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Categoria: Opinião

  • Juventude hitlerbolsonarista? Governo quer formar milícias armadas em escolas militarizadas

    Juventude hitlerbolsonarista? Governo quer formar milícias armadas em escolas militarizadas

    Por: Roberto Ponciano

    Walter Benjamin, um judeu alemão, que se suicidou para escapar à perseguição do nazismo, quando fugia, na fronteira entre França e Espanha, foi um heterodoxo crítico literário/filosófico marxista, que previu o desastre nazista. Prever o desastre, não é, de maneira derrotista, sucumbir preventivamente a ele. Ao anunciar a falência da ideia de progresso e a esterilidade das oposições democráticas de esquerda ao nazismo na Alemanha, Walter virou o profeta do imenso genocídio que viria a se configurar diante dos olhos de quem não acreditava que o país mais culto e letrado de Europa fosse capaz de gestar o mal absoluto: o nazifascismo.

    Venho falando de fascismo no Brasil desde 2013. Eu alertei que a Lava-Jato, o macarthismo brasileiro, era um movimento de fundo fascista, que queria judicializar a política no Brasil, criminalizando toda a esquerda. O bolsonarismo é um passo além. O movimento tem tendências paranoicas e psicopatas que vão um grau acima, chegam ao nazismo. Entre o nazismo e o fascismo, irmãos siameses, há uma questão de gradação. Mussolini (admirado e, no princípio, copiado por Hitler) era o líder do Partido Nacional Fascista italiano e um genocida, mas não criou pogrons (perseguições específicas contra uma etnia) e nem campos de concentração. O festim diabólico apelidado de reunião ministerial, que mas parecia o set de filmagem de Saló de Pasolini, revelou ao Brasil, abertamente, o pensamento, mais do que fascista, nazista de Bolsonaro, Weintraub e Damares.

    Estes intentos nazistas são corroborados pelas falas golpistas e tirânicas do General Heleno, que conseguiu açular alguns militares de reserva. O perigo do nazismo em Bolsonaro é que, ao contrário da ditadura militar de 1964, ele não tem nenhum projeto de país. Braga Neto na reunião parecia alguém que quisesse ensinar balé aos símios. Um governo que perde rapidamente sua base de apoio e que aposta cada vez e mais na radicalização, apelando para um exército de fanatizados, que, no entanto, por todas as pesquisas, deve atingir entre 20% e 30% do eleitorado brasileiro, o suficiente para gerar o caos, o confronto, um conflito civil e dar as desculpas para rasgar as últimas garantias constitucionais.

    Não, eu não mudei de posição. Quem alerta para o desastre não diz que o desastre é inevitável. Pessimismo em análise não é derrotismo. “Pessimismo na análise, otimismo na ação”, diria Gramsci. Reitero: alerto para o avanço do fascismo desde 2013. E desde 2016 mostro elementos nazistas nas falas de bolsonaro. O ódio às mulheres (misoginia, pulsões anais sadomasoquistas reprimidas são características da histeria em massa nazifascista), homofobia, racismo, desejo de exterminar o inimigo imaginário, Bolsonaro nunca escondeu isto em seus discursos. Assustador e revelador foi vê-lo falar de seus intentos abertamente em uma reunião ministerial.

    Passos para montar um exército de milicianos nazistas, Bolsonaro e seus filhos metralha já tem dado de maneira aberta. O motim nazifascista no Ceará teve a participação aberta do bolsonarismo. Durante a ditadura militar, militares de baixa patente, praças e paramilitares eram apenas uma linha auxiliar do regime. Não acertamos a conta com nosso passado. A anistia perdoou os criminosos e, sadicamente, perdoou as vítimas. Igualou quem matou e quem morreu. Anistiou criminosos igualando suas vítimas aos torturadores. Os esquadrões da morte, as milícias, todas as organizações paramilitares são herança da ditadura.

    Todavia, a história não se repete. A primeira vez ela acontece como tragédia, a segunda vez, como farsa. Se na ditadura militar, o imenso contingente de oficiais de reserva, praças e baixas patentes, tanto das forças armadas, quanto das PMs, era uma linha auxiliar controlada facilmente pelo regime, com Bolsonaro (que no máximo teria atuado em 64 como algum torturador do delegado Fleury), esses homens tornam-se constituintes de um poder que se organiza de maneira subversiva e paralela, e chantageia e pressiona todo o tempo o Estado Democrático de Direito.

    A finalização de um golpe, com a tirania pessoal de Bolsonaro não é o único perigo para a democracia. Já vi várias análises dizendo que este golpe é inevitável (não concordo com este fatalismo, embora também alerte para o perigo golpista). Com certeza Bolsonaro tem esta aspiração e força os limites de nossa pálida democracia toda semana. Mas, como ele mesmo diz, se vê limitado pelos, cada vez em menor número, alucinados com seus cartazes pró AI5 que consegue reunir na frente do Palácio do Planalto. Basta ver as imagens aéreas em comparação com, por exemplo, as manifestações contra a PEC 95.

    Imagem distribuída pelo próprio Bolsonaro da manifestação a seu favor em 24 de maio de 2020
    Protesto contra a PEC do Teto dos Gastos em 29/11/2016. Foto: www.mediaquatro.com . Ver mais em https://jornalistaslivres.org/cronica-de-um-dia-tragico-em-brasilia/

    Enquanto não consegue finalizar seu intento de uma tirania pessoal, vai financiando e armando suas milícias pessoais. Já conseguiu emplacar até o advogado do escritório do crime como assessor no ministério da saúde. Não temos ideia de quantos mais milicianos estão nomeados em cargos de terceiro, quarto ou quinto escalão pelo país. O nazista disse abertamente na reunião ministerial que quer armar o povo (suas milícias) para derrotar o “inimigo”. Quem for considerado inimigo, ele já declarou diversas vezes, deve ser expulso do país ou sofrer as consequências. E quem pensa que é delírio, é bom lembrar que Bolsonaro aumentou o limite de compra de projeteis de 200 munições por pessoa/ano para 500 por mês (6.000 por ano), o que dá para montar pequenos exércitos milicianos. Junte-se a isto a medida que afrouxa a marcação controle de munições por parte do exército e para a qual chegou a exonerar um general e colocá-lo na reserva. Todos estes movimentos aconteceram sob nosso olhar complacente, sem nenhuma reação nossa.

    O perigo das milícias nazistas é maior que o do golpe. O Brasil se transformar na Colômbia, onde bandos paramilitares agem livremente assassinando opositores à luz do dia. Já temos isto feito de forma aberta no campo brasileiro. Já houve uma experiência de terror controlado, executada pelo mesmo escritório do crime ligado ao bolsonarismo, no caso Marielle. Devemos tomar as medidas democráticas legais para que o crescimento e o poder armamentício das milícias não avance mais do que avançou. Lembrando que o Rio de Janeiro, território onde o bolsonarismo foi criado, já tem bairros inteiros dominados por ela, às claras, e com a total omissão do poder público. E a maior apreensão de armas de guerra de última geração no estado, 117 fuzis modelo M-16 vindos dos EUA, foi feita na casa de um amigo/sócio do vizinho de Bolsonaro, o miliciano Ronnie Lessa, acusado de ser o assassino de Marielle.

    O passo mais descarado e ostensivo para isto foi dado por Paulo Guedes. Espanta-me que a esquerda tenha protestado apenas contra o “trabalho escravo”, quando Guedes tem a coragem de anunciar que quer treinar jovens nos quartéis e depois usá-los para cavar buracos, pagando 200 reais por mês.

    O menos ruim aí é o trabalho escravo. Creio que a maioria das pessoas nem se deu conta de que Guedes sugeriu criarmos a guarda nazista, a juventude hitlerista bolsonarista, com dinheiro público. O problema é que a esquerda introjetou o absurdo. Alguns estados governados pela esquerda aceitaram a excrecência que são as escolas cívico-militares, colégios de “pedagogia” militar em plena democracia. Algo não previsto em lugar nenhum da nossa constituição, mas que diante da falta de verbas, quando condicionadas a elas, foram aceitas avidamente de norte a sul. Mas, muito pior do que isto é a proposta de milícias estatatais bolsonaristas feita por Guedes.

    O governo financiaria jovens que iriam para os quartéis serem doutrinados com “OSPB” e, depois, por 200 reais por mês, estariam disponíveis para “ações governamentais”. A disciplina Organização Social e Política do Brasil, nem matéria escolar é mais. Tenho 49 anos, portanto, sou da geração que teve OSPB e Educação Moral e Cívica na escola. Cada estabelecimento de ensino dava, nessas matérias, aquilo que desejava. Além de ensinar o hino nacional e o que representava cada estrela da bandeira, podiam incluir a estrutura do estado e até história. Obviamente que, usando-se as forças armadas para amestrar jovens, através de OSPB, não vai se ensinar hoje a eles “direitos humanos”. Jovens pobres (nenhum jovem de classe média vai se alistar para ganhar 200 reais por mês) que serão doutrinados e estarão ao dispor do Bolsonarismo, para qualquer ação por uma ninharia, e tudo pago com dinheiro público.

    Óbvio que temos que evitar isto! E uma das formas é denunciar que a maior tragédia é que de maneira clara e aberta o bolsonarismo tenha coragem de propor a criação de uma milícia paga com dinheiro público, sem acobertamentos, sem subterfúgios.

    O anjo da história, tese IX de Benjamin, olha para o passado, para a sucessão de tragédias e catástrofes, para o sofrimento dos humilhados e derrotados, mas é impelido por um vento irresistível para o futuro. É impossível parar a roda da história. Mas é possível SIM evitar as catástrofes, as tragédias, antes que elas aconteçam. O bolsonarismo já desdenha ocultar que declarou uma guerra de morte à frágil democracia brasileira. Temos que estar alertas e desarmar seus planos, destruir sua tentativa de criação de um gigantesco exército paramilitar. Ou paramos esta construção, o autômato do mal absoluto e estrutural, ou ele ficará maior que Bolsonaro. Um exército de paramilitares, milicianos, armados até os dentes, de jovens alistados e mal pagos para cumprir tarefas de uma seita nazista, lutando contra um inimigo imaginário, é uma séria ameaça à democracia, que está sendo arquitetada, tijolo por tijolo, frente a nossos olhos complacentes.

     

    Roberto Ponciano é escritor, mestre em Filosofia e Letras, especialista em Economia.

  • Lula pede desculpas por usar “frase infeliz” para defender o SUS

    Lula pede desculpas por usar “frase infeliz” para defender o SUS

    “Eu tentei explicar que o SUS, depois de tão menosprezado no Brasil desde a sua criação pela Constituição de 1988 é, no auge da crise, que a gente tá começando a descobrir a importância de uma instituição pública que cuida da saúde pública. Foi isso o que eu tentei dizer e utilizei uma frase totalmente infeliz, uma frase que não cabia. (…) A palavra desculpa foi feita para usar. E eu peço desculpas se algum dos 210 milhões de brasileiros se sentiu ofendido por essa frase.”

    Foi assim o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva se desculpou hoje (20/5) por declaração feita ontem em entrevista ao jornalista Mino Carta, da revista “Carta Capital”.

    Ao fazer a defesa do SUS, tão atacado pelos neoliberais, pelos cortes de gastos e pelo sucateamento do Estado, Lula disse:

    “Ainda bem que natureza, contra a vontade da humanidade, criou esse monstro chamado coronavírus, porque esse monstro está permitindo que os cegos enxerguem, que os cegos comecem a enxergar, que apenas o Estado é capaz de dar solução a determinadas crises.”

    A mídia tradicional, que nunca publica uma só frase do Lula, em acintosa atitude de boicote ao maior líder da oposição ao desgoverno de Jair Bolsonaro, agora vem posar de arauto da solidariedade, dando grande destaque à frase infeliz, da qual ela reproduziu apenas um trecho, em clara demonstração de má-fé. Está nas manchetes de toda a grande mídia que Lula disse: “Ainda bem que natureza, contra a vontade da humanidade, criou esse monstro chamado coronavírus”. Como se Lula estivesse homenageando o vírus.

    Trata-se de estelionato vergonhoso, cometido contra Lula, o cara que tirou 30 milhões de brasileiros da condição de miséria, e que pode ser acusado de tudo, menos de indiferença ao sofrimento do povo.

    Mas o Lula errou mesmo na declaração que deu. Não há nada de bom na Covid-19, que já matou mais de 18.000 brasileiros. E hoje (menos de 24 horas depois) Lula admite esse erro e pede desculpas. Humildemente, como convém aos grandes homens que são conscientes de seu papel na História.

    Só para lembrar, a Rede Globo, o jornal O Globo, a Folha de S.Paulo e outros órgãos da imprensa corporativa demoraram décadas para reconhecer que erraram ao defender a Ditadura Militar que prendeu, torturou e matou milhares de brasileiros.

     

     

  • “O presidente perdeu a condição de governar”, dizem ex-ministros

    “O presidente perdeu a condição de governar”, dizem ex-ministros

    O claro flerte com o fascismo, a exultação da ditadura e as honrarias a assassinos e torturadores, uma constante na vida política de Jair Bolsonaro, finalmente está levando a centro-direita a voltar, ainda que devagar, à luta pela preservação dos Direitos Humanos no Brasil. Enquanto o PSDB tinha interesse na queda, por quaisquer métodos e motivos que fossem, dos governos petistas, a escalada fascista, o negacionismo da ciência e mesmo os crimes da familícia foram sempre minimizados ou mesmo ignorados. Agora que uma pandemia global ceifa, oficialmente, mais de 16 mil vidas de brasileiros, cinco ex-ministros sociais-democratas e um ex-ministro de Lula, todos fundadores e representantes da Comissão Arns de Defesa dos Direitos Humanos, publicaram artigo na Folha de S. Paulo para dizer o óbvio: Bolsonaro não possui as mínimas condições de seguir governando e enquanto ele não for impedido não será possível criar saídas para o genocídio diário e com viés de crescimento até onde a vista alcança. Antes tarde do que mais tarde ainda.

    Veja abaixo a íntegra do documento:

    Hora de falar ao povo, detentor e destinatário dos rumos do país

    Assistimos em 2019 ao desmanche de instituições e estruturas de Estado, em nome de alinhamentos ideológicos e guerras culturais.

    A partir de fevereiro último, com a chegada da pandemia em nosso território, ao grande desmanche somaram-se ataques à ordem constitucional, à democracia, ao Estado de Direito. Não podem ser banalizados, muito menos naturalizados.

    Como alertaram os cientistas, a Covid-19 encontraria no Brasil campo fértil para o seu alastramento: um país-continente com enorme desigualdade social e concentração de renda, sistema de saúde fragilizado por cortes e tetos orçamentários, saneamento básico precário, milhões de brasileiros vivendo em bairros, comunidades e distritos sem infraestrutura, sucateamento da educação pública, desemprego na casa das 13 milhões de pessoas e uma economia estagnada.

    Acrescente-se a esse quadro as características próprias da atual pandemia — um vírus com alta velocidade de transmissão e sintomatologia grave, para o qual ainda não há remédio ou vacina eficazes.

    Talvez não imune ao vírus, mas com toda certeza imune ao sofrimento humano, o presidente da República, Jair Bolsonaro, tem manifestado notória falta de preocupação com os brasileiros, com o risco das aglomerações que estimula, com a volta prematura ao trabalho, com um sistema de saúde que colapsa aos olhos de todos e até com o número de óbitos pela Covid-19, que totalizam, hoje, muitos milhares de casos — sobre os quais, aliás, já se permitiu fazer ironias grosseiras e cruéis.

    Mas a sanha do presidente não para por aí.

    Enquanto o país vive um calvário, Jair Bolsonaro insufla crises entre os Poderes. Baixa atos administrativos para inibir investigações envolvendo a sua família.

    Participa de manifestações pelo fechamento do Congresso e do Supremo Tribunal Federal. Manipula a opinião pública, e até as Forças Armadas, propagando a ideia de um apoio incondicional dos militares como blindagem para os seus desatinos.

    Enfim, o presidente deixa de governar para se dedicar à exibição diária de sua triste figura, em pantomimas familiares e ensaios golpistas.

    Preocupado com o amanhã e sob o peso do luto, o Brasil precisa contar com um governo que coordene esforços para a superação da crise, começando por ouvir a voz que vem das casas, das pessoas que sofrem, em todas as partes.

    Não há como aceitar um governante que ouve apenas radicais fanáticos, ressentidos e manipuladores, obcecado que está em exercer o poder de forma ilimitada, em regime miliciano-militar que viola as regras democráticas e até mesmo o sentido básico da decência.

    Só resta sublinhar o que já ficou evidente: Jair Bolsonaro perdeu todas as condições para o exercício legítimo da Presidência da República, por sua incapacidade, vocação autoritária e pela ameaça que representa à democracia. Ao semear a intranquilidade, a insegurança, a desinformação e, sobretudo, ao colocar em risco a vida dos brasileiros, seu afastamento do cargo se impõe.

    A Comissão Arns de Defesa dos Direitos Humanos entende que as forças democráticas devem buscar, com urgência, caminhos para que isso se faça dentro do Estado de Direito e em obediência à Constituição.

    José Carlos Dias
    Presidente da Comissão Arns de Defesa dos Direitos Humanos e ex-ministro da Justiça (governo FHC)

    Claudia Costin
    Ex-ministra de Administração e Reforma (governo FHC)

    José Gregori
    Ex-ministro da Justiça (governo FHC)

    Luiz Carlos Bresser-Pereira
    Ex-ministro da Fazenda (governo Sarney), ministro da Administração e Reforma do Estado e ministro da Ciência e
    Tecnologia (governos FHC)

    Paulo Sérgio Pinheiro
    Ex-ministro da Secretaria de Estado dos Direitos Humanos (governo FHC)

    Paulo Vannuchi
    Ex-ministro de Direitos Humanos (governo Lula).

    Texto original em : https://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2020/05/o-presidente-perdeu-a-condicao-de-governar.shtml

  • O Brasil nas rédeas da Globo

    O Brasil nas rédeas da Globo

    Em 02 de abril de 1964, “O Globo” exaltou o Golpe dizendo que o Brasil estava salvo da “comunização”, para ela a quartelada era o ressurgimento da democracia e o país estaria por viver “dias gloriosos”. Nada mais ridículo. No dia 07 apoiou o primeiro Ato Institucional que autorizou a cassação de mandatos, a suspensão de direitos políticos por até 10 anos e o afastamento de servidores públicos. Logo depois, as eleições diretas foram canceladas e o mandato do primeiro ditador, Castelo Branco, prorrogado.

    Por Silmara Conchão* e Eduardo Magalhães Rodrigues**, especial para os Jornalistas Livres

    Era isso que “O Globo” chamava de “revolução democrática”? O entusiasmado apoio não foi em vão. Em 1965 era inaugurada a TV Globo a partir de acordo com o Grupo Time-Life dos Estados Unidos, o que era proibido por lei. Com isso, a Globo acessou milhões de dólares, o que lhe garantiu a montagem da estrutura necessária. Apesar da relação ter sido questionada judicialmente, o general Costa e Silva legalizou o trato em 1968. Muito satisfeito, Médici, o terceiro ditador, declarou em 1972: “Sinto-me feliz todas as noites quando assisto TV porque no noticiário da Globo o mundo está um caos, mas o Brasil está em paz…É como tomar um calmante após um dia de trabalho…”. Diferentemente da bajulação à ditadura, a Globo nunca foi simpática a movimentos sociais, populares e sindicais. Em 1984, Roberto Marinho afirmou “participamos da Revolução de 1964 identificados com os anseios nacionais de preservação das instituições democráticas, ameaçadas pela radicalização ideológica, greves, desordem social…”. Hostilidade confirmada por Boni, ex-manda-chuva da emissora durante décadas, que confessou a manipulação do debate presidencial entre Collor e Lula para beneficiar o primeiro. Apesar de ser uma tradicional bandeira do PT, nenhum Presidente da República, até o momento, conseguiu colocar em prática o controle social da mídia para se garantir pluralidade e diversidade de ideias. O comportamento do Grupo Globo nunca foi julgado, sua hegemonia nunca foi questionada, salvo exceções, como as protagonizadas por Brizola que prometia, no primeiro dia, na primeira canetada, se eleito presidente, começar a acabar com o monopólio Global. Possivelmente por isso nunca ganhou…

    Embora tenha assumido em 2013 que foi um equívoco histórico ter apoiado 1964, a Globo não se propôs rever as vantagens recebidas. Esquecem que é concessionária de um serviço público, o espectro eletromagnético pertence ao povo e não a uma família…Família esta cuja fortuna supera os 40 bilhões de reais. Vale lembrar, que os três filhos do Roberto Marinho, mais cinco ricaços brasileiros, possuem a mesma renda que metade da população. Para o restante do país continuam defendendo a política de restrição de gastos públicos, mas entre 2000 e 2016, receberam mais de 10 bilhões e 200 milhões de reais em publicidade do governo federal, isso sim é que é Estado Máximo.

    O seu mais novo love affair é o santo lavajatista Moro que se esforçam para transformar no incorruptível-salvador-da-pátria. Se tudo der certo para ela, o candidato em 2022. Como sempre, a ganância Global é tendenciosa e partidária, destroem figuras políticas de esquerda ao mesmo tempo em que tentaram, na campanha de 2018, decolar o candidato neoliberal, no caso, o picolé de chuchu. Não tiveram sucesso com o psdbista. Esse cenário político dos últimos anos deve causar um curto-circuito no “cérebro” dos bolsominions. Não sabem se continuam amando a Globo ou o “Mito”. Dúvida cruel que se agravou com o rompimento de Moro. E nem ajuda aos universitários podem pedir, pois consideram todos comunistas balburdianos… De acordo com Paulo Henrique Amorim, a Globo não ganha mais dinheiro produzindo conteúdos e vendendo publicidade, seu maior ganho é com juros e aplicações financeiras. Ainda segundo o jornalista, a Globo está sendo googada e youtubada, perdendo a batalha para a tecnologia… Soma-se a esse desafio econômico um outro que talvez esteja incomodando os filhos de Roberto Marinho: se o “Mito” conseguir dar o autogolpe, instalando uma ditadura militar, o que eles fariam? Enfrentariam ou conciliariam? A Globo, depois de já haver pedido desculpas por seu apoio à ditadura militar, voltaria a apoiar uma outra?

     

    *Silmara Conchão – Socióloga, feminista e professora universitária da Faculdade de Medicina do ABC. Mestra em Sociologia e Doutora em Ciências da Saúde.

    **Eduardo Magalhães Rodrigues – Sociólogo e pesquisador da Universidade Federal do ABC. Mestre em Relações Internacionais e Doutor em Planejamento e Gestão do Território.

    Veja mais: Vidas ou lucro? Modelo capitalista neoliberal entra em xeque com pandemia do Novo Coronavírus

  • Editorial – O “adulto na sala” ou ensaio para uma nova ditadura?

    Editorial – O “adulto na sala” ou ensaio para uma nova ditadura?

    O vice-presidente da República, general Hamilton Mourão, publicou na edição de ontem do jornal O Estado de S. Paulo um artigo de opinião intitulado Limites e Responsabilidades. No texto, o vice-presidente, que diversos setores da sociedade tentam vender como o “adulto na sala” e a opção “moderada” contra o governo de destruição nacional de Jair Bolsonaro, demonstra claramente não entender NADA sobre limites e responsabilidades. Ele ultrapassa todos os limites do cargo ao ameaçar, novamente, a imprensa, o Supremo Tribunal Federal, o Congresso Nacional, os governadores dos estados que não estão alinhados incondicionalmente ao genocida que ocupa a presidência e até mesmo o direito de expressão individual de ex-presidentes da República. Portanto, Mourão não atenta à responsabilidade do cargo que possui atualmente e mata qualquer esperança de que numa eventual presidência pós-impeachment assumirá qualquer responsabilidade sobre os atos de Bolsonaro, a quem ajudou a eleger, sobre o apoio que segue dando ao genocida, ou mesmo sobre o papel fundamental de um governante que é unir a nação para resolver os problemas do povo.

    Ele ataca, mais uma vez, o jornalismo de modo geral ao dizer que “A imprensa, a grande instituição da opinião, precisa rever seus procedimentos nesta calamidade que vivemos. Opiniões distintas, contrárias e favoráveis ao governo, tanto sobre o isolamento como a retomada da economia, enfim, sobre o enfrentamento da crise, devem ter o mesmo espaço nos principais veículos de comunicação. Sem isso teremos descrédito e reação, deteriorando-se o ambiente de convivência e tolerância que deve vigorar numa democracia.” 

    Não, general, opiniões distintas NÃO devem ter o mesmo espaço quando se lida com vidas. Os jornalistas temos a responsabilidade de separar o que é fato, o que é opinião baseada em fatos e na ciência e o que é “achismo” ou declarações oportunistas de canalhas que querem se beneficiar do caos institucional sem se preocupar com as montanhas de cidadãos mortos. Se há intolerância na sociedade hoje, mais do que da imprensa a responsabilidade é de quem diz que os esquerdistas devem ser fuzilados e que torturadores assassinos são heróis, como fez o seu chefe e o senhor.

    As únicas frases corretas do texto estão no primeiro parágrafo: “Nenhum país do mundo vem causando tanto mal a si mesmo como o Brasil. Um estrago institucional, que agora atingiu as raias da insensatez, está levando o País ao caos”. No entanto, Mourão exclui do rol de limites e responsabilidades TODAS as ações do governo federal e joga sobre outros ombros a culpa pelo caos que vivemos, com perto de mil mortes diárias pela Covid-19 em números oficiais. Aliás, assim como seu ainda chefe, o general não fez qualquer referência no artigo ao sofrimento de milhares de famílias que perderam seus entes queridos, no dia em que o país somou oficialmente mais de 14 mil mortes. O tópico não faz parte dos quatro elencados por Mourão, mas e daí, né? Contudo, também a exemplo do chefe, o militar aproveitou o cargo no governo para dar o filé mignon ao filho, que foi promovido duas vezes no Banco do Brasil para ganhar mais de 36 mil reais.

    O estrago institucional em que estamos é consequência direta do golpe parlamentar/judiciário/midiático que tirou ilegalmente a presidenta Dilma Roussef do cargo. Quando um juiz de primeira instância grava e divulga ilegalmente uma conversa da presidenta e não é exonerado, há um enorme estrago institucional. Quando um ministro do STF impede que a presidenta escolha livremente um ministro da Casa Civil para se articular politicamente e impedir o impeachment, o golpe na institucionalidade é ainda maior. Quando um deputado federal vota pelo impeachment homenageando no Congresso um assassino e torturador e não sai de lá preso, a institucionalidade está ferida de morte. Quando um ex-presidente é condenado sem provas por “atos indeterminados” impedindo sua candidatura, rasgando até decisões em contrário da ONU e o ex-juiz responsável por isso vira ministro da justiça do candidato que beneficiou ilegalmente, é o fim da institucionalidade. Tudo o que temos hoje é fachada, é verniz, é disputa do butim. E os Jornalistas Livres avisaram disso em 2016.

    Mas, como disse o vice escolhido por ter feito em 2017 defesa enfática da ditadura de 1964 a 1985 e de uma intervenção militar, ainda “Há tempo para reverter o desastre. Basta que se respeitem os limites e as responsabilidades das autoridades constituídas” . Neste momento é passada a hora das autoridades constituídas assumirem suas responsabilidades dentro de seus limites. O Tribunal Superior Eleitoral, por exemplo, deve julgar urgentemente as eleições de 2018 e cassar a chapa eleita (Bolsonaro E Mourão) por caixa-dois e uso massivo de fake news como fartamente provado pela imprensa. O Supremo Tribunal Federal deve urgentemente votar a suspeição de Sergio Moro como juiz nos casos envolvendo Lula e anular a condenação do ex-presidente, como é consenso no mundo jurídico sério. O presidente do Congresso, Rodrigo Maia, deve escolher o quanto antes um dos mais de 30 pedidos de impeachment contra Bolsonaro e colocar em votação, já que não faltam crimes de responsabilidade provados. E mais, votar também a proposta de lei que exige novas eleições em 90 dias no caso de impeachment. Afinal, o país só poderá retornar à normalidade democrática quando de fato houver eleições limpas, com debates sobre projetos de governo e a presença de todos os principais candidatos dos partidos.

     

    Foto: www.mediaquatro.com
  • Estúpido homem branco

    Estúpido homem branco

    Por: Roberto Ponciano*

     

     

    Wilhelm Reich é, sem sombra de dúvida, um dos comunistas mais malditos na história. Com sua teoria do orgasmo, conseguiu ser odiado pelos nazistas, pela sociedade de psicanálise, pelo Partido Comunista Alemão e pelo Comintern, e quando se julgava tranquilo, já no período final da vida, cantou loas à “democracia estadunidense”, com certeza seu maior engano, e foi preso e assassinado com algum tipo de veneno numa injeção. Ele pintou com maestria o nazismo, a “praga psíquica” que assolava a Alemanha, em seu livro ‘Psicologia de massas do fascismo’, e mostrava que o nazismo não era um fenômeno puramente econômico, mas tinha suas raízes na miséria moral, no recalque, na violência, no ressentimento. O nazista é, por definição, o homem ressentido.

    O homem branco estúpido, com seu terror homossexual (medo psiquiátrico das próprias pulsões sexuais), seu ressentimento pela própria estupidez e deslocamento na sociedade, seu naufrágio num mundo de empregos precários, em que ele cada vez e menos faz parte de uma classe média brasileira que nunca foi uma classe média clássica, e cada vez e mais faz parte de um lumpesinato de serviços precários; mas que quer salvar-se desta deriva ao criar uma imagem narcisista no espelho de ser o descendente do colonizador branco.

    Estes milhões de lumpesinato pobre ou remediado, sem nenhuma perspectiva de futuro e nenhum projeto ideológico social, esta massa difusa e caótica, foi o público que o nazismo bolsonarista achou para crescer como cogumelo na chuva.

    Junta-se a isto igrejas da terceira onda neopentecostal, da teologia da prosperidade, que cada vez são menos igrejas e cada vez mais são partidos políticos ultrafascistas (de submissão das mulheres, homofóbicos, de pregação do medo ao comunismo imaginário). Estas entidades se organizam como verdadeiras células, bairro a bairro, rua a rua, e o que elas menos fazem é pregar a transcendência. Além da magia simpática mais primitiva, prometendo curas impossíveis, através de indulgências, o que elas fazem é criar uma ideologia na qual Deus é Mamon, é o capital, e numa estranha jogada de consórcio de Deus, onde pessoas compram a ajuda divina visando a ter sucesso pessoal e financeiro.

    Esta mistura bizarra é o combustível e o exército que anima o bolsonarismo, o nazismo brasileiro. E não nos iludamos, vai sobreviver a Bolsonaro. E vai sobreviver por um fato. Eles são ideológicos. O fascismo saiu do armário e assumiu todas as suas posições: a misoginia (pregada inclusive por “mulheres antifeministas” – o que corrobora o fato que além de Marx é necessário ler Freud e Reich para entender o nazismo), a homofobia, o ódio à esquerda, a mitologia louca de um nacionalismo sem projeto, que não vai além de vestir verde e amarelo e clamar contra o comunismo, ao mesmo tempo que se entrega todo patrimônio nacional. O fantasma do comunista andante imaginário os anima e os une, da mesma forma que na Alemanha Hitler criou o mito do comunismo andante.

    Por sua vez a esquerda não tem combatido o nazismo por três razões:

    Não nomeia o bolsonarismo como nazismo ou fascismo e é tímida em combater, por exemplo, pastores que transformam suas igrejas em partidos fascistas, porque, como esquerda eleitoral e com projeto alicerçado sempre no coeficiente eleitoral, tem medo de “magoar” eleitores que seguem pastores de política assumidamente fascistas, como Malafaia e Feliciano;

    De outro lado, como uma esquerda com um projeto puramente eleitoral, a resposta à radicalização da direita é tentar disputar votos sem “se mostrar ideológica”, mesmo frente a setores da direita cada vez mais radicalizados e definidos, porque organizados ideologicamente. Portanto, a esquerda não trava combate ideológico com estes setores;

    Como o projeto passou a ser puramente eleitoral, as máquinas partidárias da esquerda não se organizam mais territorialmente e não formam militantes. Pelo contrário, formam e conformam máquinas eleitorais que são preparadas para disputar eleições de 2 em 2 anos.

    Assim, a direita fica cada vez mais ideológica e organizada enquanto a esquerda brasileira é cada vez mais pulverizada, “horizontal”, desorganizada e doente do chamado cretinismo parlamentar. Vive quase que inteiramente para eleição, sendo sua base no movimento social apenas uma base de apoio para os movimentos eleitorais. Isso explica a falta de reação ao golpe contra Dilma e as dificuldades para organizar grandes ações de rua contra Temer e agora contra Bolsonaro.

    É óbvio que este artigo não tem como objetivo dizer que não devemos dar importância às eleições, não é um artigo de um esquerdista lunático que vive repetindo nas redes sociais “vamos para as ruas”, mas faz algumas constatações óbvias:

    A. A direita nazifascista organizou-se e veio para ficar. É ideológica, ainda que sua ideologia seja caótica e confusa, mas suas máquinas de fake news e suas organizações financiadas por empresários (Mises, MBL, etc), tem formado militantes orgânicos que retroalimentam suas fileiras, fora as organizações paramilitares milicianas ligadas ao bolsonarismo e as células de algumas igrejas que hoje são organizações políticas fascistas.

    B. A resposta da esquerda foi fazer “autocrítica” eleitoral e das alianças. Mas não basta para enfrentar esta onda. É necessário repensarmos a organização territorial e a formação de militância, inclusive de vanguarda política, com formação política pesada financiada pelos partidos, assim como a profissionalização da nossa rede da web (que está na pré-história da web), com pesado investimento nestas duas vertentes, para podermos voltar a disputar corações e mentes, de igual para igual com a direita.

    A precarização do trabalho cria um exército de lumpesinato desesperado facilmente capturável pelo discurso atávico e de medo do Bolsonaro, ou de salvação mágica de igrejas que hoje são suas aliadas. E nós não estamos oferecendo nenhuma alternativa a isto. Ou voltamos a fazer a disputa ideológica cotidiana, rua a rua, bairro a bairro, ou não construiremos jamais os sujeitos coletivos capazes de derrotar o nazismo, a hegemonia da direita (fascista ou não) e nos dar a possibilidade de conseguir uma hegemonia junto ao povo para voltar ao poder.

     

    *Roberto Ponciano é professor, filósofo, escritor e comunista.