Jornalistas Livres

Categoria: Guerra

  • “…E o Vento Levou” deve ser visto pelo que é: uma fantasia perversa sobre a Guerra Civil Americana

    “…E o Vento Levou” deve ser visto pelo que é: uma fantasia perversa sobre a Guerra Civil Americana

    Por James Cimino*

     

    Esta semana foi marcada por uma nova polêmica racial, desta vez não envolvendo a polícia, mas a indústria do entretenimento dos Estados Unidos. O serviço de streaming HBO Max, que pertence ao grupo Warner Brothers, decidiu retirar de seu catálogo o clássico de 1939, vencedor de oito Oscar, inclusive de melhor filme, “…E o Vento Levou”.

    A decisão foi tomada após John Ridley, roteirista do filme “12 Anos de Escravidão”, publicar um artigo no jornal Los Angeles Times, em que pedia que o filme fosse retirado do catálogo “PELO MENOS POR ENQUANTO”. Essa informação vem em caixa alta porque ela é muito importante e tem sido ignorada no debate.

    No mesmo artigo, Ridley disse não acreditar em censura nem que gostaria que o filme fosse “enfiado em um cofre em Burbank”, cidade do condado de Los Angeles onde se encontram os estúdios da Warner. Seu pedido era que, em respeito ao que está acontecendo neste momento nos Estados Unidos, o filme fosse retirado e depois reinserido com outros filmes e documentários que retratassem a Guerra da Secessão com mais fidelidade ao seu contexto histórico.

    Segundo Ridley, o clássico dirigido por Victor Fleming e estrelado por Vivien Leigh, Clark Gable, Leslie Howard, Olivia de Havilland e Hattie McDaniel “romantiza os horrores da escravidão”. E ele está certo. Tanto que a produtora, que detém os direitos sobre o filme, decidiu acatar o pedido do diretor.

     

    Por que não se trata de censura

     

    Imediatamente um debate infundado sobre censura tomou conta das redes sociais. Infundado porque a HBO Max realmente pretende remover o filme apenas temporariamente. Segundo porque a ação da produtora e de sua plataforma de streaming não configuram censura. Não foi o governo dos Estados Unidos que exigiu a remoção da obra do catálogo nem tampouco determinou sua destruição.

    Não podemos esquecer que censura é sempre estatal e institucional. Pelo menos é isso que sugere a professora Cristina Costa, diretora do Observatório de Comunicação, Liberdade de Expressão e Censura da USP (Obcom), em uma série de reportagens sobre a censura às novelas durante a ditadura militar publicada em 2013 no UOL.

    A professora inclusive destaca que a sociedade civil “pode e tem o direito de não querer ver certas coisas na TV, mas não pode ser um órgão do governo que irá decidir isso”. Foi o que aconteceu. Um representante da sociedade civil fez o pedido e a produtora e proprietária do filme resolveu acatá-lo em consideração ao momento político pelo qual o país está passando. E nunca é problema adicionar informação, contanto que o filme seja mantido em sua edição original.

    Mas por que este filme que aprendemos a amar por ser um dos primeiros épicos do cinema falado e em cores é tão ofensivo aos descendentes de escravos dos Estados Unidos?

    Muita gente que defende o retorno do longa-metragem ao catálogo da HBO Max acusa o estúdio de promover revisionismo histórico, pois o filme faz o “retrato de uma época”. Outra falácia. O pedido de John Ridley se baseia exatamente no caráter revisionista e romantizado que o filme faz sobre a história americana, mais especificamente sobre a Guerra de Secessão (1861 — 1865).

    Tanto que não é de hoje que o filme tem gerado polêmica. Sua exibição tem sido cancelada em diversos cinemas do sul dos Estados Unidos desde pelo menos 2017, quando começou o movimento #OscarSoWhite, que criticava a ausência de artistas negros entre os indicados aos prêmios da Academia. Naquele ano, um cinema de Memphis, Tennessee, que sempre exibia o filme anualmente, cancelou a sessão por considerá-lo “insensível”.

    As verdadeiras vítimas

    Sua insensibilidade reside no fato de que o filme mostra o sul americano como uma vítima da Guerra de Secessão, a guerra civil americana, quando na verdade foram os sulistas, motivados pelo racismo e por seu suposto “direito” a comercializar pessoas, além de torturá-las e obrigá-las a trabalhos forçados. As vítimas dessa época, portanto, eram os negros, que são praticamente apagados do filme ou retratados de forma cômica e servil.

    A Guerra Civil Americana começa em 1861 quando Abraham Lincoln é eleito presidente pelo Partido Republicano. Sua principal plataforma era acabar com a escravidão nos Estados Unidos. Lincoln não era de família escravocrata, mas desde criança aprendeu a odiar a escravidão — diferentemente da maioria dos Pais Fundadores da América (John Adams, Benjamin Franklin, Alexander Hamilton, John Jay, Thomas Jefferson, James Madison, and George Washington). Destes, apenas o advogado John Adams, que depois da independência se tornaria o segundo presidente americano, e Benjamin Franklin não tinham escravos.

    Thomas Jefferson, que foi o terceiro presidente, que escreveu a Declaração de Independência e cujo memorial em Washington, D.C., mostra um texto seu chamando o tráfico negreiro de crueldade, tinha 607 escravos, além de pelo menos cinco filhos bastardos com uma escrava chamada Sally Hemings. Seus filhos com ela eram seus escravos, não tiveram direito a herança depois de sua morte, e Sally começou seu “romance” com Jefferson quando tinha apenas 14 anos.

    Pelos padrões de hoje, o terceiro presidente americano, responsável pela primeira grande expansão americana em direção ao oeste, era um pedófilo. Fora isso, investigações genealógicas sobre os herdeiros negros dele mostram que alguns dos filhos de Sally poderiam ser, na verdade, filhos do irmão mais novo de Jefferson.

    Ou seja, ela era estuprada em família. Há quem diga que o que houve entre eles não foi abuso sexual, mas um romance. Outra mentira histórica, afinal, quando uma pessoa é propriedade de outra, que detém poder de vida e morte sobre ela, a psicologia chama de síndrome de Estocolmo, não de amor.

    Essa história está documentada não apenas no Museu Nacional de História e Cultura Afro-Americana inaugurado em Washington DC, em 2016, pelo presidente Barack Obama, mas até o museu de Monticello, Virgínia, que foi a propriedade onde Jefferson viveu, cansou de esconder a história de Sally Hemings com o presidente e tem um espaço dedicado a ela.

    Enfim, quando Lincoln chegou ao poder, a escravidão e o tráfico negreiro já tinham entrado em declínio. Em 1804, o Haiti declarou independência da França e se tornou o primeiro país a abolir a escravidão. A Inglaterra, que havia começado uma revolução, a industrial, faria o mesmo em 1833.

    Lincoln era republicano e os republicanos eram abolicionistas porque queriam trazer para os Estados Unidos a revolução industrial inglesa. Sociedades industriais não utilizam mão de obra escrava, mas assalariada, porque o escravo, embora não receba salário, é muito caro ao senhor, que tem que lhe dar de comer, beber, roupa e abrigo, além de pagar pelo escravo, que naquelas condições de trabalho e tortura não passavam dos 30 anos de vida. Ou seja, embora a narrativa sobre a abolição nos EUA e no Brasil seja romantizada e sempre mostrada como produto de um humanismo que se impôs, não foi nada disso. Ela acaba porque passou a não ser mais lucrativa.

    O 16º presidente americano encontrou resistência nos 13 Estados ao sul do Distrito de Columbia, onde está localizada a capital Washington. Estes Estados eram predominantemente agrícolas e não queriam mudar sua matriz econômica, a plantation (monocultura do algodão e do tabaco), cuja mão de obra era escrava.

    O que o vento levou

    Uma série do jornal The New York Times chamada 1619, que saiu no ano passado, mostra que a escravidão foi responsável pelo início da riqueza americana e que alguns de seus elementos ainda existem em nossa sociedade, como, por exemplo, as cotas de vendas no comércio. Isso vem da plantation, onde os escravos tinham cotas de algodão a colher.

    Quem não atingisse a cota tomava o número de libras faltantes em chibatadas. E quem cumprisse a cota, no dia seguinte, receberia uma cota maior. Aliás, essa série do New York Times pretendia fazer um revisionismo histórico ao declarar que a fundação dos Estados Unidos acontecera, de fato, em 1619, quando aportou aqui o primeiro navio negreiro, não em 1776 com a Declaração de Independência.

    Apesar da postura dos sulistas quanto à escravidão, Lincoln ofereceu a eles 7 anos para que se adaptassem à nova matriz econômica, mas eles se recusaram. Declararam guerra contra a União e passaram a se autointitular Estados Confederados da América, cheios de empáfia, nacionalismo e muito racismo, mesmo sendo militarmente inferiores. E isso originou um dos conflitos mais sanguinários da história americana, que matou mais de 600 mil americanos e que durou quatro anos — Lincoln estimava que a guerra não duraria mais de seis meses.

    A história de “…E o Vento Levou” se passa no período desta guerra, mas mostra os confederados como patriotas que se negam a respeitar as imposições do norte. Isso e a ocultação dos horrores da escravidão no filme consistem, sim, em um revisionismo histórico desonesto, pois seu roteiro, desde a primeira cena, se propõe a mostrar essa “civilização que o vento levou”.

    Por isso o pedido do diretor de “12 Anos de Escravidão” para que o filme seja apresentado no catálogo em um contexto mais amplo é importante, já que os efeitos desta guerra se refletem até hoje na vida e nos costumes, inclusive na violência policial contra cidadãos afro-americanos.

    Ao fim desses quatro anos de guerra civil, Lincoln foi reeleito e conseguiu fazer lobby para que o Congresso aprovasse a 13ª emenda que proíbe a escravidão em território nacional. Logo depois do fim da guerra, no entanto, um filho de um proprietário de escravos, o ator John Wilkes Booth, assassinou Lincoln enquanto ele assistia a uma peça no Teatro Ford, em DC. Booth achava que, se matasse o presidente, a abolição seria cancelada, o que é uma estupidez, já que quem aboliu de fato a escravidão foi o Congresso. Mas a morte precoce de Lincoln impediu que ele cumprisse seu projeto de reunificação da nação. Ele reunificou o território, mas as perdas do sul na guerra apenas aprofundaram suas cicatrizes.

    A nova segregação

    Os Estados sulistas resolveram que, como não podiam cancelar uma emenda constitucional, iriam criar leis em seus parlamentos locais para manter a população negra segregada. Leis que impediam os negros de ir ao mesmo banheiro dos brancos, de ter propriedade, de votar, de estudar nas mesmas escolas dos brancos, de dividir espaço com brancos nos restaurantes, no transporte público.

    Isso perdurou até 1965, quando foi assinado o ato dos direitos civis pelo presidente Lyndon Johnson, que acabava com a segregação institucional, ou seja, um século depois da abolição estava Martin Luther King Jr. lutando para que os negros tivessem cidadania plena, o que culminou em seu assassinato em 1968, na mesma Memphis que hoje se recusa a exibir o filme. MLK, aliás, aos 10 anos, fez parte de um coral que se apresentou durante a première de “…E o Vento Levou” em Atlanta.

    Quando se visita a capital americana, vemos no patamar das escadarias em frente ao Lincoln memorial o exato local onde MLK proferiu seu famoso discurso “I have a dream” em 1963. A escolha do local obviamente não foi por acaso. Em 2010, Obama também inaugurou na mesma cidade o Memorial de Martin Luther King Jr., cuja estátua não tem parte das pernas nem os pés esculpidos. Segundo o artista que projetou o monumento, o chinês Lei Yixin, ele quis simbolizar que, apesar de os afro-americanos terem conquistado muitos direitos, ainda há trabalho a ser feito. De fato, quando se olha para os protestos anti-violência policial contra negros, conclui-se que Yixin estava certo.

    A glorificação do passado vergonhoso

    Por fim, é muito importante que “…E o Vento Levou” seja visto pelo que ele é e sob a luz do que foi e ainda é a história do racismo americano. E é importante também não esquecermos da pior história envolvendo esse filme, que é o Oscar de atriz coadjuvante para Hattie McDaniel, a Mammy, que nem sequer pôde se sentar com o elenco do filme durante a premiação por causa das leis de segregação racial. Muitos negros, depois disso, a criticavam por aceitar interpretar papéis de empregada a vida toda. Uma vez, ela respondeu: “Prefiro interpretar uma empregada a ser uma.”

    Portanto, essa retirada temporária do filme do catálogo da HBO Max é uma boa oportunidade para que se pare de glorificar o passado vergonhoso da humanidade, de lamentar pelas estátuas de senhores de escravos removidas de praças públicas. Esses monumentos são, em última instância, homenagens a esses homens. E qualquer pessoa que veja uma estátua de um escravagista não vai vê-lo pelo que ele foi, mas achar que, se ele está ali, é porque foi um grande homem.

    E filmes não são apenas “obras de ficção”? Essa é outra interpretação rasa das artes cênicas. Quantas pessoas veem “…E o Vento Levou” e acham que tudo aquilo é verdade? Filmes históricos são interpretados como fatos por quem não tem as ferramentas intelectuais para analisá-los com profundidade.

    Não nos esqueçamos que hoje 30% dos americanos (cerca de 107 milhões de pessoas) duvidam que 6 milhões de judeus tenham morrido no Holocausto, enquanto 3% da população dos Estados Unidos (cerca de 23 milhões de pessoas) acham que o leite achocolatado vem de vacas marrons, sem falar nos que insistem que a Terra seja plana.

    Alguém poderia argumentar que grandes filmes fazem revisionismo histórico, como “Bastardos Inglórios” de Quentin Tarantino. A diferença é que, neste filme, o revisionismo histórico é o ponto de partida da narrativa e ele é apresentado ao espectador desde o lançamento. É uma sátira e é vendido como tal.

    E outro apontamento importante sobre revisionismo histórico deve ser feito. Sempre vemos historiadores dizendo que a gente não pode julgar a escravidão com os valores de hoje. Não apenas podemos, como devemos. Mas vamos dar um salto em direção ao passado, mais especificamente à Idade Antiga.

    Todo mundo que leu a Bíblia sabe por que aconteceu o Êxodo dos hebreus do Egito, certo? Os hebreus eram escravos dos egípcios e tratados com crueldade imensa, o que levou Deus a designar Moisés como seu libertador, certo? Considerando a  Bíblia como um código moral, não como um registro histórico, pode-se concluir que, pela moral do Velho Testamento, a escravidão já era algo intrinsecamente perverso e cruel.

    Por que então, de repente, no fim da Idade Média e começo da Idade Moderna, essa prática se tornou algo moralmente aceito? Porque era uma atividade econômica lucrativa. Então essa lenda de que a escravidão acabou porque “o mundo evoluiu” é pura falácia. Se o mundo tivesse evoluído tanto, não teria incorrido em um erro que, segundo a Bíblia, foi punido com dez pragas. Portanto, podemos e devemos julgar a escravidão não apenas pelos valores de hoje, mas também pelos valores de antes de Cristo.

    Quanto a “…E o Vento Levou”, não deixemos nossa memória afetiva confundir nosso julgamento. O filme não vai ser queimado em praça pública e merece, sim, ser visto por seus atributos artísticos. Mas a inserção do contexto histórico vai apenas enriquecer a experiência de assisti-lo, não pelo que acreditávamos que fosse, mas pelo que realmente é.

     

     

    James Cimino é jornalista graduado pela Universidade Estadual de Londrina (PR). Mora nos EUA há cinco e escreve sobre filmes e séries paras diversos veículos de comunicação do Brasil, tendo entrevistado as personalidades mais emblemáticas do entretenimento mundial. No Facebook jamescimino, no Intagram @james_cimino e no Twitter @rei_da_selfie.

  • A quem interessa ser profeta do caos?

    A quem interessa ser profeta do caos?

    Por Jacqueline Muniz, Ana Paula Miranda e Rosiane Rodrigues
    Imagens de autoria dos Jornalistas Livres, capturadas em protestos, no último final de semana, em São Paulo e na França
    A advertência de não realização de manifestações políticas, fundada no medo e na promoção do pânico social, é um atentado à democracia, uma forma de extorsão de poderes, de dirigismo monopolista das pautas plurais e das reivindicações divergentes de sujeitos que são diversos em cor, classe, renda, gênero, orientação sexual, instrução, etc. A advertência sob a forma de ameaça produz paralisia decisória de lideranças, imobilismo social e lugares resignados de fala, que seguem aprisionados nas redes sociais, na política emoticon do “estamos juntos” até o próximo bloqueio, diante da comunhão de princípios com diferença de opiniões: “você deve ir ao shopping, mas não a passeata”.
    A fabricação de conjecturas apocalípticas e suposições catastróficas com roupagem analítica é um recurso de persuasão de via única, impositiva, que aponta para um sentido hierárquico e, até mesmo autoritário, de quem se acha portador de uma verdade ‘revelada’ sobre os atos políticos e de uma razão superior sobre os fatos da política. A fala profética é uma fala moralista, ilusionista, que, por meio do uso da fé e do afeto, inocula nas pessoas uma culpa antecipada por suas escolhas para desqualificar seus arbítrios e fazê-las rebanho dependente de um guia despachante do juízo final. Este projeto de poder necessita fazer crer que o pessimismo visionário e proselitista é mais real que a própria realidade vivida e que deve fazer parte do cálculo das ovelhas boas e más, dos aliados e opositores de ocasião. A fala profética serve aos senhores da paz, da guerra e do mercado, sem distinção. É um jogo ardiloso do ganha ou ganha em qualquer circunstância ou resultado obtido.
    A quem interessa ser o profeta do caos? Ao próprio profeta que, inventor do jogo do quanto pior melhor, sacrifica seus seguidores feito gado, gasta a tinta das representações com seu próprio manifesto e promove a tensão entre espadas para se manter como o grande  conselheiro conciliador.  
    Os profetas do caos são como uma fênix que ressurgem da crise que criam. Eles se apresentam como proprietários das representações políticas, à direita ou à esquerda, em cima e embaixo. Eles se oferecem como mediadores dos conflitos que provocaram, como tradutores intérpretes na Torre de Babel que criaram entre nós.  A ameaça (do caos, da morte e do cerceamento da liberdade) não serve como advertência. Os profetas do caos produzem o medo, moeda de troca fundamental para a construção de milícias, para vender os seus remédios (previsíveis, amargos e inócuos). Para eles, não importa se os doentes morrem ou vivem, o que importa é que, doentes ou não, consumam suas previsões do passado.
    É notório que as polícias no Brasil têm tradição em policiar eficazmente o entretenimento lucrativo dos blocos de carnaval, shows e aglomerações em campeonatos de futebol. Nesses casos, sua atuação se dá na manutenção do status quo dos públicos, constituída a partir das atividades de contenção e dispersão das multidões. Já para o controle de pessoas que ocupam o espaço público sob a forma de protestos de todos os matizes políticos, apesar de ser um fenômeno relativamente recente e não haver protocolos policiais escritos e validados, sabemos que esses eventos se tornam encenações, nas quais janelas são abertas para oportunistas de todas as ordens, para acertos de contas da polícia dos bens com a polícia do bem, incluindo os ‘caroneiros’ de manifestação que comparecem por motivos completamente alheios às pautas dos protestos.
    Nesses espetáculos públicos que encenam os jogos da política aprendemos coisas muito básicas, sejamos nós manifestantes ou espectadores: sempre haverá a presença de agentes infiltrados (que ajudam na contenção) e de provocadores, para providenciar a dispersão. A infiltração de agentes de inteligência por dentro dos movimentos sociais remonta uma antiga estratégia estadunidense da década de 1960. Ou seja, muito antes do surgimento dos Black Bloc. Nos últimos 60 anos, acumulou-se um aprendizado sobre o uso do espaço
    público relativo ao círculo do protesto (aglomeração, deslocamento,  ato de encerramento e dispersão) que permite que os movimentos saibam lidar com esses elementos internos. 
    Neste mesmo período aprendemos, também, que o que torna legítimo um protesto não é a quantidade de indivíduos reunidos em um território específico por um período de tempo determinado, mas os modos de ocupação do espaço público e a construção coletiva de uma agenda política que os mobilize e tenha impacto na sociedade. A produção de dossiês intimidatórios, com a participação de agentes públicos, também não é novidade. Os constrangimentos da exposição de dados acabam por jogar na lama do “tribunal digital” os adversários, fortalecendo a promoção de linchamentos virtuais, de direita ou de esquerda.
    O governo Bolsonaro não é o único que tem disseminado o medo para sabotar os mecanismos de cooperação e mobilização sociais, substituindo práticas de coesão por coerções e cruzadas moralistas vindas de cima, de baixo e ao redor. Discursos do medo contra ou a favor de Bolsonaro são péssimos conselheiros porque dão a #Elenão um tamanho e uma agilidade política irreal, retirando-o do isolamento político em que se encontra para nos fazer acreditar que, quando chegarmos às ruas, imediatamente um cabo e um soldado fecharão o Congresso, o STF e tirarão as emissoras e os portais de internet do ar. O medo transforma Bolsonaro num bicho papão, num monstro mítico incontrolável que atira hordas de zumbis (com cabelos tingidos de acaju) contra todos nós.
    O medo disseminado faz com que as pessoas vejam gigantes onde há sombras e abram mão de seus direitos e garantias em favor de um ‘libertário do agora’ que prometa proteção. Mas o profeta-liberador de hoje será o seu tirano de amanhã!
    O rigor científico não permite que nós, pesquisadores, determinemos como os movimentos sociais devem se comportar, nem que sejam pautados por oráculos que anunciam profecias que se autorrealizam. A contemporaneidade produziu os ativismos acadêmicos, mas eles não devem substituir jamais a liberdade dos sujeitos de decidir suas agendas, nem servir de chofer dos movimentos sociais em direção à “Terra sem Males”, um mundo idílico sem conflitos e, por sua vez, sem a política. A ciência pode contribuir com diagnósticos da realidade e oferecer alternativas que considerem, inclusive, que a negação dos conflitos monopoliza o debate e as representações, obscurecendo as negociações dos interesses em disputa. Quando a decisão científica está acima da pactuação social ela deixa de ser ciência e passa a ser doutrina, retira da sociedade a responsabilidade pelas escolhas que faz, para o bem e para o mal.
    Ao  olharmos a história vemos que os discursos de “lei e ordem” são utilizados sempre a serviço dos interesses do Estado e seus grupos de poder. Viver sob o jugo da espada não é novidade para as pessoas para quem o isolamento social é uma prisão histórica dos direitos de cidadania, e não um privilégio de classes. A juventude, principalmente a negra, conhece de perto a violência policial, e sabe que nem em casa está protegida.
    Sobre as autoras do texto: 
    JACQUELINE MUNIZ,antropóloga, professora da UFF.
    ANA PAULA MIRANDA, antropóloga, professora da UFF
    ROSIANE RODRIGUES, antropóloga, pesquisadora do INEAC/UFF.
  • URGENTE: POLÍCIA DO RIO ACABA DE MATAR MAIS UM JOVEM NEGRO

    URGENTE: POLÍCIA DO RIO ACABA DE MATAR MAIS UM JOVEM NEGRO

    Polícia do Rio, comandada pelo genocida Wilson Witzel, mata mais um jovem negro. A vítima agora se chama João Vitor da Rocha, de apenas 18 anos! É todo dia, é terror o dia inteiro! Revolta!

    João Vitor foi tirado da comunidade e levado dentro da Caveirão para algum lugar, onde nunca chegou. Estava morto.

    O assassinato cometido pela polícia ocorreu durante uma ação social de distribuição de cestas básicas na Cidade de Deus, Zona Oeste do Rio. O líder comunitário Jota Marques gravou a cena e a retirada do jovem, dentro do sinistro veículo policial.

    A PM disse que João Vitor chegou a ser socorrido no Hospital Municipal Lourenço Jorge, na Barra da Tijuca, também na Zona Oeste.

    Como sempre, a polícia disse que “foi atacada e que só revidou diante de injusta agressão”. É sempre assim. Os policiais matam, mas as vítimas é que são culpadas.

    Até quando esse desespero! Até quando?

     

     

     

     

  • Nazistas do governo não se emendam

    Nazistas do governo não se emendam

    Não se pode alegar que ninguém avisou. A expressão Brasil Acima de Tudo, usada em campanha e até hoje por membros do governo fascista que ocupa Brasília, foi claramente inspirada no primeiro verso de uma canção nacionalista alemã (Das Lied der Deutschen): Deutschland über alles, ou, Alemanha Acima de Tudo. A queda do Secretário de Cultura, Roberto Alvim, que plagiou o discurso do ministro da propaganda de Hitler, Joseph Goebbels (descoberta primeiro pelos Jornalistas Livres), não deveria deixar de pé qualquer dúvida remanescentes.

    O fato é que esse governo não tem mesmo vergonha de se mostrar nazista e a Secretaria de Comunicação, do secretário Fábio Wajngarden que tem a própria empresa como cliente do governo, resolveu novamente, mais uma vez, abusar de frases tiradas do regime hitlerista. Desta vez, foi a infame ironia do letreiro acima dos portões do campo de extermínio de Auschwitz, na Polônia sob ocupação: Arbeit Macht Frei, ou O Trabalho Liberta.

     

    Como era de se esperar, o secretário negou a intenção de invocar o nazismo na mensagem do governo, até pelo motivo dele próprio ser judeu. Mas o espírito fascista está tão entranhado neles, que isso não significa coisa alguma. Tanto é assim, que a Confederação Israelita do Brasil, como era de se esperar, repudiou o uso da expressão:

    Conib repudia o uso, pela Secretaria de Comunicação do governo federal, da mensagem “o trabalho liberta”

    A Conib divulgou nota em repúdio ao uso, pela Secretaria de Comunicação do governo federal, da mensagem “o trabalho liberta” – a conhecida frase na entrada do campo de extermínio de Auschwitz.

    “É conhecidíssima a relação desse mote com a mais infame instituição do Holocausto, o campo de extermínio de Auschwitz. Ali, no seu portão de entrada, uma placa com esses dizeres transmitia a mentira de que aquele era um local de trabalho e de possível liberdade – quando se tratava da principal fábrica de mortos do nazismo.

    É lamentável ver, mais uma vez, questões caras ao judaísmo e à humanidade em geral serem banalizadas e emuladas, ofendendo a memória das vítimas e dos sobreviventes, em um momento já tão difícil do nosso país e do mundo”, disse, na nota, o presidente da Conib, Fernando Lottenberg.

    Veja matéria original em: https://www.conib.org.br/conib-repudia-o-uso-pela-secretaria-de-comunicacao-do-governo-federal-da-mensagem-o-trabalho-liberta/

  • Governo de Bolsonaro apoia a guerra dos Estados Unidos contra Venezuela

    Governo de Bolsonaro apoia a guerra dos Estados Unidos contra Venezuela

    Os Estados Unidos registraram ontem (01/04) 884 mortes pela covid-19 em 24 horas, um recorde no país, segundo contagem divulgada pela Universidade Johns Hopkins. O forte aumento elevou a 4.475 o número de mortos no país desde o começo da pandemia.

    Enquanto contabiliza o maior número de mortos quanto ao novo coronavírus e o colapso do sistema de saúde americano, o presidente Donald Trump investe pesadamente em uma ofensiva contra a Venezuela, e anunciou o envio de forças militares para a região costeira daquele país. Entre os recursos a serem enviados estão destroieres, navios de combate costeiro, embarcações da Guarda Costeira americana, aviões-espiões e helicópteros da Força Aérea.
    O anúncio foi feito pelo presidente americano durante uma coletiva de imprensa convocada para tratar de medidas contra a pandemia da covid-19 no país.
    Na semana passada, os EUA acusaram Nicolás Maduro e outros líderes do governo venezuelano de comandarem um regime narcoterrorista e ofereceram recompensa por informações que levem à captura do presidente e das lideranças chavistas.
    Logo depois, o vice-presidente da Venezuela, Jorge Rodríguez, chamou o anúncio de “uma tentativa de desviar a atenção” do que está acontecendo nos Estados Unidos com a crise de saúde causada pela covid-19.

     

    Jorge Rodríguez, vice-presidente da Venezuela, 

    repudia o anúncio do Governo Trump  

     

     

     

    Bolsonaro
    O Brasil que enfrenta sérios problemas pela pandemia da covid-19 e a possibilidade de estrangulamento do sistema de saúde nos próximos dias, acaba por demonstrar a sua submissão e alinhamento ideológico ao governo americano, ao lançar, via Itamaraty, uma nota de apoio à ofensiva militar estadunidense. No texto, o governo de Jair Bolsonaro se coloca à disposição para um enfrentamento militar contra um país vizinho que nunca ofendeu ou criou problema diplomático com o Brasil.
    É bom lembrar que Bolsonaro e uma ala considerada mais ideológica e alinhada aos grandes empresários, menosprezam constantemente a pandemia chamando-a de “gripezinha”. Ignoram as ações de isolamento social e mitigação, propostas por especialistas, e adotadas por praticamente todos os países atingidos pela covid-19. Nesse momento, qualquer apoio militar a uma ofensiva americana contra o governo venezuelano deixaria o Brasil ainda mais fragilizado perante a eminência do avanço na epidemia no país. Desviaria recursos financeiros que deveriam ser aplicados na saúde, na proteção dos trabalhadores e trabalhadores e da população mais vulnerável. Além do mais, as forças militares deveriam estar somando e ajudando o país nesse momento do combate a pandemia.

     

    Conversa
    Antes do anúncio sobre mobilização de uma força militar em direção ao Caribe e ao leste do Pacífico realizado na Casa Branca, Trump e Bolsonaro conversaram pelo telefone. O Ministro das Relações Exteriores do Brasil, Ernesto Araújo, também participou da conversa ao lado do presidente brasileiro. Segundo relato de Bolsonaro, o assunto era a pandemia causada pelo coronavírus e a solidariedade mútua entre os dois países..

    Nota do Itamaraty

    PROPOSTA DE MOLDURA INSTITUCIONAL PARA A TRANSIÇÃO DEMOCRÁTICA NA VENEZUELA

    O governo brasileiro, após tomar conhecimento da proposta de uma Moldura Institucional para a Transição Democrática na Venezuela, apresentada em 31/3, pelo governo dos Estados Unidos da América, expressa sua coincidência com os objetivos da proposta e a apoia como instrumento capaz de contribuir para o restabelecimento da democracia na Venezuela.

     

    2.De maneira convergente com a proposta, o governo brasileiro considera que somente a realização de eleições presidenciais livres, justas e transparentes poderá pôr fim à grave crise política, econômica e humanitária por que passa a Venezuela. Considera, igualmente, que a saída de Nicolás Maduro é condição inicial para o processo, uma vez que ele carece de qualquer legitimidade para ser parte numa transição autêntica.

     

    3.Vários dos elementos presentes na proposta têm sido defendidos pelo Brasil individualmente e também pelo Grupo de Lima, de que o país faz parte.

     

    4.A renúncia concomitante do ditador Nicolás Maduro e do Presidente Encarregado Juan Guaidó e o estabelecimento de um Conselho de Estado, eleito pela legítima Assembleia Nacional, com o mandato de organizar eleições livres e justas, sob observação internacional, constituiria importante passo em direção a uma solução definitiva para a crise na Venezuela. No entendimento brasileiro, a garantia de participação no processo de transição de todas as forças políticas comprometidas com a democracia, o repúdio ao crime organizado, a libertação de presos políticos, a restauração das imunidades parlamentares, a restruturação do Conselho Nacional Eleitoral e o restabelecimento de uma Corte Suprema de Justiça legítima são indispensáveis para a reconstrução do Estado de Direito e de um ambiente democrático na Venezuela.

     

    5.O Governo brasileiro está pronto a trabalhar com a comunidade internacional de modo a apoiar o processo de transição democrática na Venezuela, pelo qual tanto anseiam os próprios venezuelanos e os amantes da liberdade em toda a região.