Jornalistas Livres

Categoria: Negras e Negros

  • Preto no Branco – as ruas nos dias 13 e 18

    Preto no Branco – as ruas nos dias 13 e 18

     

    A manifestação do dia 13 foi pensada, em grande parte, como um espetáculo para causar impacto político. E a cobertura dedicada, um dia inteiro em todas as mídias, deixou muita gente convencida.  E não é para menos. Uma imensa máquina foi posta em funcionamento para operar esse efeito. Mas basta colocar o preto no branco, para reduzir o evento a sua real dimensão. Que está muito distante daquilo que ele pretende ter sido.

    O primeiro preto no branco que é preciso colocar diz respeito às multidões bíblicas que os apresentadores da Globo enxergaram nas ruas no dia 13. O portal G1 fala em 3,6 milhões de manifestantes. Para um país de mais de 204 milhões de habitantes, temos que admitir, embora isso vá magoar os Marinhos, que é um número ridículo. É menos de 2% da população total. Isso com números hiperinflados. Números tão absurdos que chegamos a deparar a seguinte situação: para a avenida Paulista, o DataFolha dá 500 mil, a polícia militar, 1 milhão e 400 mil, e os organizadores do Vem Pra Rua, 2 milhões e meio.

    Esses bons rapazes, usando o método da mentira descarada, estimaram um número cinco vezes maior que o Datafolha. Deram um bom exemplo de como age a gente honesta que está querendo livrar o país da corrupção, com o apoio de Alckmin, Aécio, Bolsonaro, Magno Malta e afins.

    O mais provável é que, em lugar dos 3,6 milhões comemorados pela Globo, tenham ido às ruas no país inteiro algo entre 1,5 e 2 milhões de pessoas. Isso é pouco menos de 1% da população.  Enfim, números que só parecem monumentais com o zoom deformador da mídia em sua ânsia de derrubar a democracia. Na verdade, considerados a frio, como números, não assustam. É só o nosso velho e conhecido 1% que condena o Brasil a ser um país estagnado, violento, gerido pelo totalitarismo policial e pela autocracia dos muito ricos. Ou seja, o 1% da população brasileira que possui metade da riqueza do país.

    Esse 1% é o inimigo número um da democracia.

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    Foto por Alessandra Santos

    O segundo preto no branco diz respeito aos negros e sua ausência na festa branca do dia 13. A questão, que já foi posta por Maria Carolina Trevisan, retomo aqui por outra ponta. A festa branca não foi a de todos os brancos, mas de um punhado, que defende seus privilégios com unhas e dentes, e não aceita partilhar nada. Nem o espaço da avenida Paulista. Curiosamente, o Datafolha, que tem primado por trazer bons gráficos da composição social das manifestações, desde 2014, não apresentou o gráfico com os percentuais de brancos e negros. (Nesse artigo, vamos chamar de “negros”, para fins de apresentação dos dados, a soma de “pretos” e “pardos”)

    Omitir esses dados é uma regressão enorme. Vai na contramão das boas práticas do jornalismo informativo e pode privar-nos, como vamos ver, de um aspecto essencial para compreender o Brasil hoje. É um caso grave de desinformação, desses que costumam ocorrer na escalada dos conflitos. A análise do que vem ocorrendo de 2014 para cá mostra, justamente, que a crescente adesão dos negros à defesa da democracia é o grande fato novo na história política do país. Se a Folha não nos disse quantos negros estavam na Paulista, o motivo é muito significativo e vale a pena tentar explicá-lo.

    A percepção de uma avenida tomada apenas por brancos não foi ilusão visual, embora bem provavelmente, num país multirracial, multidões assim tão descoloridas sejam inéditas. Em sua manifestação sangue puro, a elite branca, o grupo mais endinheirado da sociedade brasileira, deu a si mesmo o espetáculo “de país branco, europeizado”,  que quer para o futuro: um país sem negros. Ora, a força que usou para essa proeza pode ser também o seu calcanhar de Aquiles: o do isolamento político. Ao que tudo indica, essa elite está sozinha, embora não tenha ainda percebido isso.

    O país sem negros que almeja, nada mais é que a expressão do horror de perder privilégios de quem quer de volta uma universidade sem cotas, um aeroporto sem mistura (“aeroporto ou rodoviária?”), a empregada doméstica escrava, o fim da impertinência dos cabelos negros (“baixar a crista dessa gente”), etc. E que teme, sobretudo, que o pior ainda esteja por vir.

    Mas a situação política deu passos sobre os quais eles parecem ainda não suspeitar.

    Os dados que dispomos mostram que entre 2014 e 2015 o número de negros nas manifestações da direita branca reduziu-se brutalmente. De início, em 2014, pretos e pardos somados eram quase 50% dos presentes nos protestos que pediam o Fora Dilma. Mas isso não durou muito. Um crescente repúdio da parte dos negros pelos projetos que iam sendo delineados nessas manifestações,  levou-os a um afastamento crescente. E com isso, claro, as manifestações ficaram cada vez mais exclusivamente brancas. Veja-se a Tabela:

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    A tabela mostra que entre agosto de 2014 e agosto de 2015, o número de pretos e pardos somados nas manifestações caiu de 47% (33 + 14) para apenas 20% (17+3), uma redução enorme. E a debandada foi maior entre os pretos, que de início eram 14% em 2014, mas terminaram sendo apenas 3% em 2015, quatro vezes menos que um ano antes. Isso significa muitas coisas e, a mais importante de todas, é que os negros percebem que não há lugar para eles onde se grita contra as cotas, busca-se reduzir a maioridade penal,  aplaude-se a PM e os humoristas racistas, demoniza-se o bolsa família, além de chamar negros e sem terras de vadios e preguiçosos.  Não se trata, ao que parece, tanto de defender um governo, o de Dilma, mas um programa, o da democracia.

    Os negros que abandonaram a elite branca e passaram maciçamente a apoiar o governo que viam como mais representativo da democracia. Eles entram em aliança com os brancos mais pobres, os das periferias, os que têm os rendimentos mais baixos. Nessa aliança, os negros marcam uma presença decisiva nas manifestações, como aconteceu em 20 de agosto de 2015. O gráfico do Datafolha é muito interessante:

    anti-impeachment

     

    Os negros somam agora 49% e, ultrapassando os 46% de brancos da baixa classe média e das periferias, formam a maioria dos presentes nas manifestações contra o impeachment na cidade de São Paulo. E essa foi, com muita probabilidade, a tendência que se impôs no país inteiro. É muito provável que um dia, essa virada que deu aos negros um papel de protagonistas, que não tiveram em nenhum momento no passado, venha a ser entendido como um divisor de águas. Não cabe dúvidas de que saíram às ruas para fazer a defesa da democracia, das políticas de combate às desigualdades, das políticas de inclusão e das ações afirmativas.

    É isso que explica a avenida Paulista do dia 13 de março, sangue puro, inteiramente branca, alva de cabo a rabo, ou, em outras palavras, incapaz de trazer os negros como massas de manobra para seus projetos políticos. Os negros não morderam a isca do convite para a grande festa cívica nas ruas brasileiras. Do ponto de vista político, isso significa que as elites que deram o show da Globo e que saíram cantando vitória, estão de fato mais isoladas que nunca.

    O mesmo aconteceu com os brancos pobres que, por motivos semelhantes aos dos negros, relativos aos impactos positivos das medidas democráticas sobre suas circunstâncias de vida, não embarcaram na canoa dos brancos ricos em 2014 e 2015.

    Dou apenas duas indicações, restringindo-me à cidade de São Paulo, e tomando por base as manifestações de agosto de 2015. Os brancos que recebem até R$ 1.576 (os pobres) representam 27% da população da cidade de São Paulo. Mas o número deles que foi protestar contra o governo Dilma em agosto de 2015 ficou apenas em 6% dos presentes. Já os brancos com renda entre R$ 15.760 (dez vezes mais que os anteriores) e R$ 39.400, que são a minoria ínfima na cidade, apenas 2% da sua população, eram 14% dos que estavam lá. Ou seja, superavam em sete vezes a sua proporção real.  O ódio ao governo Dilma não está entre os brancos, mas entre os brancos mais endinheirados. Quanto maior a renda, maior o ódio.

    Quem sairá às ruas agora, em todo o país, são os pretos e os brancos mais pobres. Isso, claro, se tiver ônibus, trem, metrô, se não se montarem bloqueios policiais para parar carros e, o que certamente já deve estar em estudos em vários gabinetes, se não se estabelecerem barreiras de acesso às zonas centrais das cidades (como já se pratica em todos os verões cariocas).

    Seja como for, a branquitude das ruas no dia 13 demonstra claramente a iminência de uma grande unidade de negros e brancos pobres no dia 18, ou seja, a unidade das periferias. Defender a figura de Lula, que a elite branca quer destruir a qualquer preço como símbolo da democracia, é agora o lugar visível dessa unidade.

    Vamos ver se o gênio popular saberá antecipar e driblar os muitos obstáculos, do locaute ao blackout, do apagão digital ao cerco policial, que devem mostrar suas caras até a consumação do dia 18. O que está na rua, como ninguém ignora, não é apenas a luta contra o fascismo mas também, se houver êxito nessa, a luta por uma mudança radical nos rumos do governo Dilma em direção a uma política popular. Esse é o preto no branco que mais interessa.

    *Bajonas Teixeira de Brito Jr. é doutor em filosofia, professor universitário e escritor

  • Onde estavam os negros na Paulista?

    Onde estavam os negros na Paulista?

    Por Maria Carolina Trevisan, especial para os Jornalistas Livres

    Entre as milhares de pessoas que invadiram a avenida Paulista neste domingo (13/3), quase não havia negros. Assim como aconteceu há um ano, a grande maioria dos negros que foram ao coração de São Paulo – e a outras capitais brasileiras – estava trabalhando. Eram babás ou ambulantes (ou policiais militares). Esse quadro trata de reproduzir a posição subalterna dessa parcela da sociedade brasileira, desde a escravidão até hoje.

    brancos e negros

    Entre as demandas por honestidade, havia zero cartazes pedindo igualdade de direitos, cotas ou conquistas trabalhistas das empregadas domésticas. Ao contrário. O que se viu na avenida Paulista foi a representação do desejo da classe média alta e da elite branca do Brasil em manter seus privilégios. A manifestação está para a justiça social assim como a casa grande está para a senzala. Idêntico e escancarado.IMG_2016-03-13forcaProcure um negro | Foto: Christian Braga

    “Essa marcha não é somente contra a Dilma e a favor do impeachment. Ela é também contra os direitos humanos e as conquistas sociais”, define o administrador de empresas e educador negro Antonio Nascimento, militante de direitos humanos na Bahia.

    “Para mim, essas passeatas foram contra a possibilidade de um país mais justo, mas fingindo a moralidade”, completa Nascimento.

    Sob a cortina do combate à corrupção, o que se coloca é o desejo de uma elite e classe média brasileiras defendendo os próprios interesses. Não à toa, os atos deste domingo aconteceram em locais nobres das cidades: a orla da zona sul carioca, a Avenida Paulista, o Farol da Barra, em Salvador, ou a Praça da Liberdade, em Belo Horizonte. “A elite viu nesse governo a sustentação de seus privilégios sendo ameaçada. Não está preocupada com a moralidade ou com a honestidade porque sempre conviveu com governos desonestos.”

    Racismo explícito na avenida que pede Justiça | Foto: Edgar Bueno
    Racismo explícito na avenida que pede Justiça | Foto: Edgar Bueno

    Mas as manifestações foram muito além e deixaram escapar esse desejo. O que se viu em alguns lugares foram cenas de racismo explícito: um homem pintado de negro (os “blackfaces”, movimento teatral escravocrata que tem por objetivo ridicularizar a população negra) simulava uma “Forca da Inconfidência”.

    Senhoras, senhores e crianças brancas posavam ao lado dessa representação, sorrindo e sem se abalarem; em outra cena, um homem branco segurava um cartaz no qual se via a presidenta Dilma, pintada de negra, imitando o comediante negro Mussum, com os dizeres “Dilma Rouseffis, só no forevis”; e por fim, as dezenas de cenas de babás negras empurrando carrinhos de bebês brancos, com os patrões caminhando adiante.

    “Acho que a maioria das pessoas  não se deu conta do que está em jogo”, afirma a socióloga Marcia Lima, professora de “desigualdades raciais” na Universidade de São Paulo (USP). “O Brasil mudou. Temos uma reação conservadora às conquistas deste grupo [a população negra]”, explica Marcia.

    A população negra não é mais minoria no Brasil. Desde 2011, mais da metade dos brasileiros é negra (pretos e pardos, segundo o IBGE). Atualmente, corresponde a 53,6% da população total do Brasil. Significa dizer que mais de 110 milhões de pessoas não estavam retratadas nos atos pró-impeachment. “Andei duas horas na manifestação. Não tinha pobres nem negros”, constatou a advogada Eliane Dias, produtora do grupo de rap Racionais MC’s.

    “É uma luta de classes em que o negro não é bem quisto. Por isso, é uma grande contradição falar em Justiça nas manifestações”, diz Eliane.

    De fato, para falar em democracia, é preciso se referir a toda a sociedade. “É muita irresponsabilidade, por exemplo, simular o enforcamento de um homem negro no meio da Paulista. Vi várias famílias lá dando risadinha disso”, relata Eliane. Para ela, violência semelhante é levar uma babá negra para esse contexto. “É uma humilhação. Você coloca lá uma mulher negra, num domingo, num lugar onde não tem nenhum negro… Isso representa a submissão”, constata.

    choquemanifa13marco_SnapseedNo que se refere às questões raciais do país responsável pela maior e mais longa escravidão do mundo, nada mudou em um ano. As manifestações de março de 2015 ja mostraram como os defensores do impeachment são brancos. Esse cenário faz os versos dos Racionais cada vez mais contundentes e atuais:

    “Este é o Brasil que eles querem que exista: evoluído e bonito, mas sem negros no destaque”, Racionais MC’s, em ‘Voz Ativa’

     

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    Procure um negro na escada rolante do shopping na Paulista, durante o ato pró-impeachment.
    Vídeo: Fernando Sato

     

     

  • As seculares engrenagens e a escravidão dos novos tempos

    As seculares engrenagens e a escravidão dos novos tempos

    Negros. Jovens (às vezes muito jovens). Pés no chão. Periféricos, esquecidos e invisíveis (até serem presos). Estes são os “traficantes” com os quais nos deparamos diariamente na Delegacia de Tóxicos e Entorpecentes da Polícia Civil do estado do Espírito Santo, onde atuo como Delegado de Polícia adjunto.

    Apesar dos êxitos e recordes de apreensões alcançados por esta unidade especializada, a sensação que temos é de que o tráfico e o consumo de drogas alçam voos cada vez mais altos, e nos sentimos impotentes diante do quadro social que nos é apresentado a cada dia.

    Muito nos questionamos quando autuamos um jovem como este por tráfico de drogas, pois sabemos que esse microtraficante é um fantoche e peça de reposição dos verdadeiros engenheiros desta máquina que gera mais de 500 bilhões de dólares por ano no mundo, em uma estimativa modesta.

    Apreensão de drogas no Paraná 23/11/2015. Foto da Política Federal
    Apreensão de drogas no Paraná 23/11/2015. Foto Política Federal

    Por outro lado, quando apreendemos uma grande quantidade de drogas temos a percepção de que nos tornamos “sócios” dos grandes traficantes monopolistas, pois reduzimos a oferta e indiretamente aumentamos o preço final. Em uma análise mais detida, nós percebemos que azeitamos esta injusta engrenagem, produzindo maiores ganhos financeiros na ponta do iceberg e afundando cada vez mais a base etiquetada (composta por uma clientela preferencial, sem nome e sem rosto: a pobreza).

    O cárcere capixaba (composto por 30% de homens e 50% de mulheres presos por tráfico, isso sem contar os delitos orbitários e conectados ao tráfico, como a receptação, o roubo, o furto e o porte de armas) não suporta mais fazer a manutenção das mesmas peças que há cem anos são quebradas e consertadas: todos os dias são lançados ao recolhimento homens e mulheres que nada sabem a respeito de branqueamento de capitais, movimentações financeiras e outros crimes de submersão, apenas se dedicando a vender produtos (drogas declaradas ilícitas) para um mercado cada vez mais ávido. O que não se entende é por que ao lado da chamada “boca-de-fumo” existe uma padaria que vende drogas lícitas com efeitos mais drásticos à vida humana do que algumas drogas definidas como proibidas por critérios meramente políticos.

    Curitiba, 22 de dezembro de 2015 fotos da operação deflagrada nas cidades de curitiba e colombo que visa a prisao de traficantes no centro da cidade. Foto AGNPr
    Curitiba, 22 de dezembro de 2015
    fotos da operação deflagrada nas cidades de curitiba e colombo que visa a prisao de traficantes no centro da cidade. Foto AGNPr

    O holocausto urbano se intensifica a cada dia, e nas trincheiras de nossa guerrilha observamos um Estado que tenta desesperadamente conter o avanço do “inimigo”, e para tanto corpos vão ao solo em velocidade comparável às guerras declaradas. Policiais repostos. Traficantes repostos. “Facções” nos jornais. Mais um dia.

    O curioso é que essa “guerra particular” geralmente não conta com mecanismos que permitam a celebração da paz. Tratar segurança pública apenas com repressão é admitir que viveremos para sempre em estado de beligerância: não há resposta armada que detenha uma legião de pessoas que querem se juntar à massa consumista, buscando visibilidade e conforto nesta escravidão dos novos tempos. Uma das soluções, entre tantas outras, é investir pesadamente na educação para salvar as próximas gerações do “alistamento” e “serviço militar obrigatório” no tráfico de drogas.

    Hoje é mais fácil comprar drogas ilícitas do que lícitas em algumas circunstâncias (em meu estado, os supermercados e comércio em geral não funcionam aos domingos). Portanto, domingo à noite, e teremos uma padaria para comprar cigarros? Não. Mas temos um ponto de venda de drogas declaradas ilícitas funcionando 24 horas ao lado. Supor que vamos vencer apenas com políticas de enfrentamento, sem analisar toda essa miríade de circunstâncias socioculturais, é ter uma visão estreitada do problema.

    A proibição de algumas drogas declaradas proibidas deve ser debatida e repensada, pois permitir que o traficante tenha monopólio na produção e venda destes produtos é incrementar a violência e insistir em uma política de repressão que não se justifica e não atinge seus fins, já tendo se verificado há décadas sua ineficácia. Essa nos parece uma outra solução que poderá reduzir as baixas em nossos embates urbanos modernos.

    Sem proibição não há tráfico ilícito e monopolizado. Sem tráfico não há violência. Sem violência não há perda de “soldados” neste conflito renitente. Que convidemos ao combate os generais.

    FÁBIO PEDROTO é Delegado de Polícia no estado do Espírito Santo, professor universitário e mestrando em Segurança Pública pela Universidade de Vila Velha.

  • “É como se a cada dois dias derrubássemos um avião lotado de jovens”

    “É como se a cada dois dias derrubássemos um avião lotado de jovens”

    O artigo 5o da Constituição Brasileira garante a inviolabilidade do direito à vida. Mas as conclusões apresentadas pela Anistia Internacional no relatório “O Estado dos Direitos Humanos no Mundo”, que será lançado hoje, revela que estamos violando sistematicamente o direito à vida no Brasil. São cerca de 58 mil homicídios por ano no país. É uma letalidade altamente seletiva: 77% das vítimas são jovens negros, moradores da periferia. Como se essas vidas não tivessem valor algum para a nossa sociedade e para o Estado. Ao invés de o Brasil reagir com políticas públicas para enfrentar uma situação duas vezes superior à considerada epidêmica pela Organização Mundial de Saúde, o Congresso avança em pautas que tendem a dirimir direitos conquistados e a expor ainda mais essa população à violência, como a tentativa de reduzir a maioridade penal e a proposta de revogação do Estatuto do Desarmamento. “Há uma focalização dos homicídios e da penalização em um certo tipo de pessoa, de um determinado território”, explica Átila Roque, diretor-executivo da Anistia Internacional no Brasil. “São sujeitos considerados ‘matáveis’, quase descartáveis. É como se a cada dois dias derrubássemos um avião lotado de jovens – e isso não é notícia no jornal.”

    A boa notícia é que a sociedade brasileira, por meio dos movimentos sociais, está reagindo aos retrocessos e omissões. Leia, a seguir, a entrevista completa com Átila Roque.

    Por Maria Carolina Trevisan, especial para Jornalistas Livres

    Jornalistas Livres – O relatório apresentado pela Anistia Internacional este ano evidencia uma série de graves violações a direitos humanos e revela que o parlamento reforça medidas conservadores, na contramão do enfrentamento às violações. Há alguma surpresa, na sua opinião?

    Átila Roque – O que chamou a atenção da Anistia no caso do Brasil no ano passado, foi a agressividade da agenda conservadora no âmbito do Legislativo, que fez avançar a sua pauta. Terminamos o ano com muitos direitos importantes sob risco. São propostas que estão em tramitação ou já foram aprovadas na Câmara e aguardam confirmação do Senado. Percebemos que, diante de um certo vazio de lideranças no Congresso, acabou acontecendo a ascensão de uma liderança muito oportunista no sentido de engavetar uma série de propostas que significam um grave retrocesso em várias áreas importantes para a agenda de direitos humanos e que agora estão sujeitos a serem aprovados pelo Congresso.

    Jornalistas Livres – É possível destacar algum avanço na garantia de direitos humanos no país?
    Átila Roque – Um ponto positivo foi que houve uma mobilização importante da sociedade na defesa desses direitos, especialmente de parcelas bastante significativas da juventude, tanto no que diz respeito à tentativa de redução da maioridade penal, como no que se refere aos direitos das mulheres e, mais para o final do ano, a mobilização dos estudantes, com várias manifestações importantes. Isso mostra que apesar do enorme baixo astral da agenda legislativa e do enorme descrédito que as instituições e os partidos estão sofrendo devido à crise do próprio modelo político, existe ainda uma força de participação da sociedade muito disposta a não recuar nas conquistas da democracia.


    Jornalistas Livres – Diante desse cenário conservador atuante no Congresso, qual a importância das Comissões Parlamentares de Inquérito que se instauraram e se mantiveram ativas, como, por exemplo, a CPI contra o genocídio da juventude negra?  

    Átila Roque – Tivemos duas CPIs tratando especificamente do genocídio da juventude negra, uma na Câmara e outra no Senado. A Anistia vem tentando, há um ano e meio, mobilizar a sociedade e pautar, no marco da campanha Jovem Negro Vivo, a agenda do alto índice de homicídios no Brasil, o impacto que isso tem sobre a juventude brasileira e a juventude negra em particular. A gente vem demandando, por um lado, que a própria sociedade rompa essa cortina de silêncio e invisibilidade sobre essa agenda e por outro lado que o Estado coloque esse tema no marco de prioridades que a gente acha que ele deve ter. O fato de o Congresso ter respondido com as CPIs merece destaque. Foram momentos em que essa agenda entrou de maneira muito qualificada no debate parlamentar. Em geral, esse debate chega no parlamento por vias muito tortas e marcadas por estereótipos e preconceitos, com uma visão conservadora, como aconteceu no debate sobre a redução da maioridade penal. Foram momentos em que esse debate pode chegar à agenda do Legislativo de maneira muito mais qualificada.

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    Jornalistas Livres – Em relação aos índices de homicídio, quais as tendências observadas pela Anistia?

    Átila Roque – Os dados mais recentes mostram uma assustadora continuidade no crescimento desses índices. No último Mapa da Violência, a curva dos últimos 10 anos, referentes ao homicídio de jovens entre 15 e 29 anos, há uma situação bastante dramática. Quando você olha os jovens brancos, há um decréscimo da ordem de 33%. Quando você olha, nessa mesma faixa de idade, os jovens negros, há um crescimento de 33%. Ou seja é um espelho invertido, o que leva a gente a pensar que em grande medida, a taxa de homicídios de jovens negros é o que está sustentando a taxa de homicídios na faixa tão alta de 56 mil, ou 58 mil, segundo o Fórum de Segurança Pública Brasileiro.

    “São quase 60 mil mortos por homicídio. Embora tenha caído em grandes cidades como no Rio de Janeiro e em São Paulo e tenha se interiorizado, de certa maneira, você não vê uma redução significativa para o patamar de calamidade que nós vivemos.”

    O fato é que o Brasil vive uma situação que pode ser considerada de emergência, de epidemia de homicídio. De acordo com a Organização Mundial da Saúde, uma taxa de homicídios por cem mil habitantes, acima de 10, já pode ser considerada epidêmica. O Brasil, em média, está em mais ou menos 25 homicídios por cem mil habitantes. Ou seja, nós estamos mais no patamar da calamidade, porque 60 mil mortos por homicídio no ano é muito acima de várias guerras.

    Jornalistas Livres – É uma taxa muito expressiva e que preocupa por sua seletividade racial e geracional.
    Átila Roque – A taxa absoluta de quase 60 mil homicídios por ano é muito alta sob qualquer aspecto. A taxa relativa, de 25 homicídios por 100 mil habitantes também é muito alta, porque está muito acima do patamar de epidemia. A taxa por idade e o registro por cor também são muitos elevados. Mais de 50% dessas mortes são de jovens. E entre os jovens, 77% são negros. Isso significa uma focalização da vitimização de jovens negros e pobres, da periferia. Mostra que há uma letalidade altamente seletiva.

    Jornalistas Livres – Como o Estado reage? Há um desenho de política pública para enfrentar essa situação?
    O Juventude Viva [programa federal com desdobramentos municipais, desenhado especialmente para enfrentar o homicídio de jovens negros] é uma gota no oceano. É um programa que, quando você olha o conceito, é um meritório. Agora, o alcance dele, diante da tragédia que estamos vivendo é absolutamente pífio, para não dizer quase ridículo, considerando o tamanho do problema que a gente enfrenta no Brasil. O Governo Federal, o ministro da Justiça, vem há anos prometendo e adiando a publicação de um Plano Nacional de Redução de Homicídios, que traria um conjunto de iniciativas integradas, que envolveria o Estado e a União, focados na redução de homicídios. Nós estamos esperando isso há oito anos. A última vez que o ministro Cardoso prometeu isso foi no ano passado, no encerramento do encontro anual do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, quando ele disse que o plano estaria pronto e seria apenas questão de fechar os detalhes, para lançar não um “plano” mas um “pacto”. Estamos até agora esperando esse pacto. Já passou um ano desse momento.

    Então, isso tudo sugere que estamos vivendo um impasse: o Estado brasileiro não está conseguindo focar e dar prioridade àquilo que é a maior emergência humanitária que o Brasil vive. É uma situação que, daqui a 10 anos, vai nos deixar na mesma ou pior. Porque se você não fizer alguma coisa, de forma organizada para reverter isso, isso não vai se reverter naturalmente. Pelo contrário. O que a gente deve assistir é o que estamos começando a ver nos dados: uma focalização cada vez maior dos homicídios, com a penalização cada vez maior de um certo tipo de pessoa, de um determinado território, que estão sendo considerados sujeitos ‘matáveis’, quase descartáveis, e a sociedade, o Estado consegue dormir todos os dias com essa tragédia. São 30 mil mortes de jovens por ano, é como se a cada dois dias você estivesse derrubando um avião lotado de jovens, 77% negros, e isso não é notícia no jornal.

    Jornalistas Livres – O relatório diz que um dos pontos importantes para combater essa violência é a transparência na área da segurança pública. Como o senhor vê o posicionamento do governador Geraldo Alckmin, que impôs sigilo de 50 anos aos registros dos Boletins de Ocorrência?

    Átila Roque – Essa medida do governador Alckmin é inacreditável. Vai na contramão do que pedem os especialistas e dessa reivindicação por maior transparência e por maior sistematização dos dados. São Paulo, que já foi um evento nessa área, está entre os estados que no passado deram exemplo, junto com o Rio de Janeiro. Hoje está caminhando a passos largos para um retrocesso gravíssimo. Se essa medida se confirmar, vai ser realmente assustador.

    O que temos hoje no Brasil é uma situação em que a participação da polícia nos índices de homicídios é muito alta, ainda que os dados sejam fragmentados. Mostram que a participação do Estado, através da polícia, nesse total de homicídios é altíssima. No caso do Rio de Janeiro, por exemplo, olhando apenas os “autos de resistências”, ou seja, não estamos falando de todas as mortes que envolvem policiais, mas se a gente olhar apenas a situação em que a própria polícia diz que matou em legítima defesa, nós tivemos uma média nos últimos quatro anos de 15%. Ou seja, cerca de 15% do total de homicídios ocorridos no Rio de Janeiro são de pessoas mortas pelas mãos da polícia, supostamente em ações de legítima defesa. Mas diversas pesquisas mostram que essas mortes tratam-se de execuções sumárias e não de resistência seguida de morte. O relatório “Você matou meu filho”, lançado pela Anistia no ano passado, faz uma análise dos autos de resistência ocorridos no Rio em 2014 e também uma análise histórica desde 2011: há fortes indícios que a maioria dos casos de auto de resistência se tratou, na verdade, de execuções.

    Foto: Marlene Bergamo
    Foto: Lina Marinelli

    Jornalistas Livres – Então é correto afirmar que uma parte importante dos homicídios no Brasil é causada pela polícia.
    Átila Roque – Temos uma situação em que a polícia é parte do problema. A gente tem dificuldade de falar do conjunto do Brasil porque não há transparência, coleta uniformizada por parte das instâncias do estado, que têm responsabilidade sobre o controle e o monitoramento das ações policiais, com medidas efetivas nesses casos. O Ministério Público se omite e não atua no marco da sua responsabilidade constitucional, afinal de contas cabe ao MP o controle externo da ação policial, que não está fazendo isso. A Justiça, por sua vez, atua de maneira lenta, quase parada. Então, o número de situações que chega a qualquer tipo de responsabilização é quase nulo e a Polícia Civil também não investiga esses episódios. É quase uma cadeia de cumplicidade. Embora seja uma palavra forte, é como se tivesse todo um sistema funcionando para manter e autorizar a má atuação da polícia, no sentido de que ela pode continuar exercendo um papel de executora de pessoas consideradas traficantes ou bandidos, ou que quer que seja.

    Jornalistas Livres – Como isso se reflete no sistema prisional?
    Átila Roque – O campo da Segurança Pública e da Justiça no Brasil, que em qualquer sociedade funciona como um termômetro, um importante patamar de cidadania, está se revelando num enorme déficit de Justiça, uma enorme violência. O que a gente vê é esse sistema funcionando para penalizar um certo tipo de pessoa, muito mais como um fator de repressão, controle e até eliminação de um certo perfil de cidadão do que uma instância recuperadora, garantidora de um patamar de civilidade e eventualmente de punição e responsabilização daquela pessoa que está em confronto com a lei.

    “É um país que está prendendo as pessoas erradas”

    É, na verdade, um instrumento de controle e supressão de direitos da própria vida de uma certa parte da população. Ao traçar um paralelo entre a taxa de homicídios (quase 60 mil por ano) e a taxa de resolução de homicídios (entre 5 e 8%), ou seja, menos de 8% obtém qualquer resultado da Justiça, encontra-se um número altíssimo de impunidade. Como pode um país em que o crime contra a vida é praticamente impune, ter, esse mesmo país, a quarta maior população prisional do mundo? É um país que está prendendo a pessoa errada! A maior parte dessas quase 600 mil pessoas que estão hoje nas prisões, nas piores condições possíveis, não cometeram crimes violentos, não cometeram crimes contra a vida. São pessoas que cometeram crimes contra o patrimônio ou o chamado “tráfico de drogas”, porque o usuário é enquadrado como traficante, e 40% dos presos estão em prisão provisória – passam mais tempo na prisão do que no final das contas é a pena.

    “Basicamente o sistema de Justiça ou prende ou mata o jovem negro pobre. E a população do território de favela. Essa é a situação. Quem está morrendo são eles e quem está sendo preso também são eles – e cada vez mais elas.”

    Jornalistas Livres – Sobre o posicionamento político do Brasil, o que significa o país não ter se candidatado ao Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas, como chama a atenção o relatório?

    Átila Roque – Isso foi visto como uma surpresa negativa. Desde o início o Brasil tem participado e ocupado assento na Comissão de Direitos Humanos. Pela primeira vez, o Brasil declinou da participação. É muito surpreendente que um país como o nosso, que tem reivindicado uma posição de protagonismo internacional político e econômico, no momento em que tem a oportunidade de ocupar um lugar de importância como essa comissão, espaço em que os Estados membro das Nações Unidas exerce seu mandato fundamental de monitorar as condições de direitos humanos do mundo, se furte voluntariamente a ocupar esse lugar. O Brasil está quase dizendo para o mundo que ele é um ator secundário. Quase declarando e assinando com firma reconhecida que não tem competência para estar em um espaço global de defesa dos direitos humanos tão importante como a comissão.

    Jornalistas Livres – O Brasil também não ratificou o Tratado sobre Comércio de Armas.
    Átila Roque – Quando o tratado foi aprovado, o Brasil foi um dos primeiros países a assinar, aderiu imediatamente. Mas desde então, a ratificação ainda não foi feita. O que cria uma enorme frustração e uma reversão de expectativas. Havia uma expectativa de que o Brasil fosse um dos primeiros a ratificar, dada a importância desse tratado no mundo de hoje. É mais fácil exportar arma do que banana. Existe muito mais controle do comércio internacional sobre banana do que armas de porte médio e pequeno, as que mais matam. Hoje o Brasil está mandando uma sinalização muito negativa ao não priorizar, não pressionar o Congresso.

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    Foto: Bruno Miranda/Na Lata

    Jornalistas Livres – No conjunto dos países pesquisados pela Anistia, como vai o Brasil? Há algum motivo de orgulho?

    Átila Roque – A Anistia não faz ranking. Normalmente não traçamos esse paralelo porque a gente prefere não comparar países. Mas podemos dizer que nós estamos entre os países que mais mata no mundo. Provavelmente em termos absolutos corre o risco de ser o país que mais mata e está entre os mais desiguais e mais violentos, mantendo um nível muito alto de violência de defensores de direitos humanos.

    Se você olha o volume de pessoas mortas no campo ou lideranças indígenas camponesas que são assassinadas, o Brasil é dos países que mais mata no mundo. Então, se você traçar um paralelo, o cenário dos direitos humanos no Brasil não nos orgulha. Tem avanços pontuais, mas estamos vivendo um momento em que tem uma grave ameaça de retrocesso. Ainda não se configurou porque ainda não foram medidas aprovadas, foram parcialmente aprovadas.
    Espera-se que a reação da sociedade possa reverter a situação. Mas estamos falando de grandes riscos. A situação brasileira não corresponde aos avanços que nós logramos em outras esferas, como o protagonismo global, a luta contra a pobreza, o avanço da democracia. O Brasil obteve grandes avanços ao longo dos últimos 30 anos do ponto de vista da Constituição, mas mantém ainda um patamar alto de violação, devido à dificuldade de implementação desse marco legal avançado, que não corresponde ao que nós gostaríamos de ver.

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    Átila Roque, diretor-executivo da Anistia Internacional no Brasil

    Ilustrações por Joana Brasileiro

  • A resistência do samba para além das ilusões de fevereiro

    A resistência do samba para além das ilusões de fevereiro

    Quem é, seu moço, que guarda a memória do samba? Bem, não sei por aí, mas aqui em Sampa, onde os blocos se avolumam feito pipoca, quem tem o samba como sobrenome é Kolombolo Diá Piratininga.
    O Grêmio Recreativo de Resistência Cultural fundado em 2002 por Renato Dias, Max Frauendorf e Ligia Fernandes, abriga o Cordão Carnavalesco que desde 2008 desfila no sábado que antecede o carnaval, na Vila Madalena, bairro em que o Kolombolo está sediado, na Rua Belmiro Braga.

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    Cordão, não bloco. Cordão porque esta é formação tradicional do carnaval de São Paulo, objeto de estudo do Grêmio criado para valorização do samba paulista através da realização de rodas, shows, encontros, registros fonográficos e audiovisuais.

    Os cordões foram muito comuns por décadas, são a origem de escolas como Camisa Verde e Branco e Vai-Vai, se diferenciam pelo estandarte, em vez de mestre sala e porta-bandeira; as rumbeiras, no lugar das baianas; os sopros e os bumbos entre os instrumentos musicais; a corte, o rei e a rainha, o príncipe e a princesa, o duque e a duquesa; e um único samba-tema,em vez do repertório variado dos blocos.

    A descrição acima é para aqueles que não foram ao cortejo deste ano, para os que ali estiveram a diferença foi sentida na carne. Logo que passou o Kolombolo, a Rua Aspicuelta perdeu o colorido e se transformou em um monótono mar de abadás.

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    Os temas para os desfiles até 2019, sempre ligados a história do carnaval, estão eleitos pelo Grêmio que carrega como símbolo o galo e as cores vermelha, amarela e preta, como as da bandeira de Angola – parte da região de onde provém o povo banto que foi escravizado e trazido para o sudeste do Brasil e cuja cultura ficaria para sempre enraizada nas manifestações tradicionais paulistas. Entre eles está a Escola Pérola Negra, tradição da Vila, que depois de idas e vindas se viu fora do bairro por causa da expansão imobiliária da região.

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    Em 2016 o Galo canta para “Tio Mario”, mestre dos tradicionais cordões dos Campos Elíseos e Camisa Verde e Branco, na escola de samba 1ª da Vila Carolina, foi vice-presidente. Mário Ezequiel nascido em 1927 na Barra Funda, cresceu vendo a família dançar o batuque de umbigada.

    “O carnaval esta passando por uma transformação que só daqui algum tempo vamos entender”, disse Ligia para os Jornalistas Livres.

    Esse ano o Kolombolo teve que sair mais cedo do que o costume para não se ver obrigado a atender o percurso ditado pela prefeitura e desfilar entre gradis.

    A preocupação de Ligia “é com a espontaneidade dos desfiles. Aqui a gente se encontra, nos preparamos juntos para o desfile…”, tenta explicar. Seu medo é justificado pela História: “Em 1968 a expressão dos Cordões se viu obrigada a se tornar escola de samba e a copiar o modelo carioca de competição por exigência da prefeitura de São Paulo para obter apoio e a oficialização dos desfiles. Ou seja, sair de uma certa condição ilegal custou a sua descaracterização”, conta.

     

    No último sábado, mesmo atendendo as exigências burocráticas, a CET não compareceu ao desfile do Kolombolo. Integrantes, bombeiros e policiais tiveram que ajudar com o desvio dos carros durante todo o trajeto. Um fotógrafo do JLs foi vítima deste descaso e acabou sendo atropelado – para bem do carnaval, sem conseqüências graves.

    As condições dos desfiles melhoraram muito desde que o Kolombolo começou.

    Em 2012, depois de ter o desfile interrompido no ano anterior, o Kolombolo lançou o Manifesto Carnavelesco que reivindicava, entre outras coisas, o “direito a alegria e a folia”. O manifesto surtiu efeito, foi assinado por diversas agremiações e acabou sensibilizando a Secretaria de Cultura que adotou o cadastramento dos desfiles, antes um problema que era jogado de um lado para o outro entre a Polícia Militar e a CET.

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    Mas não é de medo e de burocracias que vive o Kolombolo Diá Piratininga. A escolha do samba envolve um rico processo que inclui os encontros abertos e gratuitos de compositores na Praça do Samba todo último domingo do mês. O evento reúne a nova e a velha guarda, relembram e apresentam sambas autorais.

    Como alguém já cantou em uma roda de pérolas negras: “venha, você verá que vale a pena, chegar a Vila Madalena, e ver o povo cantar, feliz”!

    Hoje, 06/02, o Kolombolo se apresenta novamente, desta vez no Palco da Batata, em Pinheiros.

  • Evento que retratou arte e cultura de povos refugiados na visão de estudantes das Escolas em Luta

    Evento que retratou arte e cultura de povos refugiados na visão de estudantes das Escolas em Luta

    Alunos que ocuparam a E.E. Maria José, na Bela Vista, São Paulo, estiveram na Conexão Cultural, evento realizado ontem, no aniversário da cidade e que teve como objetivo, integrar a população paulistana com a cultura de povos refugiados através da arte. Ao final do evento, eles escreveram para os Jornalistas Livres. Confira o relato.

    Hoje é aniversário de São Paulo e nada pode ser mais “desconstrutivo” do que lembrar que a cidade é um dos lugares que mais recebe imigrantes e apresenta-se como alternativa para muitas pessoas em busca de refúgio e melhores condições de vida.

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    Cruzamos com essas pessoas diariamente, que saíram por inúmeras necessidades do lugar de onde nasceram e viveram por muitos anos e vieram para um lugar tendo que enfrentar dificuldades com o idíoma, costumes, diversos preconceitos, discriminação e claro, marginalização.

    Mas a necessidade é unica: sobreviver.

     No evento “Conexão Cultural” que aconteceu no Museu da Imagem e do Som, na capital,  nessa segunda de feriado, o objetivo era a conexão dessas culturas quase invisíveis com São Paulo, reunindo feira de gastronomia, música, artesanato e exposições compostas com artistas refugiados de países árabes (Síria e Palestina) e africanos (Congo, Haiti, Senegal).
    Vimos que essa “conexão” foi prejudicada e se tornou uma mera apropriação cultural, pelo localização onde foi realizado o evento: um bairro nobre da cidade frequentado por pessoas da elite branca.
    Vimos a senhora moradora do bairro que usara aquele único dia do ano para dizer que se importa com a refugiada do Congo, comprando seu turbante, pagando caro, mas sem saber o real valor daquele acessório, do trabalho manual, do tecido usado e o símbolo de resistência. A consciência da importância daquele simbolo não foi tomada, foi apenas a determinação da indústria capitalista de que aquele acessório era bonito e de consumo.
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    Vivemos num mundo onde há séculos a cultura dominante é a europeia, branca, ocidental, e a maioria das pessoas que estavam no evento eram assim e demonstravam interesse nos objetos, como produtos comuns do capital que sentiam vontade de consumir, mas não sem qualquer reflexão consciente da importância daquele “produto”, e menos ainda, das necessidades dos refugiados e da história deles.
    Conversamos com Dady Simon, um refugiado do Haiti, morando atualmente em Foz do Iguaçu. Ele pintava quadros que contavam a história do seu país e as belezas escondidas de uma maneira especial. Ele relatou fatos sobre sua chegada aqui e ressaltou que há uma relação com os estudantes secundaristas das escolas ocupadas e os militantes de luta por moradia nas ocupações espalhadas pela cidade:

    photo606908304201983966“A princípio cheguei a pensar que não era correto o que eu estava fazendo, pois me chamaram de invasor muitas vezes. Eu só quero sobreviver.” Durante algumas apresentações musicais os povos refugiados sempre falavam com bravura ao microfone :”Obrigada São Paulo, cidade acolhedora!”

    É importante a reflexão sobre os motivos pelos quais essas pessoas escolheram sair de seus países. Não cabe nos Direitos Humanos trata-los como seres invisíveis, tanto a sua história de vida, como pela história de seu país e os motivos que o levaram a sair de lá. É preciso se importar com os refugiados.