Jornalistas Livres

Autor: Helio Carlos Mello

  • Da Bahia não via, vejo

    Da Bahia não via, vejo

    Quando pisei na Bahia tudo desdizia, pois só via exclusão. Não fosse Iemanjá, que vi sair das águas, voltava, retornava.

     

    Mulher, lua cheia te anuncia. Doce delírio não me inspira ternura, mas a luta entre a cura e as doenças da alma.

    Ah, Iemanjá, teus pretos e brancos que saúdam, por mais que doa e aprece. Te desejo para mente de presidente; que limpe, liberte, desvele olhos tão cegos.  Águas tão fartas afirmam, o sal, areia de Orixás e peixes, que de tão inteligentes, saltam, alimentam, querem sim mar com flores, país livre.

    Iemanjá saindo das águas vi, visão coronária em meu peito, aorta, transes do corpo e horizonte mítico que persiste, não arreda. 

     

    Jogaram flores nas águas, oferendas femininas, batom vermelho. Ouvi vozes doces em caras barbadas, toda delicadeza dos gestos, sagrado rigor, panos coloridos sobre as cabeças, velas acesas.

    Iemanjá tem a arte, lhe amo como posso, faca, regaço, rainha das águas, nossa senhora que flore.

     

     

    Baiano é um solo de martírios, entendo agora sem transcendências, apenas pó e chão, areia fina, projeto calado de águas e vento, beijo roubado, duras penas, Orixás e cangaceiros nos ombros, Caribé ou os Cravos.

     

    Mulher das águas, tão nua, tão limpa, seus panos azuis e máscara que revela, não exclui, gira, afoga, asas na face tal borboleta que no Xingu revela, também água que une, formas obtusas.

     

     

     

    imagens por helio carlos mello© e desenhos de Caribé©

  • Estudo científico comprova a importância das Terras Indígenas

    Estudo científico comprova a importância das Terras Indígenas

     

     

     

     

    Estudo publicado na revista científica Proceedings of the National Academy of Sciences, de Washington, hoje divulgado nos Estados Unidos, afirma a importância das Terras Indígenas para a manutenção dos estoques de carbono:

     

    Durante décadas, os povos indígenas da Amazônia e as comunidades locais impediram o desmatamento e as emissões associadas de gases de efeito estufa. Embora as emissões dentro dos territórios indígenas e das áreas naturais protegidas  permaneçam bem abaixo dos níveis externos, o desmatamento insustentável de florestas está aumentando em toda a região de nove países. Além disso, as terras e comunidades da Amazônia estão cada vez mais vulneráveis ​​aos processos menos evidentes (e muitas vezes negligenciados) de degradação e perturbação da floresta, que diminuem o armazenamento de carbono e a integridade ecológica. A tendência para o enfraquecimento da proteção ambiental, dos direitos à terra indígena e do Estado de Direito representa, portanto, uma ameaça existencial para as comunidades locais e seus territórios. A reversão dessa tendência é crítica para o futuro das florestas amazônicas com proteção climática e para o sucesso do Acordo de Paris.

     

     

     

    As árvores chovem depois da chuva, diz a canção de Arnaldo Antunes.

     

    Querem extinguir as reservas, querem abrir os parques, dar ganhos à guarda das árvores. O tucano questiona, a arara grita, a onça se coça.

     

     

    leia mais em: 

    https://www.pnas.org/content/early/2020/01/21/1913321117

  • Heranças de um Brasil profundo

    Heranças de um Brasil profundo

     

    Exemplar da revista O Cruzeiro, presente na mostra do Museu Afro Brasil – Kanato Yawalapiti encontra o Marechal Rondon, que já doente, recebe um grupo de representantes xinguanos pela primeira vez, que vieram ao Rio de Janeiro trazidos por Orlando Villas Boas.

    Num país profundo, fusão de culturas diversas, nação fundida sobre chão de tantos povos,   onde o poder inculto desmerece os povos originários, abre-se o horizonte dos acervos em exposição cunhada por Emanoel Araújo. Arte enigmática e profícua dos povos indígenas do Brasil, arte sublime. 

    Emanoel Araujo, curador da exposição, recebe o público estupefato.

    A metrópole, há 466 anos continua sendo do índio, carrega entre asfalto seus povos da floresta. Desautoriza qualquer ironia de incautos sobre a humanidade do índio, que transcende.

    Katú Mirim durante rap no Museu Afro Brasil.

     

    Katú Mirim, a rapper, denuncia que “mataram mais de 1000 parentes lá no Mato Grosso, absurdo é ter que lutar por demarcação, e os ratos chamam isso de grande revolução.” 

    E vamos descolonizar porque a mensagem é urgente.

    O acervo exposto, com assessoria antropológica e etnológica de Adelino Mendez, encanta e surpreende a cidade, a metrópole antes ocupada por infindas aldeias.

     

    No aniversário da cidade, tão viva, resiste o olhar sensível, aqueles que não consentem indecências e afirmam um solo comum para todos.

     

     

    Heranças de um Brasil profundo
    Abertura: 25/01/2020, 11h
    Visitação: até 26/07/2020;
    Museu Afro Brasil: Av. Pedro Álvares Cabral, s/n, Parque Ibirapuera – Portão 10, São Paulo.  Ingressos: R$6; R$3 (meia)

     

     

     

     

     

     

    imagens por helio carlos mello©

  • Como adiar o fim da razão?

    Como adiar o fim da razão?

    Em 1537, o Papa Paulo III, emitiu a Bula Sublimis Deus, percebendo que algo não ia bem na relação espúria com os povos das terras recém ocupadas nas Américas. Reconheceu o Papa que índio era gente e que deviam legitimamente gozar de sua liberdade.

    Em 2020, o presidente do Brasil diz que o índio é cada vez mais ser humano. Curioso, não era até então?  Me faz refletir, como na Terra plana, se pensam os comandantes que nem todos são gente assim como eu, você, aquele.

     

    A líder indígena, Sônia Guajajara, ser humano, coordenadora da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil, diz que irá à justiça por crime de racismo por parte de Jair  Bolsonaro. O presidente demonstra desconhecer a Constituição, diante dos achiques que constantemente faz com os povos indígenas e toda diversidade cultural da nação.

    Tuíra Kayapó e Sônia Guajajara

    O presidente se diz religioso, próximo aos cristãos. Creio que sim, vi imagem dele até  sendo batizado nas águas do Rio Jordão. Como ocorre então tal pensamento, pensar que alguns são menos humanos?

     

    Assinou o Papa a Bula Sublimis, em 1537: nós, que, embora indignos, exercemos sobre a terra o poder de nosso Senhor e buscamos com todas as nossas forças recolher as ovelhas dispersas de seu rebanho no aprisco a nós confiado, consideramos, no entanto, que os índios são verdadeiramente homens e que eles não só são capazes de compreender a fé católica, como, segundo nos informaram, anseiam sobremaneira recebê-la. Desejosos de prover amplo remédio para estes males, definimos e declaramos pela presente Encíclica, ou por qualquer sua tradução assinada por qualquer notário público e selada com o selo de qualquer mandatário eclesiástico, a quem se deve dar os mesmos créditos que às autoridades originais, que, não obstante o que quer que se tenha dito ou se diga em contrário, os ditos índios e todos os outros povos que venham a ser descobertos pelos cristãos, não devem em absoluto ser privados de sua liberdade ou da posse de suas propriedades, ainda que sejam alheios à fé de Jesus Cristo; e que eles devem livre e legitimamente gozar de sua liberdade e da posse de sua propriedade; e não devem de modo algum ser escravizados; e se o contrário vier a acontecer, tais atos devem ser considerados nulos e sem efeito.

     

     

    imagens por helio carlos mello©

  • A roda viva dos ilusionistas

    A roda viva dos ilusionistas

    O vice diz que cuidará da Amazônia:

    não temam.

     

    Itapuama, Cabo de Santo Agostinho, 21 de outubro de 2019.

    Não teimo, 

    agradeço o Conselho.

    Tal Chico sei

    inútil dormir que a dor não passa.

    O fogo que me queima,

    o óleo que me tinge,

    o pranto que molha, 

    agradeço.

    Brasileiro mesmo,

    cego que bebe tempestade,

    lamento.

     

     

     

    Agracio.

     

     

     

     

     

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  • Conto da Virgínia

    Conto da Virgínia

    por Michael Coudrey

     

    22 000 pessoas protestaram na Virgínia,

    os mascarados, os barbados, senhoras louras

    cada qual portando suas armas,

    sua milícia, sua malícia.

     


    Na Virgínia, estado distante norte-americano,

    os homens protestam a favor das armas.

    Comprar apenas uma arma por mês?

     

     

    Não,

    querem mais. Todo direito de obter armas.

    Tolos, indecentes?

    Há uma errância espectral em mim.

     

    RICHMOND, VA – JANUARY 20 – Os defensores dos direitos das armas participam de um comício organizado pela Liga de Defesa dos Cidadãos da Virgínia, na Capitol Square, perto do Capitólio do Estado, em 20 de janeiro de 2020, em Richmond, Virgínia. Durante as eleições do ano passado, o governador da Virgínia, Ralph Northam, prometeu promulgar leis abrangentes de controle de armas em 2020, incluindo a compra de armas de fogo por uma por mês, a proibição de armas e silenciadores de estilo militar, permitindo que as localidades proibissem armas em espaços públicos e exibindo uma bandeira vermelha para que as autoridades possam apreender temporariamente armas de alguém considerado uma ameaça. Enquanto os organizadores do evento pediram aos apoiadores que aparecessem sem armas, milícias e outros grupos de extrema direita de todo o país planejam participar do comício e demonstram seu apoio aos direitos das armas. Zach Gibson / Getty Images / AFP

     

    Querem mais, mais armas,

    armas sem limites, armas apenas.

     

    Daqui onde estou, no sul do continente,

    algo de Virgínia me lembra Hamlet,

    ser ou não ser,

    me lembra Oswald de Andrade, tupi or not tupi?

     

    https://wtvr.com/2020/01/20/gun-rights-rally-richmond-virginia/