Jornalistas Livres

Autor: Helio Carlos Mello

  • O TAO DO XINGU E A INVASÃO DOS PORCOS

    O TAO DO XINGU E A INVASÃO DOS PORCOS

    Logo nas primeiras páginas de Grande Sertão Veredas, Guimarães Rosa nos fala da mandioca mansa que torna-se brava e mata, pois vai tomando as peçonhas, veneno da terra, indaga: “e o porco gordo, cada dia mais feliz bruto, capaz de, pudesse, roncar e engolir por sua suja comodidade o mundo todo?”

    Imagem gerada pelo INPE, centrando o Parque Indígena do Xingu e as áreas agro envolventes.

    Não conheceu, o Rosa em suas veredas, a floresta e o cerrado em forma tão crua à companhia dos mitos e regras aos povos do centro do Brasil.  A terra revirada, nua de árvores e diversidade, cria uma estética de infinito mosaico, pequenos retângulos verdes entre os campos de soja e bois esparsos. Sabia ele que homens são como porcos. Em tardes tão azuis, chuvas fortes surpreendem nós brancos triviais em águas turvas, o rio mudou a cor de suas águas. Sigo sim meus amigos entre barcos e canoas. Busca-se o alimento e a saúde, histórias entranhadas nas redes, suas comidas em poesia de nutrição tradicional e a consequência da assimilação do óleo, açúcar e sal no cotidiano das casas.  A mudança no modo de viver, trabalhar e se alimentar, evidencia novos hábitos em desequilíbrio e vai-se abrindo a porta para doenças com nossos alimentos industrializados.

    Jovens Ikpeng, os temidos Txicão, e seu respeito e conceito do caminho, tal o Tao.

    O espírito da mandioca está triste e se recolheu para a floresta em descontentamento. O manto do mato fraqueja sua fertilidade perante a mudança do clima.  O rios sedimentam as mágoas e as mulheres da aldeia estão em dúvida. Dívidas com as regras tradicionais da segurança alimentar e o trabalho comunitário abalado pelas tecnologias eletrônicas que seduzem e viciam, expondo outros riscos entre novas  carências.

    Porco é bicho de gula selvagem e em bando não respeita a fome dos outros. Se em todo o entorno da grande área contínua da Terra Indígena do Xingu e ao território Kayapó vai-se impondo uma micose que despela o virgem mato e lentamente alisa e lambe o solo desse chão, intensificando as lavouras aos quatro cantos onde a carne do gado é rica, mas fraca rói os ambientes das roças, insetos e aves desaparecem e mamíferos buscam refúgio na retomada da mata que resta ao Xingu.

    Cerca tradicional de roça de mandioca, para barrar os porcos, que, em voraz necessidade, a pulam com facilidade.

    Solidifica-se o agronegócio e grandes empreendimentos no povoamento ocidental das terras tradicionais. Os olhos dos porcos, afoitos, recolhem-se aos parques demarcados às etnias, em voraz vontade de sobreviver, aperreando os índios que vivem ao labor de suas roças de mandiocas. Nas águas os peixes vertem lágrimas entre futuros assoreamentos que dificultam a pesca e desencontra o apetite indígena.

    Abóboras se encaminham para o preparo tradicional.

    Das chuvas também se diz, na aldeia plena entre marimbondos bravos, que tudo raleia entre as nuvens e a terra, pois dois anos de consecutivas secas e grandes incêndios reduziram os estoques de polvilho. Acabou o beiju entre muitos e a carência de  alimentos tradicionais entre as famílias se expõe às etnias. Os mais velhos e seus anciões sabem também que o celular é um osso novo lançado entre as regras e tradições.  A forte ocidentalização e nosso modo de viver, tal gripe a contaminar no passado,  impõem-se.

    Em sua  própria terra olho à volta do grande círculo de casas dos Ikpeng. Crianças fluem, raios entre as nuvens anunciam que a vida paira e resoluta quer seguir sua sina. A grande área do Xingu resiste entre as nascentes desmatadas, as Pequenas Centrais Hidrelétricas e o monstro perpetrado de Belo Monte na Volta Grande.

    Em suas vertentes o Rio Xingu indaga seu destino.

    Pode ser que o lugar nosso, aquilo que é uma nação, ainda não encontramos. Sim, os povos originários ainda buscam e velam seus segredos.  Atônitos ainda nos descobrimos e se reinventam eles em novos códigos. As escolas, a rede de celulares entre todos e a televisão já assimilada, são velhas armadilhas, mas também novas armas ao desafio, defesa e senda dos povos originários.

  • Ropni Metuktire

    Ropni Metuktire

    Raoni fala à impressa antes do desfile da Imperatriz Leopoldinense – foto de Kamikia Kisêdjê

    Em 1985, certa tarde em Brasília, entre protesto de estudantes que queriam eleições, vi aquele homem alto, pintado de preto e com uma boca diferente, nos induziu à uma certa paz. Nunca esqueci daquele homem bravo como uma flor e imponente como uma onça, trazendo  paz em momento tenso, pois autoridade e liderança se encontram na palavra segurança.

    Raoni,  o homem índio, imenso cacique dos Kaiapó.  Raoni, o mundo todo saberia de sua sabedoria em harmonia com o cantor inglês Sting, em viagem pelos países a denunciar os desmandos com os povos indígenas no Brasil. A terra, dizia ele, é de meu povo, e assim mostrou a todos. Com as águas já não teve tanto êxito, mesmo dizendo que levaria sua aldeia para a área a ser submersa pelo rio represado, e lá morreria. O monstro de Belo Monte nem quis saber e se impôs, lá está. Raoni, felizmente vive e nunca mais saiu de cena e convívio com presidentes e chefes de Estado. Bonito da vida é ver isso, grandes homens não cedem.

    O carnaval trouxe Raoni e os povos indígenas à avenida, em reação ao avanço do agronegócio e às hidrelétricas sobre as águas. Esperávamos um protesto com a força do samba e seus tamborins na coragem saudosa de Joãozinho Trinta, mas as academias de ginásticas e as formosuras das fantasias suplantaram as ideologias, e as bordunas de guerra dos guerreiros seguiram leve na admiração do esplendor indígena, aquém da carência de alimento, diabetes ou do alcoolismo e suicídio nas muitas terras indígenas das cinco regiões. Não importa que doa, foi bonita a festa, pá. A tv oficial em seus direitos veta as imagens que dizem, nada se ouve além da passarela, nem PEC 215 ou urgentes demarcações se inebriam nas omissões dos dividendos dos negócios do campo e suas divisas. A revolta ficou limitada às belíssimas alegorias e à denuncia velada que a vida corre risco se perdeu em tantas cores. Tudo foi riso e boa música, belo sem dúvida, um monte de gente bonita distante de Altamira, que não há mais.

    O labirinto xinguano e suas águas que temem e confirmam.

    Ailton Krenak, em um texto de 2001, escreveu: aceitando a existência do Outro, nós vamos aprendendo a reconhecer no mundo um lugar de muitos povos. A nossa casa comum. Onde alguns chegaram primeiro. Mantendo essa continuidade, nós convivemos e nos preparamos a cada dia para essa troca, sem deixarmos de ser quem nossa memória e história nos informa. Então você pode olhar o mundo  e experimentar o sentimento de integridade diante dos outros, firmando o seu caminho como parte  de uma cultura e de uma sociedade, que pode se afirmar também diante dessa diversidade e dessa pluralidade de caminhos e escolhas. E fazer isso sem viver a situação de crise de valores, mesmo experimentando a enorme dificuldade que é a de se localizar e se expressar diante de todas as outras visões de mundo e suas construções e elaborações.

    Depois dos carnavais, sabemos já,  o país entra no ritmo de suas contradições.

     

  • o rio que passa aqui e a fronteira da poesia

    o rio que passa aqui e a fronteira da poesia

    Quando o chefe indígena dos Sioux pediu para enterrarem seu coração na curva do rio, ele não conhecia o Rio Xingu, nem imaginava que na volta grande das águas, seus parentes veriam uma imensa hidrelétrica mudar o ritmo das águas. Não há heróis em Belo Monte, assim como não há araras em Pasárgada. O rio é lugar que se move, indefinido, um lugar num tempo de existir e passar. Ficam os pesares fincados nas margens.

     

    O poeta Thiago de Mello relata que o primeiro verso lhe veio ao recordar, em cima de uma árvore, a morte de seu amigo afogado, caído nas águas quando soltavam pipas na beira do rio. Os inimigos da vida são assim, de repente, um passo em falso e cessam os movimentos, mesmo na plena alegria do viver. O compromisso com a verdade cabe à poesia, lembra ele, e aos artistas, agora, é devido sepultar a mentira. E nas águas nos perdemos, nossos rios se perdem em nossas frivolidades e arrogâncias. Em todas as cidades nossos rios nos envergonham, sujos, escassos.

     

    Nesse momento, algumas lideranças indígenas se dirigem à passarela do Rio, que no samba terá, entre seus enredos, as águas do rio a girar na boca do monstro. Belo Monte, a hidrelétrica na curva do rio, na volta grande das águas, não é lugar para enterrar coração de índio, mas terra para grandes investimentos. Depois das águas dominadas busca-se o ouro.  

    Nunca perguntaram ao peixe, antes de comê-lo, o que ele achou da usina. Raro alguém pensar em falar com peixes. Devíamos. Peixes morriam pela boca na isca ou flecha de canoa. Hoje dizem que os peixes morrem de qualquer coisa, de susto também. Das margens sabe o cafuso, o ribeirinho, o mulato, o índio; ninguém discorda: o rio já não é o rio,  amanhã será de outros, ontem era meu e era o tempo da gente,  hoje nada sei onde encontrá-lo.

     

    Nos argumentos para um contrato mundial sobre as águas, Manifesto das Águas, o italiano Ricardo Petrella, declara que a água pertence bem mais à economia dos bens comuns e à partilha da riqueza, do que à economia de acumulação privada e individual e da predação da riqueza do outro.

     

    Nem São Francisco, nem Tietê ou Doce. Tudo fraqueja, cansados estão os rios. Quando éramos crianças nos anos 60, manchetes improváveis nasciam nos jornais, sobre a destruição da Amazônia e o desaparecimento das espécies. Lenda viva bate dura na cara da gente em dias de carnaval,  monstro em cheque no sambódromo e o índio entre o agronegócio e o samba.

     

    A poesia não deve temer ou se acanhar diante das águas represadas, desviadas ou engarrafadas. É preciso romper o asfalto das palavras no tempo dividido de nossa  era. Raduan Nassar, Imperatriz Leopoldinense e tudo que não cala mexe e remexe entre a lama e a chuva. A palavra tem sede.

  • NO MEIO DO CAMINHO TINHA UM ÍNDIO

    NO MEIO DO CAMINHO TINHA UM ÍNDIO

     

    A possibilidade de uma vida econômica campeia o horizonte dos povos originários, uma vontade que paralisa tradições e desponta em desapontamento para muitos. O couro de onça feito em cinto torna-se rapidamente apenas uma lembrança, e as plumas estarão a temer nas aves que resistirem aos novos elementos de seus defensivos e agrotóxicos que matam a sede da fome. Comer é preciso; e comer é palavra complexa. Chega um tempo que é de profunda escuridão e conturbadas possibilidades. Cabe a si e às etnias escolherem por onde ir. Cabe ao Estado a salvaguarda do patrimônio linguístico e cultural dos povos indígenas, garantindo a integridade de seus territórios, na pena da lei assinada.

     

    Sente-se dores nas matas e na glória percebe-se tristeza. Não será raptado ao mundo grande o índio, mas determinado que sua terra será pequena para tanto saber e as consequências disso são previsíveis. O capitalismo chora sua futura última glória. A diferença entre a caatinga, o cerrado e a floresta densa é questão de umidade e unidade das plantas. Para o animal humano reservou-se a cultura, apesar de as plantas saberem, também. Resta-nos sermos poeta de um mundo caduco, o antigo professor tinha razão.

     

    Clarice Lispector dizia que escolher a própria máscara é o primeiro gesto humano e solitário. Uma esperança para fugir do mundo. O mundo também é rato, afirmava ela.

     

    Mas de tudo fica um pouco. Coisa boa é chegar na aldeia e ver a escola cheia dos seus, pois há tempos veem-se salas de aulas em muitas comunidades e em algumas, dedicados e determinados professores, muitos deles indígenas. Isso foi um  instrumento, como carta náutica, para orientar o processo de contato com o ocidente e nossa invenção brasileira, alfabetizando seus jovens.

     

     

    Nesse momento se dá à prova. Conheci nesses últimos 20 anos gênios indígenas, muitos estão por vir. O facão do contrato se impõe agora como nunca dantes nesse país, pois as tensões das diferenças se determinam e a tolerância não é sempre servida no cardápio das leis. Muitas portas se apresentam ao jovem indígena, pois fascínio é alimento de toda juventude planetária. Em muitas aldeias ainda se busca o conselho dos anciões para decisões sobre comando do leme, e aí se acessa a mediunidade própria aos genitores,  que vão com a morte se destituindo e levam consigo sua sabedoria. O celular se infiltra na nova ordem e voraz muda os códigos, deixando todos inebriados com possíveis produtos ao desejo.

    É a tradição o mais importante a seguir, sabem eles, alguns já traumatizados com o mundo descartável que vivemos.  É na cultura e filosofia de seus mitos que os indígenas terão seus resultados positivos e propositivos ao futuro. Na nova ordem ser índio será imprescindível  ser original e sustentável, feroz desafio.

  • ENTRE O REI E O PASTOR

    ENTRE O REI E O PASTOR

    Indígena Rikbaktsa e seu tambaqui capturado na flexa.

    Nos anos 60, índios não sabiam o que era rei. Mito de índio é história  viva, sem aqueles idealismos gregos que percorremos em nossa gênese. Entre cobras grandes, pássaros de duas cabeças ou o fogo roubado e apropriado de outros, os mitos indígenas não passam por homens atrozes ou genocidas. Mas o fato aqui é que certa tarde pairava avião sobre as terras do Xingu, e no corte na mata se fazia a pista de pouso para os pássaros barulhentos de aço, e nele, em 1964, desceu o rei, e o rei não estava nu.

     

    O que é rei, fez-se pergunta ao vento daqueles dias, tamanha curiosidade ao porte do movimento derivado dos céus, contou Orlando Villas Boas presente na cena, em livro para crianças. Era Leopoldo III, em sua sina de herdeiro, infeliz destino que acomete a alguns. Disse o rei, enaltecido com o mundo que via, conhecesse  o Xingu antes, não teria feito o que fiz na África. Talvez tenha sido a luz, que em leito curvo e aldeias redondas, tocaram o cego pulso, ou uma arara no céu em choque de realidade, que trouxe o rei à sua humanidade. O rei havia perdido seu domínio e gostava de estudar peixes. O rei havia prendido, escravizado, assassinado em massa no Congo. Leopoldo III veio ao Xingu nos ares, talvez peixes nos rios voadores da Amazônia o levaram a perceber que era gente também. Fez amigo entre os pequenos indiozinhos e chorou quando um deles matou um passarinho. Seu grande amigo mirim. O rei chorou e o menino também, conta o conto, ali naquele passarinho sem reino, rei e índio choraram.

    Índios Kariri-Xocó no festival EMERGÊNCIAS.

     

    Tanto tempo passou, meio século nos reporta ao fato. Hoje rei não desce mais do céu ao índio. Do céu sabem apenas dos pastores que avançam pelo grande rio na pesca de devotos. Pastores querem almas livres, pois essas são de fácil condução. O recém nomeado presidente da FUNAI, o dentista e pastor  Antonio Fernandes Toninho Costa, traz um novo paradoxo à questão indígena: ensinar o índio a pescar.

    Monetarizar as etnias deve ser alguma inspiração que os empenhados indigenistas ainda não tinham alcançado em suas preces. Tudo que era sólido de fato se desmanchou no ar, Karl Marx tinha toda razão, resta agora apenas ensinar o índio a pescar e rezar. Gerar renda ao índio vai se impondo aos olhos, que atentos, viam apenas passarinhos entre as árvores, e na flexa trazia seu alimento. O jovem indígena e sua comunidade trazem, na abertura ao mundo do consumo, todas as necessidades e muitas demandas dos novos tempos.  Ao futuro vemos um mundo de terras devastadas e antigas histórias entre imagens de um tempo que finda, que acaba todo dia um pouco, com a morte de velhas e velhos indígenas em alguma aldeia.

     

    Antonio Fernandes, dentista e presidente da FUNAI, afirma os preceitos constitucionais aos povos tradicionais, mesmo sabendo que o governo que o nomeou corteja emendas à Carta de 1988 que professa: São reconhecidos aos índios sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições, e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, competindo à União demarcá-las, proteger e fazer respeitar todos os seus bens.”  É cabida a preocupação do presidente e o Banco Mundial também contempla esse debate com a salvaguarda de garantias econômicas face ao avanço do sistema capitalista em regiões de grandes investimentos internacionais na exploração de recursos naturais.

     

    Apenas a geração  de renda entre os rincões se mostra como saída para alguns legisladores, uma carteira de trabalho, uma empresa sustentável entre sonhos ruins, onde o agro vai se firmando em tudo, entre ouro e pedras brilhantes no cascalho, óleo preto na areia,energia das águas. Ensinar o índio a pescar talvez seja a antítese do Brasil  tupi or not tupi de Oswald de Andrade, perguntando da caravela tardia ao índio da mata virgem: Sois cristão? Não. Sou bravo, sou forte, sou filho da Morte. E em seu erro de português a nos lembrar sempre: quando o português chegou debaixo duma bruta chuva vestiu o índio. Que pena! Fosse uma manhã de sol o índio tinha despido o português.

    Toda palavra cala, no jogral desse momento, nos ares dessas águas. Perdem-se em máscaras, tropeça-se nos astros, entre reis e pastores a estrada leva ao nada.

     

  • Entre os anos 70 e 2017, SEM MITOS E MAGIA

    Entre os anos 70 e 2017, SEM MITOS E MAGIA

     

     

    A I Bienal Latino Americana e seus ícones originários.

    Era um período de novidades entre velhos vícios, em 1978  o general Geisel passou o comando ao general João Figueiredo, eleito indiretamente presidente do Brasil, para 6 anos de governo. Carlos Drummond de Andrade escrevia o Projeto de Declaração dos Direitos da Planta, acreditando que talvez a obrigação geraria costume, e o costume se revelaria força ativa para a conservação da natureza, com esperança na eternidade da rosa.

    No país da TV, Caetano Veloso marcava posição no Vox Populi https://www.youtube.com/watch?v=OB5zw4UVjUoe a TV Tupi conduzia as emoções em produções de novelas. Entre o último capítulo da novela Cinderela https://www.youtube.com/watch?v=P3CTnyyJXAAe o primeiro capítulo da novela Aritanahttps://www.youtube.com/watch?v=Rut3jMUwqyI, grandes sucessos à época, Luis Inácio surgia como Lula, liderando a primeira greve dos metalúrgicos.

    Na Amazônia novos municípios surgiam e eram emancipados na busca impiedosa do ouro e na voracidade do boi e da soja por novos solos. Nas artes ocorria  a primeira e única Bienal Latino Americana e Radha Abramo sentenciava: Bienal contestada é Bienal didática, porque discussão permanente é aprendizagem dialética. Na fotografia, Maureen Bisilliat fazia as provas de Xingu, obra determinante num Brasil que vinha com tudo. Fora do país três Papas se sucederam no período e o primeiro bebê de proveta nasceu, enquanto a Argentina faturava a Copa do Mundo.

    Fotolitos do livro Xingu, de Maureen Bissiliat

    Há denominadores comuns entre os fatos da época,  semelhanças com as turbulências hoje vividas. Eduardo Galeano escreveria logo em seguida sobre a descoberta da América, que não nascemos na Lua, não moramos no sétimo céu. Temos a alegria e a desgraça de pertencer a uma região atormentada do mundo, a América Latina, e de viver num tempo histórico que nos golpeia com força e dureza.

     

    Em 2017 os atores são outros, mas os enredos pouco mudaram em temas, há um país de cinderelas à direita, e o índio pela esquerda ainda corre seus riscos na terra que sempre perdeu. Unidades ambientais de conservação e terras indígenas sofrem pressão para revisão de seus limites e as águas minguam entre rios que se aprisionam. Persiste novamente a supremacia do agronegócio na geração de divisas. 

    Ninguém assistirá ao enterro de tua última quimera, pronunciava Glauber Rocha naqueles tempos, sobre a morte de Di Cavalcati e suas possibilidades, visão surpreendente da vida do pintor e os anseios. Entre rosas nosso rosto ainda insiste.