Jornalistas Livres

Categoria: Negras e Negros

  • Todos são quase iguais perante a lei

    “Há preconceito com o nordestino há preconceito com o homem negro há preconceito com o analfabeto mas não há preconceito se um dos três for rico.” Criolo –  Cálice

    Rio de Janeiro, Niterói.
    Sábado: a praça Juscelino Kubitschek, no centro de Niterói amanhece com cartazes que pregavam mensagens de ódio.
    As mensagens — acompanhadas de uma ilustração que faz referência à Ku Klux Klan ameaçavam: “comunista, gay, judeu, muçulmano, negro, antifa, traficante, pedófilo, anarquista. Estamos de olho em você”.

    Rio de Janeiro, Copacabana.
    No último domingo de um inverno com altas temperaturas, o calor não se restringiu apenas ao clima quente.
    Jovens de classe média, moradores do bairro, cercaram um ônibus que transportava jovens iguais a eles — só que diferentes — jovens que voltavam para suas casas depois de um dia na praia.
    Ensandecidos, os jovens de classe média depredaram o ônibus e hostilizaram seus passageiros, sob o olhar cúmplice da Polícia Militar.
    “Abre a porta, abre a porta, motorista! Só tem ladrão. Vamos dar porrada.
    Fotografa eles, só tem ladrão!” gritavam.

    A intolerância enquanto semente já foi cultivada e tem dado muitos frutos podres.

    Regada a ódio, a desinformação, encontrou solo fértil na mente estéril de jovens que temem o diferente, louvam uma suposta “superioridade” baseada em méritos financeiros e entendem que tudo podem ao arrepio da lei.

    A mesma mídia que os incentiva a agirem assim, despejando em suas mentes atrofiadas porções diárias de medo através de programas policialescos e discursos pseudo moralistas, protege-os quando são pegos em flagrante nalgum delito.

    “Não são traficantes, são jovens de classe média apanhados com drogas”, assim diz, sem dizer, a manchete de um dos maiores portais de notícias no Brasil noticiando a prisão de um rapaz com grande quantidade de drogas.

    É esse mesmo tipo de jovem que espancou uma mulher na rua e quando preso, justificou sua barbárie, dizendo:

    “Eu achei que era uma prostituta.”

    (Nota mental: Como assim? Prostituta pode ser espancada?)

    No episódio ocorrido em Copacabana há um fato alarmante: a Polícia Militar assistiu, como coadjuvante, à ação dos criminosos, digo, dos jovens de classe média que depredaram o ônibus e espancaram seus passageiros.

    Porque não os prenderam? Estavam cometendo vários crimes em flagrante, não estavam?

    A resposta é bem clara: a Polícia Militar tem lado, e esse lado não é o lado dos mais fracos.

    Certamente que tem lado, e esse lado é o lado do “cidadão de bem”. O cidadão bem nascido, bem nutrido, bem rico. Um tipo de cidadão totalmente diferente daqueles passageiros do ônibus atacado.

    A verdade é que a Polícia Militar, quando não usa o mesmo rigor que usa para com o morador do morro e trata com distinção o jovem de classe média, dá alguns recados bem claros para ambos os lados:

    “Vocês que não moram na Zona Sul, não venham para Copacabana, fiquem no Piscinão de Ramos que lá é o lugar de vocês.”
    “Nós endossamos esse tipo de barbárie.”
    “Jovens de classe média, a Polícia Militar está aqui para proteger e servir vocês.
    Não se preocupem.”

    Foi com enorme tristeza que li, em janeiro último, o artigo de Hildegard Angel no qual ela fazia duas, digamos… “sugestões”:

    1 — Em dias de grande concentração de pessoas nas ruas e praias, nos fins de semana e feriados do verão, diminuir drasticamente a circulação das linhas de ônibus e de Metrô no fluxo Zona Norte — Zona Sul, estimulando o aumento do fluxo Zona Norte — Zona Oeste, para haver uma distribuição mais equilibrada da população das praias. Barra, Recreio, São Conrado têm praias imensas, lindas. Modo de evitar concentrações opressivas.

    2 — Caso essa providência não alcance resultado, partir para um plano B radical: cobrar entrada nas praias de Leme, Copacabana, Ipanema, Leblon. Isso pode soar com estranheza para os cariocas, que sempre tiveram a praia gratuita, mas no exterior é a normalidade. Preços módicos, naturalmente.

    (Nota mental: disse Hildegard: “As medidas são antipáticas e discriminatórias, concordo. Mas ou é isso ou será o caos.”
    O caos, desde que seja para os outros, é refresco, não é mesmo Hildegard?)

    O artigo com as tais “sugestões” causou grande e negativa repercussão, até pelo fato de que Hildegard tem um histórico de serviços prestados à democracia, e não o contrário.

    O artigo foi deletado, mas ficou o estrago: quantos jovens de classe média acharam boas as sugestões de Hildegard e resolveram implementá-las à força no último domingo?

    Quantos jovens de classe média resolveram colar cartazes da Ku Klux Klan com o objetivo de, como feras (que são mesmo) demarcar território contra a “invasão” (sic) de comunistas, gays, judeus, muçulmanos, negros, antifas, anarquistas, ameaçando-os?

    Que construção miserável de ser humano é essa que consegue pautar sua vida baseada no desprezo e no ódio, incapaz de ver no próximo um reflexo de si mesmo?

    Escrevi essas linhas e, depois de um suspiro desolado, mirei-me a mim mesmo em meu próprio reflexo no espelho envergonhado com minha condição de mero espectador impotente, cuja única arma factível e possível é expressão da indignação expressa nessas linhas.

    Em outro tempo, há mais de dois mil anos atrás, outro homem como eu também escreveu, talvez indignado como eu:
    “O que é odioso para ti, não o faças ao próximo. Esta é toda lei, o resto é comentário” Talmud — Shabbat 31ª

    Em tempo, e nesse tempo, para que não nos esqueçamos:

    “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza.”
    Art. 5, inciso XV da Constituição Federal de 1988.

    *Diógenes Júnior é militante comunista no PC do B e pesquisador independente. Paulistano de nascimento, caiçara de coração e gaúcho por opção está radicado em Porto Alegre, RS, de onde escreve sobre Política, História, Cinema, Comportamento, Movimentos Sociais, Direitos Humanos e um pouco de um tudo.

  • #NãoAcabou #TemQueAcabar #QueroOFim #DaPolíciaMilitar

    #NãoAcabou #TemQueAcabar #QueroOFim #DaPolíciaMilitar

    Nova chacina em São Paulo expõe uma política de extermínio que tem aval da população

    Quando um político, executivo, jornalista, apresentador de televisão ou qualquer outra pessoa da sociedade, num país com mais de 50 mil assassinatos por ano, enche a boca pra dizer que “bandido bom é bandido morto”, elx está apoiando uma política que se não é oficial, é pelo menos aceita tacitamente pelos governantes. De outro modo, como é impossível entender e aceitar o homicídio de ao menos 18 pessoas em menos de 3 horas na periferia da maior região metropolitana da América do Sul? Imagine, apenas imagine, a comoção nacional que o homicídio simultâneo de quase duas dezenas de pessoas desencadearia, por exemplo, na Inglaterra. O que aconteceria se quase todos os mortos fossem negros e pobres nos EUA? Quanto tempo um governador ou um secretário de segurança permaneceria no cargo se isso tivesse acontecido na Alemanha? Mas não, na São Paulo governada há mais de 20 anos pelo PSDB (não que seja muito diferente no Rio do PMDB ou na Bahia do PT) isso é rotina. Uma triste rotina.

    Débora Silva e outras Mães de Maio no dia das mães de 2015, seu aniversário e aniversário da morte de seu filho, Rogério, um gari, assassinado em 2006

    A mais recente chacina, nas cidades de Osasco e Barueri, é a 11ª ocorrida na Grande São Paulo esse ano. Ao todo, são ao menos 72 mortos, como mostra a reportagem da Ponte (em http://ponte.org/72-foram-mortos-em-chacinas-neste-ano-na-regiao-metropolitana-de-sp/). Apesar de contabilizar há anos quedas consecutivas nos homicídios, o estado vem registrando também aumentos constantes nos índices de letalidade policial. Oficialmente, no primeiro trimestre de 2015, cerca de 18% das mortes à bala no estado são oficialmente de responsabilidade de agentes de segurança (http://www.ssp.sp.gov.br/estatistica/plantrim/2015-01.htm), ou seja, um homicídio a cada 12 horas. E isso não inclui chacinas por autores não identificados.

    Há quase 10 anos, mais de 500 jovens, negrxs e periféricxs, foram mortos em duas semanas nos chamados Crimes de Maio, logo após os ataques da facção criminosa Primeiro Comando da Capital — PCC a agentes da lei, deixando também dezenas de cadáveres. Os crimes, de um lado e de outro, nunca foram devidamente esclarecidos, assim como não são cerca de 92% dos homicídios no Brasil. No caso dos cidadãos comuns, o modus operandi das chacinas, invariavelmente apontadas imediatamente pelas autoridades como prováveis “disputas por pontos de drogas”, é sempre muito parecido: após a morte de um policial carros com vidros escuros e motos rodam as periferias próximas com encapuzados assassinando aleatoriamente 10 pessoas. Não por acaso, semana passada foram mortos um PM e um Guarda Civil Metropolitano na mesma região dos crimes de quinta-feira. Obviamente pode ser apenas uma coincidência, mas deveria ao menos acender uma luz amarela.

    E a coisa não vai ter solução tão cedo. Afinal, enquanto os governos estaduais investem cada vez mais em presídios e repressão, os setores de investigação e de defensoria pública são relegados a vigésimo plano. Por isso, desde 2006, o Movimento Mães de Maio, de familiares de vítimas da violência policial, tenta a federalização da investigação, que obviamente não vai chegar a lugar nenhum em São Paulo. Mas, diferente do caso da bomba na porta do Instituto Lula (que em nenhum momento pode ser menosprezado por sua importância simbólica da escalada da violência política atual), o pedido de transferência da competência da investigação para a Polícia Federal infelizmente vai seguir aguardando calado em alguma gaveta burocrática.

    “Precisamos de uma lava-jato para violência policial”, reclama Débora Maria Silva, coordenadora das Mães de Maio. “Para investigar corrupção na Petrobras, tem dinheiro, pessoal, aviões, prisão preventiva, capas de revista à vontade. Mas para descobrir e punir quem está matando nossos filhos e mostrar a responsabilidade do Estado terrorista, sempre faltam recursos. Até hoje não foi feita sequer a perícia nas balas que mataram meu filho!”. Enquanto isso, grupos de indignados com as “intenções bolivarianas” do governo federal preparam novas manifestações onde tirarão selfies com Bolsonaros, PMs e coronéis de pijama que se orgulham de ter torturado “comunistas” durante a Ditadura e só se arrependem de não ter matado todos. E se você acha que uma coisa não tem nada a ver com a outra, pense novamente.

     

  • Inédita na América Latina, “Mandela em Cartaz” é atração em Curitiba

    Inédita na América Latina, “Mandela em Cartaz” é atração em Curitiba

     

    A arte gráfica para homenagear o líder da paz mundial, Nelson Mandela. Foi o que inspirou uma dupla de designers sul-africanos a criar, em 2013, um projeto para celebrar os 95 anos do ex-presidente da África do Sul.

     

    O resultado desse projeto — um total de 95 obras originárias de todos os cantos do planeta — pode ser conferido na exposição “Mandela em Cartaz”, promovida pela Caixa Cultural em Curitiba, até 27 de setembro.

    É a primeira vez que a mostra ocorre na América Latina. Depois da capital paranaense, a exposição segue para Salvador, também na Caixa Cultural daquela cidade, onde vai ficar aberta à visitação entre os dias 5 de outubro e 29 de novembro. A entrada, nos dois casos, é gratuita. Entre exposição física e apresentações virtuais, a mostra terá alcançado, até o final deste ano, 12 países, conforme informa o material de divulgação do evento.

    Na exposição em Curitiba, além dos 95 cartazes, expostos no andar de cima da galeria da Caixa Cultural, o público confere, no pavilhão térreo, um painel estilo linha do tempo da vida de Mandela, e ainda livros e revistas, e em entrevistas em curtas-metragens.

    Destaque, nessa seção, para o caderno no qual os visitantes — em especial as crianças — deixam suas impressões sobre a mostra. Por meios de desenhos ou frases, há mensagens de admiração por Mandela, outras em defesa da igualdade, e de repúdio ao preconceito e todas as formas de discriminação.

    VISITA GUIADA E OFICINA

    Durante o período em que “Mandela em Cartaz” vai estar em Curitiba, serão promovidas pelo menos duas visitas guiadas, com a curadora da mostra, Ruth Klotzel, e ainda uma oficina de confecção de cartazes. A primeira visita guiada ocorreu na abertura, no dia 18 de julho. A segunda está marcada para o dia 12 de setembro, às 16 horas.

    Também para o dia 12 de setembro, no período da manhã, está marcada a oficina. De acordo com a gerência da Caixa Cultural em Curitiba, para participar é preciso se inscrever com antecedência, pelo e-mail oficinamandela@gmail.com. As inscrições devem ser feitas até 2 de setembro.

    SOBRE A EXPOSIÇÃO

    Os mentores da mostra são os designers Jacques Lange e Mohammed Jogie. Em maio de 2013, às vésperas do aniversário de 95 anos de Nelson Mandela (18 de julho), a dupla promoveu uma espécie de concurso internacional de cartazes, que fossem desenhados especialmente para homenagear o líder mundial. Para isso, fundaram a Mandela Poster Collective, associada à Universidade de Pretoria.

    Em dois meses de inscrição, a fundação recebeu em torno de 700 trabalhos, de pelo menos 70 países. Desses, foram selecionados os 95, de 37 países, para compor a coleção. A primeira exposição, na Universidade de Pretória, foi aberta em 17 de julho daquele ano. Nelson Mandela viria a morrer quase seis meses depois, em 5 de dezembro de 2013.

    Os cartazes, em sua maioria, são carregados em cores; trazem elementos que fazem referência principalmente à luta contra o apartheid, contra a discriminação racial e pela igualdade de direitos. Alguns mesclam desenhos a imagens fotográficas — incluindo registros de Nelson Mandela mais jovem.

    Até o final da primeira semana de agosto, em torno de 500 pessoas já tinham visitado a exposição. Boa parte do público tem sido formada por crianças e adolescentes, estudantes de escolas públicas de Curitiba e região, que vão ao local transportados pela própria Caixa Cultural, por meio do projeto “Gente Arteira”.

    A Caixa Cultural em Curitiba fica no Centro da cidade, na Rua Conselheiro Laurindo, 280. A exposição fica aberta de terça a sábado, das 10h às 20h, e aos domingos, das 10h às 20h.

     

  • Não é humor, é Racismo!

    Não é humor, é Racismo!

    Primeiro quero registrar que considero o Pânico na Band um dos piores programas da TV Brasileira, carregado de estereótipos machistas, homofóbicos e racistas, seguido por humilhações, depreciações e babaquices que, na minha visão, estão muito longe de serem considerados humor, ou até mesmo entretenimento.

    Blindados pelo conceito de liberdade de expressão, os responsáveis pelo programa não têm limites. A última novidade é a criação do personagem Africano, encenado pelo ator Eduardo Sterblitch, um homem branco, vestido de preto e com a cara pintada de preto, o famoso e abominável “black face”, como uma representação de um africano que remete à ideia de tribal, rude, que fala de forma inteligível, que faz uma dança desengonçada, que tem pênis grande, que satiriza as religiões de matriz africana, ou seja, uma construção animalesca e racista dos povos africanos e do povo afro-brasileiro.

    Nosso país, por muito tempo, tentou impor a ideia de que vivemos em uma democracia racial, com uma relação harmoniosa entre as raças. Porém, sempre construiu um imaginário que tudo aquilo que é considerado bom é associado ao ideário branco e europeu e tudo aquilo que é pejorativo é vinculado ao imaginário negro. Essa construção simbólica vai definindo os lugares que cada um pode ocupar na sociedade. Os brancos ocupando os espaços de decisão e os negros de subalternidade.

    Além disso, elementos da cultura afro-brasileira são incorporados como parte da identidade nacional brasileira como Samba, Capoeira, Feijoada, entre outras expressões com uma lógica bem longe de integração, mas como elemento para esvaziar a construção de uma identidade negra histórica que seja capaz de se contrapor às estruturas estabelecidas.

    Neste sentido, a formação de estereótipos depreciativos das negras e negros também ajuda a reforçar essa negação de identidade, pois ninguém quer ter a sua imagem associada a algo que é simbolicamente ruim. Isso também faz parte da engenharia política do embranquecimento, que foi muito difundido no projeto político das elites brasileiras no pós-abolição da escravatura.

    Portanto, a depreciação da imagem do africano e afro-brasileiro está intimamente ligada a um processo de dominação e opressão, a partir do simbólico e da manutenção dos privilégios de uma elite branca e racista.

    Outro aspecto que merece ser destacado nessa discussão é que as frequências de transmissão dos canais são públicos e as emissoras recebem concessões para explorar esses espaços com o compromisso de zelar pelos interesses públicos. Também é importante destacar que o direito a liberdade de expressão não está acima de nenhum outro direito, sobretudo os direitos humanos e o respeito a dignidade humana.

    Achei muito interessante a entrevista que li de um jovem humorista que disse que fazer humor contra aqueles que já são oprimidos historicamente é fácil, o difícil é fazer um humor onde se questionem as estruturas de poder e façam o povo pensar. Dessa forma o que Pânico faz não é humor, é racismo. Deve responder, inclusive judicialmente, por isso.

    Juninho é jornalista e pós-graduado em Mídia Informação e Cultura pelo CELACC/ECA-USP. É militante do Círculo Palmarino, corrente do movimento negro, e presidente do Instituto Manuel Querino. Morador de Embu das Artes, é dirigente do PSOL na cidade desde 2005 e foi candidato a vereador em 2008. No último período, Juninho encabeçou lutas pela melhoria no abastecimento de água, instalação de equipamentos públicos de saúde e denúncia dos desmandos com o dinheiro público. Juninho tem uma forte atuação no campo cultural, estando a frente do Ponto de Cultura “De periferia para periferia valorizando a cultura afro-brasileira”. Juninho tem se destacado na luta pelos direitos humanos, principalmente contra a violência praticado pelo Estado e o extermínio da juventude negra. Em 2014 foi candidato a deputado estadual de São Paulo pelo PSOL.

     

  • Assassinatos em nome da lei

    Assassinatos em nome da lei

    Relatório da Anistia Internacional acusa o sistema de Justiça Criminal de perpetuar a violência e os homicídios cometidos pela Polícia Militar

    A Anistia Internacional acaba de divulgar relatório sobre os homicídios cometidos pela Polícia Militar no Rio de Janeiro, cidade que sediará os Jogos Olímpicos de 2016. O surpreendente não é a feroz rotina de crimes, violências, abusos e torturas cometidas pelos agentes do Estado contra a população pobre, estigmatizada e sofrida da Cidade Maravilhosa. Isso já se sabe. O que espanta é a garantia de impunidade que o Rio de Janeiro e o Estado brasileiro dão aos assassinos e torturadores fardados.

    Foto Tércio Teixeira /R.U.A Foto Coletivo

    Diz o relatório da prestigiosa Anistia Internacional, organização presente em mais de 150 países, com 7 milhões de apoiadores: “Em 2011, a Polícia Civil abriu 220 procedimentos administrativos — que incluem uma ou mais vítimas — referentes a ‘homicídios decorrentes de intervenção policial/autos de resistência’ na cidade. Os dados do Instituto de Segurança Pública apontam que houve um total de 283 vítimas de homicídio decorrente de intervenção policial na capital do Rio de Janeiro naquele ano. Ao consultar a situação desses 220 procedimentos, a Anistia Internacional observou que, até abril de 2015, 183 investigações ainda estavam em curso. Foi pedido o arquivamento de 12 casos, sendo cinco deles por ausência de provas ou testemunhas. Em apenas uma ocorrência houve denúncia à Justiça por parte do Ministério Público contra os policiais envolvidos.”

    Repita-se: de 220 procedimentos administrativos abertos para apurar a atuação policial em 283 homicídios (283 vidas humanas ceifadas), o Ministério Público apresentou denúncia à Justiça em apenas uma ocorrência.

    E os policiais seguem matando os filhos enquanto xingam as mães e mulheres deles de “putas” e “vacas”; seguem chutando o rosto de rapazes que agonizam na rua, enquanto se negam a providenciar-lhes o socorro devido; seguem acusando inocentes de traficantes, enquanto lhes estouram os corpos com tiros de calibre 12. Dizem que apenas estavam respondendo a uma “injusta agressão”.

    Foto Tércio Teixeira /R.U.A Foto Coletivo

    Para eludir suas responsabilidades (e por que não, sua covardia), o arsenal de truques policiais é imenso: consiste em ameaçar testemunhas; matar as vozes acusadoras mais renitentes; alterar a cena do crime; colocar uma arma na mão do jovem estendido no chão, e dispará-la para deixar resíduos de pólvora; “plantar” um pacote de drogas na mochila do morto. Mas sempre dá para melhorar.

    Guarde essa gíria: “Tróia”. A polícia do Rio acaba de incorporar mais essa tática ao seu arsenal de dissimulações. A coisa funciona assim: um grupo de PMs entra na favela a pretexto de fazer uma patrulha qualquer. Então, os soldados saem, aparentemente sem confronto — e vão embora. Só que deixam lá dentro um esquadrão colocado em posição estratégica. E esses poucos homens matam, na base da tocaia, o seu alvo. Encontrado o corpo, a polícia entra novamente na favela, em grande estardalhaço. Com isso resgatam-se os policiais da tocaia e dificulta-se a identificação dos culpados.

    Tróia, sacou?

    Foto Tércio Teixeira /R.U.A Foto Coletivo

    Eduardo de Jesus, 10 anos, morto por policiais militares em 02/04/2015

    Eduardo de Jesus, um menino de 10 anos, foi morto por policiais militares na porta de sua casa, no Complexo do Alemão, Zona Norte do Rio de Janeiro, no dia 2 de abril de 2015.
    Por volta de 17h30, Eduardo se sentou na porta de casa para esperar a irmã que estava chegando e brincar com um telefone celular. Não havia nenhuma troca de tiros ou operação policial em andamento.
    Segundo sua mãe, Terezinha Maria de Jesus, de 40 anos, foi tudo uma questão de segundos.
    “Eu escutei só um estouro e um grito dele: Mãe… Nisso eu corri para o lado de fora e me deparei com aquela cena horrível do meu filho lá caído”. Terezinha entrou em desespero, viu uma fileira de policiais militares e gritou: “Você matou meu filho, seu desgraçado maldito”. O policial respondeu:
    “Assim como eu matei seu filho, eu posso muito bem te matar porque eu matei um filho de bandido, um filho de vagabundo”.

    Foto Tércio Teixeira /R.U.A Foto Coletivo

    O policial apontou o fuzil na cabeça de Terezinha e ela disse: “Você pode me matar porque uma parte de mim você já levou. Pode levar o resto”. Outro policial militar o afastou da mãe de Eduardo e evitou mais uma tragédia.
    A mãe afirma que a cena do crime quase foi desmontada pelos policiais, que foram impedidos pela própria comunidade. Eduardo estava morto e os policiais tentaram retirar o corpo do local e colocar uma arma para incriminá-lo. Um dos policiais disse: “Coloca logo uma arma aí perto do corpo e acabou”.
    Terezinha relembra: “Eles chegaram perto do meu filho dizendo que iam levar o corpo. Eu disse que eles não iam tirar o meu filho de lá porque eu não ia deixar. Eles estão acostumados a fazer isso, carregar o corpo e dar sumiço. Eles dando sumiço, não acontece nada. Aí fica na imprensa que fulano desapareceu e nunca acham. Foi assim que eles fizeram com o Amarildo. Então ele queria fazer isso com meu filho”.
    Alguns moradores, revoltados com a morte de uma criança na porta de sua casa, iniciaram um protesto, mas acabaram sendo fortemente reprimidos pela Polícia Militar, que utilizou bombas de gás lacrimogêneo contra a população.
    Terezinha desabafa: “Meu filho foi brutalmente assassinado. Isso não é justo. Você entrar dentro de uma comunidade e o primeiro que vê pela frente você pegar e atirar. Isso não se faz”.
    Um dia depois da morte de Eduardo os policiais responsáveis pelo tiro que o atingiu foram afastados e tiveram suas armas recolhidas para análise pericial. O caso está sendo investigado pela Divisão de Homicídios da capital.

    A família foi ameaçada e teve que se mudar de sua residência no Complexo do Alemão com medo de represálias. (Depoimento à Anistia Internacional)

    Foto Tércio Teixeira /R.U.A Foto Coletivo

    Para piorar a situação das vítimas e suas famílias, o Ministério Público, a quem cabe, por dever constitucional, o papel de titular das ações penais públicas, omite-se reiteradamente, quando se trata de violência policial. Não determina a instauração do inquérito policial, não requisita diligências investigatórias e não acompanha as investigações, além de não “exercer o
    controle externo da atividade policial”.
    Um defensor público do Estado do Rio de Janeiro afirmou, em entrevista
    à Anistia Internacional, que percebe a omissão do MP em relação aos casos de homicídios decorrentes de intervenção policial: “Eu entendo que o MP tem faltado com uma atuação mais objetiva em relação aos ‘autos de resistência’ para verificar se efetivamente se caracterizam como casos de legítima defesa e, naqueles em que houver indícios de autoria e materialidade, oferecer denúncia. Há agentes do Estado com 19, 20, 40 ‘autos de resistência’, e isso soa estranho: tanta resistência, tantos homicídios, em cima de uma só pessoa”.

    E tem mais:

    Diz o relatório da Anistia:

    Às vezes, mesmo quando as investigações são concluídas com a indicação dos autores do homicídio e o Ministério Público oferece denúncia contra os policiais, pode ser o próprio Judiciário o empecilho para que os responsáveis sejam levados a julgamento. Em um dos casos que a Anistia Internacional documentou, o juiz usou os argumentos da “legítima defesa” e da “resistência criminosa” para rejeitar a denúncia oferecida pelo Ministério Público e impedir que o homicídio cometido por policial militar fosse julgado. Leia o caso abaixo:

    Edilson Silva dos Santos, 27 anos, morto por policial militar da UPP em 22/04/2014

    Edilson Silva dos Santos, de 27 anos, foi baleado na cabeça durante um protesto na favela do Pavão-Pavãozinho, em Copacabana, Zona Sul do Rio de Janeiro, no início da noite do dia 22 de abril de 2014111. O protesto espontâneo foi uma reação pacífica da comunidade à morte do dançarino conhecido como DG112, assassinado por policiais militares horas antes.

    Foto Tércio Teixeira /R.U.A Foto Coletivo

    Edilson tinha uma deficiência mental e morava na favela com sua família adotiva (uma mãe e um irmão). Ele e outros moradores da comunidade estavam desarmados no protesto; mesmo assim policiais militares dispararam tiros para o alto e contra eles. Edilson foi levado por policiais militares para o hospital, porém, de acordo com o laudo médico, já chegou morto.
    Ao longo das investigações, o policial militar responsável pelo disparo que matou Edilson foi identificado pela gravação das câmeras de segurança de um prédio. O vídeo revela ainda que não havia necessidade para o uso de armas de fogo naquele momento e que o policial efetuou os tiros de forma aleatória na direção dos moradores. Testemunhas afirmaram que Edilson estava descendo a ladeira com as mãos para o alto quando foi alvejado.

    O delegado responsável pela investigação solicitou a prisão preventiva do policial por homicídio. Os outros policiais que o acompanhavam foram indiciados por falso testemunho. O Ministério Público ofereceu denúncia, levando o caso ao Poder Judiciário, mas o juiz encarregado (da 1ª Vara Criminal) a rejeitou, o que impossibilitou o julgamento113. Em sua decisão, o juiz afirma que “os policiais estariam sob o manto da legítima defesa porque encontraram verdadeira resistência criminosa de pessoas não identificadas, mas possivelmente marginais e moradores, comprometidos com a marginalidade”. (Depoimento à Anistia Internacional)

    Entre 2010 e 2013, contabilizam-se 1.275 vítimas de homicídio decorrente de intervenção policial apenas na cidade do Rio de Janeiro. Desses 99,5% eram homens, 79% eram negros e 75% tinham entre 15 e 29 anos de idade.

    A investigação desse verdadeiro massacre, já se viu, é marcada pelo descaso e leniência. Em vez de punir os abusos, o que mais frequentemente acontece é a criminalização das vítimas, “já estigmatizadas por uma cultura de racismo, discriminação e criminalização da pobreza”.

    O relatório da Anistia Internacional contém uma previsão sombria: “A ausência de investigação adequada e de punição dos homicídios causados pela Polícia envia uma mensagem de que tais mortes são permitidas e toleradas pelas autoridades, o que alimenta o ciclo de violência.”

    O território das próximas Olimpíadas está coalhado de sangue e de impunidade.

    Foto Tércio Teixeira /R.U.A Foto Coletivo

     

  • Parlamentares expulsam estudantes na porrada em Brasília

    Parlamentares expulsam estudantes na porrada em Brasília

     

    O extermínio da juventude negra é inaceitável. Agora, o Parlamento brasileiro também fortalece a cultura do ódio. Nesta tarde, inúmeros movimentos que se reuniram na Câmara dos Deputados em Brasília foram expulsos e agredidos durante a sessão que tratava da redução da maioridade penal. Uma ativista permanece, até o encerramento desta matéria, em poder da autoridade policial.

    O repúdio à proposta de redução da maioridade penal levou centenas de jovens ao Congresso. A proposta de reduzir de 18 para 16 anos a idade mínima para que uma pessoa seja punida criminalmente era debatida e a presença dos ativistas irritou deputados da bancada BBB (Bala, Boi, Bíblia).

    Irritado, o deputado Alberto Fraga(DEM-DF) chegou a agredir uma militante da UBES (União Brasileira dos Estudantes Secundaristas) e a chama-la de ‘vadia’.

    Os jovens foram expulsos da Casa do Povo à base de chutes, sprays de pimenta e gás pelos seguranças da casa com pleno apoio de parte dos parlamentares. É só cadeia, tiro, porrada e bomba o que a política tradicional tem a oferecer para a juventude? Mais giz e menos bala na Pátria Educadora. O fascismo ameaça nossa jovem democracia.