Jornalistas Livres

Categoria: LGBT

  • Transfobia e assédio moral na Casper Líbero

    Transfobia e assédio moral na Casper Líbero

    O homem trans Samuel Silva, 22 anos, foi expulso da faculdade Casper Líbero, onde cursava o 3° ano de Publicidade e Propaganda, depois que postou em seu perfil no Facebook uma crítica ao método utilizado pela professora de Redação Publicitária Marina Negri. Autora do livro “Contribuições da Língua Portuguesa para a Redação Publicitária” (Ed. Learning), Marina exibiu um filme em inglês — sem legendas – como subsídio para uma prova bimestral. Após a crítica, a professora enviou um email para toda a classe em que dizia:

    “Tenho a dizer que, das quatro turmas de PP, Samuel Silva foi o único aluno universitário que não teve capacidade de assimilar um áudio com sonora em Inglês, narrado lentamente, em linguagem cotidiana, de um filme de 30. Foi o único aluno a se sentir ‘colonizado’ por meio dessa solicitação. Foi o único aluno a não compreender o enunciado da questão que tratava de um comercial premiado, e era fundamentada por um texto base oferecido como consulta a todos. Talvez lhe falte repertório, talvez lhe falte domínio de idiomas, talvez lhe falte o que fazer, mas o fato é que ele transformou suas peculiares características intelectuais em vitimização moral.”

    Ao expor seu aluno diante de toda a classe, questionando sua capacidade intelectual, a professora Marina deu espaço para que outras agressões transfóbicas tomassem corpo na Faculdade Casper Líbero, que não adere a programas sociais inclusivos e cobra mensalidade de R$ 1.708,46. Em uníssono, tod@s @s colegas de classe (exceto uma) apoiaram a professora, gerando um clima insustentável e desestabilizando emocionalmente o Samuel, que já tinha empreendido uma intensa batalha pelo respeito ao seu nome social. Ele ficou isolado e foi intensamente hostilizado por meio de mensagens de ódio privadas, como:

    “me julgue machista, eu quero é mais que voce se foda, mas se voce quer tanto ser homem, trate de agir como um, e nao digo isso me referindo ao moldes de homem e mulher que voce tanto insiste em pintar em nós, seus colegas, mas sim homem no fato de assumir teus erros, assumir as merdas que voce fala e seguir em frente cara, pq la fora, ninguem vai ter dó de voce não mermão, muito pelo contrario, vão te come vivo. então CRESCE E VE SE NÃO ME TORRA.”

    Nome social

    O uso do nome social por transexuais é um direito conquistado. Ignorar esse direito é um profundo desrespeito. Foi o que aconteceu nos dias que se seguiram na faculdade. O coordenador da classe, Walter Freoa, começou a chamá-lo no feminino para “provocar”, como ele mesmo assumiu. Houve uma discussão, Freoa alegou ter sido fisicamente agredido por Samuel, que saiu nervoso esbarrando nele.

    1-KnMD3zjZTN5HwhPoBwd0rwO diretor da Casper Líbero, Carlos Roberto da Costa, publicou no dia 09.10 em seu perfil no Facebook um comunicado em que informa a transferência de Samuel, o desligamento da professora “entendendo má condução e má postura ao expor o aluno perante a classe e por alimentar a divulgação dos fatos decorrentes, mesmo após orientação de aguardar o resultado da sindicância para se manifestar”, e a remoção da função de coordenador de Freoa, o designando como docente.

    “Houve, nos últimos dias, uma série de desencontros nas informações, amplamente divulgadas pelo aluno. Em grande parte das publicações, o aluno insulta a Faculdade com ameaças e com discurso de vingança…Ainda que tenha havido desentendimento entre o aluno e a professora, nada justifica a agressão física do aluno contra o coordenador do curso. Por isso, a instituição comunica a transferência compulsória do aluno para uma instituição que o atenda.”

    Agressões recorrentes

    O comunicado da Fundação Cásper Líbero termina dizendo que “decisões como esta são sempre difíceis, mas necessárias para assegurar que a Cásper Líbero continue sendo um ambiente acolhedor e respeitoso.”

    Porém, a faculdade tem sido palco de sucessivos episódios de preconceito e violência. Em fevereiro de 2012, um calouro foi preso com fitas adesivas a um poste na Avenida Paulista. Meninas também foram obrigadas a simular sexo oral com pepinos e bananas. Nenhum desses abusos gerou reação da instituição.

    Travestis, mulheres transexuais e homens trans têm grande dificuldade em permanecer na escola justamente por causa desse tipo de perseguição e humilhação a que Samuel foi vítima. Ele é uma das poucas pessoas trans que conseguiram chegar na universidade.

    “Eu penso em desistir da faculdade, do meu sonho, da minha talvez única chance de não passar o resto da minha vida no gueto social. Porque a faculdade não foi feita para as pessoas transexuais, não foi feita para as travestis. É isso o que acontece quando a gente chuta a porta do cis-tema e entra com a cabeça erguida e ocupa espaços… Nós somos humilhados, diminuídos, expulsos. A chutes e patadas”, declara Samuel.

    A Frente LGBT+ Casperiana fará hoje (13/10) o ato “Ocupa Casper”, em apoio ao estudante Samuel Silva. A ideia é discutir a transfobia na instituição de ensino. Leia aqui a nota da frente em favor de Samuel.

    Leia, a seguir, o posicionamento de Samuel Silva após decisão da faculdade:

    “Acabei de sair da reunião da comissão que a faculdade criou da cabeça deles, com as pessoas que eles decidiram arbitrariamente, para decidir se eu agredi ou não o professor coordenador do meu curso. Vou chamar aqui de “comissão da verdade”, ironicamente.Quero dizer, a comissão não está nem ai em julgar se o professor me agrediu antes, se a professora me expôs e me ofendeu antes de tudo isso, não. Isso não importa né. O fato dessa FACULDADE DE MERDA, e é sim uma faculdade de merda, ser transfóbica, ninguém liga.

    Atentemos ao fato de que é uma faculdade de comunicação, onde um aluno transexual não pode emitir uma singela opinião sobre uma prova sem ser massacrado por uma professora, seguido por uma agressão de um coordenador, depois ser desnecessariamente exposto em uma comissão arbitraria. E ainda dizem que não são transfóbicos? Muito engraçado. Muito, muito engraçado.”

    “Enquanto os alunos da minha classe ficam com dó da professora elitista por causa de alguns comentários na internet… Eu penso em desistir da faculdade, do meu sonho, da minha talvez única chance de não passar o resto da minha vida no gueto social. Porque a faculdade não foi feita para as pessoas transexuais, não foi feita para as travestis. É isso o que acontece quando a gente chuta a porta do cis-tema e entra com a cabeça erguida e ocupa espaços… Nós somos humilhados, diminuídos, expulsos. A chutes e patadas. A cada dia que passa… A cada manhã que eu acordo e me visto cuidadosamente para parecer uma pessoa cis, a cada passo que dou em direção àquela faculdade, àquele antro de hipocrisia, onde pouquíssimas pessoas de fato não me tratam como uma aberração, me sinto pior e pior. Ali não é o meu lugar, eu não sou bem-vindo. Sinto falta do meu mundo, dos meus amigos, sinto falta… Acredito que ninguém na faculdade inteira é capaz de entender pelo que eu passei e passo e eu nem espero que entendam, mas eu esperava um pouco de empatia talvez…

    Aqui muitos podem dizer que faculdade é para estudar não para fazer amigos… Isso não é verdade, isso não é verdade para todas as pessoas cis, porque que tem que ser verdade para mim? É muito duro entende? É muito solitário… estou tão cansado de me sentir excluído e discriminado.”

  • Haddad perde a chance de se tornar mito na comunidade LGBT

    Haddad perde a chance de se tornar mito na comunidade LGBT

    Haddad perdeu a oportunidade de se tornar o prefeito mais preocupado com a vulnerabilidade da comunidade LGBT, ao sancionar sem vetos, no último dia 17 o Plano Municipal de Educação de São Paulo, que excluiu, por 42 votos a favor e 2 contra, das grades escolares o debate democrático sobre questões de gênero e orientação sexual.

    Em discurso, o prefeito afirmou que o 1° Plano Municipal de São Paulo “é certamente o mais avançado do país”.

    De concreto, será aumentado o orçamento da educação dos atuais 31% para 33%; haverá a diminuição de 15% a 20% de alunos por classe. E pretende-se zerar a fila de crianças à espera de vaga numa creche.

    Sem dúvida nenhuma, Fernando Haddad até o momento é o prefeito que mais realizou políticas públicas para a comunidade LGBT, em especial para Travestis, mulheres transexuais e homens trans:

    1. Inaugurou no dia 10 de outubro de 2014 o Centro de Acolhida Zacki Narchi para atendimento da população em situação de rua LGBT. A unidade recebe a população à noite, com alimentação, banho, dormitório e café da manhã, e ainda inclui um serviço de vans que recolhe os usuários pelo centro de São Paulo.
    2. No dia 31 de outubro de 2014, Haddad priorizou gays em situação de violência, travestis moradores em albergues e índios na fila para serem beneficiados com unidades do Programa ‘Minha Casa Minha Vida’ construídas no município de São Paulo.
    3. Em 27 de março de 2015, o prefeito inaugurou o Centro de Cidadania LGBT que oferece auxílio psicológico e jurídico para a comunidade com o objetivo de auxiliar quem sofreu algum tipo de violência ou está em situação de vulnerabilidade social.
    4. Em 29 de junho foi inaugurada a Unidade Móvel vinculada ao Centro de Cidadania que fica no Arouche de quinta a domingo das 18 às 23hs para atender vítimas de homotransfobia.
    5. No dia 27 deste agosto foi inaugurado um cursinho popular voltado exclusivamente para travestis e transexuais, com aulas ministradas pelo coletivo TRANSformação direcionadas para o Enem (Exame Nacional do Ensino Médio).
    6. Mas o seu mais valoroso projeto é sem dúvida nenhuma o Transcidadania, lançado em 29 de janeiro desse ano, no dia Nacional da Visibilidade Trans. O programa, que disponibiliza uma bolsa de R$ 840 para 100 pessoas travestis e transexuais voltarem a estudar, vai completar 9 meses com apenas 10% de evasão escolar. Devido ao sucesso, mais 50 vagas deverão ser disponibilizadas, o que é bem pouco diante de uma população estimada em torno de 4.000 pessoas Ts, a maior parte em situação de rua vivendo da prostituição e de subempregos. Tod@s @s bolsistas do Transcidadania foram expuls@s de casa e 61,3% não concluíram o ensino fundamental. A metade vive em albergues e prédios invadidos e 63% são negras e pardas entre 31 e 40 anos.

    Mas Haddad e o PT perderam a oportunidade de constituir para São Paulo, a maior cidade da América do Sul e a quarta do mundo, o mais avançado e inclusivo Plano Municipal de Educação do Brasil. A filósofa feminista Judith Butler, que esteve recentemente no Brasil, cravou com sabedoria: “Não existe justiça social com discriminação de gênero.”

    O Transcidadania é um projeto extraordinário mas é só um redutor de danos, resgatando pessoas travestis e transexuais em situação de rua, que chegaram a essa situação de vulnerabilidade e exclusão social porque não tiveram a oportunidade de permanecer numa escola onde todas as formas de discriminação e violência de gênero são reproduzidas e repetidas cotidianamente. Pessoas LGBTs, em especial travestis, mulheres transexuais e homens trans, dificilmente conseguem permanecer em ambientes escolares homotransfóbicos, quando não são expuls@s de casa no começo da adolescência. E o Transcidadania só está tratando dos efeitos dessa situação de violência e discriminação que começa nos ambientes escolares brasileiros.

    Para atacar a origem da homotransfobia nas escolas, seria necessário que Haddad tivesse tido a coragem do gesto grandioso do veto a um Plano Municipal de Educação que foi sufocado e mutilado pelo moralismo inquisitorial dos setores ultra conservadores da igreja católica. Teria coroado sua trajetória de atenção à comunidade LGBT com a coerência que um grande político deve ter para marcar seu nome de forma indelével na História.

    Deveria ter feito isso, mesmo que seu veto fosse depois derrubado pelos políticos covardes que preferem ceder a pressões fundamentalistas do que representar todos os segmentos da população. A inserção de informações sobre identidade de gênero e orientação sexual é fundamental para a criação de dispositivos contra a homotransfobia, e propiciaria um ambiente mais respeitoso e acolhedor para pessoas que não estão enquadradas nos modelos tradicionais hegemônicos de homem e mulher cisgêneros.

    Sobre a histeria católica que conseguiu pressionar os vereadores de todos os municípios brasileiros para que fossem retiradas referências à identidade de Gênero e orientação sexual, a socióloga e professora da UFRGN Berenice Bento declarou: “Eu acho que não é a questão do gênero, acho que é uma questão muito específica relacionada com as pessoas travestis e transexuais, esse ódio, porque quem pauta a identidade de gênero na educação são as pessoas trans. Os conservadores percebem que além do “problema” da homossexualidade, talvez haja outro pior que é discutir a idéia de que “não se nasce homem, não se nasce mulher…torna-se”(citação de Simone de Beauvoir no livro ‘O segundo sexo’). Para Berenice essa vitória dos católicos não representa muita coisa porque a articulação política da comunidade de travestis, mulheres transexuais e homens trans, apesar de todas as limitações, avançou muito a ponto de hoje existirem muitas pesssoas Ts dentro da academia como professores.

    “Não está mais nos planos municipais, estaduais e nacionais…e aí? Você vai parar de fazer o seu ativismo? Eu não vou parar de escrever meus artigos, de entrar em salas de aula, fazer mostra de filmes, de fazer minhas pesquisas. Aparentemente é uma vitória deles mas as conquistas não têm retrocesso, pelo menos eu aposto que não! Vamos continuar a transformar nossa vulnerabilidade em ação política.” Berenice Bento

  • LGBTs dividem-se quanto à nomeação de Soninha para a Coordenação de Políticas para a Diversidade Sexual

    LGBTs dividem-se quanto à nomeação de Soninha para a Coordenação de Políticas para a Diversidade Sexual

     

    Soninha dá entrevista ao repórter Leo Moreira Sá, dos Jornalistas Livres

    A nomeação de Sonia Francine Gaspar Marmo conhecida como Soninha para a Coordenação de Políticas para a Diversidade Sexual (CPDS), ligada à à Secretaria da Justiça e da Defesa da Cidadania do governo estadual de São Paulo, substituindo a titular Heloisa Helena Cidrin Gama Alves, surpreeendeu a comunidade LGBT e dividiu opiniões. A polêmica girou em torno do fato de que uma pessoa hétero (Soninha) entrar no lugar de uma lésbica (Heloisa) às vésperas do dia da Visibilidade Lésbica (29).

    Profissional dedicada e muito querida pela comunidade LGBT, Heloísa Alves esteve na função por 4 anos e 3 meses e conquistou o respeito da maioria da militância e até mesmo de adversários políticos que reconhecem o seu comprometimento com a causa. Ela sofreu forte desgaste político entretanto em decorrência do seu envolvimento no caso Verônica Bolina, a travesti espancada por policiais nas dependências do 2° DP (https://www.facebook.com/jornalistaslivres/posts/299009370222947), mas ao que tudo indica não foi esse o motivo de sua destituição e sim uma transferência para outro cargo dentro do governo do Estado. Em um post de despedida em seu perfil do faceboock, Heloisa escreveu que irá continuar “na luta em prol da população LGBT, mas em outra trincheira”.

    A nomeação de uma pessoa cisgênera e heterossexual, como Soninha, causou certo desconforto em algumas pessoas LGBTs, que preferiam que o cargo fosse ocupado por alguém da comunidade. Abaixo a opinião de militantes:

    Marcia Balades da Liga Brasileira de Lésbicas: “Trata-se de um retrocesso sair a Heloisa e entrar a Soninha Francine que nem lésbica é, e ainda na véspera (do dia) da visibilidade lésbica (29.08). Mas isso é sintomático… As lésbicas são invisíveis no movimento LGBT, no movimento feminista, na sociedade, no trabalho, na família e agora mais que nunca no governo Alckmin. A Heloisa tem seus defeitos, mas tem um histórico na militância LGBT. Incrível como as pessoas são descartáveis quando não servem mais… Bom, espero que a Heloisa aprenda a não defender tanto o governo Alckmin.”

    Nicolle Mahier, articuladora social da Secretaria Municipal de Direitos Humanos de São Paulo: “Como dizia o Tiririca pior do que tá num fica, mas a Soninha pode surpreeender por ser de outro partido, o PPS, diferente do da Heloisa que dava uma passada de mão na cabeça da PM. Quem sabe ela afronte a PM ditatorial do Alckmin”.

    Renata Peron, presidente da CAIS (Associação Centro de Apoio e Inclusão Social de Travestis e Transexuais): “O fato da Soninha Francine ser uma mulher cis e hétero, para mim não tem problema algum, mas é muito complicado nomear alguém que não faz parte da comunidade LGBT. Apesar disso, Soninha será bem vinda se ela tiver competência para essa pauta, e vamos trabalhar juntas para que a nossa população, que vem sofrendo preconceitos e violências todos os dia, possa ter um pouco mais de dignidade e respeito.”

    Daniela Andrade, ativista transfeminista: “Não é necessário ser uma pessoa LGBT para assumir a CPDS porque há muitas pessoas héteros e cis que são bastante aliadas da causa LGBT. O grupo Mães pela Diversidade por exemplo, faz um brilhante trabalho de conscientização para a causa. Alguém diria que elas não deveriam fazer isso por não serem LGBTs? Pepe Vargas, o ministro da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República estaria impossibilidade de pensar em políticas públicas para pessoas em situação de rua por não estar em situação de rua? Para deficientes por não ser deficiente? Desconheço também que ele seja LGBT. Ter um homem gay no comando dessa secretaria significa que pode representar os gays, mas vai representar uma mulher transexual, por exemplo? A menos que colocasse lá uma pessoa que fosse ao mesmo tempo gay, lésbica, bissexual, travesti e transexual, só aí para representar toda a população. É preciso ser uma pessoa que lembre o que significa lugar de fala e legitimidade de espaço. Para se criar políticas para todas as pessoas representadas na sigla LGBT, é preciso ouvir as diferentes vozes dos grupos representados por essa sigla. Creio que o requisito fundamental para estar à frente de um cargo de coordenação de políticas LGBTs é a aderência que a pessoa tem à causa de direitos humanos. Sempre vi Soninha aderente à causa dos direitos humanos.”

    Em um post em seu perfil do FB, Soninha relata sua preocupação com a reação da comunidade LGBT à sua nomeação. Preocupava-a, principalmente, a reação da Daniela Andrade, considerada sua “guru” no “assunto trans”: “Depois de anos de militância, achei que já conhecia bastante o assunto, até participar com ela de uma roda de conversa e descobrir que não sabia da missa um terço (sem provocação religiosa rs). Que bom que ela não achou ruim… rsrs.”

    O estilo sóbrio de terninho e óculos de Heloisa Alves, deu lugar ao estilo despojado da nova coordenadora, Soninha Francine, que é vegana e budista. É formada em cinema pela ECA-USP e começou sua carreira como VJ da MTV, permanecendo na emissora entre 1990 a 2000. Em seguida foi pra TV Cultura apresentar um programa para a juventude mas acabou sendo demitida depois de declarar ser usuária de maconha numa entrevista concedida à revista “Época” em 2001. Começou a sua carreira política em 2004 como vereadora eleita pelo PT, seu partido até 2007 quando se desfiliou. .Em 2009 foi nomeada subprefeita na gestão de Gilberto Kassab. Em 2010 foi editora do site oficial da campanha de José Serra à Presidência da República. Em 2014 tentou sair como deputada federal pela coligação PSDB-DEM-PPS, mas teve sua candidatura impugnada pelo TRE devido à lei da Ficha Limpa. Soninha foi diretora técnica da Sutaco (Superintendência do Trabalho Artesanal nas Comunidades) que teve as contas relativas ao ano de 2011 rejeitadas pelo Tribunal de Contas do Estado.

     

     

  • Em nome de Deus, o Plano Municipal de Educação exclui mulheres e LGBTs

    Em nome de Deus, o Plano Municipal de Educação exclui mulheres e LGBTs

    Com 43 votos favoráveis e apenas 4 contra, vereadores de São Paulo aprovaram ontem (25) o texto substitutivo do Plano Municipal de Educação (PME) sem as referências às questões de gênero e orientação sexual. Todas as emendas paliativas (que buscavam uma redução dos danos causados pela exclusão de dispositivos que combatessem a homo-lesbo-bi-transfobia nas escolas) foram derrotadas em bloco. Jogaram o “tapetão” sobre as questões que afetam grande parte da população que não se enquadra em comportamentos ou identidades cisgêneras heteronormativas.

    A vereadora do PT Juliana Cardoso dessa vez peitou a bancada do seu partido e se posicionou contra o substitutivo, honrando a luta de tantas pessoas e instituições que se mobilizaram para que esse ato de autoritarismo e retrocesso democrático não acontecesse. Conseguiu com muito custo as 18 assinaturas (6 do PT e 12 de outros partidos) para que as suas emendas fossem apresentadas, na tentativa de preservar o mínimo de garantias às populações socialmente vulneráveis. E no final fez uma bela fala democrática na justificativa do seu voto. Abaixo, um fragmento do seu discurso:

    “Pela mentira que foi colocada e sustentada sobre ideologia de gênero, que não existe; por viver em um País republicano, laico, e por respeito principalmente ao artigo 5º da Constituição Federal; em respeito a todas as mulheres que ainda hoje são violentadas, agredidas e estupradas; pelas crianças, jovens e adolescentes discriminados no ambiente escolar; em respeito e solidariedade aos seres humanos e às pessoas e, principalmente à população LGBT que é discriminada, agredida e excluída do ambiente escolar…Meu voto é NÃO”.

    Cláudio Fonseca do PPS, Toninho Vespoli do PSOL e Netinho do PcdoB foram os outros guerreiros que também rejeitaram o substitutivo.

    Logo pela manhã, apesar da garoa fria, a ala católica começou o esquenta ocupando uma parte da rua em frente da Câmara Municipal com seu trio repleto de fiéis que se revezavam nas canções e discursos religiosos. A denominação predominante, a Renovação Carismática, era a mais ‘fervida’…no sentido de fervor religioso mesmo, com suas canções e rezas direcionadas para despertar a emoção dos fiéis. A Renovação é a ala da igreja católica que imita o jeitão dos cultos evangélicos, incluindo padres pops e bandas nas missas. O Brasil ainda é o país com mais católicos no mundo segundo o censo de 2010, com uma população de 123,3 milhões de fiéis.

    Quando o trio cedido pela Associação da Parada do Orgulho LGBT (APOLGBT) chegou, a batalha de “quem grita mais” começou com os lados se alternando na posição de vencedor. Mas nós, defensor@s do debate democrático dentro das escolas, estávamos em menor número… ainda não conseguimos mobilizar politicamente nossa comunidade que tem grande dificuldade em ir pra luta política. A APOLGBT enviou o carro, mas o público festivo das paradas não compareceu, infelizmente.

    Mas quem estava entrou na “festa do gênero”, rebolando ao som de Anita e Valesca Popozuda, pra indignação e desespero dos fiéis que se ajoelhavam e rezavam. Não pude deixar de pensar no filme “O nome da Rosa” baseado no livro de Humberto Eco que gira em torno da filosofia de Aristóteles sobre o poder do riso que afronta a carranca dos dogmas religiosos. No filme, que se passa dentro de um mosteiro, as pessoas que entravam em contato com os livros aristotélicos, sempre trancados numa biblioteca secreta, morriam de forma misteriosa. É um belo painel sobre a idade média.

    Nunca se viu a igreja católica, que tem a tradição de não se expor e agir diplomaticamente na defesa de seus interesses, expondo-se de forma tão grotesca, como se estivesse num campo de futebol, torcendo para o seu time favorito. E lá estava inclusive a “extrema-direita” católica com a presença dos representantes do Instituto Plínio Corrêa de Oliveira, discípulos do fundador da Sociedade Brasileira de Defesa da Tradição, Família e Propriedade (TFP), cuja missão é preservar “a obra de todos os que lutam, sob a proteção da Santíssima Virgem, em prol da preservação dos princípios perenes da Civilização Cristã em nossa Pátria e no mundo.”

    Consegui falar com o padre João, de uma paróquia da Zona Sul, que afirmou que não estava ali por preconceito, e sim para impedir que se introduzisse a “ideologia de gênero”. “Na verdade nós, sabemos que homem é homem, e mulher é mulher. Um homem vestido de mulher não se torna uma mulher por força de lei e não podemos concordar que, por força de lei, se normatize a mentira.” Um monge ainda foi capaz de dizer algo ainda mais equivocado: que a “ideologia de gênero” tem como base o marxismo, que “há milênios” vem nos influenciando de forma “nefasta”. Marx já virou entidade milenar…

    Na galeria da Câmara Municipal, o “povo de Deus” gritava e vaiava cada vez que ouvia uma palavra em defesa da comunidade LGBT. Em certo momento, Toninho Vespoli no seu discurso em defesa da inclusão das questões de gênero no PME, disse que também era católico mas que praticava sua religião dentro dos limites da sua privacidade. Foram muitos minutos de vaia católica.

    A galeria permaneceu dividida entre os pró-gênero e a turma do contra. Havia policiais nos dois lados mas um pouco mais do nosso lado e com um comportamento pra lá de truculento. A Polícia Militar sendo ela mesma, como sempre.

    Depois de horas, aconteceu o que já esperávamos: o debate democrático, a informação preventiva contra comportamentos discriminatórios nos primeiros anos de vida nas escolas e a possibilidade de uma educação inclusiva na cidade de São Paulo foram enterrados com a bênção e a extrema unção da igreja católica, amém !

    Agora o projeto vai pra apreciação do prefeito que tem o poder de veto mas é fácil concluir que ele não tomará uma atitude diferente daquela que foi fechada pelo seu partido. Até mesmo a Coordenadoria de Políticas Públicas LGBTs se absteve, não enviando nenhum@ representante, o que é um contra senso já que o seu trabalho seria o de defender os interesses da população LGBT…

    Nos bastidores noticiosos se fala em acordos políticos com o PMDB para apoiar Haddad nas próximas eleições. Chalita, um possível candidato e político ligado aos setores mais conservadores da igreja católica, parece ter sido o intermediário dessa suposta negociação.

    De qualquer forma vai ficar feio pro prefeito Haddad se ele não vetar um PME que não contempla a população que ele tanto se empenhou em ajudar, colocando gays e travestis na fila prioritária do “Minha casa, minha vida”, fazendo Abrigo para LGBTs em situação de rua, criando o excelente programa Transcidadania…além de ser um educador e ex-ministro da educação. Vamos aguardar!

  • Juíza solta carrascos de Laura Vermont mas mantém Veronica Bolina presa

    Juíza solta carrascos de Laura Vermont mas mantém Veronica Bolina presa

    De um lado, o homem branco, cisgênero, agressor, que espanca e mata, mas pode andar nas ruas livremente e tocar sua vida sem constrangimentos. Do outro lado, a travesti, negra, que sofreu violência policial nas dependências de uma delegacia, pode ficar trancada excluída de um mundo que preferia que ela não existisse

    A juíza Érica Aparecida Ribeiro Lopes libertou, no dia 11 de agosto, Van Basten Bizarrias de Deus, Jefferson Rodrigues Paulo, Iago Bizarrias de Deus, Wilson de Jesus Marcolino e Bruno Rodrigues de Oliveira, presos por espancar a jovem travesti Laura Vermon, em 20 de junho. A sucessão de agressões culminou com a morte de Laura. Depois de ser agredida, ela foi maltratada e baleada pelos policias militares Ailton de Jesus e Diego Clemente Mendes, que foram chamados para socorrê-la. Eles também foram presos e libertados logo em seguida. Todos os acusados estão soltos.

    Van Basten — que com certeza é uma das “Bizarrias de Deus” -, golpeou várias vezes a cabeça de Laura com um pedaço de pau. Há imagens gravadas por câmeras de segurança que provam que foi ele o maior agressor e que teve a intenção de matar. A juíza justifica a sua decisão com base na defesa dos acusados alegando que “parte deles possui residência fixa e exerce ocupação lícita. Todos eles são primários e não ostentam antecedentes.”

    Já o pedido de Habeas Corpus requerido pela defesa da travesti Verônica Bolina, que está presa acusada de tentativa de homicídio de uma senhora e de um carcereiro, foi indeferido mesmo sendo “o paciente primário, de bons antecedentes, possuir residência fixa e ocupação lícita.” Além de ter o pedido de liberdade negado, mesmo tendo todos os pré-requisitos que fundamentaram a liberdade dada aos carrascos confessos, Verônica é tratada no masculino, em flagrante desrespeito à sua identidade de gênero.

    Verônica Bolina, seguindo uma estratégia (bastante questionável) da defesa, foi transferida para o Manicômio Judiciário de Franco da Rocha, um lugar onde as pessoas podem ficar presas “provisoriamente” por mais de 20 anos sem qualquer decisão da Justiça, sem qualquer diagnóstico, sem laudo psiquiátrico, sem andamento dos processos”. Segundo a o juíz do caso, Verônica não é confiável e não pode responder seu processo em liberdade.

    A lei, que deveria ser igual para todos, aqui no Brasil não é. São dois pesos e duas medidas: de um lado o homem branco, cisgênero, agressor, que espanca e mata, mas pode andar nas ruas livremente e tocar sua vida sem constrangimento; por outro lado a travesti, negra, que sofreu violência policial nas dependências de uma delegacia, pode ficar trancada excluída de um mundo que preferia que ela não existisse.

    Revoltad@s com a notícia, militantes preparam um ato para o dia 28 de agosto em frente ao Fórum Criminal Ministro Mario Guimarães, na avenida Doutor Abraão Ribeiro, 313, São Paulo.

     

  • A Inquisição ressuscitou na Câmara Municipal de São Paulo

    A Inquisição ressuscitou na Câmara Municipal de São Paulo

    Espero que a ciência possa mesmo aliviar a canseira humana, como diz Brecht, e que o omeprazol resolva as náuseas e a dor no estômago.

    De longe ouvia o som e na caminhada vi pessoas com uma camiseta branca na qual estava escrito “Somos Família” (com Família escrito em grandes letras).

    Quando cheguei na frente da Câmara pude ver o que acontecia.

    A polícia fez a divisão: de um lado os pró gênero e do outro lado os contra o gênero. O lado contrário ao gênero tinha um caminhão com som bem mais potente que o caminhão de som que estava do lado favorável ao gênero, e mais ou menos três vezes mais o número de pessoas. Para chegar ao lado dos pró gênero atravessei a centena de pessoas de branco e ouvi o chamado: Povo de Deus, vamos dizer “Gênero Não”. Quase esbarrei na freira que saltava meio metro do chão para gritar “Gênero Não”. Depois, “Aleluia!!! Aleluia!!!!” Orações, hinos, padres jovens no caminhão de som, louvor a Deus, à familia.

    Do outro lado, o esforço de resistência. “Eu beijo homem, beijo mulher, eu beijo quem eu quiser”. “Se Jesus estivesse aqui, estava do lado das travestis”.

    Consegui a senha e subi para acompanhar a votação dentro da câmara. Seis horas seguidas de debates para gerar perplexidade e náuseas numa professora de gênero. O cartaz escrito com letras garrafais diz: “Gênero não é de DEUS”. Padres, freiras (hábitos e crucifixos) e religiosos de um lado. Do outro lado, movimento de mulheres, LGBTT, movimentos sociais, academia.

    E vereadores debatendo a pauta.

    Alguns tentando explicar o conceito de gênero, a relevância da diversidade, a importância de olharmos mais amplamente para o Plano Municipal de Educação. Do outro lado, a maioria de vereadores “defendendo” a família com argumentos do tipo: “Crianças estão em risco”, professores não sabem e não querem trabalhar gênero. Gênero significa que a criança poderá ser violentada no vestiário após a educação física. Significa ainda dizer para uma criança de seis anos que ela tem que escolher se quer ser menino ou menina.

    Um vereador disse que era médico e que por isso explicaria a questão. Falou da biologia, de Freud, de Jung. Mas avisou as famílias…tínhamos o DSM, a travestilidade podia estar ali. Outro vereador leu um parágrafo de Butler e na sequência disse: “Quem entende isso?” Na votação, vereadores votavam favoravelmente ao plano, que com intervenção da comissão de finanças já havia retirado qualquer menção a “gênero”.

    “Eu beijo homem, beijo mulher, eu beijo quem eu quiser”. “Se Jesus estivesse aqui, estava do lado das travestis”

    Em fila, seguiam ao microfone e diziam: “Pela família, sim!” “Pela Família, sim!”. Abraços, sorrisos, acenos e o plenário dava seus pulos e gritos de alegria diante dos 42 a 2 — que em primeira votação, retiraram “gênero” do Plano Municipal de Educação de São Paulo.

    Alguns vereadores fizeram declaração de voto e o que entendi posteriormente é que a bancada do governo de Fernando Haddad (PT) resolveu aprovar o Plano como estava para apresentar emendas no dia 25, quando será realizada outra votação. As emendas talvez consigam dizer que é proibido qualquer discriminação, mas o contexto indica a dificuldade de incluir a palavra “gênero” no PME.

    Este foi o dia 11 de agosto de 2015. Não era pesadelo. Era a vida que estava sendo vivida na Câmara Municipal de São Paulo. E a inquisição tinha saído do Brecht — e do seu “Galileu Galilei” — e estava ali, diante dos meus olhos. Espero que a ciência possa mesmo aliviar a canseira humana, como diz o Brecht, e que o omeprazol resolva as náuseas e a dor no estômago.

    Bete Franco é psicóloga, mestre em psicologia social e doutora em educação. Professora do curso de Obstetrícia e do Mestrado em Mudança Social e Participação Política da Escola de Artes Ciências e Humanidades da Universidade de São Paulo (EACH/USP).

    “Gênero Não”. Depois, “Aleluia!!! Aleluia!!!!” Orações, hinos, padres jovens no caminhão de som, louvor a Deus, à familia