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Categoria: Opinião

  • Dúvidas nossas de cada dia

    Dúvidas nossas de cada dia

    Por Fabianna Pepeu

    Ainda em março — salvo engano —, pisando em ovos porque era o início disso tudo aqui no Brasil e eu não sou epidemiologista nem nada, sugeri uma relação entre os casos de infarto agudo, morte súbita e Covid. Não tenho bola de cristal e não sou tão baixinha (sou?) quanto a Madame Mim, mas observei o aumento do número de mortes por problemas cardiológicos no país em paralelo ao grande volume de infectados pelo novo coronavírus com sintomas, até então, considerados típicos: dor na garganta, febre, falta de ar, cansaço, falta de olfato e também ausência de paladar.

    Depois, li alguns estudos feitos aqui e em outros países que indicavam realmente problemas cardiológicos e óbitos dialogando com a infecção pelo novo coronavírus.* Médicos e pesquisadores também levaram em consideração que a pandemia adiou a ida aos consultórios médicos, interrompeu tratamentos de saúde diversos e aumentou o estresse — fatores importantes na investigação sobre o aumento do número de casos de morte por questões cardiológicas no mundo todo.

    Aqui no Brasil, em junho, dados da associação de cartórios em parceria com a Sociedade Brasileira de Cardiologia (SBC)** mostraram um aumento de 31% em mortes por doenças cardiovasculares. Dados levantados no período de 16 de março a 31 de maio em comparação com o mesmo período do ano passado. Nesse intervalo, os óbitos por doenças como morte súbita, parada cardiorrespiratória e infarto agudo do miocárdio (choque cardiogênico) foram de 14.938 em 2019 para 19.573 em 2020.

    Por que estou falando nisso agora? Porque fiquei pensando de novo nessas coisas todas em função da grande perda que representa a recente morte de Zuza Homem de Mello para os familiares, amigos e para a cultura brasileira.

    O infarto agudo do miocárdio também nos levou o cantor e compositor Moraes Moreira e, ainda, o escritor Rubem Fonseca, o narrador esportivo Carlos Eduardo Sica Cortez (40 anos, saudável) e o maestro Henri Roberto Leite. Já o mal súbito, que é outro problema cardiológico, levou, no interior de Pernambuco, a sobrinha de um amigo querido que faz jornalismo cultural.

    Essas pessoas teriam ido embora também por conta do novo coronavírus? Que estados e municípios têm condições de fazer uma investigação (pente fino) nos óbitos não relacionados em um primeiro momento à Covid? Nas notícias sobre esses poucos exemplos que aqui elenco não constam a marca da doença, mas não é possível garantir que não exista também uma relação direta com o novo coronavírus.

    Será que essas mortes chegaram a ser investigadas para o novo coronavírus, repetindo, considerando que boa parte dessas pessoas já era de uma certa idade, etc e tal, e que infartos acontecem e pronto? No caso do comunicador e da adolescente, sendo jovens, diante do susto da morte, algum familiar teve condições de pensar nisso?

    Covid e fadiga

    Tem sido cada vez mais frequente a evidência acerca das sequelas, em alguns casos bem severas, deixadas pela Covid. Um exemplo é a Síndrome da Fadiga Crônica (SFC). Depois da fase aguda, a Síndrome de Stevens-Jonhson (alergia extrema a medicamento), também causa a Síndrome da Fadiga Aguda e eu, uma de suas vítimas, asseguro que se trata de uma condição muito limitante e complicada.

    Há quem confunda cansaço contínuo — ou que vai e vem, sem motivo aparente —, falta de concentração e sono que não revigora com depressão.

    Infelizmente, pouca gente tem a sorte (que outro termo usar?) de ter um diagnóstico rápido e preciso acerca do mal que lhe acomete. Poucos médicos e outros profissionais de saúde — por formação equivocada, preguiça, pressa para faturar mais ou até condições precárias de trabalho — fazem uma boa anamnese, observando com compaixão quem está adoecido e buscando uma visão holística do paciente. E ter um diagnóstico preciso é meio caminho andado para sair do adoecimento ou até seguir em direção à cura (pra quem, felizmente, tem essa perspectiva).

    HIV & Covid.

    Do mesmo modo como aconteceu nos anos 1980, por exemplo, quando o HIV — sigla em inglês para vírus da imunodeficiência humana, que ataca as estruturas de defesa do organismo, deixando-o mais vulnerável às chamadas doenças oportunistas, como pneumonias e tuberculoses — causou um rebuliço grande nas coisas do mundo, só bem adiante é que saberemos um tanto de coisas importantes sobre esse diacho do novo coronavírus, que daí já será até mais velho. Ufa!

    Haverá mesmo uma vacina que nos protegerá completamente da Covid, ou apenas remédios para o tratamento quando formos contaminados? O que deixamos de fazer para nos proteger e que excessos teremos cometido nesses meses todos?

    Há muitas questões em aberto que apenas o tempo — esse grande escultor — e muita pesquisa e estudo poderão nos responder.

    No caso dos portadores de HIV, houve um momento no qual eles eram evitados pelo restante da população. Houve uma estigmatização cujo pano de fundo era uma questão bem moralista. Foi difícil para muitas pessoas. Hoje, há tratamento, o preconceito diminuiu e essas pessoas podem, por exemplo, dar e receber beijos sem risco e seguir vida normal. Existem meios de evitar a contaminação.

    No caso do novo coronavírus, haverá um momento de novo no qual poderemos, finalmente, voltar a beijar estranhos — pero no tanto — nas ruas, avenidas e pracinhas das cidades?

    * The New York Times: https://www.nytimes.com/2020/03/27/health/coronavirus-cardiac-heart-attacks.html

    **Sociedade Brasileira de Reumatologia: https://www.reumatologia.org.br/clipping/pacientes-que-contrairam-covid-19-podem-desenvolver-fadiga-cronica/

  • Dan Kovalik – No More War

    Dan Kovalik – No More War

    O advogado e especialista em Direitos Humanos Daniel Kovalik, professor na Escola de Direito da Universidade de Pittsburgh, realizou um webinar no último dia 14 de julho onde comentou as mais recentes denúncias sobre violações e assassinatos de mulheres ocorridas em bases norteamericanas pelo mundo.

    Dan Kovalik é autor de vários livros críticos à política externa dos EUA sendo o último deles “No more war”. Quase todos os títulos podem ser encontrados no formato e-book ou encomendados pela Amazon.

    Transcrição, tradução e legendas: Juliana Medeiros
    Revisão: Maria José Campos


    Deixe-me começar com alguns eventos mais recentes.

    Eu hoje li algo sobre uma servidora da marinha, Thae Ohu – eu acredito que ela seja uma vietnamita-americana e militar – que foi sexualmente abusada por seus colegas de marinha. Quando ela reclamou com seus oficiais superiores foi colocada na prisão militar, onde continua presa.

    O desenrolar de outra história tem obtido também muita atenção, a de Vanessa Gillen, uma soldado que aparentemente foi morta e desmembrada por um colega soldado [em uma base] nos EUA.

    Então, por que estou trazendo esses casos? Em grande parte por conta do que vemos com frequência aqui, na grande mídia dos EUA (NPR, NYT..). Eles dizem: “Hey, os EUA não podem deixar lugares como o Afeganistão, porque precisamos estar lá para proteger as mulheres afegãs”. Certo? Bom, vamos encarar o fato de que o governo dos EUA sequer pode proteger seus próprios soldados, as mulheres soldados mas alguns homens também, dos seus próprios companheiros.

    Um em cada 30, pelo menos 1 em 30 – e esses números são os “oficiais”, portanto provavelmente são mais altos – 1 em cada 30 mulheres em relatórios militares já foram sexualmente violentadas por seus colegas soldados. Esse é um problema gigantesco! E de novo, se os militares só podem lidar com esse tipo de problema colocando pessoas na prisão por reclamarem de terem sido sexualmente violentadas, como eles poderiam proteger mulheres em outros países? E esse é um fato que nós já sabemos: eles não podem.

    Então, por exemplo, no Afeganistão nós temos gente como [o jornalista] Scott Simon na [rádio] NPR dizendo: “nós não podemos deixar o Afeganistão e deixar as mulheres nas mãos do Talibã, elas serão abusadas”.

    Vejam, o Talibã não é bom e eles são cruéis com as mulheres, sim. Mas agora mesmo, com soldados norte-americanos em solo lá [no Afeganistão] e eles já estão [na região] nos últimos 19 anos, indo para o 20º, o Afeganistão segue sendo o pior país no mundo, segundo a ONU, para os direitos das mulheres. O pior!

    Então, voltamos à pergunta: o que os EUA estão fazendo para proteger as mulheres no Afeganistão? O que eles fizeram nos últimos 50 anos?

    Os EUA em 1979 apoiaram [fundamentalistas islâmicos] Mujahedin, incluindo um de seus principais líderes, Osama Bin Laden, a iniciar atividades terroristas no Afeganistão contra o governo socialista que havia lá (e que protegia os direitos das mulheres) para derrubar a presença da URSS no Afeganistão. Nós sabemos disso, a partir do Relatório de Segurança Nacional do ex-Conselheiro Zbigniew Brzezinski do [ex-presidente] Jimmy Carter. Ele admitiu isso: que os EUA apoiaram o Mujahedin não para lutar contra as tropas soviéticas no Afeganistão, mas para tirá-los de lá. E foi exatamente o que aconteceu.

    Os EUA vêm dando apoio a esse jihadismo de direita e anti-feminista no Afeganistão desde 1979. E agora nós ouvimos que os EUA não podem sair do Afeganistão para não deixar as mulheres à sua própria sorte? Isso não faz nenhum sentido!

    Eu gostaria de ler algumas passagens do meu livro para dar-lhes uma ideia sobre esses temas.

    O capítulo 9 cujo título é: “As forças armadas dos EUA não são uma organização feminista”. De cara, você poderia dizer “eu nunca pensei que pudesse ser uma organização feminista”. E de novo, de várias maneiras, somos levados a acreditar nisso. Então, aqui está uma parte desse capítulo:

    “É sabido que durante a guerra dos EUA no Vietnã, por exemplo, o estupro era, de acordo com o testemunho dos próprios soldados dos EUA: um “procedimento de operação padrão” e os homens que serviram e mataram no Vietnã eram considerados por seus companheiros como “veteranos em dobro” se eles estuprassem mulheres e meninas vietnamitas, e também todos que fossem considerados inimigos ou ainda “alvos justos de estupro”.

    E de novo: “companheiros, co-membros da mesma unidade militar também foram violentados em cenários de combate.

    Um estudo preliminar de mulheres veteranas no Vietnã estima que tenha sido mais de 29% das mulheres militares norte-americanas que serviram no Vietnã, as vítimas de tentativas ou violações sexuais completas pelos próprios colegas militares dos EUA.

    Agora, você poderia dizer: “e o que dizer da Segunda Guerra Mundial? Nós éramos os caras bonzinhos!”. Bom, o Vietnã não foi a única vítima desse procedimento, nem mesmo considerando na que chamamos “Guerra do Bem” [II Guerra Mundial], segue mais um trecho do livro:

    “As forças aliadas, incluindo as forças dos EUA, se envolveram em estupros inclusive de “cidadãos de países aliados”. Por exemplo, como um artigo do Duke Law Journal explica, “o estupro de mulheres francesas por soldados norte-americanos na Segunda Guerra Mundial foi suficientemente perverso para provocar uma diretiva do quartel-general do General Eisenhower em dezembro de 1944 para o Comando das Forças Armadas dos EUA anunciando que o General estava gravemente preocupado e instruindo que rápidas e apropriadas punições fossem administradas”. Isso porque aparentemente, os estupros cresceram 260% depois do “Dia D”! E nesse caso agora, porque as tropas americanas estavam usando largamente suas armas (apontando mesmo) para cometer estupro contra mulheres aliadas, mulheres francesas [na ocupação] na França.

    Jean Bricmon em seu livro “Imperialismo Humanitário” diz que quando você vai para uma guerra o resultado é a tortura. Inevitavelmente. Apesar de todas as regras que temos sobre guerras, de proibir torturas, de proibir civis como alvos, de cuidar para que civis sejam protegidos, os que invadem outros países sempre torturam essas pessoas nesses países.

    E eu adicionaria a isso, e não estou sozinho, que muitos estudos apoiam a afirmação de que também as guerras agressivas [não defensivas] significam sempre estupros. Quando nossos soldados vão para a guerra no Iraque, no Afeganistão, eles estupram. Então, essa noção de que os EUA estão nesses países para proteger as mulheres é inacreditável.

    Tem esse outro grande livro.. estou tentando lembrar o nome do autor agora, eu o citei no meu livro, ele fala sobre a complexidade das bases norte-americanas ao redor do mundo.. David Vine, creio que é esse o nome.

    Nós temos mais de 800 bases militares pelo mundo e em todas as bases militares dos EUA, nas mais de 800 delas, sempre houve funcionários civis em serviço nessas bases. Nossos soldados, adicionalmente a estuprarem suas próprias companheiras [militares] tem abusado de mulheres [civis] em todas essas bases. Isso é excepcionalmente bem aceito, ninguém se assusta com isso.

    Sabe, nós falamos sobre como o Japão abusou de mulheres da Coreia durante a Segunda Guerra Mundial e a Coreia continua reclamando sobre isso e o Japão jamais se desculpou. E [achamos que] isso é legítimo. Mas e sobre as mulheres que os soldados americanos abusaram todos esses anos e continuam fazendo?

    Esse é o grande ponto que eu tentei trazer no meu livro. Essa ideia de que os EUA e o Ocidente estão saindo pelo mundo para proteger os direitos humanos e protegendo pessoas de genocídios é uma fantasia. Mas é uma fantasia com um propósito. Nós nos convencemos de que isso é verdade para justificar o contínuo gasto de mais de um trilhão de dólares por ano atualmente e as contínuas guerras agressivas ao redor do mundo.

    Um grande exemplo disso é a invasão da Líbia em 2011. E por que esse tão enigmático exemplo? Primeiro, pelo lado americano, ela foi liderada por Barack Obama e por três conselheiras que realmente empurraram os EUA a participar desse ataque da OTAN na Libia. E essas foram Samantha Power, Susan Rice e Hillary Clinton. Elas pressionaram para que ele entrasse nessa “incursão humanitária”. Mas nós sabemos agora, como muitos de nós já sabíamos então, que essa intervenção humanitária era uma mentira.

    Houve três principais mentiras para justificar o ataque da OTAN na Líbia:

    Número UM e a mais ultrajante de todas – que a Hillary Clinton gostava muito de promover – de que Muammar Gadafi estava distribuindo Viagra às suas tropas para praticar estupros em massa na Líbia; a Anistia Internacional mais tarde derrubou essa acusação, ninguém conseguiu encontrar qualquer evidência disso.

    DOIS, a denúncia – de novo, levada por Samantha Power, Hillary Clinton e Susan Rice – de que Gadaffi estava a ponto de cometer um genocídio em Benghazi; mas se olhamos os e-mails internos particularmente da equipe de Hillary Clinton [e, lembrando, eles também estão no meu livro] nós vemos a equipe de Hillary comentando entre eles que, quando a missão OTAN/Obama na Líbia começou, não havia qualquer preocupação com a questão dos direitos humanos em Benghazi. Que tudo já havia acabado e a oposição havia tomado conta de Benghazi e não havia qualquer risco [aos direitos humanos] naquele momento.

    A TERCEIRA e pior leviandade, foi a de que “mercenários negros” estavam sendo usados por Muammar Gaddafi para impor essa guerra contra seu próprio povo. Alguns grupos de direitos humanos e própria Anistia Internacional, inicialmente, apoiaram essa acusação. Embora a Anistia Internacional tenha, tarde demais, derrubado essa acusação. O que eles acabaram dizendo foi: “Não. Desculpem, não eram mercenários, eram trabalhadores estrangeiros, da África Subsaariana”. E, a propósito, a mídia na época até dizia que se podia identificar os mercenários negros, porque eles usavam capacetes amarelos. Claro, porque eles eram trabalhadores da construção!

    Então, essa mentira, não apenas pavimentou o caminho para essa intervenção na Líbia, a outra coisa que essa mentira fez foi criar um genocídio na Líbia. Porque os jihadistas, apoiados pela OTAN para derrubarem Gaddafi, começaram a atacar qualquer um com a pele negra, baseados nessas mentiras.

    Eles exterminaram cidades e localidades inteiras com população negra africana, mataram negros africanos, aprisionaram em massa, e até hoje ninguém fala disso! E os negros subsaarianos continuam sendo colocados nas ruas da Líbia e vendidos, como escravos! 

    Esse é o resultado da “intervenção humanitária” na Líbia, a que quase ninguém nos EUA jamais se opôs. Até mesmo [o programa de jornalismo independente] “Democracy Now” foi um veículo de apoio para essa invasão. E até hoje, não só Democracy Now, NPR [National Public Radio] mas muitos outros se recusam a rever os fatos sobre essa invasão, em ser honestos com suas visões em apoiar isso. E para ser franco, muito poucos se opuseram ao envolvimento dos EUA na Líbia.

    E você sabem, esse tipo de coisa foi o que me motivou a escrever esse livro. A guerra, a guerra imperialista é uma imensa parte do problema dos EUA.

    Eu vou lhes dar outro exemplo disso, recentemente Trump anunciou que queria remover 900 tropas da Alemanha. E queria começar a remover também as tropas do Afeganistão e trazê-las para casa. E nós vemos agora os Democratas, particularmente os que deram ouvidos a Liynn Chenney [Republicana], a mulher de Dick Chenney, que tentou aprovar a legislação para prevenir Trump de remover essas tropas. E se nós olhamos para os Democratas e os Liberais, eles na verdade estão atacando à direita de Trump em relação a esse tipo de problema. E acho que precisamos ser honestos sobre isso, com as cores que isso tem.

    Porque votar em Joe Binden em novembro? É, eu provavelmente vou, eu acho que ele também está entre as pessoas mais cruéis, mas eu também sei que as pessoas podem lutar contra Binden cada centímetro para evitar que ele continue essas guerras intermináveis no mundo.

    Outro exemplo, é esse outro novo inimigo amargo de Trump, John Bolton, que foi seu Conselheiro de Segurança Nacional, ele foi tanto um propagador de guerras, que Trump chegou a dizer: “eu tenho o melhor cara, ele pode ir comigo a qualquer lugar”. E Trump estava muito certo sobre isso.

    Então, Bolton escreveu esse livro com coisas sobre Trump que estão “bem descritas”, sabe como é, mas Bolton se tornou um herói para muitos liberais [esquerda] nos EUA porque ele estava “atacando Trump”. Só que ele estava [no livro] atacando Trump à direita, por exemplo, dizendo: “se Trump for reeleito ele vai encontrar-se com o Presidente Nicolás Maduro da Venezuela”. O que a propósito eu acho que seria uma coisa boa, eu gostaria que um presidente dos EUA fizesse isso. Mas porque foi Trump quem teria ganhado para fazer isso, os liberais estão dizendo: “ah, isso é ruim, ele é mau, é um ditador etc”.

    Então, nós temos que ter nossos princípios nessas questões, o primeiro é o princípio antiimperialista. Não importa quem esteja no comando, eu espero que possa ser Joe Binden, mas se é Joe Binden, nós tampouco vamos poder dormir. Temos que continuar pressionando nossos governos para encerrar essas guerras intermináveis.

    Ok, então esses são meus marcos principais. A propósito eu estou ao vivo no meu Facebook com meu celular e estou ao mesmo tempo no Zoom com meu computador, então é meio difícil ler todos os comentários e peço desculpas por isso. E eu nem sei que horas são. Vocês, amigos, tem comentários, perguntas, considerações, eu estou a postos para responde-los.

    Ok, obrigado Paul. Para o pessoal que está ao vivo no Facebook, eu quero dizer que vou responder agora uma pergunta do Reverendo Paul Dordal, ex-congressista, e ativista pela paz de Pittsburgh, que está no Zoom, vá em frente Paul.

    Claro Paul, bom ele me pediu mais exemplos sobre essas falsas alegações de “intervenções humanitárias” dos EUA. A propósito, Paul serviu como Capelão Militar durante a invasão do Iraque, tá certo Paul? Certo.

    Bom, há muitos exemplos, eu poderia voltar à outra história do meu livro no que eu acredito que foi nossa primeira “intervenção humanitária” e essa foi a “intervenção humanitária” do Rei Leopoldo II, da Bélgica, no Congo. Que teve início no final do século 19.

    Vocês provavelmente já aprenderam um bocado sobre isso porque durante os recentes protestos do BLM [Black Lives Matter] uma estátua do Rei Leopoldo II foi derrubada na Bélgica e a razão para isso é que o Rei Leopoldo decidiu pessoalmente invadir o Congo, por seus próprios interesses, especialmente para obter benefícios com o roubo de marfim. Mas o Rei Leopoldo, assim como muitos líderes, era muito esperto e sabia que a maioria dos países não iria apoiar que ele controlasse um país africano só para retirar seus recursos naturais. Então, ele apareceu com esse plano – e ele já tinha enviado emissários para o Congo e para o mundo, incluindo os EUA – para alegar que ele estava indo ao Congo para proteger as mulheres congolesas. E em particular, dos mercadores de escravos árabes que ainda existiam nessa região. Mas ele não estava interessado em proteger ninguém, era só uma justificativa e ele foi muito eficaz nisso. Ele conseguiu convencer muitas pessoas e governos – e os EUA foram os primeiros a reconhecer seus interesses no Congo – de que essa seria uma “intervenção humanitária” e inclusive conseguiu que pessoas lhe dessem dinheiro para sua aventura “humanitária” no Congo.

    Bem, o que aconteceu é que Leopoldo, ele mesmo, escravizou milhares de congoleses para apoiar sua extração de madeira, para construir rodovias, para facilitar sua retirada de recursos do país através dos rios [do Congo] para fora do país e para retirar o marfim. Ele escravizou milhares de congoleses e os torturou, se os congoleses não eram submissos a ele, ou ao trabalho que precisava ser feito, suas mãos eram cortadas, isso é bastante conhecido, às vezes seus genitais eram cortados, e no final como resultado do seu brutal tratamento, houve ainda mais de 10 milhões de pessoas no Congo que foram mortas durante essa incursão.

    E claro que essa incursão se encerrou por conta de pessoas honestas no Ocidente. Alguns deles não existem mais hoje em dia, mas naquela época tínhamos pessoas como [os escritores] Mark Twain, por exemplo, ou Arthur Conan Doyle – que descreveu isso inclusive em suas histórias de Sherlock Holmes – sobre o que o Rei Leopoldo estava fazendo. E essas pessoas, com pressão e organização, conseguiram que a comunidade internacional terminasse com essa incursão do Rei Leopoldo no Congo.

    E eu discuto isso no meu livro, o que o Rei Leopoldo fez no Congo foi “em nome dos Direitos Humanos” e o que o Ocidente continua fazendo em todo o mundo também é “em nome dos Direitos Humanos”. Só que agora de uma maneira mais sofisticada, claro, e pior. Mas no final é o mesmo jogo incluindo, a propósito, no Congo.

    Muitas pessoas não se dão conta de que sob Bill Clinton, começando em 1996, a administração Clinton apoiou os governos de Ruanda e Uganda a invadirem o Congo. De novo, sob o pretexto de “parar o que seria um genocídio” que estaria ocorrendo lá e era por isso que Ruanda queria entrar no Congo. Mas o resultado foi que essas forças de Ruanda e Uganda apoiadas por Bill Clinton mataram 6 milhões de pessoas no Congo, a maioria delas congoleses. E nós nos damos conta disso, eu procuro detalhar isso no meu livro, a partir da leitura da mídia hegemônica. A maioria das maiores empresas de mineração dos EUA, no final, a maioria delas conseguiu imensos lucros e benefícios nessa incursão no Congo. E através dessas invasões, as primeiras a ganharem com isso foram justamente as de Hope, no Arkansas, que são empresas muito próximas a Bill Clinton, como sabemos.

    E depois de Clinton, algumas pessoas gostam de se referir ao primeiro presidente negro [Obama], com Hillary trabalhando com ele, mas ele prosseguiu com esse massacre de 6 milhões de congoleses, em nome dos Direitos Humanos, e isso era uma completa mentira. E nós podemos ir além, mas enfim, essa é a mais comum das armadilhas, a ideia de que os EUA estariam apoiando a prevenção de genocídios sob o princípio dos Direitos Humanos, quando na verdade é o Ocidente e os EUA que tem cometido genocídios pelo mundo.

    Bom, tem alguém que gostaria de fazer alguma pergunta ou podemos encerrar aqui? Eu acho que às vezes, menos é mais. E nessas circunstâncias, vejo meu amigo John sorrindo, eu acho que provavelmente é verdade. Então porque não terminamos aqui? Acho que é um bom ponto para encerrar. Eu quero agradecer a todos por acompanharem e de novo esse é meu livro e você pode conseguir em qualquer lugar, na Amazon ou encomendar na sua livraria. Eu realmente estou grato por vocês estarem aí, eu acho que é um período duro para estar atrás de livros como esse, mas acho que tem uma boa mensagem aí e algo que podemos aprender. Obrigado a todos que estão conectados, isso realmente significa o mundo para mim. Nós estamos vivendo tempos muito difíceis e estamos todos atravessando um enorme desafio com essa pandemia e ver vocês disponíveis aí para me ouvir, significa tudo para mim. Vocês foram muito pacientes e muito gentis. Eu desejo a todos, boa tarde, boa noite e boa sorte. Obrigado!

  • A MÁSCARA DESMASCARA

    A MÁSCARA DESMASCARA

    por Lidiston Pereira da Silva*

    Problema: como o uso da máscara pode ser pensando (hipótese), enquanto estratégica de dominação, tendo como situação de leitura os efeitos das (im)posturas presidenciais diante da obrigatoriedade e da importância do uso de máscara, como cuidado e proteção em saúde coletiva e individual?

    Nos preocupa tais condutas, porque a supomos pensadas estrategicamente. Imaginamos como parte estratégica para compor um ataque social, fragmentação, mobilização negativa. Como? Disparando duas bombas que se intensificam e se realizam por meio do exercício da violência e da violação: o Fanatismo e as Rebeliões nos presídios.

    De um lado, liberação das igrejas e templos para encontros coletivos e a não obrigatoriedade do uso de máscara. No domínio da fé, poderá redundar em crescimento de mortes entre fieis, mas vivido e fomentado no horizonte ideológico apocalíptico (aliando-se a praga de gafanhotos, furação bomba), podendo dar ensejo ao Fanatismo, como reações desmedidas dos escolhidos diante da imagem do fim dos tempos. De outro, ao vetar a obrigatoriedade do uso de máscara nos presídios, sabe, senão espera, que os aprisionados não vão morrer em silêncio, surgindo condições para as Rebeliões.

    Nota-se, como diria Hannan Arendt, a banalização do mal. Focando essa atitude precipitada expressa nas generalizações dos vetos presidenciais de não obrigatoriedade do uso de máscara, no momento em que entra em liberação a reunião de coletivos, os estádios, os centros esportivos, os shoppings, os bares, salões de beleza e a seguir as escolas. Cabe destacar uma diferença: a liberação dos shoppings, dos centros esportivos e das escolas, bem como, a não obrigatoriedade de usar máscara nesse espaços coletivos, não tende a promover reações fanáticas e de rebeliões, já a não obrigatoriedade do uso de máscara em igrejas e presídios, abre condições para surgir manifestações que envolvam a violência e nefastas formas de violações. Como?

    Por princípio de contagio, a aglomeração sem proteção é um fator agente de propagação. Supõe-se que todas as formações coletivas sem segurança tenderam a promover o aumento da propagação do vírus, todos poderão causar muitas mortes. Com isso o aumento do medo, do desespero, da dor, da perda se intensifica no imaginário social. Nossa hipótese: é que isso é esperado, senão almejado, para que surja duas grandes bombas em meio ao caos de pânico e terror generalizado no tecido social: o Fanatismo como reação da fé exacerbada e Rebeliões, pela revolta prisional.

    Essa hipótese fica provocante quando se imagina que a família presidencial se apresenta muito ligada a culto envolvendo fanatismo, bem como, os fortes indícios de uma parte dos políticos estarem diretamente ligada ao mundo do crime, em franca aliança com os chefes dos apenados, que estão morrendo e se rebelando. Gritaram por suas vidas? Sim, sem dúvida! Mas gritaram por direitos constitucionais pela vida individual e coletiva ou gritaram para fazer barulho, dentro de cumplicidade a uma catástrofe orquestrada? Por outro lado, as intensificações dos fanatismos legaram benevolência e desprendimentos para o amor universal, ou se tornarão na oportunidade da revanche dos escolhidos? Uma imagem: os bandidos soltos e os homens de bem armados, em meios ao caos de morte generalizada pela pandemia, fomentado por discursos fervorosos compondo um cenário apocalíptico para o surgir do fanatismo. Outra, rebeliões, presídios, aprisionados, familiares, fugas, em franca luta mortal com o estado, a segurança, a polícia e, enfim, o exército. Resposta ao caos: intervenção federal.

    Claro, são apenas hipóteses frente ao momento político que são notícias diárias nas mídias, onde se acompanha como nossos dirigentes entram em cheque, como estão se encurralando diante da sociedade, no confronto com o Judiciário, por ilícitos que ferem a democracia social brasileira. Surge a questão: como a forma dominadora ganha território ou sai de seus sufocos? Seja como for, não é sem promover o medo e o terror generalizado, cenário propicio para se colocar o salvador, o herói, o mito. Espero que sejamos fortes para não deixar isso acontecer. Espero que essa hipótese seja só mais uma bobagem que faz rir…

    *Lidiston Pereira da Silva é Psicólogo (CRP/5 43477) e atende na Clínica nos Sentimentos, além de fazer parte do coletivo É-NÓS

    Veja mais: Ao Vivo, falamos com o médico infectologista Helio Bacha, sobre o Coronavírus

  • Os camisas negras de Bolsonaro

    Os camisas negras de Bolsonaro

    Mais de 1 milhão de crianças, 2 milhões de mulheres e 3 milhões de homens foram submetidos ao assassinato e à tortura de forma programada pelos nazistas com o objetivo de exterminar judeus e outras minorias. Nos primórdios da Itália fascista, os camisas negras – milícias paramilitares de Mussolini – espancavam grevistas, intelectuais, integrantes das ligas camponesas, homossexuais, judeus. Quando a ditadura fascista se estabeleceu, dez anos antes da nazista, Mussolini impôs seu partido como único, instaurou a censura e criou um tribunal para julgar crimes de segurança nacional; sua polícia secreta torturou e matou milhares de pessoas. Em 1938, Mussolini deportou 7 mil judeus para os campos de concentração nazista. Sua aliança com Hitler na 2ª Guerra matou mais de 400 mil italianos.

    Perdoem-me relembrar fatos tão conhecidos, ao alcance de qualquer estudante, mas parece necessário falar do óbvio quando ser antifascista se tornou sinônimo de terrorista para Jair Bolsonaro. Os direitos universais à vida, à liberdade, à democracia, à integridade física, à livre expressão, conceitos antifascistas por definição, pareciam consenso entre nós, mas isso se rompeu com a eleição de Bolsonaro. O desprezo por esses valores agora se explicita em manifestações, abraçadas pelo presidente, que vão de faixas pelo AI-5 – o nosso ato fascista – ao cortejo funesto das tochas e seus símbolos totalitários, aqueles que aprendemos com a história a repudiar. Jornalistas espancados pelos atuais “camisas negras” estão entre as cenas dessa trajetória.

    A patética lista que circulou depois que o deputado estadual Douglas Garcia(PSL-SP) pediu que seus seguidores no Twitter denunciassem antifascistas mostra que o risco é mais do que simbólico. Depois do selo para proteger racistas criado pela Fundação Palmares, e das barbaridades ditas pelo seu presidente em um momento em que o mundo se manifesta contra o racismo, e que lhe valeram uma investigação da PGR, essa talvez seja a maior inversão de valores promovida pelos bolsonaristas até aqui.

    A ameaça contida na fala presidencial e na iniciativa do deputado, que supera a lista macartista pois não persegue apenas os comunistas, tem o objetivo óbvio de assustar os manifestantes contra o governo e de açular as milícias contra supostos militantes antifas, dos quais foram divulgados nome, foto, endereço e local de trabalho.

    É a junção dos “camisas negras” com a Polícia Militar, que já se mostrou favorável aos bolsonaristas contra os manifestantes pela democracia no domingo passado em São Paulo e no Rio de Janeiro. E que vem praticando o genocídio contra negros impunemente no país desde sua criação, na ditadura militar, muitas vezes com a cumplicidade da Justiça, igualmente racista.

    Como disse Mirtes Renata, a mãe de Miguel, o menino negro de 5 anos que foi abandonado no elevador pela patroa branca de sua mãe, mulher de um prefeito, liberada depois de pagar fiança de R$ 20 mil reais, “se fosse eu, a essa hora já estava lá no Bom Pastor [Colônia penal feminina em Pernambuco] apanhando das presas por ter sido irresponsável com uma criança”. Irresponsável. Note a generosidade de Mirtes com quem facilitou a queda de seu filho do 9º andar.

    Neste próximo domingo, os antifas vão pras ruas. Espero não ouvir à noite, na TV, que a culpa da violência, que está prestes a acontecer novamente, é dos que resistem como podem ao autoritarismo violento. Quem quer armar seus militantes, e politizar forças de segurança pública, está no Palácio do Planalto. É ele quem precisa desembarcar. De preferência de uma forma mais pacífica do que planejam os fascistas para mantê-lo no poder.

    Por: Marina Amaral, codiretora da Agência Pública

  • Por que orelhas brancas não ouvem os povos?

    Por que orelhas brancas não ouvem os povos?

    Povos, imagem do acervo Museu Ferroviário Regional de Bauru
    Fotografia em preto e branco revelada em papel fotográfico com brilho, com imagem de um homem indígena Kaingang com vestes típicas de homem branco ( calças compridas, camisa e cinto) ainda que descalço, segurando uma flecha e posando para o registro fotográfico / acervo Museu Ferroviário Regional de Bauru

    Tudo maltrata o coração nesse momento, os povos que pulsam. Nem mesmo o ar mais limpo, sem carros nas vias ou aviões no céu, me anima a crer que chegou um tempo de razão, o tempo da educação . Tudo carrega um pouco do pecado, digitais ou não, de mãos alheias ou incongruências tão íntimas. De repente ouço palavra estranha, esquisita mesmo, Weintraub, ecoar em todas frequências.

     

    A dúvida infame que reverbera agora, entre o ódio , revela o manto da  insciência sobre o povos em nós, sua incidência no DNA brasileiro, pois não somos mesmo uma mistura, metamorfose, mutação, fusão e tolerância de tantos que em nós habitam?  Esses povos pretos, esses povos indígenas, esses povos ciganos que juntos comigo, com você, ele, convivem, não existem povos na Terra plana?  A dúvida infame que ocorre na cabeça do ministro e soberba de presidente, avilta. Revela o manto da ausência, do poder absurdo sobre nós, dos brasileiros que vivem na redonda Terra azul. 

     

    Quando nasci, recordo, já estava tudo dominado em meu estado, São Paulo, pois entre os rios do Peixe e Aguapeí ou Feio, os indígenas perderam as últimas terras indígenas para os imigrantes, contavam minhas avós italianas misturadas  com meus avôs caboclos. Na imensidão das terras do interior do estado sobrou só um pouquinho para os indígenas, bem próximo de minha cidade natal.

    Cresci ouvindo comentários de índios entre os descendentes das famílias que ocuparam as florestas de minha terra; via seus troncos retorcidos, antigos, tão velhos, entre os cafezais e as lavouras de amora para o bicho da seda, no horizonte de minha infância. No oeste paulista, a linha da  Estrada de Ferro Noroeste do Brasil, hoje sem grande importância, é o traço de sangue imposto aos povos massacrados na história de São Paulo, os índios Kaingang e Coroados, que no século XIX eram conhecidos também como índios Bauruz. Dos Oti nenhum sobrou.

    A peste desse momento de pandemia, seus escárnios ministeriais e as dívidas impagáveis de nossas volúpias, os desaforamentos monstruosos desses governantes, apenas persistem. Após mais de cem anos, insistem, atuais, trechos de uma carta enviada ao Marechal Cândido Rondon, militar indigenista, em 1910: … as relações entre o civilizado usurpador e o índio espoliado, caracterizam-se, da parte daquele, por uma longa série de abusos e de crimes, carregados aqui e ali de cenas tais de revoltante ferocidade e da mais repugnante vileza, que a pena mal se atreve a relatá-las com todas as negruras do quadro retraçado ao pensamento pela narrativa. 

    O índio, na legítima e heróica defesa de seu patrimônio, dia a dia mais desfalcado pela insaciável cobiça do civilizado, apertado dentro de um círculo de ferro e fogo que se estreita progressivamente de todos os lados, da ‘Noroeste’ à Campos Novos do Paranapanema, dispondo-se, em desespero de causa, a vender caro a vida …

    Povos, imagem do acervo Museu Índia Vanuíre
    Acervo Museu Índia Vanuíre – Tupã, SP

    Saiba mais em : https://repositorio.unesp.br/bitstream/handle/11449/145521/000022454.pdf?sequence=1

    Anexo 2 – Relato de um massacre de indígenas em São Paulo, por um bugreiro (dentre outras informações úteis). Pesquisado e transcrito (primeiro manuscrito, depois datilografado e posteriormente digitado)por Niminon Suzel Pinheiro do Filme 379. RELATÓRIO ENVIADO A RONDON SOBRE O HISTÓRICO DA CONSTRUÇÃO DA EFNB, EM TERRAS DOS ÍNDIOS KAINGANG (22/11/1910) Filme 379 Fotograma 1854-1892 Doc 00 Terra, EFNB, SPI

  • A mão invisível do Paulo Guedes e a destruição da economia brasileira

    A mão invisível do Paulo Guedes e a destruição da economia brasileira

    Por: Licio Caetano do Rego Monteiro*

    Vocês ouviram o que o Weintraub falou do STF? E a Damares sobre os governadores? E o Araújo sobre a China? E a intervenção na PF? E os palavrões do Bolsonaro? Um show de horrores, todo mundo se abraçando e o Paulo Guedes… pá! Coloca uma granada no bolso do inimigo! O inimigo, no caso, somos nós.

    Essa é a mão invisível do Paulo Guedes. O ministro mais aloprado do Bolsonaro é o que menos apanha nos jornais e TV. Quando acordou no dia seguinte, depois de saber que era Paulo Guedes no comando e não o fajuto “plano Marshall”, o mercado aliviado, mandou avisar aos jornalões: “avisa aí que acordei tranquilo”. Ora, direis, ouvir mercado? Sim, o dólar baixou, a bolsa subiu. Isso significa em mercadês: “o mercado acordou tranquilo”. Nas redações existem aqueles que escrevem sobre mercado, previsão do tempo e horóscopo. Nem sempre acertam, mas não deixam de escrever.

    De todos os aloprados do governo, o Paulo Guedes é o único que não é apresentado como tal. Ora, é a voz racional, que pensa nas contas. Ora, é a voz da ousadia, dos arroubos de sinceridade, um capitalista agressivo, instintivo. Mas não há dúvidas lançadas sobre ele. Nem mesmo sobre sua capacidade em fazer o que promete. Nem espanto quanto ao casamento explícito entre o liberalismo e o autoritarismo, que ele advoga constantemente, desde sua influência chicago-pinochetista.

    O vídeo da reunião ministerial é um exemplo em que podemos notar duas coisas. A primeira é que o Paulo Guedes subiu na goiabeira e viu o livre mercado numa epifania. A segunda é que nem que aparecesse com a cueca no lugar da máscara ele seria questionado pela grande mídia e pelas vozes do “mercado”.

    Vamos então decifrar o grande projeto apresentado há exatamente um mês, quando a pandemia já corria todo o mundo e o Brasil. Ele diz que a retomada do crescimento só viria pelos investimentos privados, turismo, abertura da economia e reformas. Que não caberia voltar a uma agenda de trinta anos atrás, com investimentos públicos financiados pelo governo, que foi o que a Dilma fez durante trinta anos (sic!).

    Se o mundo for diferente, teremos capacidade de adaptação: colocar 1 milhão de jovens aprendizes recebendo R$ 200 para bater continência, aulas de OSPB e abrir estradas. Eis nossa capacidade de adaptação.

    Cassinos! Chamados aqui de resorts integrados, para não espantar. Atrair bilionários, executivos do mundo inteiro para fazer convenções e jogatina. O exemplo é o de Cingapura, cidade-estado que atrai milhões de turistas por ano – abstrai-se o fato de que está localizada num centro financeiro e de exportação industrial que gera uma circulação de milhões de magnatas ao longo do ano. Mas Angra dos Reis viraria a Cancún brasileira. Cada bilionário deixaria no cassino brasileiro o dinheiro ganho no dia anterior – ganho aonde, ele não explicou. “Ô Damares, deixa cada um se fuder!” Venha se fuder em Angra dos Reis, poderia ser o slogan da campanha. Critério: ser bilionário, vacinado e maior de idade. Não entra nenhum brasileirinho lá – os brasileirinhos provavelmente estarão ganhando R$ 200 por mês no quartel.

    Ele recebeu um recado do embaixador dos EUA: vamos colocar centenas de bilhões de dólares no Brasil, mas precisavam de um “bom ambiente de negócio”. O Braga Netto traduziu: segurança, segurança… (Talvez pudesse ter dado o exemplo de quantos bilhões de dólares entraram no Rio de Janeiro quando ele assumiu a intervenção federal na segurança).

    Guedes diz: aprovamos a reforma da previdência e vamos seguir a agenda de reformas. Já leu oito livros sobre cada episódio de “reconstrução” da Alemanha pós-I Guerra e II Guerra e do Chile, de Pinochet. A conta é de mentiroso, como sua estante de livros entrega.

    O Braga Netto ouviu na OCDE que eles já consideram o Brasil dentro. Depois repetiu que “estamos com o apoio do Trump”. Guedes diz: “o Brasil vai surpreender o mundo”. “Nosso presidente é democrata e vai fazer as mudanças”. E que o Brasil está sendo elogiado no exterior. Diplomacia do tapinha nas costas, enquanto a fuga de dólares corre solta desde o ano passado.

    Guedes diz: não vamos perder a bússola, vamos derrubar as torres do inimigo: excesso de gastos na previdência, juros e… salário dos servidores. Não tem jeito de fazer impeachment se estiverem com as contas arrumadas.

    Guedes diz: a China e a Índia precisam comer e o Brasil vai vender soja pra eles. É a trading da água. Eles não têm água, vão ter que abrir mão da agricultura para fazer outras coisas, e aí nós exportamos para eles. Falta dizer do que o Brasil estará abrindo mão para se concentrar na exportação de alimentos para a Ásia – provavelmente seguindo o caminho de abandonar todas as indústrias e serviços de maior agregação de valor, o que, convenhamos, já vem de algumas décadas.

    Guedes diz: somos um urso hibernando, quando acordar é sair pra comer o primeiro bicho que passar. Não vamos perder o rumo. Pode botar peruca loura, passar batom vermelho, mas não vamos perder o rumo. Estou passando uma mensagem de tranquilidade. Se fosse um piloto de avião enunciando essa mensagem no microfone, certamente seria uma continuação de Apertem os Cintos…

    Resumindo: R$ 200 por cabeça pra 1 milhão de jovens trabalharem nos quartéis, cassinos para bilionários, vender comida para China e Índia, botar granada no bolso do servidor público, ter o apoio de Trump, passar batom vermelho, não perder o rumo, transmitir tranquilidade. Era pra ser mais chocante que um tuíte do Weintraub, um discurso do Araújo ou um vídeo da Damares. Mas é o “homem do mercado”, o cara a ser protegido, a voz da razão.

    Os militares se escondem evitando a cena principal na frente das câmeras, o Guedes fala as maiores asneiras, mas é sempre tratado como o “normal” da sala. Até um dia que vai ser revelado como o alfaiate dos tecidos invisíveis, quando o rei estiver nu em praça pública. Mas não contem com a grande mídia para apontar o dedo ao óbvio.

    *Professor de Geografia Humana, UFF-Angra

    https://www.facebook.com/654417977/posts/10158164696612978/?d=n