Reunir para resistir!

Viajando pela Bretagne na França, tive a oportunidade de passar 3 dias num lugar que representa a luta contra interesses econômicos e o exemplo de que é possível viver fora de um sistema capitalista. Foi a primeira vez que vi diversas “tribos” presentes num mesmo lugar, lutando pelo mesmo ideal: feministas, veganos, pequenos agricultores, anarquistas, ecologistas… Diferentes estilos, um inimigo em comum e o mesmo desejo.

Trata-se de uma região agrícola e área de proteção ambiental situada no pequeno povoado de Notre-Dame-des-Landes, onde há mais de 40 anos o governo francês deseja construir um moderno e grande aeroporto para atender às populações do noroeste francês. A proposta ambiciosa durante todo esse tempo já teve suas razões justificadas, abandonadas e mais uma vez reformuladas para que esse grande empreendimento — ligado a grandes empresas — seja realizado. Em oposição ao projeto, pequenos agricultores, a comunidade local e defensores da causa se juntaram para impedir diversas vezes o início das obras e protestar nas rodovias e nos centros urbanos.

Em 2012, a forte repressão policial a um protesto resultou na morte do militante ecologista Rémi Fraisse. Desde então a área é ocupada por militantes de diversas causas, tornando o local uma grande reunião de pequenas comunidades autônomas, criando assim La ZAD (Zone A Défendre) de Notre-Dame-des-Landes.

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Ao entrar no território ocupado fica evidente que o governo francês abandonou a região que mais se assemelha a um cenário de guerra civil. As barricadas que obrigam o visitante a fazer o zigue-zague na estrada são feitas com pedaços de madeira, placas de ferro, pneus, carros abandonados e qualquer outro objeto que sirva. Lá dentro, cada squat (ocupação) ocupa um terreno e possui sua maneira própria de conviver. Não há um estilo comum. Há ocupações bem estruturadas com água, eletricidade e construções sólidas, enquanto há outras mais simples com cabanas feitas com materiais encontrados na natureza e banheiros ao ar livre.

Não sei como seria um verdadeiro sistema anarquista, mas acredito que La ZAD de Notre-Dame-des-Landes se aproxima a essa ideia. Lá não existem leis. O governo francês não tem acesso, nem o domínio da área. Todas as decisões em La ZAD são tomadas em assembleias gerais e cada grupo é responsável por seu próprio espaço.

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Barricadas ao longo do caminho estão preparadas para impedir e atrasar o avanço da polícia. (Foto: Lucas Bois)

Desde novembro de 2015, quando houve o ataque terrorista no Bataclan e em outros lugares de Paris, o presidente François Hollande decretou o estado de emergência e prolongou seus dias após os seguidos ataques. Além de suspender direitos e liberdades garantidos pela constituição, um dos pontos criticados pelos franceses é de que o estado de emergência permite que a polícia prenda qualquer pessoa considerada suspeita, sem a necessidade de um mandato judicial. O estado de emergência não coloca apenas os terroristas na mira, mas também todos cidadãos franceses que não estão de acordo com as medidas tomadas pelo governo. Desde a sua vigência, vários militantes estão presos aguardando julgamento, entre eles pessoas que se posicionaram contra a construção do aeroporto de Notre-Dame-des-Landes.

O pouco tempo que estive ali, pude perceber que o clima de bem-estar e leveza da vida simples de uma comunidade em meio à natureza, às vezes contrastava com a energia de um lugar preparado para confrontar, à espera das tropas policiais. Escutei histórias de pessoas que decidiram viver em La ZAD pois ali encontraram o espaço ideal para uma vida tranquila e outras pessoas que viram nessa resistência uma causa que vale a pena defender.

Típica cabana feita com restos de madeira.
Típica cabana feita com restos de madeira.
Pequena habitação em construção com galhos de árvore.
Pequena habitação em construção com galhos de árvore.
Em junho desse ano, um referendo feito de maneira questionável aprovou mais uma vez o projeto de construção do aeroporto (55,17% sim-44,83% não). Enquanto a comunidade local decidiu pelo NÃO ao aeroporto, as populações mais distantes à área afetada decidiram pelo SIM. Desde então tropas especiais da polícia francesa estão sendo treinadas para mais uma vez invadir as ocupações e expulsarem aqueles que decidiram viver por lá. Os dias de paz de La ZAD de Notre-Dame-des-Landes parecem estar contados.
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