Jornalistas Livres

Categoria: Análise

  • Alckmin publica na IstoÉ matéria paga elogiando sua Polícia Militar

    Alckmin publica na IstoÉ matéria paga elogiando sua Polícia Militar

    Na edição desta semana da revista IstoÉ há um encarte publicitário de 8 páginas exaltando os “feitos históricos” da Polícia Militar de São Paulo. O anúncio “Segurança em ação” teve uma equipe contratada especialmente para a sua produção.

    A propaganda do governador de SP, Geraldo Alckmin (PSDB), custa, segundo tabela da Editora Três, que publica IstoÉ, pelo menos R$ 1.564.000 ao governo do estado.

    O material, porém, não tem cara de publicidade. É um “publieditorial”. Ou seja, se parece com uma reportagem especial, com diagramação similar às outras matérias, com gráficos e grandes fotos. Mas é publicidade. Confunde o leitor ao agregar prestígio jornalístico a uma ação de marketing.

    “Nessa intenção de lesar o cidadão, não está apenas o anunciante (ou a agência que o representa), mas também o veículo, que se dispõe a ceder a “sua cara” para que o anunciante (que o remunera) se aproprie do seu leitor”, explicou o jornalista e professor da USP e da Universidade Metodista Wilson da Costa Bueno, em seu artigo ‘Publieditorial, a estratégia que afronta a ética’. “Trata-se de um crime duplo, um complô comercial que agride a cidadania e a independência editorial dos meios de comunicação.”

    São as famosas “matérias pagas”.

    Foto: Reprodução/IstoÉ
    Foto: Reprodução/IstoÉ

    De acordo com o publieditorial, o estado de SP seria o “mais seguro” do país, com queda em todos os índices de violência. Mas o material esquece de mencionar que essa mesma polícia é também uma das mais violentas do mundo.

    De acordo com dados da Secretaria de Segurança pública de SP publicados hoje no Diário Oficial, entre janeiro e fevereiro deste ano, as policias civil e militar do estado de SP mataram 137 pessoas, sendo 42 durante período de folga (quase sempre fazendo bicos como seguranças).

    A ampla maioria foi assassinada por policiais militares (92). Outras 80 pessoas ficaram feridas em confronto com a polícia. Nesse período, 1 PM foi morto.

    São 137 pessoas mortas pela polícia paulista nos primeiros dois meses de 2016. Mais que duas por dia (2,2).

    De acordo com a Secretaria de Segurança Pública de SP, os números da letalidade policial não são incluídos no total de homicídios por se tratarem de “mortes decorrentes de intervenção policial”, o que não está explicado no anúncio.

    Os índices de letalidade policial no Brasil são alarmantes: em cinco anos, a polícia brasileira matou 11.197 pessoas, sem contar os homicídios de 2016. É mais gente do que a polícia americana matou em 30 anos.

    Foto: Reprodução/IstoÉ
    Foto: Reprodução/IstoÉ

    Para a secretaria, houve queda de 4% em comparação ao mesmo período do ano passado. Ou seja, em números absolutos, a polícia matou menos 3,8 pessoas. Mas a secretaria não considerou a tendência. No ano passado todo, a polícia paulista assassinou 798 pessoas, mais de 2 pessoas por dia, índice muito próximo ao dado de 2016.  

    As principais vítimas de letalidade policial são os jovens negros e moradores da periferia. Isso também não constou no publieditorial publicado em IstoÉ pelo governo Alckmin.

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    Jornalismo x Publicidade

    Também nesta semana, a Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp) gastou uma fortuna com a campanha a favor do impeachment da presidente Dilma Rousseff. A diagramação da publicidade se misturou com as reportagens.

    Edição de terça (29/3) | Foto: Reprodução/Folha
    Edição de terça (29/3) | Foto: Reprodução/Folha

    Um leitor mais distraído poderia pensar que os jornais estariam explicitando seus apoios ao processo de impeachment. Como se fosse um convite dos jornais a seus leitores para apoiar a saída de Dilma.

    De acordo com o blog Tijolaço, pelo cálculo das tabelas de publicidade em impressos, os anúncios no Estadão e na Folha teriam custado à Fiesp cerca de R$ 5 milhões, sem contar a versão digital.

    Foto: Reprodução/Estadão
    Foto: Reprodução/Estadão

    É preciso cuidado e respeito com o leitor. Para se fazer jornalismo com qualidade é necessário principalmente manter o limite da ética, além dos princípios que regem a nossa profissão. Misturar campanhas publicitárias com reportagens certamente ultrapassa em muito essa linha. E é uma tremenda irresponsabilidade.

     

    * Maria Carolina Trevisan é coordenadora da disciplina Jornalismo e Políticas Públicas Sociais na ANDI-Comunicação e Direitos, em parceria com a USP. Também é repórter dos Jornalistas Livres

  • Juristas se unem contra o golpe e a justiça relativa

    Juristas se unem contra o golpe e a justiça relativa

    O ato de juristas mineiros pela democracia que ocorreu no dia 29 de março em Belo Horizonte foi marcante. Este termo diz sobre a presença de diversos servidores do ministério público, judiciário federal, defensoria, professores, estudantes, advogadas e advogados na Faculdade de Direito da UFMG. Estas presenças sintetizam que em tempos de judicialização da política, fazer política é um direito.

    É momento de luta e resistência. Não há juridicamente nada que possa justificar o rompimento do processo democrático, a jurista Delze dos Santos Laureano deixa claro que o golpe não é contra o governo, mas contra o povo brasileiro. A crise política causa problemas sociais, econômicos e rompe com o direito a liberdade de expressão.

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    Não podemos nos sujeitar a uma minoria que acha que manda no Brasil e que não comprrendem até hoje que passamos da lei áurea; diz Wilian Santos Presidente da Comissão de Direitos Humanos da OAB.MG

    O ato convida toda população a dizer sim a democracia e não a qualquer possibilidade de perda das conquistas populares que deram luz a carta magna brasileira. Todo poder emana do povo, trecho descrito no parágrafo único do artigo primeiro da constituição federal.

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    É sempre bom ter de esperança e referência falas como a da presidenta da CUT Minas, Beatriz Cerqueira. No ato de ontem ela poetiza dizendo: pegue sua lanterna e venha, somos nós nossa própria luz. É hora de juristas, professores, mulheres, jovens, trabalhadoras e trabalhadores lutar contra o golpe e não aceitar um ataque as liberdades democráticas.

     

  • O golpe de Moro, o assédio moral e o terror político

    O golpe de Moro, o assédio moral e o terror político

    Em tempo de procuradores que homenageiam o filósofo nazista Martin Heidegger (Aletheia), que confundem Engels com Hegel, é bom lembrar da metafísica. A metafísica é uma forma de pensamento que vê por baixo dos fatos. Usa o olhar de raio X não só para ver o que não existe, mas para atormentar aqueles a quem vitima. Acaba enxergando tão fundo que encontra tudo que quer enxergar. É a lógica do perverso Olegário, o marido que transforma o ciúme em obsessão, retratado por Nelson Rodrigues em A mulher sem pecado:

    OLEGÁRIO (sardônico) – Me desafia! Diz “minha vida não tem mistérios”! E eu
    ando atrás de você o tempo todo? Sei lá pra quem você olha na rua? Estou dentro de você para saber o que você sente, o que você sonha?

    Agora mesmo, neste minuto, você pode estar-se lembrando de um amigo, de um conhecido ou desconhecido. Até de um transeunte. Pode estar desejando uma aventura na vida. A vida da mulher honesta é tão vazia! E eu sei disso! Sei!

    LÍDIA (nervosa e revoltada) – Você está louco, Olegário, doido! Então, até isso!

    É óbvio que essa tirania, do assédio moral e do sadismo, é uma forma de terrorismo. Terrorismo psicológico, que é a pior forma de perversidade nas relações sociais. Agora, o que está ai na aliança da mídia com a MPF, é o terrorismo judicial aplicado contra a vontade de uma parte significativa da opinião pública. É um sadismo covarde que pretende multiplicar sobre uma sociedade exasperada pela crise econômica e política, cenas de demência sanguinária como essa:

    Uma grande parcela do eleitorado e grupos sociais inteiros sentem-se ultrajados pela perseguição aberta à figura de Lula e à democracia. Esse olhar metafísico e maniqueísta, por isso perverso como o de qualquer seita que se julga portadora de uma missão sagrada, crê firmemente que o mal não pode escapar da sua visão. Para a fé inquisitorial só existe o Bem contra o Mal, o que justifica qualquer tortura para levar alguém a confessar. Se numa situação aparentemente não há mal nenhum, é porque o ‘criminoso’ escondeu bem escondido o seu crime. O crime sempre há. Se não aparece crime nenhum, é porque se está praticando um outro: o crime de esconder o crime.

    Sempre há o crime. Ele é necessário porque, sem ele, o que seria dos carrascos? E essa linha de raciocínio, bastante excêntrica para o bom senso, parece que tem orientado as investigações da Lava Jato. Já no próprio dia 04, quando Lula foi conduzido à força, os responsáveis pela investigação, falavam em vazamentos que teriam levado à destruição de provas.

    “O vazamento pode ter sido a origem do que nós comprovamos hoje ter sido a destruição de provas e ocultamento de documentos. Nesse momento, vamos apurar todos os vazamentos e identificar os responsáveis”. O fato de não ter encontrado as provas que procurava, resultou em “prejuízo à investigação da Polícia Federal”.

    Assim, criavam uma proteção para eles mesmos. Não poderiam ser acusados de mera incompetência, de apontarem crime onde ele não existia, porque, por trás dos fatos, opera uma força diabólica que, fazendo o vazamento e prejudicando a operação, esconde o crime.

    Com isso nunca podem ser acusados de cometer erros. Se não são encontradas as provas contra o suspeito, é simplesmente porque ele é mais ardiloso do que se imaginava e, portanto, é mais criminoso do que se supunha: não satisfeito de praticar seus delitos, ainda, de quebra, furta as provas. Não importa se ninguém morreu, as provas do assassinato serão encontradas.

    Sim, Lula tem poucos bens, seu patrimônio é praticamente o mesmo de quando entrou em seu primeiro mandato. Ora, dirão os metafísicos de plantão, é justamente isso que prova o seu crime. Se ele não exibe o patrimônio que desviou é porque pratica a “ocultação de patrimônio”. Mas, se quisermos argumentar com esses delírios e dizer, por exemplo, que até agora não provaram que o dinheiro de Lula não é limpo, vamos ouvir algo no mesmo estilo: “se o dinheiro dele aparenta ser limpo, é porque foi lavado”. É para descobrir essas coisas, que temos a Lava Jato.

    Não se percebe outro objetivo de Moro que não seja o de contaminar o país com esse sadismo e de criar as condições para que a perversidade social se alastre em um confronto generalizado. Assim, já muitas vezes se falou que os métodos da KGB e da Gestapo eram metafísicos. Stálin gostava de brincar dizendo que a NKVD, se preciso, faria uma criança de cinco anos confessar que era o autor de Guerra e paz.

    O suporte para o sadismo é o aparelho de espionagem (de escutas), de delação (premiada ou não), de gestação do medo e da insegurança, que garantem que tudo está sendo visto. Que conhece o avesso das coisas. Como o tarado da anedota que em suas alucinações dizia que estava todo mundo nu. E que quando alguém o desmentia mostrando que todo mundo estava vestido, replicava: “mas por baixo da roupa, por baixo da roupa está todo mundo nu”.

     

    Assim, vamos ler o diálogo de Lula e Dilma, cuja divulgação soa como grotesco revide pela nomeação de Lula para o ministério:

    Conversa com Dilma
    Dilma: Alô
    Lula: Alô
    Dilma: Lula, deixa eu te falar uma coisa.
    Lula: Fala, querida. Ahn
    Dilma: Seguinte, eu tô mandando o ‘Bessias’ junto com o papel pra gente ter ele, e só usa em caso de necessidade, que é o termo de posse, tá?!
    Lula:  Uhum. Tá bom, tá bom.
    Dilma: Só isso, você espera aí que ele tá indo aí.
    Lula: Tá bom, eu tô aqui, fico aguardando.
    Dilma: Tá?!
    Lula: Tá bom.
    Dilma: Tchau.
    Lula: Tchau, querida.

    Não espanta que, para esconder a própria falta de substância dessa “revelação” ─ já devidamente caracterizada pelo governo ontem à noite ─, o próprio juiz Sérgio Moro corra para dizer que “pelo teor dos diálogos degravados, constata-se que o ex-Presidente já sabia ou pelo menos desconfiava de que estaria sendo interceptado pela Polícia Federal, comprometendo a espontaneidade e a credibilidade de diversos dos diálogos”.

    Aqui se insinua a mesma fantasia metafísica: toda vez que nada se encontra, é porque há muito escondido. Toda vez que o culpado não é pego, é porque ele é mais culpado ainda. Toda vez que o crime não se verifica, é porque é um crime ainda mais insidioso.

    Caso o golpe de Moro, com a criminosa divulgação dessas gravações, em sincronia com manifestações de FHC numa “palestra” para uma “empresa de seguros” (de que banco?), fracasse, certamente ele terá muito que explicar à justiça. Suas ações não são do tipo etéreas, não são meras hipóteses, mas atos que estão empurrando o país para uma possível catástrofe. E isso não há como esconder.

     Ilustração via Vitor Teixeira

  • Salvador Allende, República de Cuba: os nomes das escolas que Alckmin quer fechar

    Salvador Allende, República de Cuba: os nomes das escolas que Alckmin quer fechar

    Por Alceu Luís Castilho, para o Outras Palavras 

    Primeira chamada: as professoras.

    Adalgiza Segurado da Silveira (São Paulo); Alayde Maria Vicente (Guarulhos); Antonieta Grassi Malatrasi (Lençóis Paulista); Dinora Rocha (Iguape); Elza Salvestro Bonilha (Sorocaba); Eurydice Zerbini (São Paulo); Iolanda Vellutini (Pindamonhangaba); Iracema Brasil de Siqueira (Mogi das Cruzes); Iracema de Oliveira Carlos (Ibitinga); Ivani Maria Paes (Barueri); Laís Amaral Vicente (São Paulo); Lâmia del Sistia (Guarujá); Maria Aparecida Soares de Lucca (Limeira); Miss Browne (São Paulo); Regina Pompeia Pinto (Cachoeira Paulista); Sebastiana Paie Rodella (Americana); Sonia Aparecida Bataglia Cardoso (Santa Bárbara D’Oeste); Sueli Oliveira Silva Martins (Mogi das Cruzes); Yonne Cesar Guaycuru de Oliveira (Pindamonhangaba).

    No que depender do governador Geraldo Alckmin, essas 19 professoras, entre elas duas Iracemas, não mais serão nomes de escolas em São Paulo. O governo estadual anunciou em outubro o que chama de “reorganização” da rede de ensino. E significa, na prática, o fechamento de 94 escolas (número reduzido depois para 93, pois a EE Augusto Melega, em Piracicaba, será mantida), conforme lista divulgada no dia 28 de outubro.

    Segunda chamada: os professores.

    Álvaro José de Souza (Botucatu); Álvaro Trindade de Oliveira (Ribeirão Pires); Américo Belluomini (Valinhos); Antônio de Mello Cotrim (Piracicaba); Augusto Baillot (São Paulo); Bruno Pieroni (Sertãozinho); Dorival Dias de Carvalho (Sorocaba); Eruce Paulucci (Avaré); Antonio de Oliveira Camargo (São Paulo); Astrogildo Arruda (São Paulo); Firmino Ladeira (Mogi das Cruzes); Flavio Gagliardi (Sorocaba); Francisco de Paula Santos (Roseira); Geraldo Homero França Ottoni (São Paulo); João Cruz Costa (São Paulo); João Nogueira Lotufo (São Paulo); Joaquim Garcia Salvador (Guarulhos); José Augusto de Azevedo Antunes (Santo André); Lênio Vieira de Moraes (Barueri); Oscar Graciano (Carapicuíba); Pedro Fonseca (São Paulo); Renê Rodrigues de Moraes (Guarujá); Oswaldo Salles (Santa Cruz do Rio Pardo); Salvador Ortega Fernandes (Sorocaba); Sebastião Ramos Nogueira (Campinas); Silvio Xavier Antunes (São Paulo).

    Com esses 26 homenageados, o total de professores e professoras na lista de 94 escolas chega a 45. Quase metade do total. Um detalhe em meio à história que se rasga (a dos alunos, professores, funcionários, comunidade) ao se fechar uma escola. Mas não deixa de ser significativo.

    Principalmente quando se observa que, entre os nomes de escolas fechadas, estão a República de Cuba e a República de El Salvador. Ou a EE Joaquín Suárez, presidente uruguaio no século 19. A América Latina, que em 1989 ganhou um Memorial, em São Paulo, perderá sua voz até na toponímia?

    Não no que depender dos alunos da EE Salvador Allende. A escola foi uma das primeiras entre 43 escolas ocupadas em meio ao atual levante estudantil em São Paulo. Eles se inspiraram também na história do presidente chileno, derrubado em 1973 pelos militares: “Como podemos ficar quietos numa escola com esse nome?

    A resistência dos alunos colocou o governador Geraldo Alckmin em xeque: como autorizar a polícia a reprimir estudantes que ocupam escolas (os jornais falam surrealmente em alunos “invadindo escolas”) para que elas simplesmente não fechem?

    Seria exaustivo contar a história de cada um dos professores e professoras que correm o risco de perder a homenagem que receberam. Mas tomemos o caso do estudante Henrique Fernando Gomes, que dá nome a uma escola em Barueri. Ele tinha 16 anos e morreu em 2006, em um acidente de ônibus. Era um estudante dedicado, muito conhecido no Jardim Maria Helena III. A comunidade colheu mais de 3 mil assinaturas e ele se tornou o nome da escola, que levava o nome do bairro, em 2007. Há menos de dez anos, portanto. Caso a escola feche, terá sido uma homenagem-relâmpago.

    NOMES E NOMES

    Outros nomes são bem mais antigos. Entre as escolas da lista está a Miss Browne, na Pompeia, que leva o nome de uma educadora americana e foi criada em 1932 — um ano simbólico para os paulistas, o da “revolução” constitucionalista. José Leandro de Barros Pimentel defendeu São Paulo em 1932, e dá nome a uma escola em Barueri — na lista. Mesmo caso das paulistanas Barão Homem de Mello e Paulo Machado de Carvalho, o “marechal da vitória” (pela vitória na Copa do Mundo de 1970), o mesmo que dá nome ao Pacaembu.

    Nem todos os homenageados possuem uma história das mais nobres. Os povos indígenas que o digam. Na semana passada eles cobriram com sacos de lixo a estátua de Fernão Dias Paes, na ocupação da escola que leva seu nome em Pinheiros e se tornou símbolo da resistência estudantil ao fechamento em bloco pelo governo estadual. Paes foi um bandeirante — como tal, para os defensores de direitos indígenas, um genocida. Um caçador de esmeraldas — e de índios — que morreu de febre no meio da mata.

    Sobrou também para outros homenageados que representam o poder. Entre eles Amador Aguiar, o fundador do Bradesco, que dá nome a uma escola em Barueri — perto, portanto, do quartel general do banco, na Cidade de Deus, em Osasco. Curiosamente, as Escolas Estaduais República de Cuba e República de El Salvador — nome que reverencia Jesus Cristo — também ficam em Barueri. (Detalhe: a EE República de Cuba já tinha sido atingida em 1987; a parte do ensino básico, na época primeiro grau, migrou para o município e a EEPG foi renomeada para José Vital Alves Freire.)

    Oswaldo Sammartino foi prefeito de Jandira. Não foi poupado. Guilherme de Oliveira Gomes e João Bastos Soares foram deputados. As escola com seu nomes, em Osasco e Cachoeira Paulista, estão na lista da degola. O mesmo vale para a que homenageia o prefeito Santinho Carnevale e o vereador Fortunato Arnoni, em Ribeirão Pires; o industrial Luigino Burigotto, em Limeira; o coronel Antônio Paiva de Sampaio, em Osasco; Brás Cubas, o fundador de Santos.

    E sobrou ainda para o padre João Batista de Aquino, em Agudos; para a Pequeno Cotolengo de Dom Orione, em Cotia; para os pastores Amaro José dos Santos e Rubens Lopes, em Guarulhos; e até para o Rotary (que adora instalar sua marca em praças no começo de cidades, pelo interior paulista), também em Guarulhos. Igualmente para o jornalista Tito Lima — homônimo de Frei Tito, assassinado pela ditadura.

    “Nomes de nomes”, dizia Caetano Veloso na música Língua. (“Vamos atentar para a sintaxe dos paulistas. Sejamos imperialistas. Cadê? Sejamos imperialistas!”) Nomes como Castro Alves (o escritor abolicionista), o regionalista Valdomiro Silveira e o português Guerra Junqueiro, poeta antimonarquista e anticlerical, todos na lista da degola. Ou a Emiliano Augusto Cavalcanti de Albuquerque e Melo — o pintor Di Cavalcanti. (“O que quer, o que pode essa língua?”)

    Em março, o governo do Maranhão decretou a mudança do nome de dez escolas relacionados à ditadura de 1964: entre elas duas Costa e Silva, uma Emílio Médici, uma Castello Branco. Duas passaram a se chamar Educador Paulo Freire. (“E deixa que digam, que pensem, que falem”.)

  • O terrorismo e o sequestro das boas intenções

    O terrorismo e o sequestro das boas intenções

    Ilustração: Vitor Teixeira

    Há uma tentativa da mídia, por sinal bem exitosa, de sequestrar o emocional das pessoas, comparando os atentados ocorridos no último dia 13 em Paris com os atentados de 11 de setembro nos EUA, vitimizando a França e relativizando os ataques que essa mesma França praticou contra a Síria e o Iraque, por exemplo.

    Diante de duas tragédias, a proporção da cobertura midiática revela a desproporção de sua comoção.

    As lágrimas meticulosamente estudadas e oportunamente derramadas pelo presidente francês François Hollande durante seu pronunciamento oficial fazem parte de uma estratégia.

    A campanha que a rede social Facebook disponibilizou para que seus usuários pudessem mesclar as cores da bandeira da França com suas fotos de perfil são de um altruísmo questionável e extremamente seletivo.
    A enorme quantidade de pessoas que utilizaram esse recurso, ou mesmo as que trocaram suas fotos de perfil por bandeiras da França são reflexo do sucesso de uma mesma estratégia, também de tentar sequestrar o emocional de sua audiência.

    Jogando com o inconsciente coletivo das pessoas, manipulando reportagens e bombardeando-as com informações pinçadas conforme seus interesses, a mídia tradicional tem pautado a agenda de discussões sobre o tema “terrorismo”, definindo conforme suas convicções comerciais a diferença entre “ataque terrorista” e “legítima defesa diante de injustas agressões”.

    Pelas regras contidas nessa agenda midiática, fica pré-estabelecida uma dinâmica em que qualquer ofensiva promovida por um país ocidental contra um país de orientação islâmica é legítima, sempre realizada com os heróicos objetivos de “defender a democracia”, “encontrar armas de destruição em massa” e “acabar com regimes totalitários e ditatoriais”.

    No documentário Fahrenheit 9/11, o direitor Michael Moore apresentou ao mundo alguns métodos com os quais os governo dos EUA, tendo como principal aliado a mídia, fizeram a população do país não apenas acreditar que havia evidências de existência de armas de destruição em massa no Iraque, mas também apoiar uma invasão àquele país.

     

    Missão cumprida

    O governo americano declarou ter gasto US$ 845 bilhões no conflito no Iraque. O que não é nada, comparado à perda de mais de *500.000 vidas.

    (*A estimativa do total de pessoas mortas na guerra do Iraque entre 2003 e 2011 diverge de fonte para fonte, com números que chegam a até mais de 600. 000 mortes.)

    Sequestrar o emocional das pessoas com o objetivo de engajá-las em uma luta contra um “inimigo comum” é uma tática bem conhecida, utilizada em larga escala e por diversas vezes durante a história.

    “A propaganda para o público em geral funciona a partir do ponto de vista de uma idéia, e o prepara para quando da vitória daquela opinião.”

    Propagandas nazistas de 1943 retratando judeus como transmissor de doenças contagiosas.

    Essas palavras, encontradas no livro Mein Kampf, de Adolf Hitler, descrevem o conceito de usar a propaganda para disseminar a idéia de que uma guerra — no caso contra os judeus — se fazia necessária à época e que todos que se engajassem naquela guerra contra o “inimigo comum” sairiam dela como “vitoriosos”.

    Voltando para a questão dos ataques ocorridos em Paris, identifico a clara intenção do governo Hollande em criminalizar o Islã, transferindo o cerne da questão, que é política, para abstratas acusações de motivações religiosas.
    Para essa empreitada François Hollande conta com um poderosíssimo aliado:
    a imprensa.

    Para antevermos os resultados dessa estratégia podemos usar como parâmetro o que aconteceu nos EUA logo após os atentados de 11 de setembro.
    O governo estadunidense recrudesceu em muito a política repressiva que mantinha e o congresso pôs em curso o famigerado “Ato Patriota”, lei que tinha como objetivos reforçar a segurança interna do país e aumentar os poderes das agências de cumprimento das demais leis, além de identificar e deter supostos terroristas. Cerceando e ignorando os direitos civis do povo americano, claro.

    Certamente que o parlamento francês reforçará, a exemplo do que fez os EUA, seus dispositivos “antiterrorismo”, o que recrudescerá a repressão contra a população em geral e contra os imigrantes em particular.

    A maioria dos muçulmanos não só não aprova como condena a violência e não tem a menor culpa do que aconteceu na França. A despeito disso, suponho que serão ainda mais perseguidos, ainda mais criminalizados e que certamente pagarão pelo que outros fizeram.

    Assim como seu aliado EUA, o governo da França comunga, entre outras idéias, da idéia central de que apenas o uso da força bruta pode resolver seus problemas, muitas vezes problemas de ordem social.

    (Bem parecido com a política promovida pelo governador de São Paulo, diga-se de passagem)

    Marine Le Pen, representante da extrema-direita francesa que já foi candidata à Presidência da República declarou, quando aconteceu o ataque ao jornal Charlie Hebdo, que “o islamismo havia declarado guerra ao seu país” e que o povo “deveria responder sem fraquejar”.

     

    ​A expectativa é de recrudescimento da repressão policial

    Diante dos fatos apresentados, ouso dizer que a direita francesa está comemorando muito tudo isso, de braços dados com o governo Hollande e grande parcela da mídia mundial.

    O restante do mundo, atônito, aguarda desdobramentos tão ou mais trágicos do que a tragédia que se abateu sobre Paris e que ceifou a vida de pelo menos 129 vidas.

    A leitura da primeira estrofe de “A Marselhesa” reforça os temores de não apenas muçulmanos, mas de todos os imigrantes em solo francês nesse momento:

    “Esses ferozes soldados?
    Vêm eles até nós
    Degolar nossos filhos, nossas mulheres. Às armas cidadãos!
    Formai vossos batalhões!
    Marchemos, marchemos!
    Nossa terra do sangue impuro se saciará!”

    (Hino Nacional da França — A Marselhesa)


    *Diógenes Júnior é estudante de Ciências Sociais, pesquisador independente, militante do PC do B, ativista dos Direitos Humanos e Jornalista Livre.

  • Crônica de um discurso desejado

    Crônica de um discurso desejado

    Em dado momento aconteceu que, na cena política brasileira, o surreal sobrepujou o real, e uma espécie de “realismo mágico” em um Brasil paralelo começou a desenhar-se. Como em um filme do diretor José Padilha, aquele diretor sempre em busca de heróis.

     

    Ligo a TV e sou surpreendido com o pronunciamento da presidenta Dilma, direito de resposta dentro do jornal de maior audiência na TV brasileira, jornal que é faca, queijo e mãos sujas, artífices de golpes contra a democracia da qual ela mesma, Dilma, é a representante máxima.

    “Diante destes fatos só me cabe dizer aos trabalhadores: não vou renunciar! Colocada numa encruzilhada histórica, pagarei com minha governabilidade a lealdade que devo ao povo.
    E lhes digo que tenho a certeza de que a semente que entregamos à consciência digna de todos os milhares e milhares de pessoas que votaram em nossa proposta de governo não poderá ser ceifada definitivamente.
    Eles, os rentistas, os especuladores, os golpistas, têm a força, poderão nos avassalar, mas não se detém os processos sociais nem com o crime nem com a força.
    A história é nossa e a fazem os movimentos sociais e toda a esquerda que nos ajudou a alcançar o poder.”

    A nação para e ouve atentamente as corajosas palavras da fiel depositária dos sonhos, rumos e destinos de toda uma enorme nação. Cinquenta e cinco milhões de votos de um lado, cinqüenta e quatro milhões do outro.
    (O outro é aquele outro que não aceita a derrota.)

    As centrais sindicais, os movimentos sociais, os coletivos LGBTT, intelectuais, índios, povo quilombola, estudantes saem às ruas, tingindo de vermelho e multicor todas as ruas do Brasil. “Fica Dilma! Não vai ter golpe!”

    O pronunciamento prossegue:

    “Trabalhadores e trabalhadoras de minha pátria: quero agradecer-lhes a lealdade que sempre tiveram, a confiança que depositaram em uma mulher que foi apenas intérprete de grandes anseios de justiça, que empenhou sua palavra em que respeitaria a Constituição e a Lei, e assim o fez.
    Dirijo-me a vocês, sobretudo à mulher simples de nossa terra, à camponesa que em nós acreditou, à mãe que soube de nossa preocupação com as crianças.”
    (Sempre as crianças. Sempre. As crianças que programas sociais como o “Bolsa Família” ajudaram a salvar, ajudaram a manter na escola. )

    Nota mental minha: não nos esqueçamos disso.

    “Dirijo-me aos trabalhadores da Pátria, aos profissionais patriotas que continuaram defendendo esse projeto de governo contra a sedição auspiciada pelos interesses imperialistas, associações classistas que defendem os lucros de uma sociedade capitalista.”

    “Dirijo-me à juventude, àqueles que cantaram “Dilma, coração valente” e deram sua alegria e seu espírito de luta.”

    “Dirijo-me ao homem do Brasil, ao operário, ao camponês, ao intelectual, àqueles que serão perseguidos (e seremos), porque em nosso país o fascismo está há tempos presente; nos linchamentos incentivados por programas policialescos, nas execuções cometidas por grupos de extermínio formados por policiais que deveriam nos proteger, nos arroubos de intolerância praticados por gente que bate panelas e veste camisetas da entidade mais corrupta do esporte para desfilarem, inclusive nus, “contra a corrupção”.

    “A História os julgará. A História nos julgará a todos.”

    Ditas essas palavras, como que em um passe de mágica acontece uma “liga” em todo o tecido social que, outrora esgarçado e roto em vias de se romper, se fortaleceu em unidade.

    Setores que se encontravam relutantes em defender a democracia agora engrossam nossas fileiras, mobilizados e organizados em defesa do bem comum.

    “O povo não deve se deixar arrasar nem tranqüilizar, mas tampouco pode humilhar-se…”

    Dilma encerra seu discurso:

    ““Saibam que, antes do que se pensa, essa crise (que é mais virtual do que real, e que beneficia quem dela faz propaganda) será superada, e de novo se abrirão as grandes alamedas por onde passará o brasileiro livre para construir um Brasil melhor.”

    (Com menos desigualdades sociais — nota mental minha)

    Vem-me à mente toda a dedicação de um sem números de anônimos, pessoas comuns e celebridades que se empenharam, entregando-se de corpo e alma à tarefa de eleger o projeto de governo que julgavam ser o mais justo para o Brasil

    É neles e em todo o povo brasileiro que penso: essas pessoas esperam não menos que as atitudes expressas nesse discurso

    O que impede que essa peça de ficção, mundo paralelo de realismo mágico, se torne realidade?

    Termino com as palavras que comecei: “Em dado momento aconteceu que, na cena política brasileira, o surreal sobrepujou o real, e uma espécie de “realismo mágico” em um Brasil paralelo começou a desenhar-se, como em um filme do diretor José Padilha, aquele diretor sempre em busca de heróis…”

    …e Dilma se tornou novamente heroína, como foi na luta contra a ditadura, protagonista de uma grande virada política, que começou com um discurso.

    “Tem horas que é caco de vidro
    meses que é feito um grito
    tem horas que eu nem duvido
    tem dias que eu acredito.”
    (Paulo Leminsky)

    (N. do A: você pode ler aqui, na íntegra, o memorável discurso de Salvador Allende, no qual inseri minha licença poética a fim de escrever essa crônica http://www.dhnet.org.br/desejos/sonhos/allende.htm)


    *Diógenes Júnior é pesquisador independente, paulistano de nascimento, caiçara de coração e gaúcho por opção. Radicado em Porto Alegre, RS, escreve sobre Política, História, Cinema, Comportamento, Movimentos Sociais, Direitos Humanos e um pouco de um tudo.