Jornalistas Livres

Categoria: Negras e Negros

  • Por que é que a PM de São Paulo quer o tempo todo nos provar a sua covardia e seu racismo???

    Por que é que a PM de São Paulo quer o tempo todo nos provar a sua covardia e seu racismo???

    Por Jornalistas Livres

    A gente já sabe… Tá cansado de saber… Que a vida na periferia vale menos do que no centro. Que a vida dos pretos vale menos. Que a vida dos pobres vale menos. Agora, ficamos sabendo também que a vida do professor preto, pobre e da periferia vale muito menos do que a do professor branco, que dá aula em colégio de bairro rico. Mesmo que esse colégio seja público.

    Pois a Polícia Militar está há quase cinco dias de guarda diante da Escola Estadual Fernão Dias Paes e o máximo que se viu por lá foi um spray de pimenta aqui, um empurra-empurra ali, uma tentativa de levar gente para a delegacia… e mais nada. Porque a Fernão Dias fica no bairro de Pinheiros, perto da caríssima Fnac, ao lado de uma classe média com acesso aos jornais e à mídia em geral.

    (Aliás, nos primeiros dias da ocupação da Fernão Dias, uma menina, adolescente, aluna da escola, foi detida numa van da PM durante 30 minutos… adivinha de que cor ela é? Acertou! Negra! A pressão dos amigos logrou que ela fosse liberada).

    Mas, na periferia, a coisa é bem diferente. Para pior. No bairro do Jardim Ângela, onde há pouco tempo grupos de extermínio faziam seus festins de sangue, a PM agiu com extrema violência e sem mandato judicial para desocupar a Escola Estadual José Lins do Rego, localizada na estrada do M’Boi Mirim.

     Screen Shot 2015-12-31 at 11.23.46 AM

    O colégio estava ocupado pelos estudantes, em protesto contra a reorganização escolar proposta pelo governador Geraldo Alckmin, que acarretará o fechamento de 94 escolas e o encerramento de ciclos e de turnos de ensino em muitas outras.

    Com 1.762 alunos de Ensino Médio, a José Lins do Rego aparece no site da Secretaria da Educação assim: “Essa escola não será afetada pela reorganização”. Para os alunos, isso é uma mentira, já que o colégio será o destino de muitos outros, remanejados de escolas que fecharão. As classes ficarão superlotadas, preocupam-se os meninos.

    A violência da PM desesperou os estudantes, que chamaram mais professores para ajudar. O resultado é que vários docentes da José Lins do Rego estão extremamente machucados. Um deles, o professor Edivan, um dos melhores professores da escola, foi detido e levado ao 47º Distrito Policial (do Capão Redondo), acusado de crime de Resistência (artigo 329 do Código Penal). Antes, o professor teve de ser levado ao hospital, para tratar de ferimentos; a namorada dele, a professora Flávia, também está muito machucada e em estado de choque.

    A Truculência da PM não tem limites.

    É esse o padrão de selvageria que a PM utiliza sempre na periferia. Com o movimento das escolas não seria diferente, agora que ele chegou às franjas pobres e periféricas da cidade.

    Por isso, #JornalistasLivres pedem à população que fique atenta e use seus celulares para documentar os abusos.


    Fotografe, filme, grave. Envie seus arquivos para jornalistaslivres@gmail.com

    #DesmilitarizaçãodaPM
    #‎NãoFecheMinhaEscola

  • Você podia ser mais claro?

    Você podia ser mais claro?

    Por Diógenes Júnior*, colaboração para o Portal Vermelho e Jornalistas Livres

    Diante da constatação de mais uma manifestação de ódio despejada via redes sociais — certamente a penúltima, não a última porque outras virão— , ecoam na minha mente algumas palavras de Fernando Evangelista, que tão bem definiu sentimentos e ações que deveriam ser comuns a todos os homens e mulheres, independentemente da cor de sua pele.

    “Ser guiado por uma permanente capacidade de se estarrecer e, com ela e por causa dela, não se acomodar.”

    Kamilah Brock foi mantida durante oito dias em um hospital psiquiátrico, depois que um policial não acreditou que o carro de luxo que ela dirigia era de sua propriedade.

    A bancária de 32 anos foi abordada quando trafegava pelas ruas do bairro do Harlem; o policial que a abordou questionou-a sobre o porquê de ela não estar com as mãos no volante de seu automóvel, um BMW.

    Em resposta, ela disse que ouvia música enquanto o veículo estava parado em um sinal vermelho.

    Kamilah foi levada para uma delegacia, onde ficou horas detida sem ser acusada de qualquer crime.

    Kamilah Brock é negra.

    “Caminhar junto aos marginalizados, reconhecer no outro sua própria humanidade, principalmente quando o outro for completamente diferente.”

    O norte-americano radicado no Brasil Jonathan Duran, de 42 anos, contou que seu filho Lucas foi expulso da loja da grife “Animale” na rua Oscar Freire, em São Paulo.

    Uma vendedora ficou irritada com a presença do menino de apenas 8 anos no local e decidiu que “ele não poderia vender coisas ali”.

    “Lucas e eu fomos expulsos da frente desta loja enquanto eu fazia uma ligação; em certos lugares em São Paulo a pele do seu filho não pode ter a cor errada” escreveu posteriormente Jonathan.

    Seu filho, Lucas, é negro.

    “Não fazer da dúvida o álibi para a indiferença. Nunca ser indiferente.”

    “Não consigo respirar, não consigo respirar!”

    Essa frase foi a última frase dita por Eric Garner antes de ele ser assassinado por asfixia por um abraço mortal de um policial, em julho desse ano.

    O policial que assassinou Eric Garner é branco, e foi inocentado das acusações de assassinato por um júri composto por uma maioria de pessoas brancas.

    Eric Garner era negro.

    “Escolher o caminho mais justo, mesmo que seja cansativo demais, arriscado demais, distante demais.”

    A garota do tempo do Jornal Nacional, Maria Julia Coutinho, foi alvo, em julho desse ano, de uma chuva de comentários preconceituosos na página oficial do Facebook do programa do qual participa.

    Após uma postagem sobre a previsão do tempo, alguns internautas escreveram dezenas de mensagens preconceituosas e agressivas.

    Maria Julia Coutinho é negra.

    “Saber que o destino de uma pessoa não deve ser determinado por causa da cor da sua pele, do gênero ou da religião.”

    Policiais militares da Força Tática do 5º Batalhão mataram a tiros o dentista Flávio Ferreira Sant’Anna, de 28 anos.

    Naquela ocasião, o rapaz foi confundido com um assaltante e nem teve chance de se defender.

    Os policiais confessaram que, ao constatar o engano, simularam um tiroteio para forjar uma falsa resistência seguida de morte e assim alegar que só revidaram a tiros depois que a vítima disparou.

    Os militares colocaram uma pistola 357 nas mãos de Flávio e no seu bolso a carteira do comerciante Antônio Alves dos Anjos, vítima de assalto.

    Em um primeiro depoimento, o comerciante confirmou a versão de tiroteio dos policiais militares.

    Porém, retornou à delegacia e admitiu ter sido pressionado a mentir.

    Segundo alegou, ele só apontou o dentista porque, assim como o ladrão, Flávio também vestia uma camiseta preta.

    Diante das evidências, os PMs confessaram a execução, assumindo que Flávio levantou os braços e não reagiu.

    O tenente Carlos Alberto de Souza Santos e o soldado Luciano José Dias, acusados de atirar em Flávio, foram condenados a 17 anos e seis meses de prisão por homicídio, fraude processual e porte ilegal de arma.

    O cabo Ricardo Arce Rivera foi absolvido do crime de homicídio, mas acabou condenado a sete anos e meio de prisão pelos outros crimes.

    Na noite em que foi morto, Flávio retornava do Aeroporto Internacional de Guarulhos, na Grande São Paulo.

    O dentista Flávio Ferreira Sant´Anna era negro.

    “Não aceitar injustiças, sejam elas quais forem, como um fato natural”.

    Taís Araújo foi vítima de preconceito em uma rede social no último sábado.
    Internautas encheram a página da atriz no Facebook com comentários criminosos, chamando a atriz de macaca e fazendo piadas sobre a aparência do seu cabelo.

    Taís Araújo é negra.

    Ainda com o eco das palavras de Fernando Evangelista em minha mente, visitei a página da atriz e um dos comentários me chamou muito a atenção, e justamente por isso usei-o como base para o título desse artigo:

    “PODE SER MAIS CLARA”?

    Numa primeira leitura a frase não tem o mesmo apelo violento de outras tantas que lá encontrei, tais como “cabelo de parafuso enferrujado” ou “entrou na Globo (sic) pelas cotas”, mas choca pela sutileza cirúrgica com a qual ataca a atriz.

    Ao mesmo tempo que sugere uma espécie de “dúvida” de seu autor, que dá a entender que “pedia clareza” à atriz por alguma coisa, é bem explícita sua intenção:

    “Taís Araújo, tem como você ficar branca, assim como nós queremos que seja?”

    A frase, colocada dessa maneira jocosa é de uma covardia, de uma brutalidade embora sutil que poucas vezes vi nesses anos todos em que participo de redes sociais.

    É uma frase que foi construída, foi meticulosamente concebida com um objetivo específico.

    A frase ataca Taís não tanto com a truculência estapafúrdia de alguém que a chama de “macaca” mas a ataca de uma maneira duplamente cruel, estudada, calculada.

    Ela ataca Taís com a violência da indagação falseada pela ironia, mas também com a impossibilidade da negativa.

    O racismo, através das redes sociais, tem mostrado seus músculos.

    Já se foi o tempo em que as pessoas criavam perfis falsos com o objetivo de externar, sob a égide do anonimato e a certeza da impunidade, suas taras e deformidades de caráter.

    Criminosos têm colocado seus demônios para fora sem a menor cerimônia,
    para quem quiser ver, ou mesmo à revelia de suas vontades.

    Deixaram, faz muito tempo, de praticar seus crimes de maneira velada.
    Há muito assumiram suas posições, e têm tomado de assalto os corações e mentes de pessoas que se mantinham reticentes, ou mesmo confusas, quanto a sua posição, a qual lado pertencem nessa luta travada no seio de nossa sociedade.

    Sim, porque fica bem claro que nessa luta há dois lados: o lado dos que praticam o racismo e aqueles que combatem tal prática.

    Hannah Arendt, filósofa que escreveu com tanta propriedade sobre os crimes praticados pelo nazismo nos ensina, em seu livro Eichmann em Jerusalém”,o que é a “banalidade do mal”. (Adolf Eichmann foi tenente-coronel da SS nazista acusado, responsabilizado, julgado e condenado à morte pela logística de extermínio de milhões de pessoas durante a Segunda Guerra Mundial.)

    Por “banalidade do mal”, Arendt se referia ao mal praticado no cotidiano como um ato qualquer.

    Uma rotina, algo sem importância e até sob certo aspecto praticado de maneira mecânica, quase que irresponsavelmente automática.

    Entendo que os ataques racistas e preconceituosos que usei para ilustrar esse artigo são nada mais menos do que a teoria de Hannah Arendt sendo aplicada na prática e confirmada.

    E confirmada da pior forma possível: saindo das telas dos telefones celulares, dos tablets e computadores, tomando forma na vida real, assustadoramente materializando-se nas ruas:

    “Saber que o destino de uma pessoa não deve ser determinado por causa da cor da sua pele.”

    O isolador naval haitiano Fetiere Sterlin, 33, foi assassinado por golpes de facas desferidos por dez homens no município de Navegantes — Santa Catarina, a 112 km de Florianópolis.

    Ele foi o primeiro haitiano assassinado na região do Vale do Itajaí, mas no ano passado outro rapaz levou cinco tiros e sobreviveu, embora logo tenha saído do país.

    Fetiere Sterlin era negro, e a cor de sua pele determinou seu trágico destino.


     

    *Diógenes Júnior é estudante de Ciências Sociais, pesquisador independente, militante do PC do B, ativista dos Direitos Humanos e Jornalista Livre.

  • Depois de 133 anos, OAB reconhece Luiz Gama como advogado

    S. Paulo — Cento e trinta e três anos após sua morte, Luiz Gama, ex-escravo, jornalista, poeta, ativista político e líder abolicionista, que com sua oratória brilhante e inflamada, ajudou a libertar mais de 500 negros nos Tribunais, será finalmente reconhecido oficialmente como advogado pela Ordem dos Advogados do Brasil (OAB).

    A cerimônia vai acontecer na próxima terça-feira (03/11) na Universidade Presbiteriana Mackenzie. Segundo o presidente do Conselho Federal da OAB, Marcus Vinicius Furtado Coelho “no atual modelo de advocacia é a primeira vez que isso ocorre”.

    Gama nasceu em 1.830 e morreu em 1.882 e, além da sua história (filho de um português com uma escrava liberta foi vendido pelo pai quando tinha apenas 10 anos), foi um ativista de enorme prestígio não apenas entre os negros, mas também entre setores liberais da sociedade da época. Ele estudou Direito por conta própria e passou a exercer a função de advogado (rábula) após conseguir a alforria aos 17 anos.

    É dele uma frase que o colocaria hoje como um militante radical:

    “O escravo que mata o senhor, seja em que circunstância for, mata sempre em legítima defesa”.

    “Embora não fosse advogado, Gama era um grande defensor da abolição e sua atuação como rábula livrou inúmeras pessoas dos grilhões escravistas”, acrescenta o presidente da OAB.

    Tataraneto

    Na cerimônia, Luiz Gama será representado por um tataraneto, o empresário Benemar França, 68 anos, um de seus 20 e tantos descendentes vivos, o engenheiro e empresário Benemar França, 68. “Tomei contato com a biografia desse meu antepassado quando estava no 2º ano ginasial e um professor de história pediu que pesquisássemos, cada um, sobre as nossas famílias, a nossa genealogia”, conta o empresário. “O que descobri encheu-me de orgulho”, acrescenta.

    Além da condecoração póstuma, o evento Luiz Gama: Ideias e Legado do Líder Abolicionista prevê dois dias de palestras e debates no Mackenzie.

    Morte e enterro

    O enterro do líder abolicionista no Cemitério da Consolação foi um dos maiores já registrados em S. Paulo à época com 40 mil habitantes: 10% da população paulistana compareceu. Segundo o jornal “O Estado de S. Paulo”, não houve transporte oficial para o cortejo fúnebre. Do Brás, onde morava, o caixão foi passando de mão em mão até chegar à sepultura.

  • Jovens entram na disputa por novas leis

    Jovens entram na disputa por novas leis

    Por Tatiana Pansanato, da Mídia NINJA, especial para os Jornalistas Livres


    “Gostaria que o Governo do Estado permitisse que dois ou mais negros pudessem conversar na esquina de casa, na rua e a noite, sem que fossem associados ao crime, ao tráfico, ou autuados por formação de quadrilha, essas questões precisam ser pautadas no Executivo”.

    Foto: Márcio Pinheiro

    Esse é o tom das falas da deputada Leci Brandão (PCdoB) na celebração do Sarau de lançamento da Frente Parlamentar em Defesa dos Direitos da Juventude, liderada também pelo deputado Caio França (PSB). O auditório Paulo Kobayashi da Assembléia Legislativa de São Paulo recebeu dezenas de jovens de movimentos sociais, como estudantes, artistas, coletivos da periferia e de mídia e suas lideranças.

    Foto: Márcio Pinheiro

    O que aconteceu na última quarta-feira (21) foi a ocupação do espaço legislativo pelos jovens da periferia, legitimando que ali também é seu lugar, ao som dos batuques e batidas de funk. Adolescentes de diversas idades que se encontram na música, na dança, na expressão corporal, na cultura, na comunicação e em inúmeros eixos, participavam ativamente do evento, que teve como Mestre de Cerimonia Alessandro Buzo, poeta, escritor e cineasta que está à frente do projeto Sarau Suburbano.

    Nação Hip Hop Brasil também teve participação representativa, assim como a Liga do Funk, movimentos que emergiram nas extremidades e que hoje impulsionam a juventude e as motivam a conhecer e se apropriar de politicas públicas. Não existia na Assembleia Legislativa um espaço onde esses jovens pudessem criar mais políticas — e a Frente Parlamentar vem mostrar que os jovens precisam conquistar seus espaços e ter representantes na Casa da Lei. “Entende-se que esse espaço é criado pelos gabinetes mas os verdadeiros protagonistas dessa história são os jovens”, afirma o deputado Caio França.

    Tubarão do Lixo, poeta e rimador, depois de sua apresentação, que citou mais de uma vez o golpe contra a juventude na tentativa de reduzir a maioridade penal, contagiou os presentes com a sua rima. E veio o grito em uníssono: “Não, não, não à redução”.

    Foto: Buzzo

    Maria das Neves, Diretora de Jovens Mulheres Feministas da UJS, uma das convidadas do sarau, disse que a frente vem para defender incondicionalmente a democracia brasileira contra “aqueles que tentam tomar o poder do nosso país para implementar uma agenda machista e fascista. Contra quem tenta golpear a democracia”.

    O Coordenador da Juventude do Estado de SP, Cleuder de Paula, comentou que “São Paulo é um Estado complexo, com todos os problemas sociais. Estamos organizando a Conferência Estadual da Juventude, visando à instituição do Conselho (referindo-se ao Conselho Estadual da Juventude). É um legado que quero deixar, sabemos que é uma demanda antiga, vai ser necessário muito diálogo e compromisso. Eu como negro e da periferia, quero a participação dos jovens que mais precisam desse espaço.”

    Além da forte participação dos movimentos sociais e estudantis, a Frente já conta com o apoio de 46 parlamentares e das Coordenadorias Municipal, Estadual e Nacional de Juventude que também apoiaram e (re)construíram juntos esse avanço nos direitos socias e humanos dos adolescentes e jovens do Brasil.

    Foto: Márcio Pinheiro

    No Manifesto da Frente Parlamentar em Defesa dos Direitos da Juventude está dito que se trata de um colegiado suprapartidário constituído por membros do Poder Legislativo estadual e de um Conselho Consultivo formado por membros da sociedade civil. A frente é destinada a promover o aprimoramento da legislação estadual em defesa dos direitos da juventude.A frente visa ainda à melhora dos aspectos da vida do jovem, como educação, empregabilidade decente, acesso ao esporte e cultura, direito à sociabilidade, enquanto elementos-chave para o desenvolvimento humano

    Ao encerrar, Leci questionou: “Eles pensam que a gente é só isso, e aí? A gente é só isso?”, disse, referindo-se ao samba e ao futebol… “Sim, a gente é isso também, mas a gente também é discussão política. Se eles quiserem fazer as coisas desse jeito conservador, reacionário, que discrimina, que criminaliza…a gente vai pro pau.”

  • Onde os fracos não têm vez

    Onde os fracos não têm vez

    Nove estudantes negros conseguiram, nas Cortes Federais, o direito de estudar no Ginásio Central de Little Rock, pequena cidade do Arkansas, onde as escolas eram até então segregadas racialmente. No primeiro dia de aula, além de ouvirem todos os insultos e ameaças feitas pelos estudantes e pela população branca à porta da escola, os nove alunos foram forçados a retornar a suas casas por ordem da Guarda Nacional do Estado, convocada pelo governador Orval Faubus a fim de impedir seus ingressos nas dependências escolares, em oposição à decisão da Justiça Federal.

    O então presidente dos Estados Unidos, Dwight Eisenhower, dissolveu a Guarda Nacional do Arkansas e enviou tropas de para-quedistas do Exército para garantir e proteger a entrada e a permanência dos nove alunos negros no Ginásio Central de Little Rock, cumprindo assim a decisão das Cortes Federais.

    O racismo no sul dos Estados Unidos estava de tal maneira arraigado que, quando o ano letivo terminou, os funcionários do sistema público do ensino de Little Rock preferiram fechar a escola — no que foram seguidos por outras escolas do Estado e do Sul do país — a permitir o cumprimento da Lei que determinava integração racial.

    Uma das estudantes, Elizabeth Eckford, que tinha 15 anos à época, disse:

    “Tentei ver algum rosto amigável em meio àquela gente. Fixei o olhar numa velha senhora, desviei o olhar por um instante, mas quando olhei para ela novamente, ela cuspiu em meu rosto.”

    Para-quedistas do Exército garantem e protegem a entrada e a permanência dos nove alunos negros no Ginásio Central de Little Rock

    Oxford, Mississipi — Estados Unidos, 20 de setembro de 1962.

    No início do ano letivo o estudante James Meredith, após ter ganho a causa que pleiteou nas Cortes Federais pelo direito de ingressar na Universidade do Mississipi, o Estado mais conservador daquele país, teve sua tentativa de ingressar naquele campus impedida por duas vezes.

    Sua entrada na faculdade foi obstruída pelo próprio Governador do Estado do Mississipi — Ross Barnett — que declarou: “Nenhuma escola do Mississipi será integrada enquanto eu governar esse Estado.”

    Após a apelação de Meredith à Corte Federal, esta arbitrou uma multa diária de U$10 mil por dia em que ele fosse impedido de entrar na faculdade.
    James conseguiu ingressar no campus escoltado por agentes federais no dia 30 de setembro do mesmo ano.

    Em 1966, foi um dos líderes da “Marcha Contra o Medo”, que partiu da cidade de Memphis, no Tennessee, e rumou até Jackson, no Mississipi.
    A violência da intolerância mostraria sua face mais terrível: James foi baleado por um desconhecido durante a marcha.

    Mas a violência jamais poderia deter um idealista, e não o deteve: em 1997, 35 anos depois de ser agredido e humilhado, James Meredith voltou à mesma universidade, mas dessa vez para doar seus arquivos pessoais à instituição. Vitória do da humanidade, do bom senso e da bravura: foi aplaudido como herói.

    James Meredith é escoltado por agentes federais que garantem seu acesso à Universidade do Mississipi

    Tuscaloosa, Alabama — Estados Unidos, 11 de junho de 1963.

    Vivian Malone e James Hood, dois jovens estudantes negros, preparavam-se para a batalha decisiva de suas vidas: exercer seus direitos inalienáveis de seres humanos, antes mesmo de serem cidadãos norte-americanos.

    Entre Vivian, James e a entrada da universidade na qual desejavam estudar havia o governador do Estado do Alabama, George C. Wallace. Wallace havia sido eleito com uma frase que se tornou sua profissão de fé: “Segregação hoje, segregação amanhã, segregação para sempre”.

    Desafiando a lei, Wallace postou-se na porta central da Universidade do Alabama onde fez mais um de seus muitos discursos demagógicos eivados de ódio. Porém, dessa feita, teve de ceder: foi obrigado por Washington a suspender o bloqueio racial e permitir a inscrição e o acesso de Vivian Malone e James Hood às dependências da universidade.

    Vitória da comunidade negra?

    Nem tanto assim: a postura de Wallace lhe granjeou admiradores, o que o alçou a uma condição semelhante à de um “jair bolsonaro” da época, uma espécie de porta-voz do que havia de mais intolerante, odioso e discriminatório na sociedade estadunidense.

    Em 1968, tentou alçar vôos mais altos do que governar um Estado: palmilhar a corrida presidencial , mas já fora dos quadros do Partido Democrata que o abrigou até a catastrófica ação na Universidade do Alabama.

    Pelo Partido Americano Independente, já no dia das eleições, conquistou a simpatia de 10 milhões de eleitores em todo o país.

    O racismo covarde mostrava sua musculatura e saía do armário.

    O governador George Wallace, descumprindo ordens judiciais e bloqueando a entrada da Universidade do Alabama

    Rio de Janeiro, Estado do Rio de Janeiro — Brasil, 26 de setembro de 2015.

    O primeiro dia da “Operação Verão”, já antecipada no Rio mesmo que ainda na Primavera, foi marcado por ônibus e praias vazias, mas com forte presença da polícia e revistas (buscas pessoais) em jovens que estavam dentro e fora de coletivos.

    A senha, critério traduzido como permissão para que agentes de Segurança Pública do Estado cometam abusos de autoridade foi a procedência dos passageiros dos ônibus, a falta de dinheiro em seus bolsos para pagar a passagem, estarem descalços e/ou sem camiseta e, é claro, a cor de suas peles.

    Concomitante às ações repressivas da polícia militar, grupos de moradores da Zona Sul do Rio de Janeiro compostos por “pitboys”, lutadores de artes marciais e valentões de ocasião organizaram-se pelas redes sociais para, em ações totalmente à margem da Lei, abordarem ônibus e removerem (e espancarem) os passageiros que se enquadrassem nos critérios acima descritos.

    Acerca dessa prática Gilka Chaves, moradora da Zona Sul de 85 anos de idade, declarou abertamente:

    “Tem que fazer mesmo (abordagem nos ônibus) para eles ficarem lá.
    O que eles vêm fazer aqui? Por que não vêm curtir a praia de maneira civilizada?
    Se eles querem violência a gente tem que enfrentá-los com violência.
    A polícia não está dando conta. Os rapazes aqui têm que tomar providências.
    Já que eles vêm agredir a gente, a gente tem de agredi-los também.”

    Cerceados de um dos direitos mais básicos do cidadão, o direito de ir e vir, um dos jovens passageiro de um ônibus desabafou: “Me sinto como se estivesse devendo”, logo após ser revistado por um policial militar.

    ​Policiais Militares fazem buscas pessoais em jovens no Rio de Janeiro

    A sociedade que lhes negou tantos direitos agora lhes nega também o sol, o céu, o mar, a areia da praia, o sorriso do menino, o olhar da menina.

    Tratados como coisas e não como pessoas, não têm valor, posto que valem o quanto carregam no bolso: nada.

    A histeria da classe média carioca tenta transformar as ruas da Zona Sul do Rio de Janeiro em um roteiro de filme “C”, uma espécie de “Minority Report tupiniquim” onde os “mocinhos” são trogloditas adestrados em academias de musculação, alimentados com preconceito, ódio e Whey Protein, tendo como coadjuvantes (ora protagonistas) policiais militares, que identificam pobres e pretos com vilões.

    Esses são os personagens de um filme que poderia se chamar “Os Pobres Vão à Praia”, assunto que deu nome e foi pauta de uma reportagem especial feita pela extinta Rede Manchete no início dos anos 90, mas que a dinâmica de mais esse ciclo de cio da cadela do fascismo trouxe novamente à tona nos dias atuais.

    No que esses quatro acontecimentos, separados cronologicamente por cinqüenta e oito anos e geograficamente por milhares de quilômetros se assemelham ?

    No que se diferenciam?

    Nem mesmo os 58 anos que separam o que aconteceu em Little Rock, no Arkansas, dos fatos que estão acontecendo na Zona Sul do Rio de Janeiro conseguiram diminuir as vergonhosas labaredas, chamas que seguem ardendo, e não apenas nas ruas do Rio de Janeiro.

    O ódio, combustível da discriminação de outrora, ainda hoje arde em chamas em plena combustão. Incêndio de proporções sociais inimagináveis, a força de sua destruição segue aniquilando as frágeis pontes que os movimentos sociais construíram com muita dificuldade em nome da tolerância e da convivência pacífica.

    A declaração, tão estapafúrdia quanto absurda, do governador do Rio de Janeiro — Luiz Fernando Pezão — praticamente reedita o discurso “segregação hoje, segregação amanhã, segregação para sempre” feito pelo governador do Alabama 52 anos antes:
    “Se tiver um ônibus com adolescentes vindo, que não pagaram passagens, estão descalços, de bermuda e sem documento, leva para a delegacia e os pais vêm buscar. Da última vez, apreendemos 112 e cinco pais vieram buscar. Isso não é normal. Se querem que o filho vá à praia, que o acompanhe e dê condições de ele passar o dia na praia.”

    Podemos tirar alguns ensinamentos da História, dessas histórias, e constatar que:

    – Em três dos quatro casos usados para ilustrar esse artigo houve uma intervenção propositiva, acertada, a ação forte de um Estado legalista e garantidor.
    – Em três dos quatro casos o Estado usou de sua força e da força da Lei para defender o mais fraco contra o mais forte, defendendo o oprimido da injusta agressão praticada pelo covarde e opressor.
    – Em três dos quatro casos tal intervenção foi decisiva para que o conflito fosse pacificado e, se não tanto, houvesse no mínimo um arrefecimento dos ânimos.
    – No último caso, infelizmente no Brasil, o Estado reprime quando deve educar, sonega direitos aos jovens quando deve lhes promover acesso, torna-se cúmplice de criminosos quando não detém a ação de “justiceiros”, “valentões” e grupos organizados como milicianos.
    – A violação dos direitos dos cidadãos está sendo praticada pelo próprio Estado que deveria ser o agente garantidor e mantenedor desses direitos.

    A Terceira Lei da Física, tão bem formulada por Isaac Newton, nos orienta que “para toda ação há sempre uma reação oposta e de igual intensidade”.

    Creio que que para cada ação discriminatória haverá sempre uma reação igualitária de semelhante ou maior intensidade.

    Esse artigo tem a intenção de fazer parte das forças que representam essa reação.

    *Diógenes Júnior é ativista social, militante do PCdoB e pesquisador independente. Estudante de Ciências Sociais, paulistano de nascimento, caiçara de coração e gaúcho por opção está radicado em Porto Alegre, RS, de onde escreve sobre Política, História, Cinema, Comportamento, Movimentos Sociais, Direitos Humanos e um pouco de um tudo.​

  • Transição rumo à liberdade

    Transição rumo à liberdade

    Beleza mulheres com cabelos crespos e cacheados abandonam a química em busca da sua identidade

    Alisamento, chapinha e escova progressiva viraram febre entre as brasileiras nos últimos anos. A promessa é que esses produtos são ótimas soluções para diminuir o volume, domar os cabelos crespos e esticar as madeixas. Mas quem disse que cabelo alto é um problema? Essa é a pergunta que muitas mulheres fazem quando resolvem abandonar a química e deixar o cabelo natural.

    Esse processo, conhecido como “transição capilar”, geralmente é difícil e pode demorar anos. Mas vai além de uma transformação no cabelo. É um momento de autoconhecimento, autoaceitação e empoderamento.

    Foto: Isis Medeiros

    Para Paula Silva, foi uma busca por sua identidade. Ela começou a usar química no cabelo aos 7 anos e hoje conta que nunca gostou de alisar. “O procedimento é um sofrimento e é muito caro. Além disso, nos deixa reféns, pois não temos a liberdade de ir ao clube ou tomar um banho de chuva”, comenta a estudante.

    Depois de duas tentativas, sua última transição durou dez meses até quando cortou o cabelo bem curtinho, o que é chamado de “big chop” (corte grande, em inglês). “Senti que aquele momento seria um divisor de águas na minha vida. Estava deixando de ser uma mulher de baixa autoestima, infeliz e cabisbaixa para ser uma mulher linda, feliz e com autonomia para enfrentar as adversidades de cabeça erguida e cabelo também”, afirma Paula.

    A recepcionista Ana Carolina de Souza alisou o cabelo pela primeira vez aos 18 e, por oito anos seguidos, não ficava sem chapinha. “Houve época em que passava prancha no cabelo quase toda noite, de tanto que tinha medo de uma raiz anelada. Com o passar do tempo, vi meu cabelo sem vida, não podia fazer coisas simples sem a preocupação de chegar em casa e pranchar o cabelo”, lembra.

    Foto: Isis Medeiros

    Após nove meses, Ana Carolina também se rendeu ao big chop para cortar toda a química que ainda restava. “Cortei os 50 cm de cabelo esticado e opaco com uma única tesourada. Olhei-me no espelho com o cabelo curtinho e pensei: ‘nossa, essa sou eu?!’ Então eu via os cachinhos tímidos, que só após o corte ganharam forma e liberdade, e isso já me bastava para continuar a dormir feliz com óleo de coco na cabeça”, diz.

    Rompimento com a dependência

    Lorena Lemos usou alisantes por 14 anos, desde que tinha 12 anos. Ela conta que tinha problemas com o volume do seu cabelo e, por isso, usava muitos grampos para prendê-lo. “Não saía se não tivesse feito escova e prancha e uma raiz alta significava choro, crises de raiva. Além disso, o fato de passar uma hora, uma hora e meia no salão aos fins de semana começou a me incomodar profundamente, ao pensar que poderia estar fazendo outra coisa”, conta a professora.

    A inspiração para a mudança veio quando sua mãe perdeu todo o cabelo — que também tinha química — no tratamento contra o câncer de mama. Junto com o cabelo novo de sua mãe, cresceu também a coragem para fazer o big chop. “Meu cabelo passava do ombro e quando cortei, ele ficou com quatro dedos de comprimento. Foi um processo complexo, na primeira semana tive dificuldade de olhar no espelho, mas ao mesmo tempo me sentia feliz de conseguir romper com um ciclo de dependência”, afirma

    Foto: Isis Medeiros

    Cabelo solto também é resistência

    Além de terem passado pela transição capilar, Paula, Ana Carolina e Lorena têm mais uma coisa em comum. Para elas, alisantes nunca mais. Seus cabelões resgatam ancestralidade, são energia de vida e de luta.

    “Hoje sou livre e essa liberdade transparece sendo resistência através do meu cabelo. Faço dele a minha marca, a minha autonomia, a marca da luta de negros e negras que resistiram e lutaram, minha referência aos meus antepassados, a história de quem eu sou e de onde vim”, afirma Lorena.

    Dicas para a transição

    A cabelereira e trancista Daniele Assis dá dicas para quem quiser fazer a transição capilar. Para a profissional, o big chop não é obrigatório, mas o “primeiro passo é cortar, pode ser aos poucos, mas tem que tratar o cabelo. Para isso, os salões oferecem várias hidratações, mas também tem aqueles métodos caseiros e naturais”.

    Para aquelas que ainda não se encorajaram, Daniele diz que as tranças são uma ótima opção. “As tranças ajudam na transição, porque mantêm o cabelo arrumado”, afirma.