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Categoria: Internacional

  • Não, o Papa Francisco não tirou o aborto da lista de pecados

    Não, o Papa Francisco não tirou o aborto da lista de pecados

    Com o nome em latim misericordia at misera, a Carta Apostólica assinada pelo Papa Francisco no dia 20 de novembro de 2016 e liberada na íntegra hoje (21), pegou de surpresa o mundo, assim como parte do baixo clero da igreja.

    A carta concede aos padres o direito de absolver o pecado do aborto, considerado pela igreja um dos piores pecados possíveis. Atentar contra a vida de um ser indefeso, ainda mais quando praticado por aquela que mais o ama. Também é, para a Igreja, indefensável para o médico praticar tal procedimento. Aos olhos do clero católico, quem praticava tal abominação era automaticamente excluído dos ritos da religião e somente poderia ser absolvida ou absolvido por um bispo, ou superior. O caso de absolvição era controverso e facilmente levaria a excomunhão do pecador.

    A partir das palavras de Francisco ao mundo a visão da Igreja muda. Qualquer membro ordenado padre ou com ordenação superior pode diante arrependimento, absolver a pecadora ou o pecador. Francisco vai além, coloca nas mãos no sacerdote a responsabilidade de guiar, cuidar e conceder conforto a pessoa. A mudança proposta pelo Papa não foi uma mudança na lei eclesiástica. Não pensem que o aborto aos olhos dos católicos deixou de ser pecado ou é menos abominável. A mudança foi muito mais profunda e revolucionária, já que atinge diretamente a forma como se trata o ser humano dentro da sua religiosidade, mas a Igreja Católica continua sendo a Igreja Católica, com seus dogmas, símbolos e práticas psicológicas de medo eterno da punição divina.

    Após cinco horas de procissão, os sinos da basílica santuário anunciaram a chegada da berlinda de Nossa Senhora de Nazaré. Sob foguetório, hinos de louvor e preces dos fiéis, uma multidão aguardava a imagem no Centro Arquitetônico de Nazaré (CAN). Dom Irineu Roman, bispo auxiliar de Belém, recebeu a imagem. Logo em seguida começou a celebração de uma missa em frente à Basilica Santuário. FOTO: SIDNEY OLIVEIRA / AG. PARÁ DATA: 09.10.2016 BELÉM - PARÁ
    Após cinco horas de procissão com chegada de Nossa Senhora de Nazaré. Celebração de missa em frente à Basilica Santuário em Belém. Foto: Sidney Oliveira/ Ag. Pará

    Para católicos praticantes em grandes capitais brasileiras, a prática já era comum. Dioceses grandes já permitiam a padres a absolvição deste pecado diante o real arrependimento. A igreja vem aprendendo a lidar com as realidades sociais em que está inserida desde o Papa Paulo VI e seu documento Gaudium et Spes em 1965, que apontava rumos e mudanças na Igreja para diminuir o sofrimento das injustiças entre classes e povos. A grande mudança vem para as pequenas localidades. Cidades pequenas tendem a ter na Igreja seu ponto central.

    Imagine uma cidade de pequeno porte em qualquer região do Brasil. Provavelmente você imaginou uma praça com a prefeitura, um banco, uma repartição de justiça municipal e uma igreja. Estes são os poderes instaurados na maior parte do território brasileiro. Se pensarmos territorialmente, é absoluta a influência da Igreja no Brasil. Se pensarmos em escala populacional global, quase 1,5 bilhão de pessoas estão sob o cajado do Bispo de Roma. Ignorar a importância geopolítica deste acontecimento por ser de outra religião, ou de nenhuma, é como achar que a eleição de um presidente dos Estados Unidos não afetaria em nada o mercado e o câmbio asiático, como aconteceu instantaneamente. Qualquer decisão que afeta diretamente uma massa de 1,5 bilhão de pessoas espalhadas globalmente, tem impacto direto e indireto nas relações de poder e nas balanças invisíveis que nos rodeiam. E principalmente nas balanças onde nós somos parte dos pesos e medidas.

    Foto: Márcio Vinícius Pinheiro
    Foto: Márcio Vinícius Pinheiro

    Se para mulheres católicas em grandes metrópoles a Carta parasse mísera formalidade de uma prática já corriqueira dos padres, para as que vivem em regiões mais distantes, onde é impossível mensurar onde termina o poder do Estado e onde começa o da Igreja, talvez a canetada Franciscana tenha sido um alívio misericordioso.

    Nos afastando da nossa realidade e pensando globalmente, há países como a Polônia onde quase 87% da população é católica, sendo o país mais católico do mundo. O partido que atualmente governa o país é oficialmente católico e conservador. Na semana passada em um evento oficial com a cúpula religiosa polonesa e líderes do Partido Lei e Justiça (PiS), o presidente alçou Jesus ao posto de “Rei da Polônia”, o que foi visto com preocupação por organismos internacionais e por minorias religiosas do país.

    Após a proclamação, a Primeira Ministra polonesa, fez declarações sobre deportar cidadãos que se declarassem “não católicos” ou “ateus”. Obviamente, tal decisão poderia não só excluir a Polônia na União Europeia, como da ONU. São ameaças tão absurdas que a população teve a mesma reação que teríamos por aqui: Criaram um evento no facebook que conta com dezenas de milhares de cidadãos se dispondo a entrar na lista de deportação e escolhendo o destino

    Evento Facebook

    Dificilmente tudo estes fatos foram vistos como alguma ameaça real nas grandes cidades dada a pouca expressão do país no sistema internacional. Porém é no interior destes países que a Carta de Francisco atingirá com mais força. Em especial quando no país se votam leis neste momento tentando tornar ilegal o uso de pílulas anticoncepcionais e outras medidas consideradas anti-cristãs. O sistema vertical de hierarquia católica não deixa dúvidas, o Papa é o sucessor de Pedro. A palavra de Deus é perfeita e ele é o portador dela. No Brasil é “verba volant”, no Vaticano tudo que o um Papa diz é lei.

    [Recado da Caneta Desmanipuladora: Desculpem, mas não tivemos tempo de traduzir todos os textos e vídeos que usamos como fonte do polonês para o português, mas deixaremos as fontes aqui abaixo caso queiram utilizar]

    Texto sobre Jesus ser declarado Rei da Polônia
    Texto sobre deportação de “não católicos” e ateus
    Texto sobre proibição de pílulas anticoncepcionais.

     

  • Reunir para resistir!

    Reunir para resistir!

    Viajando pela Bretagne na França, tive a oportunidade de passar 3 dias num lugar que representa a luta contra interesses econômicos e o exemplo de que é possível viver fora de um sistema capitalista. Foi a primeira vez que vi diversas “tribos” presentes num mesmo lugar, lutando pelo mesmo ideal: feministas, veganos, pequenos agricultores, anarquistas, ecologistas… Diferentes estilos, um inimigo em comum e o mesmo desejo.

    Trata-se de uma região agrícola e área de proteção ambiental situada no pequeno povoado de Notre-Dame-des-Landes, onde há mais de 40 anos o governo francês deseja construir um moderno e grande aeroporto para atender às populações do noroeste francês. A proposta ambiciosa durante todo esse tempo já teve suas razões justificadas, abandonadas e mais uma vez reformuladas para que esse grande empreendimento — ligado a grandes empresas — seja realizado. Em oposição ao projeto, pequenos agricultores, a comunidade local e defensores da causa se juntaram para impedir diversas vezes o início das obras e protestar nas rodovias e nos centros urbanos.

    Em 2012, a forte repressão policial a um protesto resultou na morte do militante ecologista Rémi Fraisse. Desde então a área é ocupada por militantes de diversas causas, tornando o local uma grande reunião de pequenas comunidades autônomas, criando assim La ZAD (Zone A Défendre) de Notre-Dame-des-Landes.

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    Ao entrar no território ocupado fica evidente que o governo francês abandonou a região que mais se assemelha a um cenário de guerra civil. As barricadas que obrigam o visitante a fazer o zigue-zague na estrada são feitas com pedaços de madeira, placas de ferro, pneus, carros abandonados e qualquer outro objeto que sirva. Lá dentro, cada squat (ocupação) ocupa um terreno e possui sua maneira própria de conviver. Não há um estilo comum. Há ocupações bem estruturadas com água, eletricidade e construções sólidas, enquanto há outras mais simples com cabanas feitas com materiais encontrados na natureza e banheiros ao ar livre.

    Não sei como seria um verdadeiro sistema anarquista, mas acredito que La ZAD de Notre-Dame-des-Landes se aproxima a essa ideia. Lá não existem leis. O governo francês não tem acesso, nem o domínio da área. Todas as decisões em La ZAD são tomadas em assembleias gerais e cada grupo é responsável por seu próprio espaço.

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    Barricadas ao longo do caminho estão preparadas para impedir e atrasar o avanço da polícia. (Foto: Lucas Bois)

    Desde novembro de 2015, quando houve o ataque terrorista no Bataclan e em outros lugares de Paris, o presidente François Hollande decretou o estado de emergência e prolongou seus dias após os seguidos ataques. Além de suspender direitos e liberdades garantidos pela constituição, um dos pontos criticados pelos franceses é de que o estado de emergência permite que a polícia prenda qualquer pessoa considerada suspeita, sem a necessidade de um mandato judicial. O estado de emergência não coloca apenas os terroristas na mira, mas também todos cidadãos franceses que não estão de acordo com as medidas tomadas pelo governo. Desde a sua vigência, vários militantes estão presos aguardando julgamento, entre eles pessoas que se posicionaram contra a construção do aeroporto de Notre-Dame-des-Landes.

    O pouco tempo que estive ali, pude perceber que o clima de bem-estar e leveza da vida simples de uma comunidade em meio à natureza, às vezes contrastava com a energia de um lugar preparado para confrontar, à espera das tropas policiais. Escutei histórias de pessoas que decidiram viver em La ZAD pois ali encontraram o espaço ideal para uma vida tranquila e outras pessoas que viram nessa resistência uma causa que vale a pena defender.

    Típica cabana feita com restos de madeira.
    Típica cabana feita com restos de madeira.
    Pequena habitação em construção com galhos de árvore.
    Pequena habitação em construção com galhos de árvore.
    Em junho desse ano, um referendo feito de maneira questionável aprovou mais uma vez o projeto de construção do aeroporto (55,17% sim-44,83% não). Enquanto a comunidade local decidiu pelo NÃO ao aeroporto, as populações mais distantes à área afetada decidiram pelo SIM. Desde então tropas especiais da polícia francesa estão sendo treinadas para mais uma vez invadir as ocupações e expulsarem aqueles que decidiram viver por lá. Os dias de paz de La ZAD de Notre-Dame-des-Landes parecem estar contados.
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  • A globalização neoliberal no banco dos réus

    A globalização neoliberal no banco dos réus

    Thomas Piketty tem alertado que os efeitos do aumento da desigualdade transcendem a injustiça social: são danosos ao próprio funcionamento da economia. O artigo, que segue, nos dá boa noção dos efeitos políticos e ambientais que resultam da globalização tão arduamente defendida pelos neoliberais.

    Os manuais de economia, em sua maioria ortodoxos e assentados no neoliberalismo, não se cansam de incentivar a globalização e a abertura dos mercados nacionais para produtos e capitais importados. A abertura expõe nossa produção à concorrência, obrigando-nos a produzir com maior eficiência ou somente produzir aqueles bens que tenhamos vantagens comparativas aos outros produtores, afirmam os economistas neoliberais. Todos ganharão quando cada um produzir aquilo em que é mais eficiente, vaticinam eles.

    Assim foi construído o discurso para que os países abrissem suas fronteiras. As indústrias puderam passar a escolher sua localização no mundo, obviamente em locais que os custos eram mais baixos. E os capitais puderam, da mesma forma, escolher mercados onde alcançassem melhor combinação retorno e risco.

    Por debaixo do discurso de eficiência, no entanto, há questões muito sérias, como a precarização do trabalho e o aumento da desigualdade de renda. O trabalhador estado-unidense sindicalizado e protegido por uma legislação trabalhista forte, por exemplo, viu sua fábrica mudar-se para a China e seu emprego evaporar-se. A China é mais eficiente ou paga mal seus operários e os mantém à margem de direitos? A China é mais eficiente ou permite economia de impostos às empresas que lá se instalam? A China é mais eficiente ou despreza os controles de danos ao meio ambiente? Vamos ao texto de Piketty.

    Devemos repensar a globalização, ou o Trumpismo prevalecerá

    por Thomas Piketty

    O aumento da desigualdade é, em grande parte, responsável por esta reviravolta eleitoral.

    Digamos logo de cara: a vitória de Trump se deve, antes de qualquer outra razão, à explosão da desigualdade econômica e regionais nos Estados Unidos por várias décadas e à incapacidade dos sucessivos governos para lidar com isso.

    Os governos de Clinton e Obama não fizeram mais do que acompanhar a liberalização do mercado lançada na gestão Reagan e seguida nas presidências de Bush pai e filho. Às vezes, Clinton e Obama superaram os republicanos, como na desregulamentação financeira e comercial realizada sob Clinton, por exemplo. A suspeita de que os democratas estavam muito próximos de Wall Street e a incapacidade da elite político-midiática democrata de aprender as lições com os votos dados a Sanders, fizeram o resto do serviço.

    Hillary ganhou o voto popular por um fio de bigode (60,1 milhões de votos contra 59,8 milhões para Trump, de uma população adulta total de 240 milhões), mas a participação dos mais jovens e dos grupos de menor renda foi muito baixa para permitir a vitória nos principais Estados.

    A tragédia é que o programa de Trump só reforçará a tendência para a desigualdade.

    Ele pretende abolir o seguro de saúde concedido, com muito esforço, aos trabalhadores de baixa renda no mandato de Obama. Trump pretende, ainda, estabelecer no país um apressado dumping fiscal [nota do tradutor: dumping fiscal é proporcionar uma queda nos impostos das empresas supostamente para aumentar a atratividade para investimentos no país], com uma redução de 35% para 15% na taxa de imposto federal sobre os lucros das corporações, embora os Estados Unidos tenham, até o momento, resistido a esta tendência, já verificada na Europa.

    Além disso, o papel crescente da etnicidade na política americana não é um bom presságio para o futuro se não forem encontrados novos compromissos. Nos Estados Unidos, 60% da maioria branca vota por um partido, enquanto mais de 70% das minorias votam pelo outro. A maioria branca está prestes a perder sua vantagem numérica (70% dos votos emitidos em 2016, contra 80% em 2000 e 50% em 2040).

    A principal lição para a Europa e para o mundo é clara: a globalização deve ser fundamentalmente reorientada, com urgência.

    Os principais desafios de nossos tempos são o aumento da desigualdade e do aquecimento global. Devemos, portanto, implementar tratados internacionais que nos permitam responder a esses desafios e promover um modelo de desenvolvimento justo e sustentável.

    Os acordos de um novo tipo podem, se necessário, incluir medidas destinadas a facilitar esses intercâmbios. Mas a questão da liberalização do comércio não deve mais ser o foco principal. O comércio deve voltar a ser um meio ao serviço de fins mais elevados. Nunca deveria ter se tornado nada além disso.

    Não deve haver mais assinaturas de acordos internacionais que reduzam direitos aduaneiros e outras barreiras comerciais sem incluir medidas quantificadas e obrigatórias para combater o dumping fiscal e climático nesses mesmos tratados. Por exemplo, poderiam existir taxas mínimas comuns de imposto sobre as empresas e objetivos para as emissões de carbono que possam ser verificadas e sancionadas. Já não é possível negociar tratados de comércio livre com nada em troca.

    Deste ponto de vista, o acordo de livre comércio entre União Europeia e Canadá (CETA, na sigla em inglês) deve ser rejeitado. É um tratado que pertence a outra era. Este tratado estritamente comercial não contém absolutamente nenhuma medida restritiva em matéria fiscal ou climática. Todavia, contém uma referência considerável à “proteção dos investidores”. Isso permite que as multinacionais processem os estados sob tribunais de arbitragem privados, ignorando os tribunais públicos disponíveis para todos.

    O controle jurídico proposto é claramente insuficiente, particularmente no que se refere à questão-chave da remuneração dos árbitros e conduzirá a todo o tipo de abusos. No mesmo momento em que o imperialismo jurídico americano está ganhando força e impondo suas regras e obrigações às nossas empresas, esse declínio na justiça pública é uma aberração. A prioridade, pelo contrário, deveria ser a construção de autoridades públicas fortes, com a criação de um procurador, incluindo um promotor público europeu, capaz de fazer cumprir as suas decisões.

    Os Acordos de Paris tinham um objetivo puramente teórico de limitar o aquecimento global a 1,5 graus. Isto exigiria, por exemplo, que o petróleo encontrado nas areias betuminosas de Alberta, Canadá, fosse deixado no solo. Mas, o Canadá acaba de começar a mineração lá novamente. Então, que sentido há na assinatura deste acordo e, logo em seguida, apenas alguns meses depois, assinar um tratado comercial altamente restritivo sem uma única menção desta questão?

    Um tratado equilibrado entre o Canadá e a Europa, destinado a promover uma parceria para um desenvolvimento justo e sustentável, deve começar especificando os objetivos de emissões de cada signatário e os compromissos práticos para alcançá-los.

    Em matéria de dumping fiscal e taxas mínimas de tributação sobre os lucros das empresas, isso significaria, obviamente, uma mudança completa de paradigma para a Europa, construída como uma zona de livre comércio sem uma política fiscal comum.

    Essa mudança é essencial. Que sentido há em concordar com uma política fiscal comum (que é a área em que a Europa conseguiu algum progresso neste momento) se cada país puder fixar uma taxa próxima de zero e atrair todas as sedes das principais empresas?

    É hora de mudar o discurso político sobre a globalização: o comércio é uma coisa boa, mas o desenvolvimento justo e sustentável também exige serviços públicos, infraestrutura, saúde e sistemas educacionais que, por sua vez, exigem sistemas de tributação justos. Se falharmos em entregá-los à população, o Trumpismo prevalecerá.

    Nota:

    Artigo publicado em The Guardian, em 16/11/2016, com o título original We must rethink globalization, or Trumpism will prevail, por Thomas Piketty, em https://www.theguardian.com/commentisfree/2016/nov/16/globalization-trump-inequality-thomas-piketty

  • Nos EUA, nem sempre o presidente é eleito pela maioria. Trump não foi.

    Nos EUA, nem sempre o presidente é eleito pela maioria. Trump não foi.

    Apesar de Donald Trump ter sido eleito na última quarta-feira, 9, o novo presidente dos Estados Unidos da América, a maioria dos americanos votou em Hillary Clinton. O ex-astro de televisão conquistou 59.629.974 eleitores, Hillary Clinton ultrapassou e chegou a 59.923.027, uma vantagem de 293.296 votos.
    Nos EUA o voto direto dos eleitores não determina o novo presidente. Nos 50 Estados americanos há 538 Colégios Eleitorais e o resultado depende do número de Colégios Eleitorais conquistados por cada candidato. O presidenciável que tiver o maior número de votos em um Colégio Eleitoral acaba faturando todos os votos daquele local. Ao final, quem obtiver 270 Colégios Eleitorais dos 538, ou seja, 50,1% dos Colégios Eleitorais, leva a eleição.

    Analisando as últimas 5 eleições presidenciais dos EUA, os Jornalistas Livres notaram que o mesmo fato político de 2016, aconteceu em 2000 com George W. Bush. O republicano recebeu 50.460.110 contra 51.003.926 votos do democrata Al Gore, mas se elegeu como presidente porque conquistou 271 dos 538 Colégios Eleitorais.

     

    Donald Trump x Hillary Clinton

  • Donald Trump é presidente dos EUA: por que isso é ruim para eles e pior para nós?

    Donald Trump é presidente dos EUA: por que isso é ruim para eles e pior para nós?

    No meu último texto aqui no Jornalistas Livres eu usei um número do “The New York Times” que indicava que Hillary Clinton tinha mais de 80% de chance de ser a próxima ocupante da Casa Branca. Poucas vezes na história dos EUA as pesquisas pré-eleição estavam tão erradas – há uma análise social profunda esperando para ser escrita sobre como o discurso de ódio de Trump talvez não tenha feito seus apoiadores se tornarem ousados o bastante para responder pesquisas de opinião pública, mas certamente os fez levantar de casa no dia 08 de novembro e votar.

    Como muitos jornalistas documentaram através desse processo eleitoral americano, a candidatura de Trump tem suscitado grupos extremistas de todos os tipos de preconceito a trocarem as salas escuras em que presumivelmente se reuniam pelas ruas e os veículos de imprensa onde bradam os seus bordões racistas, homofóbicos, xenofóbicos, etc.

    O candidato foi publicamente apoiado pela Ku Klux Klan, lendária organização racista americana, que entre muitas outras coisas costumava queimar cruzes na frente da casa de homens e mulheres negros.

    Talvez eu não seja a pessoa certa para fazer essa análise social, mas não é um acontecimento isolado. Vale olhar tanto para o muito citado Brexit, que fez o Reino Unido deixar a União Europeia usando argumentos francamente xenofóbicos (a principal proposta era fechar as fronteiras para refugiados e imigrantes em geral), mas também para o movimento à direita que temos observado no Brasil, com a eleição e reeleição de políticos como Jair Bolsonaro, Silas Malafaia e outros tantos dos quais, tenho certeza, nem preciso mencionar o nome.

    Agora não é a hora, no entanto, de explorar esse caminho morbidamente fascinante de um crescimento do ódio dentro da nossa sociedade: agora é hora de falar porque uma vitória de Trump nos EUA importa tanto para eles quanto para nós – ou até mais para nós do que para eles.

    Se você quer um fato nesse mar de dúvidas, aqui vai: com ou sem globalização, os EUA ainda são vistos, tratados e pensados como os líderes do mundo democrático. Não deveria ser preciso mais prova disso do que o imediato colapso de bolsas de valores ao redor do mundo conforme foi ficando claro que Trump venceria a eleição.

    E por que o mundo todo tem medo de uma presidência de Trump? Quais são os perigos menos óbvios desse novo líder dos EUA, que passamos (infelizmente) a conhecer tão bem nos últimos meses? A chave está em pegar o que a presidência de alguém como George W. Bush fez para o mundo e elevar tudo ao quadrado – e estamos falando de uma administração que promoveu uma guerra absolutamente não justificada no Oriente Médio, ignorou os sinais absurdamente claros de uma crise econômica que explodiu em 2009, e falhou em passar qualquer medida de progresso social em oito anos.

    No entanto, não é só um presidente fortemente conservador do qual estamos falando aqui. O temperamento explosivo e imprevisível de Trump vai pressionar mercados internacionais e governos do mundo inteiro a testar o solo e procurar uma nova forma de fazer diplomacia e negócios. A interação de líderes internacionais (inclusive o nosso próprio presidente direitista) com Trump será muito mais desconfortável que a com Obama, que sempre foi um diplomata nato em todos os bons e péssimos sentidos. Alguém consegue imaginar uma reunião do G-20 com Donald Trump no centro das atenções?

    Isso é um problema exatamente porque, em um mundo globalizado, obstáculos nas relações entre dois países se tornam obstáculos para todo mundo. Da forma como Trump entrou em conflito com líderes como Angela Merkel (Alemanha), e da forma como seus comentários preconceituosos certamente incomodarão outros incumbentes internacionais, não é difícil de imaginar um mundo desestabilizado pela instabilidade de um só governante. Bem-vindos ao século XXI.

    A verdade é que nem tocamos nos piores cenários aqui. Ou seja, estou presumindo que Trump não vai ceder aos seus impulsos mais autoritários e se tornar uma figura a la Vladmir Putin, a quem já elogiou diversas vezes. Estou presumindo que ele não vai perseguir e atacar diretamente jornalistas e artistas opositores como incentivou seus apoiadores a fazer durante a campanha. Estou presumindo que sua promessa de construir um muro entre EUA e México (e fazer o México pagar por isso também) é apenas um refrão vazio de campanha. Estou presumindo que o juiz que ele apontar para a Suprema Corte americana não vai revogar Roe vs. Wade (o lendário caso que deu direito legal ao aborto para as mulheres americanas) ou desfazer a decisão que tornou o casamento de pessoas do mesmo sexo legal nos EUA.

    E talvez isso seja um erro. Talvez eu não devesse presumir mais nada. Como mostrou o “The New York Times”, na era em que vivemos na política, esse pode ser um jogo muito perigoso.
  • Os votos antecipados e sondagens mais recentes sugerem que mulheres e minorias impulsionarão Clinton para a vitória

    Os votos antecipados e sondagens mais recentes sugerem que mulheres e minorias impulsionarão Clinton para a vitória

    Florida e Carolina do Norte são os estados principais para se prestar atenção

    Enquanto os americanos se dirigem às eleições na terça-feira (8), cerca de um terço do eleitorado de 2016 – 43,6 milhões de pessoas – já votou, com comparecimento recorde de mulheres e não-brancos.

    É por isso que os analistas estão prevendo que Hillary Clinton será eleita presidenta e os democratas retomarão o Senado com a menor margem absoluta.

    “Em estados-chave como Carolina do Norte, Nevada e Flórida, o aumento da participação de mulheres e minorias na eleição anima os esforços dos democratas para bloquear o caminho de Trump para a vitória”, disse o Los Angeles Times, nessa segunda-feira, resumindo as últimas pesquisas e estatísticas de voto antecipado. “Trump, também, viu grandes aumentos de participação entre seus eleitores alvos, mas eles não têm dominado as forças democráticas como alguns em seu partido esperavam.”

    Será que os eleitores de Clinton também votarão nos candidatos democratas ao senado? Essa é a pergunta seguinte. Na segunda-feira passada, os pesquisadores estavam dizendo que o Senado pode acabar empatado com as cadeiras divididas ao meio, caso em que o voto do vice-presidente seria o decisivo. Se o Partido Republicano mantiver maioria, o Senado, junto com uma Câmara controlada pelos republicanos, vão disputar cada passo no caminho de uma presidência de Clinton – a começar pelo preenchimento de uma vaga aberto na Suprema Corte.

    No final da segunda-feira, as principais pesquisas da nação indicavam que Clinton ganharia o voto popular e o voto do Colégio Eleitoral para se tornar a próximo presidenta. Nate Silver tuitou que ela tem chance entre “65% -> 70%” de ganhar o voto popular. O último palpite de Larry Sabato é que ela vai ter 322 votos do Colégio Eleitoral, 100 a mais do que Trump. O Consórcio Eleitoral de Eleições diz que Clinton superará Trump por 90 votos no Colégio Eleitoral.

    Por outro lado, todos os analistas preveem empate no Senado, com democratas ganhando cadeiras em Illinois, Wisconsin, Pensilvânia e New Hampshire. Desnecessário dizer que as pesquisas têm errado muitas vezes em 2016, e eles podem estar errados novamente. Mas, no que diz respeito à presidência, as estatísticas de votação antecipada – quantos membros do partido votaram, sua discriminação por gênero e raça – mostram que mulheres e minorias têm superado a participação de 2012 em quase todos os estados, sugerindo que impulsionarão a vitória de Clinton.

    Esse padrão tem ocorrido em dois estados chave, Flórida e Nevada, nos quais tanto podem vencer democratas como republicanos. Michael McDonald do Projeto Eleição dos Estados Unidos, que acompanha o comparecimento dos eleitores, tuitou, nessa segunda-feira, sobre os números recordes da Flórida: “FL #voto antecipado variação da raça contra 2012 via @electionsmith Afr-Am + 70.6K (+ 9.2%) Hisp + 453.8K + 86,9%) Branco + 900K (+ 27,2%) Outro + 121,5K (+ 48,3%).”

    Esses números mostram os democratas se reanimando, explicou o Huffington Post. “Há uma semana, os democratas estavam preocupados com os primeiros resultados. O comparecimento entre os eleitores negros estava demorando, e enquanto os latinos estavam votando em grande número, bem como os eleitores brancos, tidos como mais propensos a apoiar Trump “, disse HuffPo. “Essas tendências mudaram nos últimos quatro dias. A afluência negra aumentou substancialmente, impulsionada pelas múltiplas visitas de Obama à Flórida e pelas votações das eleições de domingo dirigidas por igrejas negras. O comparecimento negro na Flórida vai acabar sendo maior do que em 2012, previu Daniel Smith, professor de ciência política da Universidade da Flórida e analista de dados eleitorais.

    Parecia haver um ressurgimento semelhante em Nevada, disse Jon Ralston, decano da imprensa do estado, que previu uma vitória decisiva de Clinton, mas disse que a disputa pelo Senado será mais apertada. “Eu acho que agora, com base na história e minhas fontes: Trump está abaixo de pelo menos 40.000 votos: cerca de 770.000 votos já foram para as urnas, provavelmente dois terços dos votos. Suponhamos que haja uma participação de 450.000 eleitores em um dia de eleição. Trump provavelmente precisaria ganhar terça-feira por cerca de 10 pontos para vencer, Isso é quase impossível, a menos que os democratas decidam não apareceer para votar no dia das eleições.” Ralston continua: “a dinâmica da disputa no Senado dos EUA é diferente, o que dá esperança à equipe Joe Heck. Se ele conseguir ganhar o seu próprio distrito, ele tem chance. Os números não parecem bons … “

    Supressão de eleitores na Carolina do Norte

    Se há um estado a observar, que possa negar aos democratas uma maioria absoluta do Senado, é a Carolina do Norte, onde o Partido Republicano controlam o legislativo e o governo do estado. Ali foram adotadas algumas das mais draconianas reviravoltas de direitos de voto da nação imediatamente depois que a Suprema Corte destruiu certas cláusulas da Lei de Direitos de Voto de 1965. Até há algumas semanas atrás, as comissões de eleição controladas por republicanos, nas regiões de maioria negra, estavam cancelando as horas de votação antecipada nos fins de semana, que é quando os negros historicamente votaram após a igreja.

    Surpreendentemente, o Partido Republicano do estado emitiu um comunicado de imprensa na segunda-feira se vangloriando de suprimir a votação antecipada não branca. A nota oficial foi intitulado, “North Carolina Obama Coalition Crumbling” [A Desintegração da Coalizão de Obama na Carolina do Norte], e observou que o voto antecipado dos negros foi 8,5 por cento menor do que 2012, enquanto “voto antecipado dos brancos cresceu 22,5 por cento comparado a 2012.”

    “É estranho e alarmante para um partido político ficar feliz com menos pessoas votando, em vez de conseguir mais pessoas para votar – especialmente de uma forma que é claramente motivada por questões raciais”, escreveu Vox.com, citando Carter Wrenn, há tempos consultor do Partido Republicano no estado, explicando seu entusiasmo para frustrar direitos de voto. “Olha, se os afro-americanos votassem esmagadoramente nos republicanos, eles teriam mantido o direito de voto antecipado da forma que estava”, disse ele.

    […]

    Steven Rosenfeld aborda questões políticas nacionais para a AlterNet, incluindo a crise da aposentadoria na América, a democracia e os direitos de voto, campanhas e eleições. Ele é o autor de “Count My Vote: A Citizen’s Guide to Vooting” (AlterNet Books, 2008).

    Nota: texto original em http://www.alternet.org/election-2016/early-voting-and-final-polls-suggest-women-and-minorities-will-propel-clinton-victory