No próximo sábado, 9/4, durante o 21º Festival Internacional de Documentários “É tudo verdade”, estréia o filme “O Oco da Fala”, que foi produzido pela Clínica do Testemunho do Instituto Sedes Sapientiae.
O documentário, com direção de Miriam Chnaiderman, e a coordenação de Maria Cristina Ocariz, da Clínica do Testemunho Instituto Sedes Sapientiae, se mostra uma especial oportunidade para todos, principalmente diante da crise que vivemos.
Aqueles que puderam, por intermédio de um importante trabalho de apoio psicanalítico e psicológico, em umas das ações promovidas pela Comissão da Anistia do Ministério da Justiça, de reparação às violações de direitos fundamentais praticadas entre 1946 e 1988, recuperar sua memória, recontar sua história, deixam nesta obra, um pouco de suas cicatrizes.
Os relatos, frutos do terror de estado, de corte e esfacelamento de vínculos, da dor de ter perdido companheiros queridos, da impossibilidade de enterrar seres amados, do cuidado no trabalho com as ossadas, se sucedem, estampando as marcas no corpo e na alma, também refletidas em passos ainda dormentes pela cidade.
O Projeto Clínica do Testemunho formou núcleos de profissionais capacitados para desenvolver o trabalho clínico e de pesquisa teórica relacionada a traumas de violência causados por Estados autoritários, que possibilitaram aos perseguidos pela ditatura militar, uma série de formas de atendimento e apoio psicológico, tanto de âmbito coletivo como individual.
As cidades de São Paulo, Rio de Janeiro, Porto Alegre e Recife dispõem de entidades participantes do projeto, como o Instituto Sedes Sapientiae, que fica no bairro de Perdizes, São Paulo, e tem uma importante tradição, de mais de 30 anos, de atuação e trabalho junto à sociedade, comprometido com a defesa dos direitos humanos e da liberdade de expressão.
Dentre tantos e fundamentais documentos de resgate da memória, verdade e justiça, gerados pelas ações da Comissão de Anistia, tanto este documentário, como o livro, “Violência de Estado na ditadura civil-militar brasileira (1964-1985) -Efeitos psíquicos e testemunhos clínicos”, organizado por Cristina Ocariz e pela equipe de terapeutas-pesquisadoras do projeto, são de fundamental importância para a reconstrução dessa memória, e para aqueles que precisam conhecer a melhor a história do país a partir de vozes verdadeiras.
Posso também deixar aqui registrado, meu testemunho pessoal, pois, sendo filha de presa política, participo do projeto, e pude dar início à reconstrução da minha história pessoal. Um aspecto fundamental na ampliação da discussão sobre reparação são os processos judiciais ligados aos filhos de mortos e perseguidos políticos pelo regime ditatorial, porque nele se instala a ausência de substrato para se fazer qualquer tipo de cálculo de reparação econômica –ou seja, não se pode “pagar” por um pai, ou mãe, ou irmãos mortos. Não é possível reparar, à luz de uma justiça que vai fazer um “cálculo” de reparação, a possibilidade de encontro com um vazio de natureza emocional, tão profunda.
Quando me vi diante da possibilidade de trabalhar outros aspectos, que a Clínica do Testemunho me proporcionou, pude ampliar a percepção sobre outros conjuntos de ações de reparação, da chamada Justiça de Transição, que nós alcançamos a duras penas, 52 anos depois do golpe de 64, é que pude perceber o valor absoluto e imprescindível da nossa memória.
O valor, de valor incalculável.
Nós, filhos e netos, temos ainda este legado hereditário, que por mais triste, e por tantas vezes aniquilante, tem o poder, se no local adequado, de permitir o surgimento de novos significados. Estes significados são, para mim, como impulsos fractais, que talvez possam atingir a mente e alma de muitas pessoas, e quem sabe iluminá-las para a ressignificação, do que é democracia, do que é pátria, do que é luta, de onde estamos e para onde iremos.
Mesmo neste momento em que nos sentimos meio no olho do furacão, meio cachorro em dia de mudança, talvez a gente consiga se olhar, se ver e se ouvir.
A Clínica do Testemunho tem como objetivo, também, produzir insumos para elaboração de políticas públicas e para a transformação das instituições em democráticas, para que o horror não se repita. Ele começa uma nova fase (2016-2017), de continuidade do projeto, que além de atendimento psicológico, individual e de grupo, elabora entre outras ações os encontros, chamados conversas públicas. A próxima, a 9ª edição, está marcada para o dia 14 de Abril de 2016, às 20h00, no auditório doInstituto Sedes Sapientiae.
“Os interessados em participar dos grupos terapêuticos ou receber atendimento psicológico individual entrem em contato com a Clínica Psicológica do Sedes (11) 3866 2736 / 3866 2735 ou pelo e-mail clinicatestemunhosedes@sedes.org.br”
Nem só de militares viveu a ditadura; confira lista de ruas, praças e escolas que usam nomes de empresários que financiaram o golpe
Nesta quinta-feira (13/8), às 9 horas, o prefeito de São Paulo, Fernando Haddad (PT-SP), lançará o programa Ruas de Memória. Organizada pela Secretaria Municipal de Direitos Humanos, a iniciativa pretende chamar a atenção para nomes de ruas da cidade que homenageiam agentes da repressão do Regime Militar brasileiro. Uma série de projetos de Lei será proposta na Câmara Municipal dos Vereadores para que os logradouros sejam rebatizados.
Elevado Costa e Silva, o Minhocão, homenageia presidente que promulgou AI-5 e fechou Congresso Nacional
No entanto, apesar dos esforços de reparação feitos pela administração municipal, nem só de militares viveu a ditadura. Antes, durante e depois do golpe que depôs o presidente João Goulart, não foram poucos os empresários que participaram ativamente da elaboração, construção e sustentação do regime de exceção. Como reconhecimento pelos esforços, muitos seriam homenageados com seus nomes em placas de ruas, praças e até mesmo escolas.
Um dos exemplos mais famosos é o do dinamarquês Henning Albert Boilesen, presidente do grupo Ultra durante a Ditadura Militar, morto por um comando da ALN (Ação Libertadora Nacional) e do MRT (Movimento Revolucionário Tiradentes) no dia 15 de abril de 1971, na alameda Casa Branca, nos Jardins, bairro nobre de São Paulo. Boilesen foi assassinado após vários presos políticos terem relatado sua participação em sessões de tortura que ocorriam na Oban (Operação Bandeirantes), centro de repressão política localizado na rua Tutóia, na Vila Mariana, zona sul da cidade. Alguns presos diziam, inclusive, que o empresário trouxera dos Estados Unidos uma máquina especial para dar choques elétricos, que ficou conhecida como pianola Boilesen.
Dois anos após a morte do empresário-torturador, no dia 3 de abril de 1973, a então prefeitura de São Paulo, comandada por José Carlos Figueiredo Ferraz, homenageou o empresário dinamarquês com o nome de uma rua no bairro do Jaguaré. Boilesen não ajudava a Oban apenas com máquinas de tortura, ele ajudava no financiamento sistemático do aparelho repressivo montado para combater os resistiam à ditadura, pedindo dinheiro a outros empresários. Seu envolvimento com a ditadura era antigo. Ao lado de muitos empresários paulistas, Boilesen ajudou a financiar tanto o golpe em março de 1964 como a montagem do aparelho repressivo da ditadura.
Empresários golpistas
Reunidos em torno de uma entidade privada, o Ipês (Instituto de Estudos e Pesquisas Sociais), e da Fiesp (Federação das Indústrias do Estado e São Paulo), os empresários paulistas passaram conspirar contra o governo de João Goulart logo nos seus primeiros dias de governo. Em suas memórias, o marechal Cordeiro de Farias conta que ajudou a reunir o grupo, pensando na grande capacidade de mobilização industrial que já havia sido conseguida durante a revolução de 1932. Essa mobilização de empresários, além das reuniões em que se discutiam as políticas do governo e as eventuais mudanças pós-golpe, também implicava no recolhimento de verbas para as despesas da “revolução”.
Esse dinheiro, que vinha de diferentes formas direto do caixa das empresas, foi arrecadado para que tudo fosse perfeitamente organizado tanto para a conspiração como para os dias do golpe propriamente dito. Era preciso comprar bilhetes de avião, reservar hotéis, pagar refeições, comprar armas e alugar um quartel-general. Segundo relato de Paulo Egydio, ex-governador paulista, o QG ficava no Pacaembu e tinha duas saídas para ruas diversas.
O clima de desestabilização do governo Jango também foi cuidadosamente pensado com a contratação de uma assessoria de imprensa para pautar os jornalistas contra o governo constitucional. Livros, entrevistas, programas de televisão e outros diversos tipos de veículos de comunicação eram mobilizados para dar a impressão de que o governo estava à beira de um colapso.
Como aconteceu com Henning Albert Boilesen, esse apoio do empresariado ao golpe e a ditadura militar foi largamente recompensado pelo poder público. Muitos dos empresários que conspiraram para a derrubada do governo constitucional de João Goulart e depois contribuíram para a montagem de seu aparelho repressivo mais cruel, a Oban, foram homenageados com seus nomes estampados em logradouros públicos.
Em um primeiro levantamento, percebemos que a cidade de São Paulo tem pouco mais de 20 lugares com nomes de empresários que apoiaram a ditadura. São locais como a Av. Luiz Dumont Villares, na zona norte da capital, homenagem ao industrial do ramo de metalurgia que fez parte do Conselho Orientador do Ipês e que aparece na lista de empresas doadoras para o GPMI (Grupo Permanente de Mobilização Industrial) da Fiesp, criado logo após o golpe para organizar as demandas das empresas paulistas.
Outros nomes de ruas e praças também tiveram ativa participação no Golpe Militar, como Humberto Reis Costa, que se tornou uma praça em Sapopemba; Jaime Pinheiro de Ulhoa Cintra, membro da Escola Superior de Guerra, que deu nome a outra praça, em Pirituba. No Lauzane Paulista, uma travessa recebeu o nome do advogado Trajano Puppo Netto. Todos, sem exceção, conspiraram e fizeram doações para derrubar o governo de Jango.
Escândalos financeiros
Também é o caso da Escola Estadual Engenheiro Octavio Marcondes Ferraz (1886–1990), perto da av. Itaquera. O engenheiro elétrico foi o responsável por uma das maiores negócios dos primeiros meses da ditadura: a venda da Amforp para o governo brasileiro. Empresa de energia norte-americana responsável pelo abastecimento de grande parte dos Estados Unidos, a Amforp andou no vermelho por anos, não fazia os investimentos necessários para aumentar a rede e, por conta disto, não conseguia dar conta do consumo que crescia no país. O governo norte-americano queria se livrar do problema e ainda pressionar o Brasil a pagar um preço abusivo por uma massa falida.
O preço pedido pelos Estados Unidos era considerado absurdo e o governo de João Goulart vinha levando a questão calmamente, negociando valores e juros. Tanto Carlos Lacerda, governador do Rio de Janeiro, como Magalhães Pinto, governador de Minas Gerais, ambos apoiadores do golpe, eram contra a estatização a Amforp. De nada adiantaram as reclamações dos governadores e a gritaria na imprensa.
Em novembro de 1964, poucos meses após o golpe, depois de uma extensiva troca de telegramas com os Estados Unidos, a Amforp foi estatizada pelo preço que americanos queriam. Foram pagos 135 milhões de dólares pelos bens da empresa, além do pagamento de 10 milhões de dólares como compensação do atraso e 7,7 milhões de dólares aos juros e dividendos. Quem cuidou da negociação com os americanos foi, justamente, o engenheiro Octavio Marcondes Ferraz.
Outras ruas também têm seus nomes ligados a escândalos financeiros durante a ditadura. É o que ocorreu com Fuad Lutfalla, sogro do Paulo Maluf (pai de Silvia, sua mulher), que hoje dá nome a uma avenida na Lapa. Participante de primeira hora do Ipês, Fuad conspirou ativamente para derrubar Jango. A família Lutfalla possuía uma grande fábrica têxtil em São Caetano — o próprio Fuad foi eleito o “empresário têxtil de 1967”. Anos depois, em meados da década de 1970, as empresas Lutfalla estavam praticamente falidas. Paulo Maluf, presidente da Caixa Econômica Federal entre 1967 e 1969 e depois prefeito de São Paulo, entre 1969 e 1971, intercedeu politicamente para conseguir um empréstimo junto ao BNDE, o então Banco Nacional de Desenvolvimento, por meio do então Ministro de Planejamento, João Paulo dos Reis Veloso (ele passou por dois governos militares, o de Medici e o de Geisel). Todos os pareceres, tanto do banco como do próprio governo, eram contra o empréstimo, que acabou saindo em 1977. Dois anos depois, Maluf foi eleito, indiretamente, governador do Estado. A empresa foi à falência, e os recursos do BNDE, perdidos. O inquérito para apurar o caso está obstruído pela Justiça até hoje.
Na Vila Nova Conceição, Luís Eulálio de Bueno Vidigal (1911–1995) dá o nome a uma praça perto da avenida Hélio Pellegrino. Luís Eulálio foi dirigente da empresa Cobrasma (Companhia Brasileira de Metais Ferroviários), em Osasco, durante a Ditadura Militar, sendo eleito presidente da Fiesp em 1980. Palco de uma das greves mais combativas contra o regime militar, a paralisação da Cobrasma deu o tom sombrio ao movimento sindical dos anos posteriores. No dia 16 de julho de 1968, mais da metade dos funcionários da Cobrasma parou de trabalhar. Entre várias reinvindicações estava o protesto explícito contra a Ditadura Militar. Outras empresas da região aderiram à paralisação, como a Braseixos, a Fósforos Granada e a Lonaflex e a notícia de uma greve contra a ditadura se espalhou pelos jornais de São Paulo. Os grevistas haviam tomado a fábrica. A repressão foi rápida e violenta, com 1.000 soldados invadindo o local e mais de 300 operários presos. Os líderes das graves foram presos e sofreram torturas. Luís Eulálio, na direção da empresa, apoiava em seu escritório a repressão dos movimentos aos trabalhadores.
Mas a história da família Bueno Vidigal não se resume apenas na repressão à greve dos trabalhadores da Cobrasma em 1968. Luís Eulálio é um dos irmãos mais velhos de Gastão Eduardo de Bueno Vidigal, diretor-presidente do Banco Mercantil, instituição fundada por seu pai Gastão Vidigal, nome de uma importante avenida na Vila Leopoldina. Gastão Eduardo foi um dos banqueiros mais envolvidos na montagem da estrutura repressiva da ditadura, a Oban. Entre agosto e setembro de 1969, ele convidou diversos empresários da cidade para um almoço no Clube São Paulo onde recolheu o dinheiro que serviria para comprar alguns dos equipamentos que montariam a Oban. Na reunião, e em várias outras que se seguiram, estava presentes tanto Pery Igel, presidente do grupo Ultra, como Henning Albert Boilesen.
Lista de logradouros
Numa pesquisa inicial que levantou 180 empresários que financiaram a implantação da ditadura em 1964, descobriu-se que 21 homens-fortes do regime militar se tornaram nomes de lugares públicos na cidade de São Paulo — abaixo, listamos 12 dos mais conhecidos. Outros quase 50 se transformaram em logradouros públicos no Estado.
A pesquisa foi feita nos últimos dois anos por uma equipe de dois historiadores e três jornalistas, que cruzaram informações de livros, jornais da época, documentos, entrevistas, ganhadores da medalha pelo regime, membros de instituições que abertamente apoiavam o regime, agências de publicidade e políticos que ajudaram a derrubar Jango. Foi montada uma tabela com os nomes dos empresários mais envolvidos na repressão e, a partir daí, chegou-se aos nomes dos empresários haviam se tornado nome de rua, avenida, praça, travessa ou escola e que participaram ativamente da ditadura.
Não foram considerados nomes de parentes ou afiliados na pesquisa. A mãe de Paulo Maluf, Maria Maluf, que se tornou um túnel em 1994 e que faz a ligação da av. Bandeirantes com a av. Tancredo Neves, por exemplo, está de fora do levantamento. Assim, as citações em seguida ficaram restritas aos empresários que estiveram pessoalmente envolvidos com a ditadura e não suas mães, avós, mulheres, pais, primos ou irmãos, que também nomeiam logradouros públicos.
Empresário dinamarquês, Boilesen foi um dos articuladores do golpe militar
Presidente da Ultragás durante a Ditadura Militar, Boilesen é o caso mais conhecido de empresário que frequentava os porões (ver o documentário Cidadão Boilesen). A empresa emprestava caminhões que participaram de emboscadas e sequestros de militantes de oposição.
Luiz Dumont Villares (1889–1979) integrou o Conselho Orientador do Ipês e a diretoria da Fiesp. Depois do golpe, continuou atuante no Ipês, fortaleceu o contato com thinks tanks internacionais, especialmente norte-americanos.
Octavio Marcondes Ferraz (1886–1990) integrava o Conselho Orientador e o Grupo Especial de Conjuntura do Ipês — e mais dois outros grupos de trabalho do instituto. Após o golpe, acertou a compra da Amforp pelo governo brasileiro — negócio ao qual João Goulart resistiu até o fim de seu governo.
Rui Gomes de Almeida era do Conselho Orientador, do Conselho Diretor e do Grupo de Estudos e Ação do Ipês. Também integrava a Associação Comercial do Rio de Janeiro e nessa condição cedeu o espaço e participou da fundação do instituto.
Luís Eulálio Bueno Vidigal presidia a Cobrasma, de Osasco, em 1968, epicentro de uma das greves mais duramente reprimidas pela ditadura. Presidiu a Fiesp nos anos 1980. Seu irmão, Gastão Vidigal, é apontado como um dos principais articuladores do “caixinha” que alimentou a Oban (Operação Bandeirante) em 1969.
Humberto Reis Costa foi diretor da Fiesp e do Ciesp. Em 1963, em sua casa, na praça Roosevelt, teria sido organizada uma reunião de industriais que conspiravam contra Jango: “A realização de uma reunião na residência de um senhor de nome Humberto Reis Costa, na praça da Roosevelt, com mais de 60 industriais paulistas, na qual Adhemar convocava-os a fornecerem recursos para uma caixinha que tinha como intuito adquirir três mil caminhões para dar ampla mobilidade a tropas do Estado de São Paulo, inclusive armando-os, a fim de defender a legalidade, a ordem ameaçada em nosso país…”, denunciou, na tribuna da Câmara dos Deputados, em 29 de maio de 1963, o líder do governo em exercício, deputado Bocayuva Cunha (PTB-GB).
José Bento Ribeiro Dantas foi do Conselho Orientador Nacional e do Conselho Orientador do Ipês. Também integrava o Centro das Indústrias do Rio de Janeiro. Dirigia a companhia de aviação Cruzeiro do Sul, uma das principais financiadoras do instituto.
Paulo de Assis Ribeiro integrou o Grupo de Estudos e Ação e o Grupo de Informação do Ipês. Fez o plano de “reforma agrária” adotado pela ditadura após o golpe. Colecionou uma grande quantidade de documentos do Ipês. Esses papeis integram o acervo do Arquivo Nacional.
Trajano Pupo Neto integrava a AmCham (American Chamber, a Câmara de Comércio Brasil-Estados Unidos), que colaborava na organização das contas do Ipês e no fluxo de recursos pró-golpe vindos do exterior.
Outro integrante do Conselho Orientador do Ipês e do Grupo de Informação do instituto. Empresário do ano em 1967, o grupo de Fuad Lutfalla foi à falência, mas não sem antes receber um polpudo e mal explicado empréstimo do BNDE graças à intervenção política de Paulo Maluf, seu genro.
Sócio de Roberto Simonsen na Companhia Bandeirantes de Seguros Gerais, Nadir Dias Figueiredo não integrava formalmente nenhuma instituição de classe em 1964 e não fazia parte do Ipês. “Dono de um sorriso enigmático, fala mansa e sempre a bordo de um terno escuro, elegeu todos os presidentes da Fiesp por três décadas, até 1980”, resumiram assim sua influência na entidade os jornalistas Chico Otávio e José Casado, de O Globo, em reportagem que explica os elos da Fiesp com a Oban.
BIBLIOGRAFIA
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Dreifuss, René. 1964 — A conquista do Estado. 5ª Edição. Petrópolis: Vozes, 1987.
Esteves, Carlos Leandro da Silva. “O agrarismo ipesiano nos projetos de Paulo de Assis Ribeiro”. Saeculum — Revista de história, nº 26. João Pessoa, jan./jun. 2012
Gaspari, Elio. A ditadura escancarada. São Paulo: Companhia das Letras, 2002.
Melo, Jorge José de. Boilesen, um empresário da ditadura — a questão do apoio do empresariado paulista à Oban/Operação Bandeirantes — 1969–1971. Niterói: UFF, 2012.
Ramírez, Hernán Ramiro. “A ditadura fala? Reflexões sobre os testemunhos orais através de entrevistas concedidas por Ernesto Geisel e Jorge Oscar de Mello Flôres”. Revista Tempo e Argumento. Florianópolis, v. 2, n. 1, p. 21–51, jan. / jun. 2010.
Os primeiros mortos da ditadura civil-militar tinham ainda a lembrança do discurso de João Goulart para mais de um milhão de pessoas.
O primeiro dia do mês de abril é conhecido como o dia da mentira. Mas 1º de abril de 1964 não se trata de uma mentira na história do Brasil. Nenhuma anedota inocente deixaria 434 mortos e desaparecidos — conforme relatório final da Comissão Nacional da Verdade -, transformaria a tortura em prática estatal, cercearia a liberdade de imprensa, cassaria mandatos de opositores, censuraria músicas, filmes e peças de teatro e manteria uma lista de livros proibidos.
Para muitos, ventos golpistas começaram a soprar dez anos antes. Em 24 de agosto de 1954, Getúlio Vargas não viu outra saída para o cenário em que se encontrava completamente isolado politicamente e envolto em uma tentativa de assassinato a não ser dar um tiro no próprio peito.
Depois disso, três presidentes ocuparam interinamente a Presidência da República até o mineiro Juscelino Kubitscheck colocar em prática o seu ousado plano de 50 anos em cinco. Responsável pela idealização da moderna capital federal no centro do país, JK ainda é considerado símbolo de um governo moderno. O país estaria pronto para um salto para o progresso?
Nas eleições de 1960, a população transmitiu sua opinião diante de um quadro eleitoral confuso. Elegeu o candidato oposicionista Jânio Quadros para a sucessão de JK. O vice, no entanto, que também era eleito por voto popular, seguiu sendo o mesmo: João Goulart, o Jango.
O mandato de Jânio foi breve. Talvez já ouvindo o som do avanço dos militares, renunciou menos de oito meses após a posse. A partir do dia 7 de setembro de 1961 o trabalhista João Goulart assumiu a Presidência.
Mais de um milhão na central do Brasil pelas reformas estruturanes de Jango. Foto: Divulgação
A marcha dos golpistas estava cada vez mais perto quando Jango propôs um ousado programa de metas que visava, enfim, refundar o país. Na reforma agrária, previa expandir os direitos dos trabalhadores da cidade até o campo e desapropriação da terra que não cumprisse sua função social. Na educação, queria expandir o método Paulo Freire, que dava voz ativa aos oprimidos no processo de alfabetização. Na economia, propôs limitar a remessa de lucros das empresas estrangeiras. Também pensou em devolver o Partido Comunista Brasileiro à legalidade e estender o direito a voto aos analfabetos. Os militares, porém, acharam que Jango estava indo longe demais.
Reforma agrária, a primeira vítima
Foi no campo que as primeiras mortes da ditadura militar aconteceram. Mais precisamente no interior de Minas Gerais. O sonho da reforma agrária foi o primeiro que a ditadura militar tratou de pegar pelo pé e jogar no chão
No dia 13 de março de 1964, da Central do Brasil — no Rio de Janeiro — Jango falou ao Brasil mais profundo. Reunindo mais de um milhão de pessoas na capital carioca, o presidente destacou as ameaças à democracia. Não era o povo nas ruas, como faziam crer os defensores da tradição, família e propriedade. A verdadeira ameaça era quem, nas palavras do presidente, se mostram “surdos aos reclamos da nação pelas reformas de estrutura, principalmente a reforma agrária”.
Em algum rádio de pilha no interior de Minas Gerais sua voz ecoou na cabeça de três sonhadores: Paschoal Souza Lima, Otávio Soares da Cunha e seu filho Augusto Soares de Lima. Os três defensores da reforma agrária foram os primeiros mortos da ditadura militar.
Paschoal não chegou a ver nenhum dia do período obscuro que atingiu o Brasil por 21 anos. No dia 30 de março de 1964, estava reunido com lideranças do Sindicato dos Trabalhadores da Lavoura em Governador Valadares quando foi morto com um tiro na testa. Não há foto dele nos registros da Comissão Nacional da Verdade.
Na época, João Pinheiro Neto era superintendente da Supra — Superintendência da Reforma Agrária — e entregaria na cidade as primeiras terras aos colonos cadastrados no sindicato. Por conta do clima político a solenidade foi cancelada. Os fazendeiros da região, reunidos em milícia para evitar qualquer tentativa de democratização de suas terras, cercaram e metralharam a sede do sindicato.
Augusta e Otávio Soares de Lima: a reforma agrária sofreu o primeiro golpe — Foto: CNV
O clima de “caça aos comunistas” já estava presente desde o primeiro momento daquele regime de exceção. Tanto que, dois dias depois, no primeiro dia do governo Castelo Branco, a mesma cidade de Governador Valadares foi novamente palco de duas mortes: Otavio Soares da Cunha e seu filho Augusto Soares da Cunha.
Também defensores da reforma agrária na região, ambos foram surpreendidos na frente de casa por fazendeiros que agiram em nome do Estado brasileiro. Augusto morreu na hora. O pai dele chegou a ser socorrido, mas faleceu três dias depois.
A família Soares conseguiu que se abrisse um inquérito para a investigação da morte de ambos, mas a Justiça Militar absolveu os acusados por “estarem trabalhando em nome da revolução” para os “batalhões patrióticos”. Os patriotas defensores do verde-e-amarelo vestiam verde-oliva a partir daquele dia primeiro de abril.
Estudantes como alvos
Bem longe dali, na capital pernambucana, estudantes tomavam conhecimento de que teriam que lutar para que a democracia retornasse ao Brasil. A sede do governo pernambucano, o Palácio Campo das Princesas, foi cercada pelo Exército que exigia a renuncia do então governador Miguel Arraes. Para “não trair a vontade dos que os elegeram”, Arraes se recusou a deixar o cargo, só saindo do palácio preso.
Jonas e Ivan: Mortos por defender o governo eleito — Foto: CNV
Automaticamente, estudantes ocuparam a Faculdade de Engenharia do Recife quando o Exército invadiu o prédio e expulsou todos. Nas ruas para defender o governador eleito e alertando a população contra o golpe militar que estava acontecendo, o grupo queria chegar até o palácio do governo. No caminho, foram surpreendidos por um piquete de militares que atirou para o alto. Os estudantes não se intimidarem e começaram a lançar pedras e cocos contra o grupo, que respondeu fazendo vários disparos em direção ao piquete. Desse confronto acabaram saindo dois mortos: Jonas José de Albuquerque Barros, de 17 anos; e Ivan Rocha Aguiar, de 23.
O primeiro desaparecimento político
Uma prática comum na ditadura brasileira era o desaparecimento de corpos. Ari de Oliveira Mendes foi o primeiro dos 210 cujos restos mortais nunca foram encontrados. Labibe Elias Abduch foi a primeira estrangeira. A primeira mulher. A primeira mãe
Nada se sabe sobre Ari nas 1996 páginas do volume dedicado aos mortos e desaparecidos políticos da Comissão Nacional da Verdade. Nem data de nascimento, nem pai, nem mãe. Labibe era dona de casa, natural da Síria, e foi pra rua como uma mãe preocupada em saber sobre seu filho que estava no Rio Grande do Sul.
Populares cercaram e tentaram invadir o clube militar carioca e foram reprimidos a bala. De acordo com o relatório da Comissão Nacional de Verdade, ambos vieram a óbito no Hospital Souza Aguiar. A edição do dia 2 de abril de 1964 do jornal carioca “O Globo” celebrava triunfante na capa: “ressurge a democracia!”.
Paschoal, Otavio, Augusto, Jonas, Ivan, Ari e Labibe morreram acreditando. Morreram sem ver no que se transformaria a ditadura que estava recém-parida naquele dia da mentira. Mas a história mostrou que tinham razão. Não há motivo maior de sair as ruas do que devolver a voz ao povo.