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América Latina e Mundo

BRASIL DE FATO – A questão do poder na Venezuela: foco no processo, não na pessoa

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Por Raphael Lana Seabra e Gladstone Leonel Júnior

 

Os meios de comunicação tradicionais pintam o presidente Maduro como o grande causador dos problemas na Venezuela. Não por acaso, o discurso que há alguns anos cabia a Cuba, então inimiga número um do chamado “mundo moderno”, foi deslocado para esse novo inimigo. Da mesma forma do feito com Cuba, agora a Venezuela torna-se alvo da pretensa falta de liberdade individual e desrespeito às cláusulas democráticas, tanto pelo discurso oposicionista que vigora no senso comum, quanto por algumas vozes progressistas. Mudam-se os alvos, mantêm-se o enredo!

Nada de novo em um discurso cômodo, que nos mantêm na zona de conforto da crítica, idealizado e sem contradições dos processos políticos na América Latina, ou seja, um discurso crítico de processos que jamais existirão. O processo político real e pouco linear, conhecido por Revolução Bolivariana, sofre todas as intempéries das claras intervenções políticas externas, da sua disputa interna, da inflamada conjuntura mundial recente e da condução na sua própria gestão. Não há fórmula mágica ou crítica abrangente o suficiente capaz de trazer diagnósticos límpidos, caso sejam ignorados esses fatores. O que se depreende de tudo isso, é a necessidade da manutenção do processo revolucionário em razão das mudanças paradigmáticas populares por ele trazidas na vida das pessoas, do povo que vive do trabalho.

O atual presidente, democraticamente eleito na Venezuela, exerce o segundo mandato e enfrenta uma oposição ferrenha não só em seu país, mas em outros locais do mundo. Mas, afinal de contas, qual o interesse de algumas das principais potências econômicas do mundo na desestabilização de um país mediano, localizado entre o Caribe e a América do Sul, dentre quase 200 países no planeta?

 


Ato realizado em Caracas, em defesa da revolução Bolivariana / Carmen Meléndez‏ (gestionperfecta)

 

Considerações sobre a “crise” na Venezuela

A Venezuela é um dos países com a maior reserva petrolífera do planeta e essa não pode ser considerada uma informação secundária em um mundo energeticamente petrodependente, mas além deste recurso, o país possui grandes reservas comprovadas de outros minerais estratégicos como: ouro, bauxita, columbita-tantalita e cobre.

Após a entrada de Hugo Chávez na presidência, o Estado venezuelano modificou a gestão e o direcionamento dos faturamentos da PDVSA (Petróleos de Venezuela S.A.), visto que os royalties do petróleo passaram a ser investidos desde a área da saúde à habitação em benefício do povo venezuelano e não mais um privilégio restrito apenas a setores ligados ao grande capital privado.

Diante do fato descrito acima, não resta dúvida de que não são novos os anúncios tão evidenciados e disseminados sobre a existência de uma longa “crise” na República Bolivariana da Venezuela. Ao indivíduo mais dotado de historicidade, o início da “crise” pareceria coincidir com a vitória eleitoral de Hugo Chávez em 1998, mas que teria na oposição às Leis Habilitantes de 2001 seu marco fundamental. Todavia, num exemplo de completa “amnésia”, apagadas todas as referências pretéritas, para os meios de comunicação e a oposição ao governo Maduro, a conjuntura pela qual atravessa a Venezuela seria simples resultado da inabilidade do atual presidente e dos chavistas em conduzir a vida política, social e econômica do país.

Dessa forma, as explicações para uma crise passam pela alta inflacionária, pela falta de produtos básicos nos supermercados e ganhando contornos de “crise humanitária” somada a uma repressão violenta aos setores oposicionistas.

Não é novidade para aqueles que têm o apreço pelos livros ou pelo simples conhecimento da história, que ações golpistas e desestabilizadoras fazem parte da trajetória política dos países da América Latina que ousam afrouxar as amarras da dependência, entre eles a Venezuela. O golpe para a tentativa de retirar o presidente Hugo Chávez em 2002, talvez tenha sido o mais escancarado até então.

Vários outros episódios desestabilizadores se sucederam: a tentativa de fragilização da PDVSA (Petróleos de Venezuela S.A.) por seu corpo diretivo (2003); o Plan Guarimba cuja chamada à desobediência civil tinha como tática o fechamento violento de ruas e avenidas em bairros de alta renda de Caracas, como também o uso de coquetéis molotov, bazucas e bombas caseiras (2004); a sabotagem para gerar falta de produtos básicos não perecíveis e formação de um tímido mercado negro de papel higiênico, creme dental, café e farinha de milho, após a declaração do “Socialismo do Século XXI” (2005). Todas são manifestações desesperadas de uma oposição incapaz de vencer pela via eleitoral e de construir um consenso ao redor de seu “programa político”.

A intensificação da violência tática por parte da oposição ocorreu com o anúncio do adoecimento do ex-presidente Hugo Chávez em 2011 e alcançou níveis alarmantes com seu falecimento em março de 2013. A partir de então foram postas em funcionamento duas táticas complementares: a guerra econômica e a guarimba.

A guerra econômica, aprofundada desde meados de 2012, se estrutura pelo recurso ao açambarcamento, o estoque de mercadorias em grande quantidade com intuito de provocar a sua escassez, como também o recurso ao mercado paralelo a preços exorbitantes, estimulando a atividade ilegal dos bachaqueros; a indução da inflação pelo ataque à moeda, cujos principais agentes especuladores são a casa de câmbio Dolar Today em Miami e as casas de câmbio situadas na cidade colombiana de Cucutá; o boicote ao fornecimento de produtos e insumos industriais para a produção de determinados bens essenciais, como também médico-hospitalares pelas empresas monopolistas nacionais e estrangeiras; e finalmente, o bloqueio financeiro internacional, evidente pela manipulação do risco país Venezuelano, o mais alto do mundo, superando a “falida” Grécia e a “conflitiva” Síria. Tal tática visava minar o poder de compra dos salários, reduzir a produtividade interna e reduzir a confiança na eficiência da intervenção estatal na economia.

Um dos atos chocantes mais recentes, incitados pela oposição, foi a destruição de um depósito da rede estatal de abastecimento Mercal, onde foram queimadas 50 toneladas de alimentos que seriam distribuídos em comunidades pobres do Estado de Anzoátegui, como destacou em artigo o professor Igor Fuser. Ademais, a sabotagem econômica é intensificada, visto que a maior parte da produção ou distribuição de produtos está concentrada nas mãos do empresariado, em regra, alinhado com a oposição do governo, embora difundam a culpa como sendo exclusivamente em razão de uma má gestão econômica do governo Maduro. A fim de combater a escassez, foram criados os Comitês Locais de Abastecimento e Produção, com o intuito de fornecer alimentos subsidiados para grande parte da população, além da manutenção dos programas sociais do governo.

A segunda tática, a guarimba consiste na formação de barricadas em avenidas, queima de pneus e lixo, cabos de aço atravessando as ruas à altura do pescoço, ações violentas de grupos portando armas de fogo e caseiras. São formas de instigar a ação mais repressiva pelo governo, de gerar o medo entre a população. Cabe destacar que não são ações menores de grupos aventureiros, mas sim convocadas por figuras expoentes da Mesa de la Unidad Democrática (MUD) da oposição como o ex-candidato a presidente Henrique Caprilles, o ex-prefeito de Chacao-Caracas Leopoldo López, a ex-deputada da Assembleia Nacional Maria Corina, o atual presidente da Câmara dos Deputados Henry Ramos Allup entre outros.

Essas ações sempre acompanhadas por campanhas em defesa da liberdade de imprensa e contra as violações dos direitos humanos, as quais exigiam a renúncia do presidente. Essa combinação das táticas complementares de sabotagem, nunca foram denunciadas pelos mesmos meios de comunicação opositores ao governo e à revolução, o que gera efeitos psicológicos e desestabilizadores, criando um clima de ingovernabilidade.

A Encruzilhada Jurídica e a Questão do Poder

A Constituição Venezuelana de 1999 é um marco na história recente no país, pois partiu efetivamente do imaginário popular de empoderamento e participação na condução da vida política, reflete, portanto o pacto realizado em um momento político que garantiu outra forma política como parte do processo de ruptura capaz de gestar um projeto popular. Todavia, os embates com uma oposição agressiva desde 2001, num processo dialético de aprofundamento das conquistas populares, encaminharam a decisão de transitar ao socialismo em 2005, deixando claras as rupturas provocadas e estimuladas pela nova Carta Magna.

A partir do momento que se reconhece o avanço de um processo revolucionário que busca extrapolar paradigmas formais do liberalismo, a estrutura liberal do Estado, em alguma situação e momento histórico, apresentará limites claros que devem ser enfrentados por se tratar de uma Revolução que aponta para um horizonte socialista. A Constituição, por mais que seja uma garantia moderna na defesa de direitos e apontamento de deveres, não deve ser vista como uma “camisa de força” incapaz de permitir a construção de um novo pacto social firmado no bojo de um processo revolucionário, mesmo que se faça uso da Constituição para avançar no próprio processo.

Na crítica realizada ao processo venezuelano, simplesmente recorrer a análises formais do direito como método de distanciamento do próprio processo, só valoriza a opção por uma crítica que reforça os pilares liberais alçado a pedestais, nem sempre libertários. Ao que parece, somente a normalidade dos procedimentos liberais são aceitos como “naturais”, afastar-se disso seria uma anomalia inaceitável aos padrões estabelecidos historicamente, mesmo que esses padrões não se interessem pela maioria do povo explorado e marginalizado ao longo desse processo.

Não se trata de questão de incoerência ou mera conveniência na defesa constitucional por um lado e na apresentação de seus limites diante da conjuntura política por outro. O que está em jogo é o poder do Estado e, consequentemente, o futuro de milhões de pessoas que não abrem mão do poder popular, mesmo discordando eventualmente de atos políticos e de gestão das autoridades eleitas, que estão à frente do projeto político atual.

Alguns setores críticos do campo progressista trazem abordagens importantes, porém temerosas, uma vez que o grupo, que de fato tem condições reais de assumir o poder do Estado, caso o governo seja derrotado, traz um projeto reacionário, antipopular e sem ter receios de afirmar o termo, muito além do chavão, claramente imperialista. Ao abordar como grandes problemas da Venezuela, o não respeito a separação de poderes, (que ainda sim, pode ser questionado), ou a dependência relacionada ao rentismo decorrente do petróleo (que consiste, de fato, em situação crítica estrutural da economia) ao invés de denunciar a contra-revolução em andamento que, além da Venezuela, atinge boa parte dos países da América Latina, como o golpe que atingiu o Brasil, é no mínimo controverso nesse momento. Para enfatizar essa questão, basta fazer uma simples pergunta: Alguém acredita que a oposição venezuelana estaria disposta a resolver esses problemas caso alcançassem o poder do Estado? Responder essa questão, talvez facilite elencar prioridades, sem se esquivar dos problemas no horizonte.

Ao rememorar o centenário de uma Revolução vitoriosa, a Russa de 1917, cabe destacar o elemento fundamental, de acordo com o seu maior líder, para se alcançar o triunfo: a questão do Poder.

Lenin, em trecho do texto Uma das Questões Fundamentais da Revolução, escrito em setembro de 1917, dizia que “a questão mais importante de qualquer revolução é sem dúvida a questão do poder do Estado. Nas mãos de que classe está o poder (…) Não é possível eludir nem afastar a questão do poder, pois esta é precisamente a questão fundamental que determina tudo no desenvolvimento da revolução, na sua política interna e externa”.

Os grupos radicais opositores ao governo Maduro há muito passaram os limites em suas ações não divulgadas devidamente pelos meios de comunicação na busca pelo poder do Estado. Não cessam as ações verdadeiramente terroristas como: a queima de pessoas vivas; a realização, com o uso de helicóptero, para o disparo de tiros e granadas contra a sede do Supremo Tribunal de Justiça, em Caracas; o ataque a outros prédios públicos e as guarnições militares; tudo no intuito de despolitizar o cotidiano e intensificar a instabilidade no país.

Novos instrumentos devem ser forjados para responder aos desafios apresentados pela conjuntura. Nem sempre darão as respostas que se espera, mas constituem apostas necessárias, pois caso não realizadas, a única certeza serão as derrotas iminentes a todo um povo, caso o projeto neoliberal da oposição retorne ao Poder do Estado.

Muito certamente a intensificação dos ataques violentos oposicionistas estejam relacionados ao receio que possuem do processo constituinte que se faz presente no horizonte. Porém, observadas quase duas décadas de persistente e desesperada ação contrarrevolucionária, agora intensificada pelas táticas da guerra econômica e guarimbas: há muito tempo a oposição não confia nas soluções liberais burguesas como via de retorno à condução da vida política do país. O que torna ainda mais importante a nova Constituinte convocada por Nicolás Maduro, dado seu potencial de rearticular as massas trabalhadoras em torno do processo bolivariano, processo revolucionário esse, que sofre algum desgaste com a figura de Maduro. Embora, não reste dúvida de que o processo é muito maior do que a pessoa e, por esse motivo, deve ser defendido para que avance para um novo nível de radicalidade e articulação em torno de um projeto popular para a Venezuela.

 

Fonte: https://www.brasildefato.com.br/2017/07/19/analiseor-a-questao-do-poder-na-venezuela-foco-no-processo-nao-na-pessoa/

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América Latina e Mundo

Chilenos enterram a Constituição de Pinochet e começam um inédito (e incerto) processo Constituinte

Carta Magna produzida em 1980 era a base do modelo neoliberal chileno, que destruiu a Saúde, a Educação e a Previdência públicas

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Estátua equestre do general Manuel Baquedano, que liderou expedições contra os indígenas do sul, pintada de vermelho - Bárbara Carvajal (@barvajal)

A data 25 de outubro ficará marcada para sempre na história do Chile. Em 2019, foi o dia em que mais de 1,2 milhão de pessoas saíram às ruas para exigir um país mais digno. Um ano depois dessa manifestação, a maior do país, no dia 25 de outubro de 2020 os chilenos decidiram enterrar o último legado da ditadura de Augusto Pinochet: a Constituição de 1980.

Por Amanda Marton Ramaciotti, jornalista brasileira-chilena

No domingo, milhões de chilenos votaram em um plebiscito sobre escrever ou não uma nova Carta Magna, uma medida que nasceu como uma saída política à crise social iniciada em 2019. O resultado foi avassalador: 78,27% da população aprovou a iniciativa, contra 21,73% que a rejeitou.

Além disso, 78,99% dos votantes disse que quer que a nova Constituição seja redigida por uma Convenção Constituinte formada por 155 membros eleitos pela sociedade; versus um 21,01% que expressou que preferia uma Convenção Mista, formada por 172 membros, a metade deles legisladores e o restante constituintes. 

A comemoração durou horas. Em Santiago, milhares de pessoas foram a pé, de carro e de bicicleta em caravana até a avenida principal da capital e à praça central (antes conhecida como Praça Itália e agora, pelas manifestações, chamada popularmente de “Praça Dignidade”). Bandeiras do Chile e cartazes com as palavras “adeus, general” (em referência ao Pinochet) eram vistos em várias ruas.

Nova Constituição: chance de o Chile renascer - @delight_lab_oficial
Nova Constituição: chance de o Chile renascer – @delight_lab_oficial

A sensação era de um êxtase coletivo. “Ainda não consigo acreditar no que está acontecendo… Mais do que isso, é impossível dimensionar tudo que conseguimos”, me disse uma manifestante. Em um dos edifícios emblemáticos de Santiago, foi possível ler uma grande projeção com a palavra “Renasce”.  

“Para mim, é o começo de uma nova era”, comentou um jovem que estava comemorando os resultados do plebiscito.

Ele tem razão. Apesar de que a Carta Magna “do Pinochet” —escrita pelo advogado constitucionalista e ideólogo da direita chilena Jaime Guzmán, sofreu alterações durante a democracia, manteve vários dos seus aspectos principais. Ela continuou sendo a base do modelo neoliberal chileno que se adentrou na saúde, educação e sistema de aposentadoria, e também impedia grandes reformas estruturais pela exigência de um quórum de dois terços ou três quintos que, na prática, sempre foi muito difícil de ser alcançado.  

O novo ciclo

A decisão de escrever uma nova Carta Magna encerra um ciclo doloroso para milhares de pessoas que foram vítimas da ditadura do Pinochet, uma das mais sangrentas na América Latina, e também para tantas outras que até agora vivem em um país desigual devido, em grande parte, às disposições da atual legislação. O ciclo que começa agora é cheio de esperanças, mas também repleto de desafios.

O presidente Sebastián Piñera, quem em nenhum momento do processo deixou claro qual era o seu voto, disse domingo de noite que o plebiscito “não é o fim, é o começo de um caminho que juntos deveremos percorrer para escrever uma nova Constituição para o Chile. Até agora, a Constituição nos dividiu. A partir de hoje todos devemos colaborar para que a nova Constituição seja o grande marco de unidade, de estabilidade e de futuro do país”.

Ainda são poucas as definições que já foram tomadas sobre como será a assembleia constituinte. Sabemos que, em abril de 2021, os chilenos voltarão às urnas para escolher os 155 cidadãos que serão parte do processo. Sabemos que ela estará formada de forma paritária por homens e mulheres (algo inédito no país). Mas ainda falta uma série de decisões, como se poderão participar do processo pessoas que não estejam associadas a partidos políticos e se o órgão terá assentos reservados para os povos originários.

A assembleia contará com até 12 meses para redigir uma nova Carta Magna, cujas normas deverão ser aprovadas por dois terços dos integrantes. Esta será submetida a outro plebiscito, cuja participação será obrigatória.

Esse ponto é o que desperta mais dúvidas na sociedade. É que o plebiscito do domingo passado foi de caráter voluntário, e acudiram às urnas um total de 7,5 milhões de chilenos dos mais de 14 milhões habilitados para votar. Apesar de ter sido a participação mais alta da sociedade desde 2012, quanto o sufrágio começou a ser optativo no país, a votação do dia 25 de outubro não deixa claro qual será o resultado final se as 6,5 milhões de pessoas que não participaram no domingo votarem em 2022.

Mas, como dizem por aqui, isso é uma decisão para o Chile do futuro. O Chile do presente quer comemorar. E tem motivos de sobra para isso.

O estádio nacional, um dos maiores centros de tortura durante a ditadura, neste domingo foi um dos lugares que recebeu mais votantes - Bárbara Carvajal (@barvajal)
O estádio nacional, um dos maiores centros de tortura durante a ditadura, neste domingo foi um dos lugares que recebeu mais votantes – Bárbara Carvajal (@barvajal)

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Chile

Chilenos se preparam para um plebiscito histórico sobre manter ou dar adeus à “Constituição do Pinochet”

Chilenos estão ansiosos para o plebiscito, adiado desde abril por conta da pandemia

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Era uma demanda colocada por alguns setores da sociedade chilena há anos, mas foram os protestos de 2019 os que voltaram exigir a derrubada da Constituição de 1981, imposta pela ditadura militar de Augusto Pinochet. Agora, no domingo 25 de outubro, mais de 14 milhões de chilenos acudirão às urnas em um plebiscito histórico que decidirá se o país “aceita” (aprueba) ou “rejeita” (rechaza) uma nova Carta Magna. A votação foi pensada como um caminho político para aplacar a crise social que o Chile enfrenta.

Por: Amanda Marton Ramaciotti, jornalista brasileira-chilena

Os ânimos estão à flor da pele. Nos muros, nas redes sociais, na mídia praticamente não se fala de outra coisa. Não é para menos, já que o plebiscito, inicialmente marcado para o dia 26 de abril, foi atrasado pelo governo devido à pandemia. Além disso, acontecerá somente uma semana depois do primeiro aniversário do chamado “estallido social”, iniciado em 18 de outubro de 2019, quando milhões de pessoas saíram às ruas para exigir um país mais igualitário. Mas a sociedade chilena -como tantas outras na América Latina e no mundo- está profundamente polarizada e, apesar de as pesquisas dizerem que a maioria votará pelo “aceita”, nada está definido.

Foto: Pablo Gramsch / Instagram: @active_grounds


Por um lado, o “apruebo” reúne intenções diversas, que vão desde exigir uma mudança no modelo neoliberal chileno até entregar mais direitos às mulheres, aos índios e às diversidades sexuais.

Alejandra Saez, uma trabalhadora independente, me disse que vai aprovar porque “se necessita uma mudança imediata, apesar de que o resultado chegue com o tempo, tomar a decisão de transformar o sistema já é um grande avanço”. “Quero que as novas regras validem o bem-estar das pessoas e não os cofres dos outros. Que não nos sintamos atacados pelo sistema”, afirmou.

Já o bioquímico Francisco Pereira me explicou que votará “apruebo” porque considera que é necessária uma “mudança drástica na atual Constituição, já que apesar de que outorga direito a serviços básicos, em nenhum momento garante o acesso a esses serviços, deixando muitos recursos principalmente nas mãos do mundo privado. Além disso, foi escrita para um contexto de desenvolvimento de país determinado muito diferente do atual, e é bastante rígida, o que dificulta que ela seja adaptada às atuais necessidades do Chile”.

Nas campanhas eleitorais, também é possível ver que muitos dos que pedem uma nova Constituição querem reformar as instituições encarregadas da segurança pública, já que, em 2019, pelo menos 30 pessoas morreram, milhares ficaram feridas e o Chile foi cenário de graves violações aos direitos humanos no marco dos protestos sociais, segundo Human Rights Watch, a ONU, entre outros. De acordo com o Instituto Nacional de Direitos Humanos, 460 pessoas sofreram lesões oculares durante as manifestações devido ao uso excessivo da força policial. Delas, pelo menos duas ficaram completamente cegas.

Por outro lado, Natalia C. (que pediu não ser identificada) aposta pelo “rechazo” porque considera que “não há necessidade de escrever uma nova Constituição inteira para realizar as reformas que o país precisa”. Nas redes sociais, as pessoas que chamam a votar por essa alternativa também dizem temer que o Chile se transforme em um país “caótico” e/ou “esquerdista”.

Além disso, muitos sinalizam que votar “apruebo” seria dar um aval à destruição de patrimônio que ocorreu no marco das mobilizações sociais. É que o metrô de Santiago, várias igrejas, ruas e estátuas foram parcialmente destruídos e/ou incendiados desde outubro de 2019, mas não há informação detalhada disponível sobre quem foram os responsáveis de cada um desses atos.

Foto: Pablo Gramsch / Instagram: @active_grounds


Muitos ainda estão indecisos. O microempresário Javier Baltra comentou que achava melhor votar nulo porque “ambas as opções estão cheias de problemas. Aprovar pode ser sinônimo de um Estado maior, e eu acho isso problemático para a economia. E rejeitar é deixar tudo como está até agora e não sei se isso é uma boa ideia”.

Além de escolher entre as opções “apruebo” ou “rechazo” uma nova Constituição, os chilenos devem votar se desejam que a eventual Carta Magna seja escrita por uma Convenção Constitucional formada por 155 constituintes eleitos ou por uma Convenção Mista de 172 membros (metade legisladores e metade cidadãos eleitos).


A LEI ATUAL


Qualquer pessoa que não conheça a história do Chile provavelmente se surpreenderá ao saber que um país como este tenha ainda uma Constituição que foi escrita na época da ditadura militar. “Nossa, mas é um país tão desenvolvido”; “como assim?”; “sério?” foram alguns dos comentários que recebi de amigos brasileiros quando contei sobre o que está acontecendo agora.


A Constituição atual foi aprovada em um questionado plebiscito realizado no dia 11 de setembro de 1980, em plena ditadura do Pinochet, quando milhões de chilenos viviam sob o medo da repressão, sem registros eleitorais e com os partidos políticos dissolvidos.
O texto foi escrito pelo advogado constitucionalista Jaime Guzmán, um dos maiores ideólogos da direita chilena, e que foi assassinado por um comando de ultraesquerda em 1991.

Ele foi escolhido por uma comissão designada pela ditadura. Posteriormente, a redação contou com a revisão e o apoio do Conselho de Estado e a Junta Militar, composta pelos máximos chefes do Exército e o diretor da polícia, que exercia como “poder legislativo”. Guzmán criou uma série de regras muito difíceis de alterar para perpetuar seu modelo econômico e político.

Como ele mesmo disse quando escrevia a Constituição, sua ideia era que, se os adversários chegassem a governar, eles se veriam “obrigados a seguir uma ação não tão distinta ao que alguém como nós gostaria (…) que a margem seja suficientemente reduzida para fazer extremamente difícil o contrário”.

Foto: Pablo Gramsch / Instagram: @active_grounds


Para realizar reformas à Carta Magna, Guzmán detalhou que é necessário alcançar um quórum de dois terços ou três quintos, segundo o caso, algo que, na prática, tem sido praticamente impossível de conseguir, porque nem o oficialismo nem a oposição conta com essa quantidade de votos.

Essa Constituição também instaurou um modelo econômico, político e social neoliberal, que se adentrou na educação e na saúde privada e um sistema de aposentadoria conhecido como AFP baseado na poupança individual e que no ano passado entregou aposentadorias pelo valor de 110.000 pesos chilenos (uns US$ 140). Esse sistema, hoje sumamente questionado pela população chilena, foi elogiado pelo Ministro de Economia do Brasil, Paulo Guedes, em várias ocasiões.

Se bem que o texto legal não estabeleça especificamente que a saúde, a educação ou o sistema de aposentadoria devam ser privados, na prática, sim, impõe princípios que limitam a ação do Estado e promove a atividade privada nesses setores. Por exemplo: não existe no Chile nenhuma universidade que seja gratuita.

Segundo analistas, a Constituição atual também é hierárquica e desconecta a cidadania do poder político, porque não inclui muitos mecanismos de participação.

Ao longo da sua história, sofreu duas modificações: a primeira, em 1989, ano do fim da ditadura, quando foi derrogado um artigo que declarava “ilícitos” a grupos que realizassem “violência ou uma concepção da sociedade do Estado ou da ordem jurídica de caráter totalitário ou fundada na luta de classes”. Outra, em 2005, quando depois de um grande acordo político o presidente socialista Ricardo Lagos conseguiu alterar outros aspectos, como que os comandantes em chefe das Forças Armadas passassem a estar subordinados ao poder civil, e a eliminação de senadores designados e vitalícios. Isto permitiu que em 2006 (há 14 anos!) o Senado fosse totalmente conformado por membros de eleição popular.

Agora, se a opção “apruebo” ganhar o plebiscito, o texto não só será modificado: a sociedade poderá dar adeus à chamada “Constituição do Pinochet”. Sem dúvidas, uma decisão histórica.

Veja também: Chileno preso no RIR: desembargador reconhece ilegalidade da prisão

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Bolívia

Veja a tradução da declaração de Evo Morales

Declaração de Evo Morales, ex-presidente da Bolívia, dada em 18 de outubro, dia da eleição presidencial após o golpe.

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DECLARAÇÃO DE IMPRENSA DO EX-PRESIDENTE EVO MORALES
Buenos Aires, 18 de outubro de 2020

  1. Desde a cidade de Buenos Aires, neste dia histórico, domingo, acompanho nosso povo em seu compromisso com a pátria, com nossa democracia e com o futuro de nossa amada Bolívia, de exercer seu direito ao voto em meio aos acontecimentos em nosso País.
  2. Saúdo o espírito democrático e pacífico com que se desenvolve a votação.
  3. Diante de tantos rumores sobre o que vou fazer, venho declarar que a prioridade é exclusivamente a recuperação da democracia.
  4. Quero pedir a vocês que não caiam em nenhum tipo de provocação. A grande lição que nunca devemos esquecer é que violência só gera violência e que com ela todos perdemos.
  5. Por este motivo, conclamo as Forças Armadas e a Polícia a cumprirem fielmente o seu importante papel constitucional.
  6. Diante da decisão do Tribunal Supremo Eleitoral de suspender o sistema DIREPRE (Divulgação de Resultados Preliminares) para ir diretamente para a apuração oficial, informo que, felizmente, o MAS possui seu próprio sistema de controle eleitoral e que nossos delegados em cada mesa irão monitorar e registrar cada ato eleitoral.
  7. O povo também nos acompanhará nesta tarefa de compromisso com a democracia, como o fez tantas vezes, situação pela qual somos gratos.
  8. É muito importante que todas e todos os bolivianos e partidos políticos esperemos com calma para que cada um dos votos, tanto das cidades como das zonas rurais, seja levado em conta e que o resultado das eleições seja respeitado por todos.
  9. Neste domingo, no campo, nas cidades, no altiplano, nos vales, nas planícies, na Amazônia e no Chaco; em cada canto de nossa amada Bolívia e de diversos países estrangeiros, cada família e cada pessoa participará com alegria e tranquilidade na recuperação da democracia.
  10. É no futuro que todos os bolivianos, inclusive eu, nos dedicaremos à tarefa principal de consolidar a democracia, a paz e a reconstrução econômica na Bolívia.
    Viva a Bolívia!
    Evo Morales

Tradução: Ricardo Gozzi /Jornalistas Livres

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