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Categoria: Mobilidade

  • 10 coisas importantes sobre o reajuste do ônibus em SP

    10 coisas importantes sobre o reajuste do ônibus em SP

    1 O reajuste para R$ 3,80 é ligeiramente menor que a inflação em 2014

    O último reajuste da tarifa básica de transportes coletivos na capital foi em janeiro de 2015, quando passou a R$ 3,50. A nova tarifa aprovada para 2016 é R$ 3,80.

    Se tomarmos só o período desde o último aumento (jan/2015 a jan/2016), verificaremos que a inflação foi acima de 10% e o reajuste aprovado é de 8,57%. Desse modo, o reajuste é ligeiramente menor do que a inflação no último ano. Para recompor a inflação, a tarifa deveria subir para perto de R$ 3,87.

    2 A tarifa tem seguido a inflação, medida pela IPCA, nos últimos 11 anos

    Se voltarmos para o início de 2005, quando a tarifa era R$ 2,00 e aplicarmos a inflação no período, chegaremos a R$ 3,75. Quase o mesmo valor aprovado agora. Podemos, dessa forma, afirmar que a tarifa tem seguido a inflação, medida pela IPCA, nos últimos 11 anos.

    3 Usuários dos bilhetes temporais não terão reajuste

    Os bilhetes temporais (mensal, semanal e 24 Horas) não foram reajustados em 2015 e não serão reajustados agora. Assim o valor para o cartão mensal, válido por 31 dias para metrô ou ônibus, permanecerá em R$ 140,00. O cartão que mensal que permite o uso tanto em trilhos como em ônibus continuará a ser vendido por R$ 230.

    Um usuário que fizer 47 viagens de ônibus em um mês, tendo pago R$ 140, terá uma tarifa de  R$ 3,00 por viagem. O mesmo valor que tem pago desde 2013.

    A utilização dos bilhetes temporais mais que dobrou (116%) entre 2014 e 2015, de 114 mil para 250 mil, por essa vantagem.

    4 O passe livre a estudantes da rede pública não terá alterações

    Estudantes da rede pública e de baixa renda têm isenção integral da tarifa, bem como aqueles de famílias de baixa renda. Há 536 mil estudantes com direito à gratuidade. Outros estudantes têm isenção de 50%.

    Em novembro de 2015, alunos com gratuidade fizeram 1,09 milhões de utilizações por dia. Contando-se todos os alunos foram 1,46 milhões.

    5 Desempregados têm gratuidade por 90 dias

    A partir de novembro de 2015, os desempregados, que tenham terminado de receber o Seguro-Desemprego, podem receber um bilhete único gratuito com validade de 90 dias. A Prefeitura estima em 500 mil utilizações por dia.

    6 Passageiros pagantes recuaram quase 10% no ano

    Em 2014 e 2015, o número de passageiros por dia ficou próximo de 9,7 milhões. Entretanto, se considerarmos somente os passageiros pagantes houve um recuo em 2015 de 9,5%.

    As razões apontadas para a diminuição dos pagantes são o (i) passe livre dos estudantes, (ii) a ampliação da gratuidade para idosos a partir de 60 anos e (iii) a adesão aos bilhetes temporais.

    7 O custo total do transporte subiu 8% em 2015

    O custo operacional total do sistema de transportes foi de R$ 600 milhões no mês de dezembro de 2014 e subiu para R$ 646 milhões em dezembro de 2015. O percentual de aumento aqui verificado foi de aproximadamente 8%.

    8 O subsídio da Prefeitura será de R$ 1,91 por passageiro pagante

    Se dividirmos o custo total pelo número de passageiros que pagam pelo transporte o valor da tarifa deveria ser R$ 5,71. Em 2014 era de R$ 4,77. Como a nova tarifa será de R$ 3,80, haverá um subsídio de R$ 1,91 por passageiro pagante.

    9 Um em cada cinco passageiros tem gratuidade

    Os pagantes de tarifa integral representam 57% do total de viagens. Devemos ressalvar que aqui estão empregados formais que têm o vale-transporte, subsidiado pelos empregadores. Os pagantes que contam com algum tipo de desconto representam 25% das viagens e os não pagantes são 18%.

    A Prefeitura afirma que “mais da metade dos usuários do sistema de transportes (53%) não será impactada pela mudança na tarifa unitária, porque são beneficiários de gratuidades, usam bilhetes temporais que não terão aumento ou são trabalhadores que já pagam o limite legal de 6% do salário para o vale transporte”.

    10 Gasto da Prefeitura com subsídios subirá 12%

    O subsídio da Prefeitura de São Paulo ao transporte público foi de R$ 1,7 bilhão em 2015 e está previsto para R$1,9 bilhão em 2016. Esse valores representam um acréscimo de 11,76% em 2016 sobre 2015.

    Nota: os dados aqui apresentados foram extraídos do Relatório Reajuste Tarifa no endereço http://www.prefeitura.sp.gov.br/cidade/secretarias/upload/transportes/SPTrans/acesso_a_informacao/2015/RelatorioReajusteTarifa.pdf

  • A briga não é Über versus taxistas. A briga é tecnologia versus trabalhadores

    A briga não é Über versus taxistas. A briga é tecnologia versus trabalhadores

    Por Eduardo Afonso

    Nos últimos meses, uma polêmica já conhecida lá fora chegou atrasada no Brasil — tal como dita o complexo de inferioridade do brasileiro: ‘tudo chega atrasado no Brasil’ — o Uber. Uber é um aplicativo de celular, tipo WhatsApp ou Instagram. Os aplicativos de celular tornaram-se ferramentas obrigatórias do nosso dia-a-dia.

    Eles tendem a deixar os meios de trabalho básicos do ser humano mais efetivos, confortáveis e, em casos como o do Netflix e do WhatsApp, mais baratos. Eles estão tomando conta de diversos setores — os canais de televisão e rádio, por exemplo, não tem outra alternativa a não ser migrar para as redes sociais, a forçar seus telespectadores a interagir com aquilo que estão assistindo ou ouvindo, pois essa é a tendência de nossa geração. Tudo está ficando muito mais dinâmico por causa desse tipo de aplicativo, que é um fruto da internet, que veio pra revolucionar o mundo assim como vieram as máquinas na revolução industrial. A internet tornou-se uma poderosa ferramenta de troca de informações, sejam elas fúteis ou não, e somente isso já aumenta a porcentagem de participação ativa de cada um dos membros de qualquer sociedade. A internet atingiu até os locais mais pobres do mundo, e fez desses lugares, lugares íntimos em uma questão de segundos pra qualquer um que tenha acesso à ela. Anos à frente nossos filhos estudarão a revolução da internet na escola, se é que a internet não vai encontrar também uma alternativa para as escolas até lá. Um dos principais motivos pra isso ser chamado de revolução são os tais dos aplicativos. O caso do Uber é um grande exemplo disso.

    Foto: Mídia NINJA

    O Uber é um aplicativo de celular que ajuda você a encontrar um motorista, do Uber, pra te levar onde você precisa por um valor específico. O serviço apresentado é bem parecido com o famoso taxi, que existe em massa por todo o Brasil e por todos os países que seguiram o molde europeu de civilização. A diferença é que o Uber é um serviço colaborativo — qualquer um que tiver os requisitos mínimos pra ser um motorista Uber pode ser um motorista Uber, inclusive você e eu. As exigências não são muito complicadas de se agradar — a pessoa precisa ter apenas uma carteira profissional com licença pra exercer atividade remunerada, seguro que cubra o passageiro e um sedã comprado após 2009. Os candidatos a motorista do Uber passam também por uma série de entrevistas antes de se tornar um, mas se você não for um psicopata ou algo parecido dificilmente vai ser rejeitado. O serviço torna-se, então, mais confortável e efetivo, mais ‘direto ao ponto’, por assim se dizer, e em certas horas do dia, mais barato. Além disso, o serviço é melhor que o dos taxistas, apesar de sair um pouco mais caro nas outras horas do dia. O serviço dos taxistas, porém, nunca foi barato no Brasil. Só se move de taxi pelas grandes cidades aqueles que tem o mínimo de dinheiro sobrando pra isso. Quem ganha menos de mil reais, que é o caso da maioria da população brasileira, não utiliza o taxi, utiliza o transporte público, que ainda não tem uma alternativa cibernética.

    Os taxistas estavam confortáveis em suas posições, muitas vezes pegando o caminho mais longo pra ganhar uns trocados a mais, sem oferecer nenhum luxo para o passageiro que muitas vezes era, inclusive, tratado como um problema, como um incômodo a se carregar numa madrugada meio preguiçosa, e agora terão que modificar seu modo de trabalho se quiserem se manter no mercado. A tecnologia veio pra dominar, e todos os lugares onde ela começar a ser utilizada, substituirá qualquer prática que seja considerada abusiva ou inefetiva. Ela começou afetando áreas como a comunicação entre as pessoas, em seguida derrubou o mercado fonográfico com os mp3s e o streaming, e agora começa a atacar mercados mais arriscados como o do transporte.

    Por outro lado…

    Os taxistas se invocaram com o aplicativo pelo que ele representa no futuro, sentindo-se ameaçados com o avanço da tecnologia. Muitas áreas estão sofrendo com isso, e acredito eu que parte da crise mundial seja consequência do avanço tecnológico. Nas fábricas de carros, por exemplo, as pessoas começaram a ser substituídas por robôs anos atrás. A linha amarela do metrô de São Paulo não tem operador, tudo é controlado remotamente. A tendência é que isso aconteça mais e mais, e quem estiver ligado à mudança do mercado terá como se adaptar. Aqui entra também a discussão do livre mercado, defendido pelos liberalistas como uma opção mais efetiva na evolução da sociedade e de nossa espécie. Eles erram em acreditar que as regras têm poder de frear esse avanço, ou de achar que uma prática ou organização específica ditará o avanço de nossa espécie. O ser humano tem fome de evolução instintivamente, e não importa o quanto seu mercado for regrado ele sempre encontrará uma forma mais barata e efetiva de lucrar nesse mercado. Ele sempre procurará caminhos pra evolução. Não importa quantos sites de torrent sejam derrubados, sempre surgirá um outro em seguida pra tomar o lugar do que fora derrubado. A questão a se pensar pelo lado progressista da coisa é a do ataque do avanço tencológico no mercado de trabalho. Os progressistas deveriam estar defendendo os trabalhadores, os taxistas, que querem nada mais que se cumpra as regras pré-estabelecidas do mercado brasileiro. Há de se deixar que os aplicativos existam, pois não há como freiá-los, mas há também de adaptar o mundo internético dos aplicativos às regras de nosso mercado pra que nossos trabalhadores, mesmo que autônomos, não sofram bruscamente com a mudança que a internet vêm provocando no mercado mundial.

    A forma como os taxistas trabalham teria que mudar e no processo diversos empregos seriam perdidos caso o Uber não se enquadre nas exigências do mercado. O custo de trabalho aumentaria e a renda diminuiria. Muitas famílias que dependem do sustento do pai ou mãe taxista ficariam sem ter o que comer caso o pai ou mãe não fizesse algo pra reverter a situação. Há de se pensar no trabalhador, acima de tudo, e do que o conforto da classe média que utiliza de tais serviços realmente significa para os que estão noite e dia nas ruas a servi-los. A teoria do livre mercado, defendida pelos liberalistas, não pode ser o discurso dos progressistas — estamos aqui pra defender o trabalhador. Se o mercado indica uma mudança brusca na forma de trabalhar, há de ser adaptar as novas práticas ao mercado e não de se destruir toda uma classe somente por questões de eficácia. E também não devemos apoiar as tecnologias pois elas nos trazem conforto. O conforto de uns é a catástrofe de outros. Essa é a grande lição que deveríamos tirar do sistema capitalista que nos rege.

    A internet veio pra ficar, e assim vieram também os aplicativos, que tendem a facilitar nossas vidas. Ela pode e deve ser usada como ferramenta pra derrubar diversas coisas — a mídia manipuladora, os políticos mentirosos, a hipocrisia de nossos líderes religiosos, mas nunca a internet deve atacar os trabalhadores e o cidadão comum. Ela deve ser uma aliada, não uma ameaça, ela deve ser a voz do povo e não a destruição de empregos. Que fique para os taxistas a lição do motivo dos sindicatos existirem, pra proteger o trabalhador quando as empresas ou o mercado quer esmagá-los. Filie-se a seu sindicato, corra atrás de seus direitos e defendam seus empregos. No que depender de mim, estarei sempre com vocês.

  • Haddad critica monotrilho de Alckmin em pré-campanha, após congelamento das obras

    Haddad critica monotrilho de Alckmin em pré-campanha, após congelamento das obras

     

    Já praticamente em pré-campanha pela sua reeleição, o prefeito Fernando Haddad participou do seminário internacional “Participação Cidadã, Gestão Democrática e as Cidades no Século XXI”, que marca o encontro entre os ex-presidentes Lula e o uruguaio Pepe Mujica em São Bernardo do Campo, entre os dias 28 e 29 de agosto de 2015. O petista fez um balanço de sua gestão nesta sexta-feira (28) e aproveitou a oportunidade para fazer críticas às obras do governador do estado, Geraldo Alckmin.

    “Vamos pegar, por exemplo, o caso do monotrilho na cidade de São Paulo. Quantas audiências públicas ocorreram e quantas pessoas estão envolvidas na decisão de fazer suas obras? Monotrilho está custando e vai usar bilhões de reais. É uma intervenção urbana muito significativa, que produzirá um rasgo definitivo na cidade. Ninguém vai voltar atrás e destruir as pilastras das obras”, disse o prefeito. Para Haddad, uma obra desta magnitude tem maior dificuldade de ser revista ou mesmo evitada.

    Foto: Renato Bazan

    A crítica aberta do prefeito vem depois da Secretaria dos Transportes Metropolitanos do governo Alckmin congelar 17 das 36 estações de monotrilho previstas para as linhas 17-Ouro, que estava em obras na Zona Sul de São Paulo, e da Linha 15-Prata, na Zona Leste. As obras eram previstas para 2013, tiveram seu planejamento empurrado para a Copa do Mundo e, agora, só devem ser finalizadas em 2017, quatro anos depois da data oficial.

    Fernando Haddad aproveitou a oportunidade, e a proximidade das eleições, para criticar abertamente o tucano em um evento público sem citar seu nome. E fez a crítica comparando com as suas tão contestadas ciclovias.

    “Por que ninguém se incomodou de não ter participado da concepção do monotrilho? Não houve incomodo nem Ministério Público e nem OAB no caso. Todos os que entraram com ações contra mim não endereçaram ações contra essas obras que estão congeladas. O que está por trás disso? Foi mais de um ano batendo nas faixas de ônibus que implantamos até entrarem as ciclovias”.

    Para o prefeito, quem for gestor e quiser sair da inércia na administração de São Paulo, vai precisar ter de quatro até cinco ideias a mais na manga. Haddad relembrou a ética de responsabilidade do pensador alemão Max Weber como exemplo do que o governante precisa ter. “Ele deve se perguntar sempre se está aproveitando os quatro anos do poder para libertar as pessoas da posição abjeta que ocupam”, complementou.

    Foto: Renato Bazan

    Fernando Haddad também respondeu perguntas sobre a dificuldade nas disputas políticas, nos protestos populares e na convivência democrática. “As pessoas precisam voltar a debater e as divisões emperram o avanço dos progressos”. O prefeito aponta uma crise de representação nas eleições e na política como um geral. Uma democracia mais radicalizada seria a solução. E ele falou um pouco sobre sua própria situação ao buscar a reeleição.

    “Talvez o melhor, nessa situação, seria não se eleger e cuidar da minha própria vida. Muitos possuem ambições para ficar na política, mas o que seria bom, do ponto de vista mais egoísta, seria cair fora disso e não esquentar a cabeça”, disse Haddad, arrancando palmas e elogios da plateia ao mostrar que não estava disposto a fazer isso.

    Não é a primeira vez que Fernando Haddad dispara críticas ao governador Alckmin. Em julho deste ano, numa coletiva que este autor participou, ele afirmou que o monotrilho “custou R$ 6 bilhões e está há um ano em testes”.

    As críticas, no entanto, não ficaram direcionadas ao tucanato. O prefeito teme candidatos outsiders da política como seu adversário de 2012, Celso Russomanno do PRB, e o ex-petista e apresentador policial José Luiz Datena, que concorrerá pelo PP de Maluf. “O que tenho medo é que o SBT resolva lançar o palhaço Bozo como candidato, considerando os outros adversários que temos”, frisou Haddad, tirando sarro de opositores.

    O problema é que, apesar de ter segurança na disputa de uma reeleição com intenções de vencer, Fernando Haddad está ciente do quanto a sua gestão foi penalizada por uma crítica sistemática da mídia.

    “O Papa Francisco está fazendo um grande trabalho, mas eu acredito que outras pessoas individualmente estão se esforçando para atuarem de maneira ética. Se você está no caminho certo, o futuro chegará para você. Mais importante do que aprovar um projeto para funcionar no ano que vem é brigar por algo que vai mudar de verdade a vida das pessoas”, disse Haddad.

    O prefeito está otimista demais? Não se sabe, mas as críticas à falta de gestão do governo do estado de São Paulo já estão afiadas para as próximas eleições.

    Com apuração do jornalista Renato Bazan

     

  • Ódio aos ciclistas e misoginia nas ruas de São Paulo. Até quando???

    Ódio aos ciclistas e misoginia nas ruas de São Paulo. Até quando???

     

    À medida que o número de ciclovias e a adesão ao uso da bicicleta como meio de transporte crescem por uma série de razões, como qualidade de vida e mobilidade urbana sustentável, a intolerância no trânsito da capital paulista para com os ciclistas não dá trégua. Na última segunda-feira, 24, Giovanna Franceschi Dias, jornalista e moradora de Moema, estava indo de bicicleta para o trabalho –é assim há quase dois meses — , quando foi surpreendida pela intolerância do motorista de uma Hilux branca.

    Giovanna estava sob a faixa de pedestres, no cruzamento das avenidas Moema e Helio Pellegrino para entrar sentido avenida Faria Lima, aguardando o farol abrir, à frente do carro. “Assim que abriu o sinal, ele avançou, me fechou e eu, acuada, assustada, cambaleei para o lado direito, coloquei o pé no chão e por pouco não caí.”

    Não satisfeito com seu nível de violência, o motorista freou e gritou de dentro do carro:

    “Vai lamber as bolas do prefeito, vagabunda! Aqui não é Amsterdam!”

    De fato, não estamos em Amsterdam, mas as regras de convivência urbana por aqui são claras e os artigos do Código de Trânsito Brasileiro que tratam da segurança dos motoristas, ciclistas e pedestres também. O Artigo 29: em seu inciso XII, § 2º diz que: “…em ordem decrescente, os veículos de maior porte serão sempre responsáveis pela segurança dos menores, os motorizados pelos não motorizados e, juntos, pela incolumidade do pedestre.”

    Além desse fato, não respeitado pelo motorista da Hilux branca e tantos outros que adotam este comportamento sociopata no trânsito, o caso da ciclista ainda caberia na Lei Maria da Penha, em seu Art. 2o: “Toda mulher, independentemente de classe, raça, etnia, orientação sexual, renda, cultura, nível educacional, idade e religião, goza dos direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, sendo-lhe asseguradas as oportunidades e facilidades para viver sem violência, preservar sua saúde física e mental e seu aperfeiçoamento moral, intelectual e social.”

    Recomposta minimamente a ponto de continuar seu trajeto e chegar ao seu destino, a jornalista não conseguiu anotar a placa do carro, mas deu uma resposta na timeline de seu perfil do Facebook ao motorista, em formato ‘carta aberta’, amplamente apoiada, curtida e compartilhada nesta semana, dando uma verdadeira lição de cidadania numa cidade que anda cultivando o ódio diante de políticas públicas de inclusão, diversidade e mobilidade.

    “Carta aberta para o senhor motorista de uma hilux branca que passava pelos entornos da Faria Lima na manhã desta segunda-feira.

    Este senhor achou prudente me dar uma lição quase me atropelando de propósito só para me assustar, já que eu estava bloqueando a via dos carros com a minha — ENORME- bicicleta parada ao lado direito da via enquanto o sinal estava fechado. Esta carta vai para ele que, ao me ver quase caindo no asfalto, abriu a janela e gritou “vai lamber as bolas do prefeito, vagabunda! Aqui não é Amsterdam”.

    Caro, muito obrigada por me lembrar que aqui não é Amsterdam. Infelizmente eu tive essa percepção um pouco antes de você gritar esta informação porque o grau de educação das pessoas de lá não permitiria que agissem da forma como o senhor agiu. Aliás, se o senhor pesquisar um pouco, bem pouco, saberá que hoje em dia, a população de Amsterdam aderiu o uso da bicicleta como meio de transporte para diminuir o número de acidentes de carro que, só em 1971, somou mais de 3.300 mortes sendo 400 delas de crianças. Como o senhor pode notar, a preocupação com a vida das pessoas lá em Amsterdam já era bem mais consciente do que a nossa, aqui no Brasil, em 2015.

    Em relação ao termo “vagabunda” utilizado pelo senhor para se dirigir a mim, afirmo que foi empregado da maneira errada. O senhor pode consultar em qualquer dicionário o significado desta palavra que, para homens significa “quem vive no ócio” e para mulheres “quem tem muitos homens”. Veja bem, como eu utilizo a bicicleta para chegar ao meu trabalho de forma mais rápida e saudável, logo eu não vivo no ócio. E não vejo relação nenhuma entre andar de bicicleta e ter muitos homens (o que, realmente, não diz respeito ao senhor).

    Visto estes dois pontos, gostaria de fazer mais uma observação sobre “lamber as bolas do prefeito”. Em primeiro lugar, o fato de eu optar por ter uma qualidade de vida mais saudável não tem absolutamente nada a ver com a minha posição política. Em segundo lugar, se em uma pesquisa eu constatei que da minha casa para o meu trabalho eu levo uma hora de carro, 40 minutos de ônibus, 30 minutos caminhando e 15 de bicicleta, não vejo razão nenhuma para escolher o mais demorado e que prejudica ainda mais o trânsito de outras pessoas que não têm a mesma facilidade de trabalhar perto de casa e utilizam o carro (o que pode ser o caso do senhor).

    E por fim, quero dizer que é por culpa de indivíduos como o senhor que, muitas outras pessoas têm medo de optar pela bicicleta como meio de transporte. Essa conscientização não tem a ver com política, mas com qualidade de vida. Pessoas estão escolhendo ir de bicicleta porque já notaram benefícios físicos e emocionais que este exercício promove. A sua atitude diminui a minha esperança de ver o Brasil como um país melhor para as pessoas, um lugar com menos “umbiguismo” e mais colaboração coletiva, um país mais consciente sobre qualidade de vida e do impacto disso para nosso bem estar, um lugar que, poderia ser MUITO MELHOR que Amsterdam, mas que ainda tá lá atrás por culpa de pessoas com a mentalidade igual ao do senhor.

    Espero que o senhor tenha chegado bem ao seu destino. Passar bem!

    Giovanna Franceschi Dias”

    Em entrevista exclusiva para os Jornalistas Livres, Giovanna conta sobre sua rotina diária, o ir e vir para o trabalho de bike; por que aderiu a este meio de transporte na cidade de São Paulo e o que pensa sobre a violência que sofreu.

    Jornalistas Livres — Quantos km separam a sua casa do trabalho?

    Giovanna Franceschi Dias — São mais ou menos quatro quilômetros..

    Jornalistas Livres — Desde quando você aderiu ao uso da bike como meio de transporte para o trabalho?

    Giovanna Franceschi Dias — Eu estou indo trabalhar de bike diariamente já faz um mês e meio. É bem melhor, já estou acostumada com ela e tenho mais confiança. Na verdade, eu brinco que minha bike tem vida, se chama Red Mercury e já se enquadra como minha amiga. Quando tive oportunidade de fazer intercâmbio em Dublin, na Irlanda, utilizei a bicicleta como meio de transporte por dois anos, então já estava acostumada com as regras. Mas, infelizmente, aqui no Brasil essa cultura parece demorar mais do que qualquer outro lugar do mundo para ser aceita, e mais ainda, para ser adotada.

    Jornalistas Livres — Quais as vantagens comparadas a ônibus e carro?

    Giovanna Franceschi Dias — Muitas. De ônibus eu levava uma média de 40 minutos para chegar ao trabalho. De bike eu levo 15 minutos. Se eu pego todos os faróis fechados esse tempo pode ir para 20 minutos, mas não passa disso. Eu gasto menos, é o meu exercício do dia, chego ao trabalho e volto pra casa mais disposta, sem contar a sensação de pedalar que é muito gostosa. Umas duas semanas atrás choveu e eu fui de ônibus. Estava lotado de gente. Até cruzar a Santo Amaro geralmente é parado e levei 40 minutos para chegar ao trabalho. Pra mim, isso não é inteligente. De bike eu libero meu espaço no busão e libero também espaço para outros carros. Chego mais rápido e me sinto melhor.

    Jornalistas Livres — Quantas pessoas no seu trabalho, que você saiba, vão trabalhar de bike?

    Giovanna Franceschi Dias — Eu trabalho em um escritório pequeno, somos em poucos e sou a única que vai de bike, mas a maioria dos meus colegas de trabalho moram bem mais longe do que eu (em Guarulhos, por exemplo) e super-apoiam a minha iniciativa. Quando eu vou estacionar a bike no prédio vejo mais três bicicletas todos os dias. Tenho notado mais gente utilizando bikes. Gente de todos os tipos e classes. Acho importante falar sobre isso. As pessoas direcionaram o discurso contra a “elite paulista”, o “coxinha” porque o senhor tinha uma Hilux. Sim, ele tinha uma Hilux, mas poderia ser um carro popular. Eu já fui fechada por carros populares. Esse tipo de atitude não é classificado por classe social, nem ideologia, nem religião. Isso é uma questão de respeito e educação, apenas. Não deveria ser polarizado. O senhor que fez essa agressão comigo não é um ignorante, ele sabia o que estava fazendo e dizendo, então além de intolerante, ele foi misógino e sectário. Onde eu trabalho vejo pessoas de todos os tipos e classes utilizando a bicicleta e transporte público. Desde os mais jovens — que são a maioria — até senhores executivos que vão de terno e capacete. Na mesma segunda que aconteceu essa situação eu vi um pai com o filho na bike, ou seja, a bicicleta é um meio de transporte apartidário, é para todos e muitos já estão vendo os benefícios. Na maioria das vezes, sempre tem mais um ciclista comigo na rua e geralmente estamos ali, um atrás do outro. Quando paramos no farol nos olhamos aprovando a atitude um do outro. O respeito entre ciclistas é muito legal.

    Jornalistas Livres — Já havia acontecido situação parecida?

    Giovanna Franceschi Dias — Levar fechadas de automóveis não é algo raro, aliás é bem recorrente. Então, sim, já tinha sido fechada, principalmente por taxista, mas nunca havia recebido uma agressão verbal deste tipo, nunca tinha sido hostilizada por estar utilizando uma bike e esse foi o principal motivo da minha revolta e motivação a escrever a carta. Eu acho importante dizer também que isso não é generalizado. Muitos carros respeitam as bicicletas, grande parte deles tem cuidado na hora de ultrapassar uma bike e fazem isso mais devagar, muitas vezes dão preferência e são gentis. Aliás, é muito importante salientar isso, eu acho que está rolando uma conscientização e adaptação bem maior sobre o uso da bicicleta e tenho esperanças que isso vai melhorar cada vez mais.

    Jornalistas Livres — Normalmente, no seu trajeto, os motoristas são mais cordiais ou mais agressivos?

    Giovanna Franceschi Dias — Geralmente as pessoas são cordiais. Como eu disse antes, as fechadas acontecem, mas eu nunca sofri uma agressão como a desse dia. Eu lembro que uns três anos atrás quando ganhei a minha bicicleta de uma prima que não usava, tentei fazer o percurso casa/trabalho e os carros foram bem mais agressivos e, foi por isso que decidi não ir de bike naquela época. Hoje em dia eu sinto uma melhora sensível nisso, acho que estamos no caminho e todos precisam se educar. Os motoristas, os ciclistas e os pedestres. Na rua tem espaço para todos nós e nós temos que tornar esse espaço mais harmonioso. O dever é de todos e para todos.

    Jornalistas Livres — Como reagem no trânsito?

    Giovanna Franceschi Dias — Buzinas?! Risos… Outro dia eu até brinquei que algumas pessoas devem achar que a buzina é um instrumento mágico que, ao ser utilizado, faz sumirem todas as pessoas em volta. Só que não é assim, né?! É muito mais fácil desviar e fugir do trânsito com a bicicleta e, é claro que não é bacana ver aquele monte de gente parada. Eu entendo o estresse que as pessoas vivem e este é um dos motivos que me fez optar pela bike.

    Jornalistas Livres — Você ficou com medo do que aconteceu? O que pensou durante o trajeto após o ocorrido? Qual a mensagem que você deixa para outros ciclistas?

    Giovanna Franceschi Dias — De verdade? Não! Eu não fiquei com medo. Na hora eu fiquei bastante assustada pra não dizer um pouco passada com a atitude dele, mas continuei o trajeto só um pouco mais devagar. Eu sei que devem existir outras pessoas como este senhor, mas eu não acho que seja uma maioria. E, se topar com um deles por aí, com certeza, a melhor reação é não se alterar e tentar continuar seu trajeto da maneira mais tranquila, mesmo com o “sangue fervendo”. Nós temos que procurar uma solução para esse tipo de situação, mas pacífica. Foi isso que eu fiquei pensando no caminho para o trabalho. Que tipo de ação deve ser realizada para gerar essa consciência coletiva nas ruas de São Paulo? O que podemos fazer? Como educar essas pessoas? Eu acho sim muito bacana a inclusão das ciclovias em São Paulo, mas junto com isso tem que vir um pacote, como campanhas educativas para informar, sensibilizar e conscientizar as pessoas sobre esse hábito que, felizmente, está crescendo aqui na nossa cidade. Acho que devem ser divulgados exemplos de outras capitais que já passaram por isso, inclusive Amsterdam. Acho que devem ser realizadas ações que integrem motoristas, ciclistas e pedestres, difundir muito mais as regras de trânsito para ciclistas. Não é só pegar a bicicleta e sair pedalando. Para estar nas ruas tem que ter conhecimento e respeitar as regras do trânsito e, principalmente, criar um canal de denúncia realmente efetivo para situações como a que eu passei.

    Jornalistas Livres — Isso te tirou a vontade ou a coragem pra desistir de andar de bike em SP?

    Giovanna Franceschi Dias — De maneira alguma, pelo contrário, me estimulou ainda mais a não só continuar usando a bike, como adotar a causa em ativismo. Essa repercussão me mostrou que existem pessoas que querem aderir, mas ainda têm medo. Então quero motivar essas pessoas a fazer da rua um lugar mais seguro para elas terem coragem de tentar. Às vezes eu vejo que só o fato de usar a bicicleta já inspira outras pessoas a, pelo menos, considerarem fazer o mesmo. Já passou da hora das pessoas aderirem a essa cultura de mobilidade todo juntos, unidos. Acredito que só vamos ver harmonia nas ruas de São Paulo quando houver essa união entre motoristas, ciclistas e pedestres. Motoristas não são monstros e os donos da rua, assim como ciclistas não são irresponsáveis que saem pedalando por aí arriscando a vida. Logo, os dois juntos têm a obrigação de zelar pela vida do pedestre. Então não é a hora de sair classificando e segregando pessoas, é hora de nos juntar para melhorar a mobilidade urbana. Isso é urgente e essencial aqui em São Paulo, já que é tendência em todos os grandes centros.