para construir até 11 torres de apartamentos a 200 metros de território indígena (T.I.), o que, por si só, transgride a Portaria Interministerial 060 de 2015. Mas as ações ilegais não param aí.

    Entre as diversas contradições dessa especulação imobiliária está o fato dessa área ter sido classificada como ZEIS (Zona Especial de Interesse Social), sendo que já estava classificada como ZEPAM (Zona de Preservação Ambiental). Leia mais em “Outras Ações em Curso” no final do texto.

    A área é considerada, ainda, uma Reserva de Biosfera, instrumento de preservação que incentiva uma gestão integrada e sustentável de recursos naturais.

    522 árvores da Mata Atlântica já foram derrubadas pela Tenda na área, além de diversas espécies de animais mortas, como abelhas sem ferrão. Depois dessa ação, a comunidade Guarani do Jaraguá ocupou o local para impedir que essas devastações ambientais continuassem.

    No dia 10 de março, a Tenda deve entrar nessa área continuar a derrubada de um total de 4 mil árvores, uma ação orquestrada com aval de uma juíza estadual, que pode calar diversas defesas garantidas por leis de preservação daquela área, considerada, ainda, área de amortecimento do Parque Estadual do Jaraguá. A ação da Tenda pode, ainda, acabar por isolar a comunidade Guarani e seu território demarcado, a 200mts dali, tornando praticamente inviável a manutenção e o desenvolvimento cultural Guarani naquele território, além de minar a preservação de uma das já poucas áreas verdes em São Paulo.

    Jaraguá – São Paulo/SP – Fev/2020
    crédito: Nair Benedicto/N Imagens

    O chamado agora é para que todos os habitantes da cidade de São Paulo acordem para esse crime ambiental!

    “Ontem nos reunimos com vários coletivos daqui para uma ação no dia 10 de março. Estaremos promovendo vários eventos e atividades na ocupação. Acabamos, de certa forma, sendo protagonistas aqui no Jaraguá. Mas essa luta é um dever de todos. Assim como estão vindo pessoas de outros países, o principal é que as pessoas que moram em São Paulo façam parte dessa resistência com a gente”, disse o líder Thiago Henrique, que nos conta os detalhes dos encontros líderes do povo Guarani no Jaraguá com a Tenda.

    Entendendo todo o histórico da luta abraçada pelo povo Guarani no Jaraguá pela criação do Parque Yary Ty (CEYTY) e um Memorial da Cultura Guarani.

    Mata Atlântica – Reserva Indígena Guarani – Jaraguá – São Paulo/SP – Fev/2020
    crédito: Nair Benedicto/N Imagens

    Depoimento de Thiago Henrique, líder da ocupação indígena no futuro parque:

    “A Tenda Negócios Imobiliários comprou este terreno há mais ou menos dois anos. Aqui havia o Clube Sul Riograndense.  Por mais que fosse uma área privada, nossa comunidade sempre usou essa área, porque as pessoas da administração do clube entendiam que estávamos aqui antes do clube. Então, nunca barrou a comunidade de vir nadar no rio, pescar, brincar nas árvores, até porque nosso território aqui é a menor terra indígena demarcada por um governo federal – tem 1,7 hectares, onde meus avós iniciaram, de novo, a família Guarani aqui.

    O clube faliu e a Tenda comprou este terreno, já com um projeto  de construção de apartamentos. Quando a Tenda nos procurou, no final de dezembro de 2019, disseram que iam construir cinco torres para 800 habitantes, que teriam que derrubar 4 mil árvores, que a gente não precisava se preocupar, pois já estava tudo licenciado, com alvará da prefeitura e autorização da FUNAI, e que eles só estavam avisando a gente.

    Foi quando dissemos que não era assim que funcionava, que não íamos aceitar o corte de 4 mil árvores do nada.  E eles disseram que havia uma área dentro desse terreno, onde não poderiam construir, e seria cedida para nós contruirmos uma escola, na compensação para a prefeitura – uma área no meio do terreno, que é uma área de lagos (rs).  

    Argumentamos, então, que não estávamos ali para negociar terra, mas sim a vida das árvores e queríamos um esclarecimento do Ministério Público, porque dentro de uma área de 8 km de uma terra indígena nenhum tipo de especulação ou obra pode ser feita sem um estudo de impacto ambiental e sócio-componente indígena (Portaria Interministerial 060, de 2015). Estamos a 200mts desse empreendimento.

    Esse estudo determinaria quais seriam os impactos dentro da terra indígena e de que forma esses impactos podem ser minimizados ou compensados e se há a possibilidade de serem compensados, porque existem impactos que não têm como serem compensados.

    A Tenda, então, argumentou que não precisava fazer isso, que estava isenta desse processo/estudo, pois a FUNAI já tinha dado a autorização, e que a Tenda não precisaria respeitar a legislação federal.

    Mais uma vez trouxemos à Tenda a Portaria Interministerial  060, de 2015. Além dela, existe a Convenção 169 da OIT, adotada em Genebra, em 1989, e aprovada pelo Congresso Nacional por meio do Decreto Legislativo 143, de 20 junho 2002,  e que nos garante que qualquer tipo de ação do Estado que venha ferir a comunidade de qualquer forma, causando qualquer tipo de impacto, temos que ter uma consulta prévia, livre e informada, de boa fé. Ou seja, o próprio Município de São Paulo não poderia ter dado uma autorização ou alvará, liberando uma obra aqui, sem antes ter consultado a comunidade, porque esse licenciamento da prefeitura, mesmo sendo ilegítimo, passa a ser criminoso quando fere a Convenção 169 da OIT, quando nos coloca em uma situação de vulnerabilidade e de risco.  

    Entre os dias 7 e 9 de janeiro, levamos essa denúncia ao Ministério Público Federal, com essas alegações da Tenda. O Ministério Público, então, marcou uma audiência de conciliação mais pra frente. Mas, até a gente chegar a esse consenso, pedindo para que não houvesse mais cortes das árvores aqui, acabamos fazendo essa ocupação porque, do dia para a noite, a Tenda começou a derrubar árvores na área…

    Em menos de dois dias cortaram 522 árvores.

    Nossa ocupação é para deixar que nenhuma árvore a mais seja derrubada aqui.

    Que nenhum tipo de empreendimento aconteça aqui de forma ilegal.

    E que um estudo de impacto ambiental e sócio-componente indígena seja feito para podermos chegar a um consenso.

    Desmatamento feito pela Tenda para construção de apartamentos no Jaraguá, próximo a Reserva Indígena Guarani – São Paulo/SP – Fev/2020
    crédito: Nair Benedicto/N Imagens
    Desmatamento feito pela Tenda para construção de apartamentos no Jaraguá, próximo a Reserva Indígena Guarani – São Paulo/SP – Fev/2020
    crédito: Nair Benedicto/N Imagens

    AS MENTIRAS DA TENDA E AS DEFESAS DO POVO GUARANI.

    Quando ocupamos a área descobrimos que eles mentiram – não têm autorização para a derrubada de  4 mil árvores, mas estão pleiteando essa derrubada.

    Falaram na implantação de cinco torres para 800 moradores, mas  quando vimos o projeto da Tenda, descobrimos que estão pleiteando um total de onze torres, divididas entre a parte de frente e de trás do terreno, dividido por um rio. Por isso o total dá 4 mil árvores.  Só que as pessoas da Tenda que vieram falar com a gente chegaram todas desinformadas, mesmo sendo da empresa. E acabaram expondo que seriam 4 mil árvores sem querer. Foi quando nós,  da comunidade Guarani, começamos a entender que a Tenda estava agindo com a mentira.

    O documento que eles dizem ter da FUNAI é, na verdade,  um documento informativo de um setor da FUNAI, dizendo que esse terreno não está dentro da aldeia, com a FUNAI deixando claro que aquele papel não era nenhum tipo de autorização de construção. Mas a Tenda pegou esse documento e tentou usá-lo de má fé, dizendo que a FUNAI tinha autorizado a construir sem o estudo.

    Tudo que a Tenda tem é um documento fraudulento da prefeitura, e essa informação da FUNAI, que o terreno não é um terreno tradicional Guarani. 

    A única coisa que a gente diz para a Tenda é: a partir de agora vocês não vão cortar mais nenhuma árvore, nenhum empreendimento vai ser feito. E o caminho para vocês agora é aceitar o termo de transferência de potencial construtivo da prefeitura e construir em outro lugar e aqui ser feito um parque para a população, visando o meio ambiente, a ecologia, a permacultura, a agrofloresta, a criação de abelhas nativas sem ferrão.

    Decidimos que a nossa luta continua.

    A própria Tenda criou um cemitério de árvores aqui, a partir do momento que derrubou 522 árvores e tem que ser responsabilizada por esse tipo de ação.

    Os impactos já estão aí: Mata Atlântica dizimada, diversas abelhas nativas sem ferrão foram mortas aqui com esse desmatamento, como as arapuás e uruçus amarelas, além de cobras, pássaros… Desde 2016 passamos a criar abelhas sem ferrão em nossa aldeia, pois estavam sumindo e conseguimos expandir essas espécies para o território e aí vem a Tenda e mata também as abelhas que estávamos fortalecendo.

    Para nós, tudo isso é um crime inaceitável”

    Mata Atlântica – Reserva Indígena Guarani – Jaraguá – São Paulo/SP – Fev/2020
    crédito: Nair Benedicto/N Imagens

    OUTRAS AÇÕES EM CURSO

    Como publicado na Folha Noroeste de 26 de fevereiro de 2020,há dois projetos de lei protocolados na Câmara Municipal, ambos de autoria do vereador Eliseu Gabriel. Um deles muda o zoneamento local, hoje classificado como ZEIS (Zona Especial de Interesse Social), para Zona de Preservação Ambiental (ZEPAM). O segundo propõe transformar a área em questão em parque municipal. Já o vereador Gilberto Natalini entrou com duas representações junto aos Ministérios Públicos Federal e Estadual com o objetivo de garantir a integridade física dos índios e impedir que mais árvores nativas sejam derrubadas. No documento, o parlamentar questiona o fato do terreno ser classificado como ZEIS estando ele inserido numa ZEPAM. A área, inclusive, é considerada uma Reserva de Biosfera (instrumento de preservação que incentiva uma gestão integrada e sustentável dos recursos naturais)”.

    O povo Guarani que hoje ocupa a área do sonhado Parque Ecológico Yary Ty (CEYTY) já plantou mudas de novas árvores onde as nativas foram derrubadas, além de estar em curso a limpeza da vegetação e a instalação de jardins filtrantes com plantas macrófitas, para recuperar as águas do lago, que estão sendo analisadas.


    RESUMO – ALERTA DA SITUAÇÃO

    DIA 4 DE MARÇO, 14HSCONVOCAÇÃO – 14a. Vara Federal, Avenida Paulista, 1682.

    Audiência de conciliação na Justiça Federal para tratar sobre essas questões, quando o povo Guarani, através de sua assessoria jurídica – a Comissão Yvyrupa, que representa os povos Guaranis, além de uma representação da OAB e do CIMI (Conselho Indigenista Missionário) – farão os trâmites legais de dizer que a obra é inviável e que, embora os Guaranis não estejam brigando pela posse do terreno, isso não significa que o cinturão verde de São Paulo, assim estabelecido pela UNESCO, deva ser devastado, como a Tenda quer.

    DIA 10 DE MARÇO – MOBILIZAÇÃO GERAL

    Diversos eventos e atividades estão sendo organizadas pelo povo Guarani na área ocupada, junto a coletivos da cidade, no mesmo dia em que a Tenda deve novamente entrar no terreno, depois de ganhar, recentemente, uma reintegração de posse emitida irregularmente por uma juíza estadual, que será executada pela Polícia Militar do Estado de São Paulo, conforme comprova ofício emitido pela própria PM, no qual consta, ainda, a necessidade de uso de armamentos de impacto controlado, como armas de choque e VANT – Veículo Aéreo Não Tripulado, como drones, uma clara declaração de guerra ao povo Guarani e a Ocupação Yary Ty. A reintegração de posse foi emitida apesar de todo o levantamento apresentado, esclarecendo tratar-se de um empreendimento ilegal e o fato de uma juiza estadual ter tomado uma decisão ilegítima, ao atuar sobre uma questão federal, colocando em risco a integridade física da comunidade Guarani, em uma ação na qual a juíza não tem representatividade alguma.

    Reserva Indígena Guarani – Jaraguá – São Paulo/SP – Fev/2020
    crédito: Nair Benedicto/N Imagens
    Reserva Indígena Guarani – Jaraguá – São Paulo/SP – Fev/2020
    crédito: Nair Benedicto/N Imagens
    Reserva Indígena Guarani – Jaraguá – São Paulo/SP – Fev/2020
    crédito: Nair Benedicto/N Imagens

     

    Entrevista e edição: Sonia Maia

    Fotos: Nair Benedicto e Fausto Chermont

     


    Links:

    Participe ativamente dessa luta, que também é nossa.

    Marque presença na ocupação, principalmente no dia 10 de março. Compartilhe, assine petições, impulsione doações.

    Petição pela criação do Parque Ecológico Yary Ty (CEYTY) e o Memorial da Cultura Guarani > https://secure.avaaz.org/po/community_petitions/prefeitura_de_sao_paulo_criacao_do_parque_ecologico_yary_ty_ceyty_e_memorial_da_cultura_guarani/

    Existe Guarani em SP > https://www.facebook.com/existeguaraniemsp/

    Tenonderã Ayvu > https://www.facebook.com/tenonderaayvu/

    Portaria Interministerial 060 de 2015

    http://www.lex.com.br/legis_26632223_portaria_interministerial_n_60_de_24_de_marco_de_2015.aspx

    Convenção 169 da OIT

    http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2004/decreto/d5051.htm


     

     

  • Editorial: Conhecereis os fatos e a verdade aparecerá

    Editorial: Conhecereis os fatos e a verdade aparecerá

    O jornalismo, assim como a ciência, não se pretende detentor da “verdade”. Nossa matéria-prima são os fatos. E os fatos bem apresentados a leitores, ouvintes e telespectadores são fundamentais para cidadãos tomarem decisões políticas. Jornalistas sérios, como a colega Patrícia Campos Mello, apuram, documentam e relatam fatos importantes para a compreensão da realidade cotidiana. Foi exatamente isso que ela fez na premiada série de reportagens que demonstrou, com dados, fatos e documentos, a contratação de empresas de “marketing” para o ilegal e milionário disparo em massa de mensagens de WhatsApp destinadas a favorecer a candidatura de Jair Bolsonaro e outros políticos de extrema direita  nas eleições de 2018. Como atestaram entidades do porte da Organização dos Estados Americanos, o Brasil foi o primeiro caso documentado em que as fake news (MENTIRAS, em bom português) distribuídas massivamente por celulares tiveram papel decisivo nas eleições majoritárias de uma grande democracia. Mais tarde, reportagem do jornal britânico The Guardian trouxe uma pesquisa provando que 42% de mais de 11 mil mensagens virais utilizadas durante a campanha eleitoral no Brasil traziam conteúdo falso (MENTIRAS) que favoreciam o então candidato de extrema direita à presidência.

    Os fatos, portanto, são que campanhas de extrema direita por todo país, incluindo a presidencial, se utilizaram de recursos ilegais e fake news para eleger seus candidatos. Os fatos são que os órgãos de fiscalização das eleições, como o Tribunal Superior Eleitoral, viram isso acontecer e não tomaram, à época, as atitudes que deveriam tomar. Os fatos são que o homem que ocupa a presidência e seus asseclas se elegeram e governam por meio de mentiras e ilegalidades. O fato é que por meio dessas mentiras, o governo caminha rapidamente para um fascismo aberto e ataca diariamente todas as instituições democráticas brasileiras, especialmente as que trabalham com fatos, como o jornalismo. E os fatos são que, apesar de gostarem de usar um versículo bíblico associando verdade e liberdade, o que se tem são mentiras e agressões diárias contra pessoas que trabalham com fatos, como cientistas e jornalistas.

    Ontem, o Brasil viu estarrecido a escalada de um novo patamar nas mentiras, baixarias, calúnias e difamações, apoiadas e divulgadas pelo governo, contra uma jornalista e, portanto, contra toda a imprensa séria nacional. Patrícia Campos Mello foi alvo, em pleno Senado da República, não somente de mentiras sobre sua atuação profissional impecável no caso, mas também de calúnias de conteúdo sexual, o que demonstra, mais uma vez com fatos, que esse governo não apenas é fascista e mentiroso, como também machista e misógino. A Patrícia, toda a nossa solidariedade e apoio, tanto pessoal como profissional.

    É passada a hora de a imprensa brasileira dar um basta nas mentiras e agressões desse governo que tomou posse há mais de um ano num evento grotesco em que os jornalistas foram confinados longe dos políticos e ameaçados de serem baleados se tentassem se aproximar. Não é possível que os colegas da mídia hegemônica sigam aceitando as “coletivas” da porta do Palácio do Planalto em que o homem que ocupa a presidência os xinga, manda calarem a boca, destrata os veículos para os quais trabalham e foge cada vez que é feita uma pergunta diferente da que ele quer responder. É urgente que jornais, rádios, TVs e portais noticiosos PAREM de tratar esse governo como “normal” e usem as palavras corretas para designar os fatos. Mentiras são mentiras. Fascismo é fascismo. Extrema direita é extrema direita. Retirada de direitos é retirada de direitos. Autoritarismo é autoritarismo. Corrupção é corrupção. Milícia é milícia. E bandidos são bandidos.

    A sociedade e os democratas brasileiros devem exigir das autoridades que ainda não foram totalmente cooptadas por esse governo fascista que façam funcionar as instituições democráticas. Os mentirosos e caluniadores precisam ser processados. Os crimes, inclusive de morte como da vereadora Marielle Franco e do motorista Anderson Gomes, precisam ser investigados e punidos. Os políticos que se beneficiaram de esquemas de corrupção, financiamento ilegal de campanhas e difusão em massa de mentiras precisam ser cassados, ainda que se faça necessário anular as eleições de 2018.

    Não é a mentira manipulada com o uso versículos bíblicos para enganar a população de boa fé que vai nos libertar. Nossa libertação como nação virá da VERDADE proveniente dos FATOS. E para isso, uma imprensa forte e independente é fundamental.

  • Fazer festa, reavivar a alegria é também revolucionário

    Fazer festa, reavivar a alegria é também revolucionário

    Em 24 de novembro de 2019, em domingo que começou nublado o Coletivo Flores pela Democracia, ocupou o Al Janiah.

    Nosso objetivo era confraternizar com as pessoas que de alguma maneira  já participavam  do Coletivo Flores pela Democracia. Era também divulgar o que já fizemos, quais foram e são nossos desafios. Buscar apoio.

    E ainda: dar visibilidade à diversidade das ações já desenvolvidas, partilhar um novo jeito de fazer política em praças e locais públicos, convidar para que mais pessoas cheguem perto,  colaborando para que possamos avançar em nossos compromissos, unir forças e indignações, agir …

    Há 1 ano e meio éramos 4, hoje somos cerca de 25 que atuam regularmente e 100 que participam através de grupo de Whatsapp  e de outras tantas que participam de ações de apoio ao Coletivo.

    https://youtu.be/bUPR-7VvIUU

    Tudo só aconteceu devido à ação coletiva

    Ficamos emocionadas, aproximadamente  200 pessoas vieram ao nosso Baião de Dois, tudo gente do bem. Alcy Linares fez um convite chamativo, com humor e arte; Cícero do Crato, caprichou nos ingredientes e no tempero.  O Al Janiah, conhecido espaço de resistência palestina, acolhedor dos movimentos de esquerda, foi invadido por flores de todo tipo: crepom, Flores jovens de 68, jovens de hoje, militantes, lutadores.

    A alegria tomou conta, nossa “mestre de cerimônia” Vânia estava impecável “Somos todos flores na delicadeza, mas também somos flores rompendo o asfalto, na luta e na resistência”, a dupla Moniquinha e Gaúcho animaram o encontro com alegria e através da participação  no bloco “Não Troco…”,  o humor e o lúdico selaram o compromisso  de quem passou por lá, o encontro de todos nós foi demais!

    Não troco

    Algumas falas do bloco “Não troco” traduzem o espírito que nos anima, a todos:  “Não troco: –  Minha Dignidade pela Minha Liberdade; – Minha Luta pela Passividade; – Paulo Freire por Olavo de Carvalho; – não troco Ciência por Terra Plana; – o SUS pela Privatização da Saúde; – não troco o Largo da Batata pelo Shopping Eldorado;  – Livros por Armas; – Mobilização por Acomodação; – não troco a Educação por Sucesso Profissional Passageiro; – o Tão Sonhado Socialismo pelo Capital Neoliberal; -não troco a Liberdade pela Repressão;  – a Liberdade por Baboseira; – o Nordeste por Miami; – Coletividade por Movimentos Individuais; – os CAPS de Saúde Mental, pelos Manicômios; – a Natureza pelo Desmatamento; – não troco a Arte pela Ignorância; – a Escola Pública pela Escola Militar;  o Respeito pelo Outro pelo Autoritarismo; – a Democracia pela Ditadura; – esse Encontro Lindo e Maravilhoso por Algumas horas em frente à TV; não troco o Meu Presidente por essa Quadrilha de Milicianos; – a Flor por Laranja; – O MST pela Monsanto;  – o Baião de Dois por um Fast Food; – não troco a Teologia da Libertação por Teologia da Prosperidade…” e por aí foi!!!!!!

    Encontro de afetos, encontro de lutas, encontro de colaboração, encontro de sonhos!

    Segundo depoimento de um dos participantes “É exatamente assim que se compõe este coletivo: MULHERES-FLORES que lutam com delicadeza e determinação, propagando a ideia básica e primordial de DEMOCRACIA. Saí ainda agora da festa e sigo pra casa com o coração cheio de amor, esperança e, principalmente força e inspiração para lidar com o que temos visto. Foram muitas as manifestações de calor, luta e exemplos de cuidado com todos os presentes. Meu agradecimento especial a todas as flores lindas que fazem desse coletivo um jardim tão diverso, colorido, saudável, alegre e fundamental para inspirar todas as gentes de todos os cantos”.

    Tudo isso se deu desta forma, por conta da ação coletiva de cada um de nós.

    Obrigada a todos. Apareçam no Largo da Batata, CHEGUEM MAIS!!!

    “Hoje só hoje, vamos fazer diferente, vamos fazer nascer de nossas mãos as flores, Flores pela Democracia”

    Com a poda, nascem Flores! A semana que passou que o diga, só golpes.

    JUNTAS SOMOS MUITAS!

    A festa é revolucionária!

  • O amor em tempos de crack

    O amor em tempos de crack

    Diz a Ela Que Me Viu Chorar é um daqueles filmes que você se mexe na cadeira do cinema a todo momento. Algo angustiante, algo que incomoda, e incomoda muito. As personagens vão sendo apresentadas. Um universo muito distante de você. Pessoas que usam “crack” que tentam uma saída para suas vidas acolhidos pelo projeto de redução de danos e acesso aos direitos básicos de cidadão, da prefeitura de Fernando Haddad, o programa “De Braços Abertos”. Um universo muito distante de você. A medida que o filme progride, você nunca perde esse referencial. Mas as cenas vão mostrando, uma a uma, a relação de proteção, embate, empatia e amor que também nos atravessa. E nos atravessam de maneira permanente, nos atravessam com aquele nó na garganta, na boca seca, no incômodo de nossa vida confortável em uma sala refrigerada de cinema ou num sofá cercado de pipoca e bebidinhas da sua sala de estar. Uma constatação: somos iguais na corrida pela felicidade.

    Chega de spoiler. Vá sentir essas coisas ao vivo. E essa semana, um grupo de amigos e coletivos que trabalharam durante o tempo em que o programa “De Braços Abertos”estava ativo, Casa Rodante, da casadalapa, Coletivo Transverso, Paulestinos, A Craco Resiste, Coletivo Resistência, trabalhadores do programa nos hoteis e nas ruas, estiveram junto com a diretora e produtores do filme no coração do fluxo de usuários da chamada Cracolândia para projetar o filme na rua. Ali, na Helvétia, em frente a tenda do programa. Um exército de Brancaleone puxando fios e cabos, ligando o laptop, erguendo a tela, criando um universo mágico onde a mágica é sobreviver.

    Hoje vai ter cinema! Essa foi a chamada. Em meio ao movimento para lá e para cá, comum do fluxo, alguns passavam, olhavam e sentavam no asfalto para ver do que se tratava. Eles mesmo limparam a área, nos deram proteção, nos ajudaram a montar tudo. E aí, começa a aventura. O silêncio das salas de cinemas substituidas por gritos, risadas, dedos apontando, nomes sendo ovacionados, lembranças de tempos em que muitos podiam ter um teto, uma casa, uma cama, um banho diário. E nesse ver o outro, perceber que muitos continuam por ali, algumas personagens ali com a gente, chorando em suas cenas mais fortes, rindo de outras mais engraçadas, mas ali, sempre ali, sem uma possibilidade urgente de mudança em seu destino. Mas também perceber que, sim, várias histórias enfrentaram as estatísticas. Pais que retomaram suas relações com filhos e parentes, pessoas que tiveram tentativas reais de procurar novos caminhos, outras que, vencendo o vício, tentavam ajudar outros a conseguir o mesmo. E mais que tudo, compreender que somos todos personagens de uma cidade à procura de alegria, compreensão, um pequeno toque de amor e de felicidade.

    Pelo olhar da diretora, que também é antropóloga, Diz a Ela Que Me Viu Chorar é um filme sobre amor em tempos de crack. O longa, um documentário de observação que se aproxima da ficção, narra a vida dos moradores de um hotel social prestes a ser extinto no centro de São Paulo. Entre escadas circulares, casas decoradas, viagens de elevador e ao som romântico das músicas do rádio, o longa acompanha histórias de amor, dor e perda.

    Nesse filme eu assumo o desafio de fazer cinema com os personagens e não sobre eles. É um cinema que tem a ver com a intimidade, com consentimento, com chegar perto, compartilhar tempo, descobrir afetos e aprender sobre a condição humana. Tem a ver com construir um encontro com pessoas em extrema vulnerabilidade social que não está mobilizado pelo medo, pela moral ou pela discriminação. É uma experiência que se estabelece na contramão do senso comum preconceituoso, no qual usuários de crack são conhecidos como zumbis. O que me mobiliza é cruzar distâncias geográficas, sociais e subjetivas na direção da empatia e do amor”, comenta a diretora Maíra Bühler.

    O longa teve sua estreia mundial no True/False Film Festival e participou dos festivais, Sheffield Doc Fest 2019, 37º Festival Cinematográfico Internacional Del Uruguay, sendo eleito Melhor Filme pela Associação de Críticos de Cinema do Uruguai, e do Cinéma du Réel, na França, no qual ganhou o prêmio The Library Award. Neste ano, o filme participou da seleção do Festival 8º Olhar de Cinema, conquistando o prêmio Olhar de melhor filme da competição internacional, de acordo com a revista francesa Cahiers du Cinéma o Olhar de Cinema é dos melhores festivais de cinema atualmente do Brasil.

    O filme acaba de participar da 43ª Mostra Internacional de Cinema e é o lançamento de novembro da Sessão Vitrine no dia 14 de novembro, quinta-feira, nos cinemas e plataformas de TVOD. Produzido e ambientado em São Paulo, o documentário estreia em diversas cidades e estados.

    confira o trailer: https://www.youtube.com/watch?v=SPwDTg_pYvo

    Texto e fotos da projeção: Sato do Brasil

    Fotos do filme: frames retirados do filme.

  • Negro Matapacos, o revolucionário

    Negro Matapacos, o revolucionário

    Matapacos foi um famoso cão viralata que apareceu nos protestos de estudantes para a educação gratuita em 2010, desafiando o gás lacrimogêneo e os canhões de água e acompanhando os estudantes como um companheiro leal em sua luta, apenas atacando ou latindo para os “pacos” (gíria chilena para “policiais”) e nunca estudantes e manifestantes.

    A imagem do cachorro preto de bandana vermelha é compartilhada em todo o país por todas as redes sociais. Os chilenos sempre prestam homenagens ao cão que marchou com o povo e ficou ao lado deles quando enfrentavam a violência do Estado. Muitos cartazes, desenhos e pixações vistos nos protestos de hoje fazem lembrar Matapacos com frases como: “Estai Presente! (Eu estava presente!)” e “In Tu Memória (Em sua memória)” e tratam-no como um santo padroeiro dos manifestantes.

    Negro Matapacos morreu de velhice há 2 anos, mas o seu espírito rebelde vive nas ruas de Santiago e de outras cidades em todo o Chile, enquanto o povo continua a lutar pela justiça e pela igualdade.