Jornalistas Livres

Categoria: Feminismo

  • NILCEA FREIRE (1953-2019): “A DOR DA GENTE NÃO SAI NO JORNAL”

    NILCEA FREIRE (1953-2019): “A DOR DA GENTE NÃO SAI NO JORNAL”

    Nilcea Freire, que nos deixou neste sábado (28/12), vítima de câncer, aos 66 anos, foi uma mulher extraordinária, muito à frente de seu tempo. Médica, feminista, reitora da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), foi ministra de Políticas para as Mulheres do Governo Lula, cargo análogo ao ocupado atualmente pela pastora evangélica Damares Alves –e só por aí já se pode fazer uma idéia do quanto o País ficou mais fanático, mais intolerante, mais triste, mais ignorante.

    Reitora da UERJ entre 2000 e 2004, Nilcea –pela primeira vez na história do Brasil implantou com a política de cotas (reserva de vagas para alunos negros de baixa renda e formados por escolas públicas). Embora as cotas estivessem em consonância absoluta com a reivindicação do movimento negro, a sua implantação em uma das principais universidades do País deu ensejo a uma violenta onda de repúdio que varreu toda a grande mídia brasileira e boa parte dos círculos intelectuais. Para estes, o ingresso de negros e estudantes de baixa renda no ambiente elitista da academia afigurava-se como uma afronta ao preceito do mérito.

    Previu-se a derrocada do ensino superior, o caos, a falência da formação em terceiro grau. Mas, em vez disso, os novos ingressantes no ensino superior abriram linhas de pesquisa inéditas, trouxeram experiências ainda desconhecidas para o coração acadêmico, transformaram-se em vetores de uma universidade renovada e muito mais inclusiva, colorida e diversa. Logo as cotas tornaram-se paradigma no ensino superior, obrigando mesmo as mais vetustas instituições de ensino brasileiras, como a USP, a também criarem ações afirmativas para a inclusão de novas parcelas sociais em sua comunidade de professores, alunos e funcionários. Nilcea, corajosamente, mostrou o caminho.

    Mulher de esquerda desde a juventude, Nilcea militou nas fileiras do Partido Comunista Brasileiro nos anos da Ditadura Militar. Por causa disso, amargou o exílio no México, entre 1975 e 1977. Em 1989, filiou-se ao Partido dos Trabalhadores, partido em que permaneceu até 2016. Em 27 de janeiro de 2004, Nilcea foi empossada Ministra-Chefe da Secretaria de Políticas para as Mulheres do Governo Luiz Inácio Lula da Silva –inaugurou-se aí um período de impressionante mobilização feminista.

    Delicadeza e resolutividade com a dor dos outros

    A 1ª Conferência Nacional de Políticas para as Mulheres, em julho do mesmo ano, reuniu mais de 120 mil mulheres de todo o país. No final de 2004, saiu do forno o Plano Nacional de Políticas para as Mulheres, que impulsionou os mais relevantes avanços com vistas aos direitos das mulheres: Lei Maria da Penha, criação do ‘Ligue 180’ e do Pacto Nacional de Enfrentamento a Violência, garantia de direitos às trabalhadoras domésticas, políticas focadas na melhoria das condições de vidas das trabalhadoras do campo e para as mulheres negras, promoção da memória da mulher brasileira e articulação em torno da garantia de direitos sexuais e reprodutivos, inclusive fazendo uma clara defesa da autonomia da mulheres nesse campo, foram também marcos de sua gestão.

    Em uma palestra realizada em julho de 2015, Nilcea falou sobre as mortes de mulheres em decorrência de abortos realizados na precariedade da clandestinidade e da pobreza. Foi uma fala grave e crua, que cobrava da sociedade brasileira a coragem de elaborar políticas públicas que pudessem impedir as perdas de vidas de mulheres pela desassistência e desamparo. Nada de Jesus na goiabeira, nada de meninos de azul e meninas de rosa. Nada de gritos. Nilcea passou a vida a exigir atenção à dor de quem sofre. E o fez com delicadeza e sentido de responsabilidade. Por isso, ela foi imprescindível. Por isso estamos tão tristes hoje.

     

    https://youtu.be/RrvPUzbEzXo

     

     

  • Pelo fim da violência contra as mulheres, mas se quiser pode

    Pelo fim da violência contra as mulheres, mas se quiser pode

    Por Daiane Noves

    _ Com licença senhor agressor, desculpa interromper essa surra que o senhor está aplicando nessa mulher que está caída no chão, é que eu sou do movimento feminista e preciso fazer umas perguntas antes de decidir ou não se eu vou defender esta mulher, tudo bem?
    _ Claro, mas eu posso continuar batendo nela enquanto respondo?
    _ Pode sim. Ainda não sabemos se ela mereceu ou não, vai que ela mereceu. Não queremos ser injustas.
    _ Tá.
    _ Essa mulher está sob efeito de substâncias psicoativas ilícitas?
    _ Sim. Na verdade, sóbrio, sóbrio, ninguém aqui tá.
    _ Entendo. Outra pergunta: ela é bolsonarista né?
    _ É sim. Mas nessa galera aqui todos somos né, gata. Mito, B17!
    _ Entendo. Soube também que ela estava com a arma da namorada anteriormente.
    _ Sim. Mas a namorada já havia guardado. Com ela armada eu não estaria batendo né, senão ela atiraria em mim. Mas vou usar o fato de ela ter estado armada antes para legitimar isso aqui como defesa, saca?
    _ Tem outras pessoas armadas aqui né?
    _ Sim.
    _ Mais uma pergunta: foi ela que começou?
    _ A de mão ou a de boca? Pq eu tava humilhando ela mó cota, ela tava toda com raivinha, mexi com a mina dela também. Aí ela veio pra cima de mim. Olha o tamanho da s4p4t4o. É óbvio que eu ia arrebentar ela.
    _ Mas sabendo disso, pq o senhor só não se defendeu ou segurou ela?
    _ Ah, ela quer ser homem né, tem que apanhar que nem homem, pô.
    _ Mas o senhor sabe que é uma mulher, com compleição física e força bem inferior que a sua. Vc sabia que ia sair ileso e ela arrebentada, não?
    _ Claro. Mas eu quero mostrar pra morena lá que eu sou alfa tá ligado?
    _ Mas se fosse um cara?
    _ Se fosse um cara nem tinha mexido com a mina dele, pô. Mas como é uma mina, que ainda é s4p4t4o, e ainda fez uso de drogas, e ainda revidou as minha provocações vindo pra cima de mim? Acha que vou só conter ela? Vou arrebentar mesmo.
    _ O senhor viu que ela já estava no chão?
    _ Vi, eu sou bem forte, né?
    _ Então pq o senhor continua batendo nela?
    _ Pq é facião bater em mulher, nocaute certeiro. Quero dizer, mulher não, s4p4t4o.
    _ Entendi. Mas a questão é que o senhor tá criando um problema ético para o feminismo, além desse monte de hematomas nela. Pq, veja bem: ela segue filosofia de direita e a gente já não gosta dela, ela não performa feminilidade e ainda fica agindo toda pá para performar masculinidade, já não nos parece como a vítima perfeita e cândida, fala mal do ativismo e tem um auto-ódio imenso, nenhum senso de classe. Dificil detectar misoginia e lesbofobia quando não é a vítima ideal, pô.
    _ Ah, moça, faz assim então, se ninguém me segurar, eu continuo chutando ela aqui caída e mato logo. Ninguém liga pra lesbocídio, essas estatísticas nem saem. Resolvo o meu problema e o de vcs. Pode ser?
    _ Pô, senhor agressor. Fechou. A gente muda o lema para ‘Pelo fim da violência contra as mulheres, mas se quiser pode.’
    _ Ah, genial. Qualquer coisa, cê manda um ‘ela que lute’ ou um ‘bem-feito’ ou ‘sem tempo pra mina reaça’, mas acho que não vai precisar não. Ela mereceu, ela tava pedindo.
    _ Verdade né. Desculpa atrapalhar o espancamento ae. Boa surra pro senhor.
    _ Valeu. Ow, cê é uma “morena muito bonita”.
    _ Que isso, não tá vendo meu namorado ali?
    _ Ow, que vacilo, perde perdão lá pra ele. Cê falou que é feminista e eu já pensei que vc tbm namorava s4p4t4o, eca. Aí a gente não respeita não. E se vir cobrar a gente arrebenta, não quer ser homem?
    _ Tá certo. Deixa só eu terminar a minha postagem aqui do “não sou obrigada a ter sororidade com reaça”, péra. Como é mesmo o novo lema que falei agora pouco?
    _ Sei lá, era tipo ‘nada justifica um cara jantar uma mina no soco’…
    _ Não, lembrei, era ‘Pelo fim da violência contra as mulheres, mas se quiser pode.’
    _ Isso.
    _ Desculpa incomodar a surra do senhor.
    _ Que isso, tamo junto. B17.


     

    Veja também: Não deve existir “eu avisei” pra vítima de lesbofobia

  • Rede de produtoras faz campanha de financiamento coletivo para sobreviver

    Rede de produtoras faz campanha de financiamento coletivo para sobreviver

    Com mais de 50 expositoras, a Feira Agroecológica e Cultural de Mulheres no Butantã há quase dois anos oferece mensalmente o acesso a alimentos orgânicos e artesanatos de qualidade em uma relação direta entre produtoras e consumidores.O evento, que é um espaço de fortalecimento da agroecologia e da economia solidária e feminista, pode deixar de existir por falta de apoio financeiro.

    Para dar continuidade ao movimento, a rede de produtoras lançou uma campanha de financiamento coletivo que vai até o dia 22 deste mês. O objetivo inicial é arrecadar R$ 8.000 para a garantir a realização de quatro edições da Feira Agroecológica e Cultural de Mulheres do Butantã no próximo ano. Caso a meta não seja atingida, o valor será devolvido aos doadores.

    Feira Agroecológica e Cultural de Mulheres no Butantã
    Feira Agroecológica e Cultural de Mulheres no Butantã tem se tornado um ponto de encontro, espaço de comercialização e lazer na capital paulista

    Tainá Holanda, uma das coordenadoras do evento explica como os custos da feira estão relacionados à preocupação em tornar o espaço mais acessível tanto para às expositoras como para o público:

    “Os custos incluem desde o transporte dos materiais da feira, como barracas, mesas e cadeiras, até o pagamento dos realizadores da aula de yoga, da roda de capoeira, da apresentação musical e das oficinas. Acreditamos que essa programação cultural gratuita e aberta ao público é parte importante da feira, através da qual buscamos fortalecer os circuitos da cultura popular em São Paulo e democratizar o acesso da população a atividades de lazer diversas.”

    A Feira Agroecológica e Cultural de Mulheres do Butantã é organizada por meio da gestão coletiva. Diferentemente de outros locais de exposição em São Paulo, não há cobrança de taxas para a participação. Cada expositora contribui com 10% do total de vendas. Em média, cada edição da feira tem um custo total de R$ 2.000.

    Olivia Obri, uma das coordenadoras do evento, também ressalta como o espaço tem criado alternativas financeiras e de inclusão social para as mulheres que participam:

    “A proposta da feira é alimentar um coletivo de mulheres que possa autogerir sua organização, seus acordos internos, sua viabilidade econômica. A partir disso, foram criados, coletivamente, critérios para a seleção das expositoras que prezem por uma diversidade não só de produtos, mas de mulheres, levando em conta aspectos como classe, raça, etnia e cultura, sem se descolar da proposta agroecológica da feira.”

    Feira Agroecológica e Cultural de Mulheres no Butantã
    Feira Agroecológica e Cultural de Mulheres no Butantã oferece mensalmente o acesso a alimentos orgânicos em uma relação direta entre produtoras e consumidores. Crédito da foto: Aguapé Produções.

    Atualmente, a feira conta com expositoras que apresentam desde alimentos agroecológicos vindos direto do campo; a cosméticos naturais; artesanatos variados (bolsas em tecido, bonecas negras, brinquedos infantis, bordados); roupas; objetos para decoração, como artes em cerâmica e reciclado.

    A organização do evento tem colocado em prática diversas estratégias de arrecadação de recursos financeiros em todas as edições, como a venda de rifas e bingos. No entanto, a rede de produtoras ainda não alcançou sustentabilidade econômica.

    Holanda conta que o público vem crescendo, assim como o total de vendas. Dessa forma, ela destaca que a feira tem se fortalecido enquanto ponto de encontro, espaço de comercialização e lazer na capital paulista.

    “Estamos certas que poderemos construir a viabilidade do projeto a longo prazo. E é por esse motivo que iniciamos a campanha de financiamento coletivo através da plataforma da Benfeitoria, em busca do recurso necessário para a realização das próximas 4 feiras de 2020. Ao longo desse tempo, buscaremos amplificar ainda mais nossas estratégias de captação de recursos, assim como buscar editais de financiamento que dialoguem com essa iniciativa.”

    A Feira Agroecológica e Cultural de Mulheres no Butantã acontece no Viveiro II do Butantã, através de uma parceria entre a Associação

    Feira Agroecológica e Cultural de Mulheres no Butantã
    Aula gratuita de yoga, às 10h, sempre abre a programação da Feira Agroecológica e Cultural de Mulheres no Butantã. Crédito: Associação Nacional Reggae – Portal RAS

    Nacional Reggae – uma das entidades coordenadoras do evento – e a Prefeitura Regional do Butantã. O espaço público foi aberto para a feira em dezembro de 2017 e, desde então, vem proporcionando uma experiência especial para quem vive na capital paulista, pois acontece em uma área verde gramada, entre árvores, sem edificações.

    Para contribuir com a campanha coletiva, clique no link: https://benfeitoria.com/feiraagroecologicabutanta?fbclid=IwAR0YS8fylSHXgpCOuYDksS6hh7qC2-_hGrVwQ7-6WyZw3TApcgoD68tm8QA

    Última feira do ano promoverá arte, cultura e resistência

    No próximo domingo, 15 de dezembro, acontece mais uma edição da Feira Agroecológica e Cultural de Mulheres no Butantã. O evento será exatamente uma semana antes de finalizar a campanha de financiamento coletivo, que se encerra no dia 22/12.

    Entre as atrações da programação, está o show de Forró Arrumadinho com Jamille Queiroz, Ju Flor e Naiara Perez, às 14h. O trio levará o melhor do ritmo nordestino, com muito pé de serra, zabumba, triângulo e sanfona.

    As atividades culturais da feira começam às 10h com a aula aberta de yoga; em seguida, às 11h, acontece a oficina de plantio para as crianças, e, às 12h30, é a vez de aprender a fazer cadernos artesanais. No período da tarde, após o show de forró, às 15h30, rola a já tradicional roda de capoeira.

    Oficina gratuita para crianças de massinhas naturais, realizada em setembro de 2019. Crédito da foto: Aguapé Produções.

    Para os pequenos, ainda há o espaço da Ciranda dos Curumins, local onde acontece contação de histórias e também é usado para o brincar das crianças. A entrada na feira e participação nas oficinas são gratuitas.

    A Feira Agroecológica e Cultural de Mulheres no Butantã integra a Rede de Economia Solidária e Feminista (RESF), e também é uma iniciativa coorganizada pelo Núcleo de Economia Solidária da Universidade de São Paulo (NESOL – USP) e pela Incubadora Tecnológica de Cooperativas Populares daUSP (ITCP/USP).

     

     

     

    Serviço:
    Feira Agroecológica e Cultural de Mulheres no Butantã
    Próximo evento: dia 15/12 (domingo)
    Local:
    Rua José Álvares Maciel, na altura do nº 847, Butantã, São Paulo – SP.  Próximo a praça Elis Regina.
    Horário: das 9h30 às 17h.
    Entrada gratuita

    Mais informações sobre a feira e o financiamento coletivo:

    https://benfeitoria.com/feiraagroecologicabutanta?fbclid=IwAR0YS8fylSHXgpCOuYDksS6hh7qC2-_hGrVwQ7-6WyZw3TApcgoD68tm8QA

  • 1 ano do desaparecimento de Rosiney Trindade de Oliveira em Portugal

    1 ano do desaparecimento de Rosiney Trindade de Oliveira em Portugal

    Texto: Coletivo Vozes no Mundo

    Neste dia 14 de novembro de 2019 completa-se um ano do desaparecimento de Rosiney Trindade de Oliveira, em Portugal, ocorrido em circunstâncias misteriosas e possivelmente associado ao tráfico de mulheres.Muitas e muitos de nós lutamos por melhores condições e direitos na vida de uma mulher, principalmente na condição de imigrante. Infelizmente, Rosy tornou-se mais um caso concreto para esta luta.

    Mulher, trabalhadora, de origem humilde, estava fora dos círculos universitários que dominam a cidade de Coimbra e, portanto, fora de uma rede apoios que facilitaria a denúncia e a atenção ao caso. Rosy é de Curitiba, mas nos últimos anos morou em Itajaí, Santa Catarina. Chegou em Portugal no dia 1 de outubro de 2018 e começou a trabalhar em Lisboa. Poucos dias depois, aceitou uma proposta de emprego anunciada na internet para trabalhar no restaurante Restinova, na região de Coimbra.Como funcionária do restaurante, poderia também usufruir dos alojamentos que existiam nos fundos do restaurante e foi ali mesmo onde Rosy morou por 28 dias. O restaurante, localizado em uma curva mal iluminada à beira de uma pequena estrada, é conhecido por ser parada de caminhoneiros e viajantes.

    No dia 14 de novembro de 2018, durante a madrugada, Rosy desaparece e todos seus pertences, exceto documentos e celular, ficam no alojamento. O caso logo é abordado com um discurso irresponsável, seja pela mídia ou por funcionárias e dono do restaurante, sugerindo um comportamento duvidoso da vítima. De imediato, despejam a clássica versão estereotipada sobre mulher brasileira: “Rosy gostava de beber vinho de noite”, “Rosy usava lingeries” e etc. A irresponsabilidade é tanta que uma das primeiras matérias realizadas mostram funcionárias e repórter revirando as malas de Rosy antes mesmo da polícia chegar ao local.

    Desde então, acontecimentos levantam suspeitas sobre o restaurante e o dono, José Correia, como o caso de uma ex-funcionária que diz ter sido assediada pelo mesmo. Correia se recusa a dar entrevista há mais de 6 meses.
    Enquanto isso, no Brasil, a família tentava se organizar com doações online para conseguirem vir à Portugal, mas o valor arrecadado foi suficiente para pagar apenas a taxa de emissão do passaporte de um deles.

    Neste marco de um ano após o desaparecimento de Rosy, o cenário não é dos melhores. O caso está sendo investigado pela Polícia Judiciária de Coimbra, mas em sigilo. Não há nenhuma informação ou declaração após abril de 2019. São 7 meses em silencio e 1 ano sem respostas. O consulado brasileiro no Porto e em Lisboa se solidarizaram com o caso, mas nunca se pronunciaram ou pressionaram por respostas às investigações.

    No dia de hoje, o Vozes no Mundo – Frente pela Democracia no Brasil, realizou em Coimbra uma manifestação para fazer valer a continuidade de investigações efetivas que, na ausência da família, que não tem condições financeiras de estar presente para garanti-la, pode cair no esquecimento e se tornar mais um dado para a estatística das mulheres brasileiras trabalhadoras desaparecidas em Portugal e na Europa.

    Protesto realizado na cidade de Coimbra na tarde de
  • “Não há democracia enquanto o Estado não responder quem mandou matar Marielle”

    “Não há democracia enquanto o Estado não responder quem mandou matar Marielle”

    A decisão de realizar a manifestação desta sexta, no Rio de Janeiro, foi tomada depois de o Jornal Nacional associar o nome do presidente da República à investigação do homicídio

    “Não há democracia enquanto o Estado brasileiro não responder quem mandou matar Marielle”, disse a arquiteta e ativista Mônica Benício, viúva da vereadora Marielle Franco (PSOL), covardemente assassinada em 14 de março de 2018, no Rio de Janeiro.

    Mônica divulgou um vídeo em suas redes sociais convocando um ato de protesto para esta sexta (1º de novembro), às 17 hs, na Cinelândia. A manifestação pretende pressionar as autoridades para que apontem os mandantes das mortes da parlamentar e do motorista Anderson Gomes.

    A convocação acontece no momento mais grave da investigação. Na última terça-feira (29/10), o principal telejornal da Rede Globo, o Jornal Nacional, citou o presidente da República, Jair Bolsonaro, na trama que teria culminado na execução da parlamentar.

    Segundo a reportagem, o porteiro do condomínio do presidente, que na época era deputado federal, revelou que o ex-PM Élcio Queiroz, acusado pelos homicídios, se apresentou na guarita dizendo que visitaria Bolsonaro. Élcio se reuniu com outro acusado pela execução, Ronnie Lessa, sargento aposentado da PM, que morava na casa 68, do mesmo condomínio. A reunião se deu horas antes dos assassinatos; e os dois estão presos.

    Como informou o JN, o porteiro revelou no inquérito que “o seu Jair”, da casa 58, havia autorizado, por telefone, a entrada de Élcio. O telejornal noticiou ainda que o então deputado, naquele horário, teve sua presença registrada no plenário da Câmara.

    Em viagem à Arábia Saudita, Bolsonaro gravou uma resposta nervosa, longa, crivada de ataques à Globo, considerada por ele “canalha”. E disse que não haverá “um jeitinho” no processo de renovação da concessão da Rede Globo. No vídeo, o presidente acusou o governador do Rio de Janeiro, Wilson Witzel, de vazar para o JN detalhes da investigação do assassinato de Marielle, que corre em segredo de Justiça. No dia seguinte, o Ministério Público fluminense declarou que o porteiro deu informação falsa ao citar Jair Bolsonaro na investigação do crime.

    Na semana conturbada, o deputado Eduardo Bolsonaro, filho do presidente, cuidou de ampliar a crise com uma ameaça à democracia brasileira. Disse, em entrevista, que “se a esquerda radicalizar”, uma das medidas do governo seria uma espécie de reedição do Ato Institucional número 5, o famigerado AI-5, um dos piores instrumentos usados pela ditadura militar para violentar não só os seus opositores, mas a nação inteira. Bolsonaro desqualificou a declaração do filho, desautorizando-o a falar no retorno do AI-5. Neste clima, será realizado o ato da Candelária, encabeçado, entre outros militantes, por Mônica Benício, que escreveu em seu Instagram: “…completam-se 597 dias sem resposta. Sem justiça. Sem saber quem mandou matar Marielle. Se você também está do lado da democracia, se você também quer ver um Brasil mais justo, vem pra rua com a gente. Estaremos juntas, juntos e juntes ocupando as ruas por ela e por nós.”

    Em São Paulo, a manifestação está marcada para dia 5, terça-feira, às 18 hs, no vão do Masp, na avenida Paulista. A convocatória carrega as frases: “Ditadura nunca mais”; “Basta de Bolsonaro”, “Justiça por Marielle”.

    Acompanhe nossa página oficial:
    www.jornalistaslivres.org

    Siga os Jornalistas Livres nas suas redes:
    twitter.com/J_livres
    facebook.com/jornalistaslivres
    instagram.com/jornalistaslivres
    telegram.me/jornalistaslivres

  • Por que a chapa peronista de Alberto Fernandez e Cristina Kirschner pode vencer as eleições argentinas

    Por que a chapa peronista de Alberto Fernandez e Cristina Kirschner pode vencer as eleições argentinas

    Comício final de campanha em Mar Del Plata

    Com a economia em frangalhos, depois de quase quatro anos de governo neoliberal de Maurício Macri, a Argentina acumula perdas: só neste ano, o PIB recuou 2,5%. O desemprego já superou a marca dos 10,6%, e continua subindo. Os dados também mostram um aumento da sub-ocupação. No segundo trimestre de 2019, a taxa ficou em 13,1%, contra 11,8% nos três meses anteriores e 11,2% no mesmo período em 2018.O resultado pode ser visto nas ruas, com a multiplicação das pessoas vivendo ao relento e pedindo esmolas mesmo nos bairros mais ricos da cidade de Buenos Aires. O País voltou a mendigar empréstimo ao Fundo Monetário Internacional (FMI), e toda a situação fez com que o peso argentino despencasse, agravando a situação de descontrole inflacionário. A inflação esperada para 12 meses é de 48,3%. Para completar a devastação, a paralisar de uma vez qualquer possibilidade de recuperação, o Banco Central argentino tem subido os juros em uma tentativa de evitar a fuga de dólares. Atualmente, a taxa de juros está perto de 85%, o risco-país duplicou, ficando acima de 2 mil pontos, e o peso sofreu forte desvalorização.

     

    Alternativa a tamanha desgraça, o peronismo de Cristina Kirschner e Alberto Fernandez, que disputa neste domingo (27) a eleição presidencial argentina, com larga possibilidade de vitória, acumula imenso capital político. Primeiro de tudo porque todos os indicadores econômicos dos dois governos de Cristina (entre 2008 e 2015) são melhores do que os de Mauricio Macri, como se verá a seguir. Depois, porque ela encurralou os militares e sacralizou a idéia dos direitos humanos, não permitindo o avanço dos fascistas nostálgicos da Ditadura e do extermínio de adversários políticos, como ocorreu no Brasil, com Bolsonaro. Por fim, porque conseguiu manter-se fiel à tradição operária do peronismo, organizado pela base, lançando pontes para os novos movimentos de juventude e de mulheres. Sempre, entretanto, mantendo vivo o traço popular. Como disse Cristina, ontem, no comício final em Mar Del Plata: “Nunca mais Neoliberalismo!”

     

    Mais emprego, menos dívida e menor inflação com Cristina

     

    O quadro a seguir foi elaborado pelo grupo editorial “Perfil” e mostra um comparativo entre o governo de Macri e o segundo mandato de Cristina, que não foi tão bom como o primeiro. Mesmo assim, as vantagens do peronismo na condução da economia parecem evidentes, sobre a política econômica neoliberal.

    O PIB com Cristina (entre 2012 e 2015) andou de lado. Mas, com Macri, caiu 4,3%. A taxa de pobreza, com Cristina contava-se em 29%. Com Macri, subiu 7 pontos percentuais. A inflação média em 4 anos foi de 30,5% com Cristina e de 42,6% com Macri. De cada 100 trabalhadores, 5,9 estavam desempregados sob o governo de Cristina. Agora são 10,1 desempregados. Com Cristina, 17 bilhões de dólares fugiram do país, em busca de praças mais seguras. Essa cifra subiu para 70 bi com Macri. A dívida pública cresceu de 43 bilhões de dólares para 110 bi com Macri. A conclusão do boletim “Perfil”: “A Argentina termina 2019 mais pobre, mais frágil, mais vulnerável do que em 2015 e do que em 2011”. 

     

    de infografia comparacion macri cristina 20190914

    Memória e verdade, contra os “Bolsonaros”

    Os 17 hectares ocupados atualmente pelo Espaço Memória e Direitos Humanos, em um dos endereços mais conhecidos de Buenos Aires, a avenida do Libertador, 8.151, ajudam a explicar graficamente como o peronismo encurralou os militares e sacralizou a idéia dos direitos humanos.

    No país vizinho, a Ditadura Militar instituída por um golpe de Estado desfechado em 1976 é lembrada todos os dias pelos crimes de lesa-humanidade que cometeu ao matar, torturar, fazer desaparecer, sequestrar e exterminar opositores. Calcula-se que pelo menos 30.000 pessoas tenham sido assassinadas durante os sete anos que durou o regime.

    Escola de Mecânica da Armada, um dos cerca de 500 centros clandestinos de extermínio de opositores do Regime Civil-Militar: Nunca esquecer!

    Jornalistas Livres estiveram, na terça-feira (22), no complexo de prédios em que funciona o Espaço Memória, uma construção castrense que abrigou a ESMA (Escola de Mecânica da Armada), destinada à formação de suboficiais, e que, entre 1976 e 1983, durante a Ditadura Militar, foi transformada no principal entre os cerca de 500 centros clandestinos de prisão, tortura e extermínio espalhados pelo país.

    Ali, monitores encaminham adolescentes (maiores de 12 anos) por entre construções crivadas de memórias de dor, sofrimento e perdas. No percurso que fizemos, acompanhávamos estudantes da escola Santa Lucia, um estabelecimento de ensino católico, que viera em excursão da cidade vizinha de Florencio Varela (a 32 km de Buenos Aires).

    Meninos ainda imberbes e garotas em uniforme escolar com meias três quartos ouviam atentamente, em silêncio total, a voz da monitora contando-lhes sobre o horror que aquelas paredes encerraram na noite dos direitos humanos. Alguns choraram diante da descrição do drama vivido pelas mulheres grávidas que eram sequestradas e despersonalizadas, mantidas como verdadeiras incubadoras até a hora do parto.

    Encapuzadas 24 horas por dia, as grávidas opositoras do regime dos generais eram mantidas às cegas. Também obrigavam-nas à imobilidade as algemas que lhes prendiam os pés e, por fim, eram proibidas de falar. Em vez de nomes, números identificavam-nas. Na hora de dar à luz, essas mulheres eram assistidas por médicos da Marinha. Depois das dores do parto, elas nunca mais veriam seus filhos, porque estes lhes eram tomados e dados como presentes a famílias de militares. Em seguida, anestesiadas, várias dessas mães foram jogadas em aviões, que as descarregavam no Rio da Prata, para morrerem afogadas, nos “Vôos da Morte”.

    Foram Nestor e Cristina Kirschner os que enfrentaram a poderosa Marinha argentina, tomando-lhes o complexo escolar-matadouro e entregando-o para que servisse como homenagem permanente aos mortos e desaparecidos da Ditadura. Foi também por iniciativa deles, junto aos movimentos de familiares de vítimas e sobreviventes do regime militar, que os responsáveis pelas atrocidades cometidas acabaram atrás das grades, diferentemente do que ocorreu no Brasil, em que nenhum torturador foi punido por seus crimes.

    Milhares de adolescentes assistiram e seguem assistindo às aulas, atividade que nem mesmo o governo ultraneoliberal de Maurício Macri, aliado de Jair Bolsonaro, conseguiu desorganizar.

    As estações do metrô de Buenos Aires homenageiam os mortos da ditadura, com fotos e obras de arte nomeando-os e retratando-os –tudo o que não pode ocorrer é o esquecimento, porque –isso as Mães da Praça de Maio sempre ensinaram– a Memória é o caminho para impedir que novos crimes como aqueles cometidos pela Ditadura se repitam.

    E há o comovente Parque da Memória, também destinado a homenagear as vítimas do terrorismo de Estado –uma área do tamanho de 14 campos de futebol que margeia o Rio da Prata, em que se erigiu um paredão onde estão inscritos os 30 mil nomes dos desaparecidos e assassinados pelo aparelho repressivo ditatorial (dez vez mais nomes do que os inscritos no memorial em homenagem aos mortos no World Trade Center, em Nova York).

    Parque da Memória: menino flutua sobre o esquecimento

    Lá também se encontram obras de arte pungentes, alusivas ao pesadelo nacional representado pelo governo militar, como é o caso da que representa o menino Pablo Míguez, um dos cerca de 500 meninos e meninas sequestrados durante a Ditadura. Pablo foi preso na Escola de Mecânica da Armada, assassinado aos 14 anos de idade e arremessado ao rio da Prata, em 1977. Na escultura de Claudia Fontes, feita em aço polido, de modo a refletir as cores das águas do rio, Pablo flutua sobre o esquecimento.

    Um Bolsonaro homenageando torturadores até seria possível na Argentina, mas ele nunca seria eleito presidente. É por isso que o melhor amigo de Bolsonaro na Argentina, Maurício Macri, não ousa mexer com os cadáveres da Ditadura.

    Pelo papel que desempenharam na Democratização do País, ao não permitir que o Terrorismo de Estado fosse esquecido, Nestor e Cristina Kirschner têm a gratidão completa das vítimas. No comício final da chapa peronista em La Plata, capital da provincia de Buenos Aires, uma das que mais sofreram em perdas humanas durante a Ditadura, Hebe Pastor de Bonafini, fundadora da associação Mães da Praça de Maio, fez questão de comparecer e levar seu apoio à chapa peronista. Aos 90 anos, foi beijada e reverenciada pelos militantes.

     

    30.000 nomes gravados no muro. Dez vezes mais do que no Memorial aos Mortos no World Trade Center, em Nova York

    Sindicatos no poder e organização de base

    O peronismo de Cristina Kirschner continua fincado nas poderosas organizações sindicais argentinas. Um passeio por entre a massa presente nos comícios da “Frente de Todos” basta para que se percebam diferenças sensíveis com os recentes comícios eleitorais brasileiros, encabeçados pelo PT.

    Segundo o vereador Dario D’Aquino, do Partido Justicialista (Unidad Cidadã), que também é secretário geral do Sindicato dos Trabalhadores Municipais da cidade de Florêncio Varela, o povo argentino perdeu ”todos os direitos” durante o governo de Macri. “O peronismo voltará porque o povo está sendo levado novamente a lutar contra o neoliberalismo. O modelo político terá de incluir o povo e para isso não há nenhum instrumento melhor do que o peronismo.”

    “Sim, vamos voltar! Voltaremos, voltaremos. Vamos voltar!” é uma das músicas cantadas a plenos pulmões pelos operários nos comícios, assim como a Marcha Peronista, cantada pela primeira vez na Casa Rosada em 17 de outubro de 1948:

    Los muchachos peronistas,

    todos unidos triunfaremos,
    y como siempre daremos
    un grito de corazón:
    «¡Viva Perón, viva Perón!».

    Por ese gran argentino
    que se supo conquistar
    a la gran masa del pueblo,
    combatiendo al capital.

    ¡Perón, Perón, qué grande sos!

    ¡Mi general, cuánto valés!

    Perón, Perón, gran conductor,

    sos el primer trabajador.

    Por los principios sociales
    que Perón ha establecido,
    el pueblo entero está unido
    y grita de corazón:
    ¡Viva Perón! ¡Viva Perón!

     

     

    https://youtu.be/VPSNiSfjSnc

     

     

     

    Faixas e bandeiras são feitas a mão, em vez de fabricadas por empresas profissionais de publicidade. Carregam a humanidade dos traços imperfeitos, mas comprometidos dos militantes de base. Inexistem aqueles indefectíveis “coletes” das centrais sindicais, que se banalizaram nas manifestações brasileiras.

    Não há praticamente venda de bebidas alcoólicas. Apenas água e refrigerante, durante o ato. Não há shows ou sorteios para atrair a militância. As bandas e fanfarras ligadas aos sindicatos só aparecem ao fim dos eventos, com seus tambores indefectivelmente decorados com as cores argentinas e as efígies de Perón e Evita (às vezes, também aparecem Cristina e Nestor Kirschner).

    Gabriel, militante peronista desde criança, explica que os sindicatos argentinos são as principais organizações sociais referenciadas na tradição de Perón, mas que há muito mais, como os círculos de discussão e debates, os núcleos de bairro, mediados por relações de solidariedade e camaradagem. São reuniões semanais?, perguntamos. E ele responde: “É todo o tempo.”

    Mas o caráter marcial da Marcha Peronista, claramente, não combinaria com a onda feminista que está varrendo a Argentina, e que reuniu mais de 500.000 pessoas entre os dias 12 e 14 em La Plata, no 34º Encontro Plurinacional de Mulheres, Lésbicas, Trans, Travestis, Bissexuais e Não-Bináries. Coube a Cristina Kirschner começar a combinar e harmonizar símbolos que teriam tudo para ser contraditórios.

    E ela o fez. No Instituto Pátria, criado por Cristina assim que deixou a Casa Rosada, e que poderia ser apenas uma ONG análoga ao Instituto Lula ou ao Instituto FHC, promovem-se discussões visando à atualização do peronismo, à formação de militantes jovens e às elaborações teóricas feministas, entre tantos temas. Só assim para combinar a radicalidade da juventude com a força da tradição de décadas.
    “É por isso que se vêem tantos jovens gritando a letra da Marcha Peronista, um hino septuagenário cantado como se fosse uma letra de rock”, explica-nos a jovem peronista da Universidade Nacional de La Plata.