Jornalistas Livres

Autor: Flávia Martinelli / Jornalistas Livres

  • Morre a poeta Tula Pilar Ferreira, uma Carolina dos saraus da periferia de SP

    Morre a poeta Tula Pilar Ferreira, uma Carolina dos saraus da periferia de SP

    Poeta, dançarina, atriz, ex-empregada doméstica, vendedora da revista Ocas, Tula Pilar nasceu em Leopoldina, Minas Gerais, em 1970. Quando tinha dois anos mudou-se para Belo Horizonte com a mãe e as irmãs. Aos sete, começou a ajudar a sua mãe, que era cozinheira, no trabalho, não deixando de lado a escola e as brincadeiras.

    Teve a primeira filha, Samantha aos 15 anos. Continuou a trabalhar, tentou morar no Rio de Janeiro, mas aos 19 anos foi trabalhar como doméstica em São Paulo, em casa de família. Trabalhou também como passadeira, mas em um momento de dificuldade financeira acabou conhecendo o trabalho da Revista Ocas, produzindo poemas e vendendo a revista. Tula virou referência em todos os saraus da periferia da cidade.

    Participou de festivais de literatura e publicou o livro “Palavras Inacadêmicas” de maneira independente em 2004 e “Sensualidade de fino trato”, publicado pelo selo do Sarau do Binho em 2017. Também teve participação em obras coletivas, como o “Negras de Lá, Negras Daqui”, lançado em fevereiro deste ano.

    Mãe solo com três filhos, Pilar, vê sua trajetória muito parecida com Carolina de Jesus. Lançou o “Cadin de coisa”, sarau que mistura culinária mineira e arte.

    “Sou uma Carolina”, por Tula Pilar Ferreira

    “Sou uma Carolina
    Trabalhei desde menina
    Na infância lavei, passei, engraxei…
    Filhos dos outros embalei

    Sou negra escritora que virou notícias nos jornais
    Foi do Quarto de Despejo aos programas de TV

    Sou uma Carolina
    Escrevo desde menina
    Meus textos foram rasgados, amassados, pisoteados
    Foram tantos beliscões
    Pelas bandas lá de Minas
    Eu sou de Minas Gerais

    Fugi da casa da patroa
    Vassoura não quero ver mais
    A caneta é meu troféu
    Borda as palavras no papel
    É tudo o que quero dizer

    Sou uma Carolina
    Feminino e poesia
    A negra escritora que foi do Quarto de Despejo
    aos programas na TV

    Hoje uso salto alto
    Vestido decotado, meio curto e com babados
    Estou na sala de estar
    No meu sofá aveludado

    Porque…

    Sou uma Carolina
    Feminino e poesia
    Pobreza não quero mais
    A caneta é meu troféu
    Borda as palavras no papel
    É tudo o que quero dizer…

    Carolina…”

     

    Segundo os filhos, Tula Pilar não estava bem e foi levada para o hospital hoje, dia 11 de abril de 2019. Ao que tudo indica, que teve uma parada respiratória a caminho da UPA.

    Agora, além dos poemas, do sorriso, dos filhos, do entusiasmo nos deixa um grande vazio. Saudades Pilar!

    O enterro deve acontecer amanhã, no cemitério da Saudade, Taboão da Serra (SP), a confirmar.

    A família aceita apoio financeiro:
    Caixa Econômica Federal
    Agência: 0357
    Conta poupança: 00001062-0
    Samantha Pilar Ferreira
    363.319.688-90

  • O massacre que a TV não mostrou em Suzano

    O massacre que a TV não mostrou em Suzano

    Estarrecido, o país parou nessa quarta-feira, 13 de março de 2019, para entender o que houve na Escola Raul Brasil em Suzano. O massacre, que resultou em dez mortes e ao menos 11 feridos, exigiu cobertura ao vivo. As TVs escalaram seus repórteres, suas câmeras de alta resolução, seus helicópteros, seus carros com satélites de link para transmissões diretamente do local do crime. O arsenal estava todo lá. Mas acompanhar a chegada das informações pelas emissoras foi mais um espetáculo de horrores da mídia nacional.

    Das cenas de pânico e horror dos alunos e funcionários aos corpos dos mortos no chão, vimos tudo em detalhes. Menos o essencial: o massacre do ensino público e o desamparo das escolas, professores, alunos e de toda uma população vulnerável à falta de políticas públicas capazes de promover o diálogo entre educação, assistência social e saúde ANTES de uma tragédia acontecer. Uma tragédia anunciada, por sinal, pelas mãos de um governante que banaliza a morte ao brincar de empunhar armas de fogo enquanto reduz ainda mais as verbas para a pasta de educação.

    O fato é que nenhuma emissora se preocupou com isso tudo quando passou horas a fio reproduzindo os gritos, o medo e o pânico de uma escola inteira diante um revólver de verdade. O apresentador Datena, por exemplo, não poupou ninguém em horário livre para crianças: colocou ao vivo e em câmera lenta as cenas brutais de violência que registraram o massacre pelo circuito interno da escola. Diretamente de Suzano, um repórter de seu programa ainda foi capaz de encurralar a mãe dependente química de um dos assassinos. A TV Globo, por sua vez, não hesitou em mostrar o endereço da casa dos familiares dos atiradores no Jornal Nacional. Se a mãe, pai, avô ou os quatro irmãos de um deles virarem eternos reféns de um crime que não cometeram, o problema não é da emissora.

    O choro convulsivo de crianças e os endereços dos sites de fanáticos por violência também foram oferecidos ao público por diferentes programas de TV. Não houve limites para a irresponsabilidade, a covardia e sanha por audiência minuto a minuto.

    Passamos o dia ouvindo dezenas de entrevistas de porta-vozes de forças policiais, cenas oficiais de João Doria que omitiram a grande vaia que ele recebeu no local, e nenhuma entrevista com educadores e professores analisando o caso a partir do fato de que aqueles atiradores poderiam, sim, ser um dos seus alunos.

    Pelo contrário, ao mencionar que os assassinos foram alunos da escola, os jornalistas imediatamente reiteravam que Luiz Henrique Castro, de 25 anos, já havia concluído o curso, e o outro, Guilherme Taucci, de 17 anos, era “evadido”, ou seja, termo usado para designar o aluno convidado a se retirar ou que simplesmente saiu do colégio e nunca mais voltou. Nada se questionou sobre esse sistema de abandono escolar que, sabe-se, é assunto delicado.

    Atualmente existem cerca de 10 milhões de crianças e adolescentes excluídos do sistema de ensino ou em situação de atraso escolar, de acordo com Censo Escolar e a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD). O assunto é a prioridade dos programas da agência brasileira da Unicef, o Fundo Internacional de Emergência para a Infância das Nações Unidas. O órgão de defesa de direitos da infância sabe que, infelizmente, existe uma cultura disseminada nas escolas públicas brasileiras de rotular as crianças e adolescentes com atraso, problemas familiares e afins, como incapazes de aprender e superar suas condições.

    Mas a TV não polemizou nem ao vivo ou em estúdio essa questão. Apenas ignorou o tema que deve ser compreendido como parte de uma complexa desconexão entre a rede educacional, de assistência social, de saúde e de apoio por profissionais especializados em gerenciamento de conflitos.

    A televisão preferiu dar voz sem críticas ou embate de opiniões às declarações de um parlamentar que afirmou que professores armados teriam evitado o massacre. Os jornais também passaram batido por um dos principais temas a serem abordados no momento: a política de ampliação de posse e porte de armas que embasou a campanha do atual presidente e sua influência no comportamento da população, particularmente, entre os jovens.

    Ao final da cobertura do dia, muito se mostrou do crime e do horror. Acontece que a violência nas escolas não é apenas uma questão do noticiário policial. É assunto para as editorias de educação, saúde e política.

    A escola, vamos lembrar, é aquele espaço onde crianças e adolescentes passam boa parte do tempo para estudar. Esses alunos carregam na mochila seu histórico familiar, eventos traumáticos, estresse crônico, abusos e todo tipo de experiências fora dos muros. A escola também representa a última fronteira entre esses jovens e uma série de tragédias a que estão vulneráveis: do tráfico de drogas à marginalização, subemprego ou desemprego. E nelas estão professores mal remunerados, desmotivados, assustados e adoecidos. É nelas que mães e pais confiam seus filhos enquanto saem para trabalhar – ou vão à procura de emprego.

    Todos esses assuntos subestimados nos noticiários viraram destaque na conversa de um grupo de professores que estava na porta da Escola Raul Brasil no dia do massacre. Educadores de escolas da região de Suzano e representantes da Apeoesp (Sindicato dos Professores do Ensino Oficial do Estado de São Paulo), estavam ali para oferecer apoio aos educadores e alunos da Raul Brasil, e também se dispuseram a conversar com a imprensa na terça-feira. Estavam ali prontos para as entrevistas mas pouco foram abordados.

    Em entrevista aos Jornalistas Livres, porém, esclareceram didaticamente: o massacre de Suzano foi fruto desse entroncado e complexo sistema de sucateamento de diferentes políticas públicas cujas mazelas escoam, diariamente, nas mais de cinco mil escolas públicas do país.

    A professora Angela Talassa, que dá aulas na Escola Estadual Professor Carlos Molteni, a apenas dois quilômetros da Raul Brasil, chama atenção para a precariedade de o sistema de ensino lidar com os conflitos dos jovens sob intensa exposição à violência. “Agora, neste momento, estamos com esse grande movimento de psicólogos, médicos, enfermeiros, assistentes sociais, funcionários da área de saúde da prefeitura prestando socorro aos familiares e à escola. Mas é preciso dizer que precisamos dessa atenção multidisciplinar ANTES de uma tragédia acontecer. Amanhã, quando os corpos esfriarem e os jornalistas desaparecerem, estaremos sozinhos como sempre?”

    Angela conta que identifica na sala de aula, facilmente, os alunos que estão sofrendo de depressão, diversos tipos de síndromes emocionais e transtornos. “Eu mesma já tirei carta de suicídio de bolsa de aluna”. Mas ela não tem a quem recorrer. “Pedimos encaminhamentos que acabam nunca acontecendo. Os estudantes são orientados a ir à Universidade de Mogi das Cruzes para atendimento psicológico e a maioria não tem condições de sequer chegar até lá”, desabafa.

    “Os adolescentes, então, ficam sem tratamento remoendo todos os seus problemas: os que são próprios da idade e os que são fruto dessa tragédia social que o país vive. Isso não pode ser ignorado.”

    Ao lado dela, o educador Richard Araújo, da Apeoesp, concorda: “Há muitos anos temos observado esse fenômeno crescente de violência nas escolas e o governo não toma providências. Quem acredita que militarizar as escolas ou armar a população vai resolver o problema da violência não compreende a complexidade da crise social que existe no nosso pais e como essa crise adentra os muros da escola!”

    A solução, diz o educador, existe, sim, e passa por investimentos: “Desde investimento em infraestrutura em escolas que não têm nem biblioteca ou laboratório, como em profissionais, psicólogos, assistentes sociais e em toda a rede de acolhimento.” Vale não só para os alunos, lembra Angela: “Vejo professores vivendo sob doses de calmantes. Eles não conseguem dar continuidade ao seu trabalho nas péssimas condições de trabalho e situação de pressão social que vivem. Atacar isso é cuidar da educação para evitar essas tragédias.”

    Outro educador, Sérgio Pereira, acrescenta que as escolas precisam de profissionais que vão além da grade clássica de professores, coordenador pedagógico e diretor: “Precisamos de mediadores de conflito especializados e políticas de assistência social interligadas na escola. São mecanismos que garantem uma rede de proteção às crianças também fora dos muros.” Para isso, mais uma vez, é necessário investimento – em vez de cortes e congelamento de verbas em educação por 20 anos, como foi instituído pelo ex-presidente Michel Temer e mantido pelo atual Bolsonaro.

    A banalização do discurso da violência usada durante a campanha do presidente foi questionada na roda de educadores: “Estamos no auge de uma violência construída nos últimos anos por meio de uma rede discursiva gigante que mostra arminhas com a mão como se isso fosse uma brincadeira. Não é brincadeira”, acentua Pereira. “A violência da sociedade está no cotidiano da escola publica. Vai desde o problema do time A conta o time B e passa por questões de gênero, étnicos-raciais, por tudo! Se um lado da sociedade banaliza uma arma apontada, o ápice disso são esses corpos caídos no chão, mortos, aqui!”, completa.

    Diante disso, a professora Angela conclui: “Todas as escolas estão vulneráveis, estamos todos abandonados. E para onde os governantes e a imprensa sinalizam? Para a privatização do ensino! Mas isso não é saída, é exclusão.” A professora, então, deixa sua pauta: “Amanhã, os repórteres vão embora e o que será feito? Seremos ouvidos como professores ou criminalizados e culpados pelas péssimas condições de ensino que enfrentamos?”.

     

  • O maior terreiro do mundo na zona sul de SP: Festival Percurso 2018!

    O maior terreiro do mundo na zona sul de SP: Festival Percurso 2018!

    Feito para ser o #maiorterreirodomundo, o Festival Percurso 2018 – De Jardim a Jardim ocorre no próximo dia 09 de dezembro na Praça do Campo Limpo, na zona sul de São Paulo (SP), com entrada gratuita para as mais de 40 diferentes atrações programadas para todo o dia. Também haverá um pré-festival de boas-vindas, o Perifa Talks, no dia anterior, sábado 08 de dezembro, das 10h às 17h30 no Cantinho de Integração de Todas as Artes (CITA), na  Praça do Campo Limpo, na zona sul de São Paulo.

    A organização do evento espera cerca de 10 mil pessoas no domingo e oferece uma programação que abrange crianças, jovens, adultos e idosos. A proposta é levar ao público atividades educacionais, de entretenimento e de geração de renda.

    Rincon Sapiênicia no Festival Percurso, no domingo, na Praça do Campo Limpo. Só vem! (Foto: Andreh Santos)

    Dividido por tendas, o festival é organizado pela Agência Popular Solano Trindade, que neste ano se une ao movimento De Jardim a Jardim, por meio da parceria com a associação C de Cultura. Essencialmente horizontal e feito há muitas mãos – com mulheres, jovens, idosos, artistas, pequenos empresários e profissionais de diferentes áreas –, o Festival Percurso acontece desde 2013 e prestigia talentos, fomenta a cultura e os negócios locais. Mas não só.

     

    O alcance do evento vai além da periferia e promove o encontro com públicos das regiões centrais da cidade. Todas as atividades serão realizadas num único local, a Praça do Campo Limpo, local de fácil acesso (bem ao lado do terminal de ônibus do Campo Limpo e numa reta só da avenida Prof. Francisco Morato e Estrada do Campo Limpo). Palco histórico de atividades culturais da Zona Sul, o local é berço histórico de saraus, eventos literários e de artistas como Racionais MCs, Criolo, entre tantos outros.

    A quinta edição do Percurso, cujo tema é #omaiorterreirodomundo, traz programação que reúne a ancestralidade dos povos de terreiro e indígenas à nova geração de visionários da periferia e fora dela. A arte e a cultura, assim, acabam por promover pontes sociais. Também fomentam a economia local.

     

    Thiago Vinicius, da Agência Solano e um dos organizadores do evento, ressalta que o Festival Percurso é a união de vários propósitos da Agência Solano, que tem como missão fortalecer a arte e a economia da região dos bairros do Campo Limpo, Capão Redondo e arredores da periferia da zona Sul de São Paulo.

     

    “O Festival traz a união das relações de produção, consumo e comercialização de serviços locais com a arte e a cultura da periferia e das regiões centrais. Tudo isso em harmonia com a sabedoria e os ensinamentos dos nossos mestres e ancestrais. Ao reverenciar nossos sábios também prestigiamos a caminhada que segue pelas novas gerações”, diz Thiago.

     

    O evento recebe neste ano atrações como Rincon Sapiência, Xaxado Novo, Tião Carvalho – comemorando os 40 anos de carreira – Bia Ferreira, Curumin, De Jardim a Jardim, Abôrigens, Mãe Beth de Oxum, de Recife (PE), Slam das Minas SP, Graja Minas e o Maracatu Nação de Kambinda, do Embu das Artes, homenageando a escritora, artista plástica, coreógrafa e folclorista brasileira, Dona Raquel Trindade.

     

    Haverá ainda um show que mescla três apresentações no mesmo palco para celebrar os encontros transformadores entre as periferias e o centro. A música “De Jardim a Jardim” fará a ponte entre o hip hop da banda Abôrigens, a Abô, da produtora cultural e social A Banca – que promove ações de impacto nas quebradas por meio da música – com o cantor, compositor e multiinstrumentista Curumin. A canção, uma composição colaborativa, é resultado de um intercâmbio de saberes e fazeres entre jovens de diferentes origens socioeconômicas de São Paulo promovido pela associação C de Cultura. No espetáculo, Abô traz a mistura do Dub, Rap, Reggae e Rock. Curumin, por sua vez, apresenta o repertório de “Boca”, seu elogiado quarto disco.

     

    A tradicional roda de samba Ajayô Samba do Monte vai celebrar seus 10 anos no festival e levará ao palco Raquel Tobias, uma das pioneiras a levar o protagonismo feminino ao samba, e representantes históricos da velha guarda das escolas de samba de São Paulo. Entre eles, estarão Seu Carlão, conhecedor das origens do jongo e do congado e um dos fundadores da Unidos do Peruche; e o compositor Silvio Modesto, da Pérola Negra, que já foi gravado por Bezerra da Silva e ainda acompanhou Cartola na gravação de seu último show ao vivo.

     

     

    O lema do Festival Percurso é Juventude Periférica, gerando renda, trabalho e desenvolvimento local, o que significa que a nossa visão de geração de renda está ligada ao desenvolvimento comunitário”, contou Alex Barcellos, produtor cultural da Agência Solano.

     

    De Jardim a Jardim

     

    C de Cultura

    O Festival Percurso abre as portas para o movimento De Jardim a Jardim, iniciativa promovida pelo C de Cultura, cujo objetivo é celebrar os encontros entre o centro e as margens da cidade. É um convite a um importante deslocamento, não apenas geográfico, mas cultural e de trocas humanas.

     

    “Nossa prioridade não é criar novos projetos nessas regiões, mas sim apoiar para promover o crescimento dos que já existem”, diz o psicólogo, músico e educador Ricardo Leal, atual presidente e sócio-fundador do C de Cultura. “Entendemos que quem já está lá trabalhando, vivendo e pensando aquele território tem muito mais a ensinar para nós. É um grande processo de troca”, completa Léo Mello, diretor da associação que também é pesquisador da cultura popular.

     

    Pensado para ser o #maiorterreirodomundo, o Festival na prática, vai fomentar a união que passa entre os povos através de diferentes vertentes musicais, culturas ancestrais e na economia, trazendo a ‘re-união’ do que há de mais bonito no Brasil: o conceito de agrupamento, de aquilombamento, transformando a Praça do Campo Limpo em um chão abençoado por mestres de religiões de matrizes africana e indígena. Nessa confraternização, o bastão dos sábios griôs será passado para as mãos da nova geração.

    O conceito  “De Jardim a Jardim” nasce da metáfora sobre a necessidade de encontro e troca entre as pessoas, independente do bairro onde moram e da realidade de vida de cada um, a arte será sempre capaz de aproximar todos, afinal, sempre há o que se aprender e ensinar, de ambos os lados.

     

     

    Confira a programação de algumas tendas e atividades

     

     

    PERIFA TALKS 

    No sábado, dia 8, a partir das 10h da manhã, o Festival Percurso promove o Perifa Talks com uma série de relatos de personagens inspiradores. Na Tenda dos Povos, que fica no Espaço Cita (Cantinho Integrado de Todas as Artes), na própria Praça do Campo Limpo, será possível presenciar os depoimentos sobre a vida, obra e a trajetória empreendedora de grandes referências em projetos de negócios, alimentação saudável, saúde mental, uso de ervas medicinais, empreendedorismo negro, protagonismo feminino, hip hop etc. Além das falas dos convidados, o diálogo estará aberto para a interação.

     

    Entre os participantes, estão Adriana Barbosa, criadora da Feira Preta e a MC e a articuladora Nayra Lays, de 21 anos, que tratará da nova geração de mulheres artistas que estão emergindo das margens e ocupando todos os espaços. Mestre Aderbal Ashogun apresentará a importância da preservação e manutenção da cultura brasileira principalmente dos povos e comunidades de matriz africana.

     

    Ainda no sábado, logo após o Perifa Talks, às 19h, haverá a intervenção artística do Projeto Omodé, com música percussiva de atabaques, ganzás e agogôs tocados por jovens moradores da periferia da Zona Sul. A cultura afrobrasileira também estará presente na exposição fotográfica “O axé visível dos terreiros” que vai além da exibição de imagens. A exposição traz a provocação do que se pode ou não ser registrado dentro dos terreiros espalhados pelo Brasil. Os fotógrafos Fernando Solidade, Nego Júnior e Rogerio Pixote fundem a experiência do olhar fotográfico documental das periferias com registros feitos nas casas de axé.

     

    Também sábado, das 19h30 às 21hs, a Juventudo dos Terreiros estará reunida nos “Dialógos para o futuro”. Na sequência, o DJ Eduardo Brechó fará discotecagem da festa “Do tambor ao toca discos”.

     

     

     

    TENDA DAS YABÁS

     

    A Tenda das Yabás homenageia as mães-rainhas e os orixás femininos, exaltando a força artística das mulheres da periferia. Está confirmada a presença do coletivo União Popular de Mulheres, que desde a década de 1960 promove a emancipação e conquista plena dos direitos da mulher. Também está confirmada a presença da Aldeia Tenondé Porã, com intervenção artística do Coral Guarani, ao som de rabeca e violão.

     

    O espaço recebe também a Associação de Kung Fu Garra de Águia Lily Lau, de Taboão da Serra, apresentando o espetáculo Dança de Leão, do folclore chinês, para espantar maus espíritos e trazer sorte e prosperidade. A programação ainda inclui apresentação teatral com a companhia Satyros, apresentação musical e artística com Funk de Griffe, Graja Minas e poesia com o Slam das Minas SP.

     

     

    TENDA DOS ERÊS

     

    Pela primeira vez o evento conta também com a Tenda dos Erês, um espaço lúdico com o propósito de oferecer alegria, integração, cultura e valores humanísticos para o público infantil. Haverá jogos cooperativos, pintura indígena, oficinas artísticas, brincadeiras antigas e populares de povos do mundo, contação de histórias e clown.

     

    A atividade “Gestar, Parir e Cuidar em Percurso” ocorre a partir das 9h30 com diálogos sobre a gestação, assistência ao parto humanizado, pós-parto e perspectivas de atuação no atual contexto político. Haverá participação de doulas, profissionais de unidades de básicas de saúde, obstetriz, além de oficinas de dança materna, sling, cultura da amamentação e pintura de barriga. Entre outros convidados estarão, Ayê Coletiva, representantes do centro de parto humanizado Casa Ângela e o coletivo Mãe na Roda.

     

    Neste espaço ocorre também a exposição da fotógrafa Lela Beltrão, sobre partos naturais que em 2016 já esteve no Salão de Arte Contemporânea, no Carrossel Du Louvre, em Paris.

     

    TENDA DOS POVOS

    A Tenda dos Povos vai reunir uma comitiva de mais de 20 mestras e mestres de povos de terreiro, representantes da juventude camponesa, quilombolas e indígenas Guarani e Pataxó. A curadoria do encontro é do Mestre Aderbal Ashogun, sacerdote do candomblé, professor, artista, escritor e coordenador da rede Omo Aro Cia Cultural, que desde 1992 tem como prioridade a manutenção e o resgate do complexo cultural dos povos tradicionais de terreiros.

     

    Às 9 horas da manhã do domingo, haverá na tenda uma “roda de cura” chamada “Cânticos para a Mãe Terra”, conduzida por Mãe Beth de Oxum e o ogan Luiz Bangbala, o mais velho do candomblé do Brasil. O ritual do plantio de uma árvore de baobá será outro momento importante. A tenda recebe a presença de Raniere Costa, capoeirista, filho do Mestre Môa do Katendê. Ao meio-dia, um cortejo de afoxé percorrerá toda a praça para, então, abrir uma roda de capoeira que vai até as 13hs quando os tambores se aquecem para o Ajayô Samba do Monte.

     

     

    Feira Paul Singer

    O espaço de empreendedoras e empreendedores do Festival leva o nome professor Paul Singer, que fundamentou os princípios da economia solidária. A famosa feira da @agsolanotrindade ficará na Praça do Campo Limpo das 10h às 19h do domingo com novidades da moda, acessórios, artesanatos, produtos para decoração, etc. É um convite a quem quer adiantar as compras de Natal e ao mesmo tempo fortalecer a economia solidária.

     

     

    Alimentando Pontes

     

    O espaço “Alimentando Pontes” vai reunir no domingo, das 10h às 19h, chefs das periferias com chefs da região central de São Paulo na tenda Alimentando Pontes. Os encontros não serão apenas culinários mas, principalmente, de troca de experiências de vida e opiniões sobre a democratização do ato de comer bem. Ao som dos artistas da cultura periférica, em um ambiente descontraído, está confirmada a presença da chef Bel Coelho, do premiado restaurante Clandestino e apresentadora do programa Receita de Viagem (TCL Discovery). A chef Tia Nice, da Cozinha Criativa da Agência Solano Trindade, e o Mestre Aderbal Ashogun, sacerdote do candomblé, também vão cozinhar na tenda. O evento recebe também os chefs Edson Leite, do Gastronomia Periférica, a vegana Laila Mengarda e Luciano Nardelli, da premiada Carlos Pizza.

     

    Os chefs convidarão o público para uma experiência deliciosa, com um bom papo, apreciando uma cerveja artesanal da roça, o que é garantia de bom rango”, anunciou a organização.

     

    Gastronomia da periferia

    O Festival Percurso traz também mais de 30 tipos de empreendimentos gastronômicos de quituteiras de mão cheia, restaurantes e projetos relacionados à cultura alimentar. Além dos tradicionais tutu de feijão, baião de 2 e acarajés, a feira vai oferecer pastéis de panc (plantas alimentícias não convencionais), sorvetes e compotas gourmet e cervejas artesanais.

     

     

    Feira Campo & Perifa

    A conexão entre a roça e a periferia estará nas barracas de alimentos orgânicos vindos direto dos produtores, na venda de queijos, geleias, antepastos, mel, cosméticos naturais ou mesmo na troca de sementes. Mas não só. O espaço foi criado para difundir princípios de respeito e interação sustentável do ser humano com a natureza. Os expositores, alinhados à sabedoria da agricultura familiar e às boas práticas da permacultura, são especialistas no gerenciamento integrado dos ecossistemas naturais e vão estar disponíveis para interagir com o público.

     

    Serviço

    FESTIVAL PERCURSO 2018 – DE JARDIM A JARDIM

    Pré-festival dia 8.12 (sábado) das 10h às 22h

    Festival dia 9.12 (domingo) , a partir das 8h

    Praça do Campo Limpo: Dr. Joviano Pacheco de Aguirre, 30 – Jardim Bom Refúgio. Na zona sul de São Paulo, fica a 5 minutos do Terminal de ônibus Campo Limpo.

     

    COMO CHEGAR:

    De ônibus: Vários terminais de ônibus da cidade têm rotas que se conectam ao Terminal Campo Limpo. Exemplos: do Terminal de ônibus Pinheiros pegue a linha 809P-10 para chegar ao do Campo Limpo. Ao sair do Terminal Campo Limpo, siga à direita e caminhe por 500 metros.

     

    De metrô: Pela linha 5 do metrô, desça na estação Campo Limpo. A praça fica a 15 minutos do local pelas linhas de ônibus 343, 178 ou 245 ou 056 ou 178BI1 ou 587BI1.

     

    De carro: Da Zona Oeste da cidade, siga numa reta só pela Avenida Prof. Francisco Morato e depois pela Estrada do Campo Limpo. Pela Marginal Pinheiros, siga as indicações para Campo Limpo/Jd São Luís/Itapecerica, permaneça na Avenida João Dias até a Estrada da Itapecerica e Estrada do Campo Limpo.

     

    Mais informações sobre o festival podem ser obtidas no link: https://www.facebook.com/FestivalPercurso/

    www.festivalpercurso.com.br

     

  • O Império Bolsonaro no vale da miséria

    O Império Bolsonaro no vale da miséria

    O cunhado não gostou quando uma parte de sua fazenda, fruto de invasão de terras, virou quilombo. Capangas destruíram a nova plantação de bananas assim que o processo de reconhecimento da área foi finalizado, em setembro passado. Por sua vez, em 2015, uma das irmãs se apossou do lote urbano de mais de 800m2 que foi regularizado por um programa voltado a pequenos posseiros. Seis meses depois, ela vendeu o lote para o prefeito do município. Já o núcleo familiar da caçula dos cinco irmãos de Jair Bolsonaro alugou 3 imóveis, sem licitação e na faixa dos R$ 8 mil por mês, para prefeituras do Vale do Ribeira, uma das áreas mais pobres do Estado mais rico do Brasil.

    É nessa região que Jair Bolsonaro morou até os 18 anos de idade, quando saiu para o serviço militar. Filho de um dentista prático e de uma dona de casa, viveu na pacata cidade de Eldorado Paulista. O município hoje tem pouco mais de 15 mil habitantes, 40% deles ganhando menos de dois salários mínimos. Não por acaso, o município sofre com o segundo pior índice de mortalidade infantil do Estado.

    Mas Eldorado Paulista também é o quarto maior município em extensão territorial de São Paulo. No começo do século passado, foi apelidado de “Amazônia Paulista” e, em 1993, reconhecido pela Unesco como “Reserva da Biosfera do Patrimônio Mundial”. Cerca de 70% do território é coberto por Mata Atlântica protegida por reservas e parques, estações ecológicas e áreas de proteção ambiental naturais tombadas, além de 26 quilombos e cerca de 50 comunidades remanescentes de quilombos. Mas Bolsonaro diz que não quer saber de nada disso. É obcecado por minérios como nióbio (usado em siderurgia) e tório, um elemento químico radiativo.

    Natural de Campinas, foi em Eldorado que Bolsonaro se criou. E é aquela região que explica algumas das obsessões do ex-capitão, a começar pela idolatria à caserna. Bolsonaro adora dizer que sua “vocação” militar foi despertada no começo dos anos 1970, quando a região do Vale do Ribeira viu-se ocupada por 2.500 homens do Exército, auxiliados por um contingente não determinado de policiais cedidos pelo governo de São Paulo, que caçavam míseros 17 militantes da Vanguarda Popular Revolucionária (VPR), sob o comando do guerrilheiro Carlos Lamarca, este sim, um mito. Pois não é que os soldados, depois de bloquear a BR-116, a Rodovia Régis Bittencourt, além de estradas vicinais, depois de prender 120 pessoas e varrer a Mata Atlântica com helicópteros, depois – por fim – de bombardear áreas civis suspeitas de abrigarem os guerrilheiros com bombas de napalm jogadas de cargueiro B-26 da FAB; depois disso tudo, Lamarca conseguiu furar o bloqueio do Exército e fugir.

    Nada menos do que 41 dias de fome e cerco depois, e Lamarca conseguiu escapar da maior mobilização da história do II Exército, atual Comado Militar do Leste. O baile que o guerrilheiro deu no Exército marcou indelevelmente o psiquismo do menino Jair Bolsonaro, que até hoje promete vingar-se da esquerda.

    A família do candidato à presidência – que chama ocupantes de terras e fazendas improdutivas de “terroristas” e pretende não “dar nenhum centímetro” de terra para reservas indígenas e quilombolas – está espalhada por todo o Vale do Ribeira. Lá, os Bolsonaros construíram um império. Em municípios como Barra do Turvo (o mais pobre do Estado), Jacupiranga, Pariquera-Açu, Miracatu e outros que compõem a área de baixíssimos Índices de Desenvolvimento Humano (IDH), o clã dos Bolsonaro contabiliza mais de 60 imóveis. Agregam-se ao sobrenome presidenciável os dos cunhados José Orestes Fonseca Campos e Theodoro da Silva Konesuk, considerados os mentores financeiros da família. Mas não só de casas, fazendas e terrenos vive a próspera família. Além das propriedades, eles são donos de empresas. Muitas.

    Um levantamento na Junta Comercial de São Paulo aponta, pelo menos, 19 foram registradas em oito municípios. Se forem contabilizadas as filiais das lojas “Campos Mais” (Magazine Campos Mais, Campos Móveis e Campos Materiais de Construção), e da “Art’s Móveis”, de móveis e produtos eletrônicos, em 13 cidades, são cerca de 30 empreendimentos, de acordo com uma reportagem da revista Época de setembro passado.

    A crise econômica parece que não abalou a família: 14 lojas foram abertas nos últimos oito anos. À boca miúda, diz-se que o shopping em construção em Eldorado também é do grupo, assim como um empreendimento em hotelaria no centro de Cajati, no litoral Sul.

    Um dos negócios mais peculiares da família em Eldorado é a casa lotérica “Trilha da Sorte”, registrada como “Casa Lotérica Bolsonaro ME Ltda”. O empreendimento está no nome do irmão do candidato, Angelo Guido Bonturi Bolsonaro, e desperta a curiosidade. Uma rápida busca no Google, afinal, explica como loterias fazem lavagem de dinheiro sujo: basta o criminoso pagar mais do que o prêmio em troca de um bilhete sorteado.

    Na cidade, também fica a loja de sapatos da mãe, dona Olinda Bonturi Bolsonaro, de 92 anos. Ela mora no mesmo prédio do comércio. Todo esse patrimônio, no entanto, não inclui aquele formado pelo próprio núcleo familiar do candidato à presidência e seus três filhos políticos.

    Uma série de reportagens publicada no começo do ano pelo jornal Folha de S. Paulo apontou que os quatro acumulariam mais de R$ 15 milhões em 13 imóveis. Entre eles, os de Brasília – apesar de o candidato à presidência e seu filho Eduardo, que é deputado federal, receberem R$ 6,1 mil por mês de auxílio-moradia pela Câmara dos Deputados, benefício a que teriam direito apenas os parlamentares sem casa em Brasília.

    A conta feita pra estimar o patrimônio, porém, não contabiliza bens como carros que vão de R$ 45 mil a R$ 105 mil, um jet-ski, além de aplicações financeiras, em um total de R$ 1,7 milhão, como consta na Justiça Eleitoral e em cartórios. As dúvidas sobre transações suspeitas de lavagem de dinheiro e de enriquecimento após começar a atuar na política não foram esclarecidas pelo Bolsonaro-pai nem pelos Bolsonaros-filhos.

    Toda a família e seus tentáculos, por sinal, estão proibidos por Jair Bolsonaro de dar entrevistas. Apesar disso, os Jornalistas Livres foram atrás dos personagens, empreendimentos e atividades do clã no Vale do Ribeira. A partir de documentos, relatos, dados fornecidos por cartórios de registros de imóveis, pela Junta Comercial de São Paulo e no Tribunal de Justiça de São Paulo, traçamos, ao menos em parte, pistas do império dos Bolsonaros.

    O cunhado fazendeiro que não gosta de quilombos

    Theodoro da Silva Konesuk é casado com Vânia Rubian Bolsonaro, a caçula dos irmãos do candidato à presidência pelo PSL. Há pouco mais de um mês, Konesuk perdeu uma área de 55 hectares de uma de suas fazendas para a Associação dos Remanescentes de Quilombos da Barra de São Pedro do bairro Galvão, em Iporanga. A propriedade, em áreas devolutas que pertencem à União e ao Município, foi ocupada por seu pai, que foi prefeito da cidade de Eldorado por dois mandatos, entre os anos 60 e 80. Os quilombolas aguardavam a regularização da terra desde 2013, quando a Fundação Instituto de Terras do Estado de São Paulo (Itesp) e o governo paulista entraram como o processo de reintegração de posse. Theodoro Konesuk não se manifestou. Mas parece que não gostou da sentença.

    Dias depois de os quilombolas receberem o direito à terra, lideranças do quilombo contam que os capangas do cunhado de Jair Bolsonaro destruíram o cercado e as recém-plantadas mudas de bananeiras das 32 famílias da comunidade, segundo reportagem do site www.deolhonosruralistas.com.br.

    O relatório técnico do Itesp realizado em 2000, época de análise dos territórios do bairro Galvão, chamou atenção para os altos níveis de violência na região e até um assassinato ocorrido em conflitos de grilagem das terras. Ao defender a demarcação das terras quilombolas, o documento feito pela antropóloga Maria Celina Pereira de Carvalho afirma que “o sistema agrícola dessas comunidades permanece o mesmo que era praticado pelos antepassados há duzentos, trezentos anos, apoiado em um saber-fazer que exige profundos conhecimentos da natureza e seus ritmos”.

    Aponta ainda que há décadas os descendentes de homens e mulheres negros escravizados lutam contra a construção de uma barragem, ao longo do rio Ribeira de Iguape, que forneceria energia elétrica para uma empresa do grupo Votorantim, e também contra mais três barragens que seriam construídas pela Companhia Energética de São Paulo que, segundo dados do Instituto Socioambiental, inundariam cerca de 60% do território de inúmeras comunidades negras da região.

    Além da propriedade em Iporanga, constam em nome de Konesuk, nos serviços registrais de imóveis, ocorrências nas cidades de Apiaí, Cananéia, Eldorado, Iguape, Itanhaém, Jacupiranga, Miracatu, Peruíbe, Registro e Sorocaba. Em sua fazenda em Registro, há negócios de extração de areia e gado de corte em sociedade com o empresário Maurici Ribeiro Botelho Junior, dono de uma empresa de terraplenagem e de uma transportadora que tem em seu registro de atividades o comércio atacadista de ferramentas, cigarros, cigarrilhas e charutos, artigos de viagem, tecidos, lustres, couros, lãs e peles, jóias, relógios e bijuterias, inclusive pedras preciosas e semipreciosas lapidadas.

    A irmã Vânia e os aluguéis para prefeituras: sem licitação

    Ela é casada com o empresário que perdeu parte de suas terras para quilombolas, Theodoro da Silva Konesuk, e começou seus negócios na venda de artigos para pesca e camping, há 23 anos. Mudou de ramo em 2011 e hoje o casal tem 11 lojas Art’s Móveis. As seis no nome de Vânia Bolsonaro estão registradas como de pequeno porte e as do marido como Eireli, que separa o patrimônio empresarial do pessoal.

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    Os portais de transparência dos municípios da região apontam que Vânia e Theodoro Konesuk já alugaram imóveis para as prefeituras de Cajati, Iguape e Jacupiranga. Todos sem licitação. Entre eles, locação firmada em 2014 do imóvel que hospeda a Delegacia Civil em Cajati. Em Iguape, o nome de Vânia consta como locadora do imóvel destinado à administração do Paço Municipal. Em um ano de aluguel, a partir de março de 2015, a irmã do presidenciável embolsou R$ 90 mil. A locação foi estendida por mais um ano, a R$ 8.325 mensais, totalizando outros R$ 99.906 até março de 2017. Em Jacupiranga, desde 2010, o imóvel onde funciona a Câmara Municipal é do marido, Theodoro Konesuk. Atualmente, ele cobra R$ 8.000 mensais pelo espaço.

    Maria Denise: a empresária-posseira e fazendeira

     

    Na cidade de Barra do Turvo, a mais pobre do Vale do Ribeira, houve regularização de fundiária urbana realizada pela Fundação Instituto de Terras do Estado de São Paulo (Itesp) em 2015. Maria Denise Bonturi Bolsonaro, irmã do candidato à presidência que já declarou a intenção de criminalizar movimentos sem-terra, foi beneficiada pelo programa “Minha Terra”. Ela recebeu a concessão de um lote de 869,28 m2 na cidade. A propriedade do terreno era do município.

    De acordo com o site do Itesp, o programa “Minha Terra” consiste em um projeto social do Governo do Estado de São Paulo “voltado a pequenos posseiros da cidade ou do campo que, devido à insegurança dominial sobre os imóveis que ocupam, convivem com conflitos pelo uso e posse da terra e com sérios obstáculos para o desenvolvimento social e econômico das comunidades.” Seis meses depois de receber o lote, entretanto, Maria Denise Bonturi Bolsonaro o vendeu para o atual prefeito da cidade, o médico Jefferson Luiz Martins, eleito pelo PSDB em 2014.

    Constam, nos registros da Associação dos Registradores Imobiliários de São Paulo, 12 (doze!!!) menções a imóveis no CPF de Maria Denise nas cidades de Eldorado, Jacupiranga, Itanhaém e Miracatu. Vale citar só alguns:

    • Uma casa residencial de 762,50m² no perímetro urbano da cidade de Jacupiranga

    • Uma área de terra urbana de 941,96m² no perímetro de Jacupiranga

    • Uma área de terra urbana com 190,48m², na cidade de Pariquera-Açu

    • Um lote de terreno urbano na cidade de Barra do Turvo

    Documento original

    Separada há 5 anos, ela foi casada por 30 anos com José Orestes Fonseca Campos, dono da rede de materiais de construção “Campos Mais”, que inclui 14 filiais da Magazine “Campos Mais” (saiba mais no perfil abaixo). Seus filhos também são empresários. Osvaldo está no mesmo ramo da família. Já a empresa de Orestes oferece peças de vestuário, calçados, suprimentos de informática e suporte técnico em tecnologia da informação. Os Bolsonaro Campos também são donos de duas fazendas, uma de gado e outra de banana.

     

    O ex-cunhado José Orestes e o impressionante crescimento em tempos de crise

    2015 foi um ano excelente para o ex-cunhado de Jair Bolsonaro José Orestes Fonseca Campos, que foi casado com Maria Denise Bolsonaro Campos, quando ele inaugurou mais três filiais da Magazine “Campos Mais”. O crescimento do negócio de materiais de construção de fato impressiona. Em cinco anos, entre 2005 e 2010, foram abertas oito lojas espalhadas por todo o Vale do Ribeira e litoral Sul. O último empreendimento, no ano passado, foi em Jacupiranga. Mas, para ampliar ainda mais os negócios, José Orestes montou outra empresa. Agora é dono da incorporadora, construtora e administradora de bens imobiliários “Campos Mais”. Além da gestão de imóveis, as atividades da empresa incluem construção de edifícios e hotéis. Na cidade onde mora, Cajati, está construindo um hotel e espaço de eventos.

    Diante de todas essas informações, fica evidente que os ataques do candidato Jair Bolsonaro às comunidades quilombolas e a movimentos, como o MST e o MTST, são hipócritas e criminosos. Os sem-terra e os sem-teto são humildes e pobres que ocupam propriedades improdutivas, enquanto os parentes de Jair Bolsonaro, riquíssimos, invadem terrenos públicos para transformá-los em objeto de especulação imobiliária e cobiça. Eles querem auxílio-moradia, mas só para eles!

  • Preta-Rara emociona no Fórum Social Mundial

    Preta-Rara emociona no Fórum Social Mundial

    Na tenda Mulheres Protagonistas em Seu Trabalho — experiências na cultura, direitos humanos e economia solidária, Preta-Rara deu o recado

    “MInha avó foi empregada doméstica, minha mãe foi empregada doméstica, eu também fui. Mas com a ajuda e orientação das minhas irmãs, de muita luta e informação, mudei esse ciclo. A gente sabe que essa profissão tem classe e tem cor. 76,2% das domésticas são negras e pobres. As pessoas se assustam quando descobrem que além de MC do rapper sou professora, sou oficineira de turbantes e participo de muitas atividades em escolas e vira e mexe apareço na Tv. Tem um motivo só: é desespero. Sei o quanto é difícil romper o ciclo e ocupar todos os espaços possíveis”

  • Dória lança campanha publicitária que culpa o usuário, e não a miséria, pelo problema da Cracolândia

    Dória lança campanha publicitária que culpa o usuário, e não a miséria, pelo problema da Cracolândia

    Por Flávia Martinelli, dos Jornalistas Livres

    Após tratar a dependência química como caso de polícia e violar direitos humanos internacionais básicos no desmantelamento do programa De Braços Abertos – política pública construída no diálogo entre Estado, entidades e profissionais especializados em atenção integral à saúde e promoção de cidadania – o prefeito João Dória Júnior segue em seu arbitrário projeto imobiliário-higienista na Cracolândia, no valioso centro de São Paulo.

    Dessa vez, a estratégia foi descontextualizar a realidade dos usuários de crack em campanha publicitária; uma das especialidades do político que é dono de uma agência e editora de revistas voltadas para empresários e público de classe A. O prefeito Júnior destinou R$ 3 milhões e 900 mil dos cofres públicos para anúncios em pontos de ônibus, TV, cinemas e redes sociais nos quais coloca toda a culpa do problema do crack nas costas dos usuário. O programa Braços Abertos custava, em sua totalidade, R$ 9 milhões POR ANO.

    Astuto, o lançamento oficial da campanha, será nesta segunda-feira (26/06), Dia Mundial de Combate às Drogas. Mas o marketing já começou neste domingo (25) com o lançamento de um vídeo que Dória postou em seu facebook. “Quero compartilhar em primeira mão com vocês esse lindo comercial da prefeitura de SP para a campanha de sensibilização da sociedade para o problema do crack”, disse Júnior. De acordo com o prefeito, basta dizer “não” à droga para ser vacinado à “dependência química terrível, uma verdadeira doença crônica, difícil de tratar”. Posto dessa maneira, culpabilizando o usuário e isentando-se da responsabilidade do Estado em buscar saídas para a miséria e programas de recuperação, ficou fácil pra Prefeitura, né? Mas há muitas camadas de significado na propaganda do prefeito.

     

     

     

     

     

    No vídeo, logo somos informados que a dramatização é baseada em histórias reais. Então, abre-se uma porta. Musiquinha indie-rock dramática, em inglês, ao fundo. Sobe o som. Um jovem homem branco, então, percorre uma galeria onde estão expostas diversas fotos. Um bebê sorri numa das imagens, uma criança loirinha faz pose em outra, tem cena de formatura e até viagem para o exterior. Logo percebe-se que o rapaz que visita a exposição é o mesmo que está nas fotos. Casamento, nascimento de filho, ar de vencedor…

     

    Até que um espelho mostra que a imagem refletida não é mais a do rapaz sorridente das fotografias. O personagem agora está visivelmente envelhecido. Dentes amarelos, barba e roupas desgrenhadas como se estigmatiza descrever um morador da Cracolândia. O letreiro sobe em maiúsculas: “O CRACK DESTRÓI UMA VIDA INTEIRA. QUANDO VOCÊ VÊ, JÁ NÃO SE VÊ”. O homem chora. O logotipo da Prefeitura de São Paulo acompanha o texto “CRACK. A MELHOR SAÍDA É NUNCA ENTRAR”. Fim.

    De imediato, a propaganda faz a separação entre o antes e o depois do crack na vida do personagem. Quando era um feliz “cidadão de bem”, ele não usava a droga. Depois de usar, virou um morador da Cracolândia. Pressuposto errado. A campanha de terror de Dória, que mostra um caminho sem volta, é mais uma estratégia que só distrai o verdadeiro problema: a miséria.

    Crack é uma droga que tem o mesmíssimo princípio ativo da cocaína. E, como no uso dela, há inúmeros usuários que compram as pedras na sexta-feira para usar no fim de semana. Quem são esses consumidores? São cidadãos que vivem suas vidas sem parar nas ruas da Cracolândia em situação deplorável, sem família, sem emprego e sem dinheiro. A lógica de quem vai parar lá, por sinal, é inversa. É a miséria que faz alguém chegar à Cracolândia e não necessariamente o crack. E a exclusão social é o principal problema de quem só encontra nas ruas alguma inclusão.

    Na Cracolândia está gente sofrida no último grau da dor. São em sua maioria negros destruídos pela sociedade racista, são ex-presidiários abandonados pelas famílias e sem chance de emprego, são prostitutas aniquiladas física e mentalmente, são travestis dizimados pela violência simbólica e material do machismo, são gênios e loucos incompreendidos e raramente aceitos. “Para acabar com a Cracolândia”, sempre repete o médico Drauzio Varella,”é preciso acabar com a miséria”. E isso a propaganda de Dória não promete nem menciona.

    Outro ponto escondido é o papel do Estado. O filme não menciona nenhuma palavra, música, imagem ou mesmo um pincelar simbólico sobre o papel da Secretaria da Saúde diante da dependência química. Nada nem de longe faz referência às políticas públicas para lidar com o problema. Tampouco se aborda a multiplicidade de fatores que pode levar alguém à Cracolândia, como a falta de moradia, emprego e estrutura familiar ou a disponibilidade de uma droga barata que foi disseminada nas comunidades mais vulneráveis da cidade e até mesmo o fato de a maioria da população nas ruas ser alcoólatra.

    No comercial “lindo” do prefeito Dória tudo se resume a dizer “não” à oferta de crack. Bastaria isso para aquele jovem homem branco, pai de família, viajado e de infância feliz ter sua vida de classe média preservada. Pressuposto totalmente errado. O problema de quem chega à Cracolândia não é a droga. É a miséria.

    Espelhamento é estratégia antiga da publicidade. Quem se vê projetado nos anúncios logo se identifica. Os profissionais da propaganda feita pela agência Cazamba sabem disso, tanto que a empresa, que se define especialista em tecnologia de marketing, promete a marcas o engajamento de seus consumidores de uma forma “mais dinâmica e personalizada para alcançar e interagir com a audiência desejada, da maneira desejada.” Não foi necessário nem fazer metáfora para explicitar o público-alvo de Dória no vídeo batizado de “Espelhos”. Incutir o terror na população de classe média diante do crack é estratégia perfeita para fugir de problema muito maiores que são gerados pela exclusão social.

    A empresa que fez o vídeo afirma que “é o anunciante quem determina como veicular a peça e quais interações ela terá com o usuário.” Esse, no caso, não é o morador da Cracolândia que Dória trata com batalhão de polícia, demolição de moradia, internação compulsória e fim de acesso a emprego e perspectiva de vida que tinha no acolhimento do antigo programa Braços Abertos. A estratégia de marketing do prefeito é dizer que o usuário é cego, culpado por ter destruído sua vida inteira.

    Fica o subtexto de que o Estado, ao virar as costas para o problema de moradia na cidade, por exemplo, não tem nada a ver com a Cracolândia. O sistema carcerário brasileiro que devolve à sociedade presos sem acesso a emprego também não tem nada a ver isso. Os marginalizados todos são só um detalhe que os publicitários e o governo não lembraram. E, assim, só resta mesmo expulsar, até da rua, o dependente químico culpado por suas mazelas e interná-lo na marra numa clínica que recebe subsídio da prefeitura. E que fica bem longe do centro da cidade.