Jornalistas Livres

Autor: Maria Carolina Trevisan

  • Democracia como destino

    Democracia como destino

     Caravanas de todos os estados do Brasil chegam diariamente ao acampamento que busca resguardar os direitos sociais conquistados nos últimos 13 anos

    agricultor Braz Teixeira, 45 anos, chegou ao Acampamento Nacional pela Democracia e Contra o Golpe na tarde desta sexta-feira (15/4). Veio de Altamira (PA), a mais de 1.900 km de distância do Ginásio Nilson Nelson, em Brasília. Foram dois dias de viagem. “Foi cansativa”, conta Teixeira. “Mas também foi muito gostosa porque é pela democracia, pelas conquistas dos trabalhadores.”

    A caravana de trabalhadores rurais de Altamira viajou em três ônibus. Em poucos minutos, os agricultores e suas famílias instalaram redes em uma área coberta do estacionamento do ginásio. “Vale a pena estar aqui. Não viemos por nós. Viemos por um monte de pessoas que ficaram lá e principalmente porque nossa região é muito sofrida”, explica. Teixeira é contra o impeachment porque viu a vida das pessoas mais pobres melhorar. “Temos visto muitas melhorias. Nos outros governos, os programas sociais não chegavam lá.” Altamira tem Índice de Desenvolvimento Humano Municipal de 0,534, considerado baixo, pelas Nações Unidas.

    Desde domingo (10/4), o Ginásio Nilson Nelson abriga o Acampamento Nacional pela Democracia e Contra o Golpe. Todos os dias chegam ônibus de diversos estados do país, trazendo militantes de movimentos sociais (movimento negro, de trabalhadores rurais sem terra, de trabalhadores sem teto, indígena, de mulheres, juventude, LGBT, entre outros), centrais sindicais, entidades estudantis e coletivos de cultura e de comunicação.

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    Foto: Leandro Taques/Jornalistas Livres

    O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, ministros e deputados contrários ao impeachment estiveram no acampamento na manhã deste sábado (16/4). A ex-ministra da Secretaria de Políticas para Mulheres Eleonora Menicucci, leu a carta da presidente Dilma Rousseff em que ela afirmou “essa luta de vocês é minha também”.

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    Foto: Leandro Taques/Jornalistas Livres

    Do lado de fora da tenda que abrigou as autoridades, um grupo de indígenas fazia um ritual de agradecimento aos antepassados e à natureza. “Se a natureza acabar, nós acabaremos também”, alertou o cacique Dilvan José da Costa, 28 anos, dos Xakriabá. Segundo o cacique, os direitos indígenas são violados diariamente. Defendem a permanência da presidente Dilma porque querem “avançar na luta pela demarcação de terras indígenas.”

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    Foto: Leandro Taques/Jornalistas Livres

    Uma outra área do acampamento abriga as cozinhas, divididas por estado. As panelas dos trabalhadores rurais de Goiás, no almoço e no jantar, estão cheias de quiabo orgânico cultivado no assentamento Dom Thomas, de Formosa (GO).

    O responsável por comandar a cozinha é Joseli Ferreira Cunha, o Zelito. Ele sabe como ninguém como preparar quiabo sem deixar que a baba se espalhe nas gigantes caçarolas. Formam-se longas filas para provar da comida de Zelito.

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    Foto: Maria Carolina Trevisan/Jornalistas Livres

    Ele revela que o segredo é mexer o quiabo movimentando a panela, sem colocar a colher no alimento. Não é pouco o trabalho de Zelito. Ele prepara, a cada refeição, 20 quilos de quiabo e serve cerca de 200 pessoas. Não reclama.

    Acha que faz parte de uma sociedade democrática defender os direitos das populações menos favorecidas. “Se o impeachment passar, vai tudo por água abaixo. Não sabemos se um próximo dirigente faria reforma agrária”, afirma.

    Ninguém reclama do esforço que é estar no acampamento, dormir em condições desconfortáveis, viajar por longos caminhos. Zelito não tem dúvidas de que compensa. “A gente mostra nosso trabalho, nosso esforço, nossa vontade. É isso que alimenta o nosso sonho. Para todo mundo aqui, isso é um sonho.”

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  • POLÍCIAS CIVIL E MILITAR INVADEM SEDE DA GAVIÕES EM SP

    POLÍCIAS CIVIL E MILITAR INVADEM SEDE DA GAVIÕES EM SP

    gavioes4Funcionários ficam deitados com o rosto colado no chão enquanto policiais civis, com apoio da tropa de choque, vasculham a sede da maior torcida organizada do Corinthians. Eles entraram na quadra com as viaturas.

    Até o momento, não se sabe o motivo da ação.

    Na tarde de ontem (31/3), a Gaviões fez um protesto na Assembleia Legislativa de SP contra seu presidente, Fernando Capez (PSDB), por desvios da merenda escolar.

    Também hoje foi preso pela Polícia Civil Deivison Correia, que agrediu o presidente da Gaviões, Rodrigo Fonseca. Supostamente, ele seria integrante da Mancha Verde, principal torcida organizada do Palmeiras.

    No próximo domingo, Palmeiras e Corinthians entram em campo em disputa no Campeonato Paulista, no Estádio do Pacaembu.

    Secretaria de Segurança Pública de SP diz que operação na sede da Gaviões da Fiel tinha como objetivo encontrar armas usadas contra os diretores da própria Gaviões. Ação encontrou dois pedaços de pau e um cano

    Em nota enviada aos Jornalistas Livres, a SSP-SP afirma que ação das polícias civil e militar tinha por objetivo encontrar as armas usadas pelos agressores dos diretores da Gaviões. “Foram encontrado (sic) dois pedaços de pau e um cano”, diz a nota. 

    Nesta sexta, policiais entraram com dezenas de viaturas na quadra da torcida organizada e obrigaram funcionários a deitar no chão enquanto vasculhavam o local.

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  • Alckmin publica na IstoÉ matéria paga elogiando sua Polícia Militar

    Alckmin publica na IstoÉ matéria paga elogiando sua Polícia Militar

    Na edição desta semana da revista IstoÉ há um encarte publicitário de 8 páginas exaltando os “feitos históricos” da Polícia Militar de São Paulo. O anúncio “Segurança em ação” teve uma equipe contratada especialmente para a sua produção.

    A propaganda do governador de SP, Geraldo Alckmin (PSDB), custa, segundo tabela da Editora Três, que publica IstoÉ, pelo menos R$ 1.564.000 ao governo do estado.

    O material, porém, não tem cara de publicidade. É um “publieditorial”. Ou seja, se parece com uma reportagem especial, com diagramação similar às outras matérias, com gráficos e grandes fotos. Mas é publicidade. Confunde o leitor ao agregar prestígio jornalístico a uma ação de marketing.

    “Nessa intenção de lesar o cidadão, não está apenas o anunciante (ou a agência que o representa), mas também o veículo, que se dispõe a ceder a “sua cara” para que o anunciante (que o remunera) se aproprie do seu leitor”, explicou o jornalista e professor da USP e da Universidade Metodista Wilson da Costa Bueno, em seu artigo ‘Publieditorial, a estratégia que afronta a ética’. “Trata-se de um crime duplo, um complô comercial que agride a cidadania e a independência editorial dos meios de comunicação.”

    São as famosas “matérias pagas”.

    Foto: Reprodução/IstoÉ
    Foto: Reprodução/IstoÉ

    De acordo com o publieditorial, o estado de SP seria o “mais seguro” do país, com queda em todos os índices de violência. Mas o material esquece de mencionar que essa mesma polícia é também uma das mais violentas do mundo.

    De acordo com dados da Secretaria de Segurança pública de SP publicados hoje no Diário Oficial, entre janeiro e fevereiro deste ano, as policias civil e militar do estado de SP mataram 137 pessoas, sendo 42 durante período de folga (quase sempre fazendo bicos como seguranças).

    A ampla maioria foi assassinada por policiais militares (92). Outras 80 pessoas ficaram feridas em confronto com a polícia. Nesse período, 1 PM foi morto.

    São 137 pessoas mortas pela polícia paulista nos primeiros dois meses de 2016. Mais que duas por dia (2,2).

    De acordo com a Secretaria de Segurança Pública de SP, os números da letalidade policial não são incluídos no total de homicídios por se tratarem de “mortes decorrentes de intervenção policial”, o que não está explicado no anúncio.

    Os índices de letalidade policial no Brasil são alarmantes: em cinco anos, a polícia brasileira matou 11.197 pessoas, sem contar os homicídios de 2016. É mais gente do que a polícia americana matou em 30 anos.

    Foto: Reprodução/IstoÉ
    Foto: Reprodução/IstoÉ

    Para a secretaria, houve queda de 4% em comparação ao mesmo período do ano passado. Ou seja, em números absolutos, a polícia matou menos 3,8 pessoas. Mas a secretaria não considerou a tendência. No ano passado todo, a polícia paulista assassinou 798 pessoas, mais de 2 pessoas por dia, índice muito próximo ao dado de 2016.  

    As principais vítimas de letalidade policial são os jovens negros e moradores da periferia. Isso também não constou no publieditorial publicado em IstoÉ pelo governo Alckmin.

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    Jornalismo x Publicidade

    Também nesta semana, a Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp) gastou uma fortuna com a campanha a favor do impeachment da presidente Dilma Rousseff. A diagramação da publicidade se misturou com as reportagens.

    Edição de terça (29/3) | Foto: Reprodução/Folha
    Edição de terça (29/3) | Foto: Reprodução/Folha

    Um leitor mais distraído poderia pensar que os jornais estariam explicitando seus apoios ao processo de impeachment. Como se fosse um convite dos jornais a seus leitores para apoiar a saída de Dilma.

    De acordo com o blog Tijolaço, pelo cálculo das tabelas de publicidade em impressos, os anúncios no Estadão e na Folha teriam custado à Fiesp cerca de R$ 5 milhões, sem contar a versão digital.

    Foto: Reprodução/Estadão
    Foto: Reprodução/Estadão

    É preciso cuidado e respeito com o leitor. Para se fazer jornalismo com qualidade é necessário principalmente manter o limite da ética, além dos princípios que regem a nossa profissão. Misturar campanhas publicitárias com reportagens certamente ultrapassa em muito essa linha. E é uma tremenda irresponsabilidade.

     

    * Maria Carolina Trevisan é coordenadora da disciplina Jornalismo e Políticas Públicas Sociais na ANDI-Comunicação e Direitos, em parceria com a USP. Também é repórter dos Jornalistas Livres

  • Frei Betto: “O impeachment a Dilma é um golpe branco, à semelhança dos que ocorreram recentemente em Honduras e no Paraguai.”

    Frei Betto: “O impeachment a Dilma é um golpe branco, à semelhança dos que ocorreram recentemente em Honduras e no Paraguai.”

    Debate sobre redemocratização, em 1986. Compõem a mesa, entre outros, o sociólogo Florestan Fernandes e o professor Octavio Ianni. Frei Betto é o terceiro da direita para a esquerda. Foto: Helio Carlos Mello
    Debate sobre redemocratização, em 1986. Compõem a mesa, entre outros, o sociólogo Florestan Fernandes e o professor Octavio Ianni. Frei Betto é o terceiro da direita para a esquerda. Foto: Helio Carlos Mello

    Carlos Alberto Libânio Christo, o teólogo Frei Betto, 72, tem uma longa trajetória de luta pela democracia. Atuou em movimentos estudantis, pastorais e sociais. Foi preso político por duas vezes durante a ditadura militar: em 1964, por 15 dias, e entre 1969 e 1973. Do cárcere nasceram os livros “Cartas da Prisão” (Agir), “Diário de Fernando – nos cárceres da ditadura militar brasileira” (Rocco) e “Batismo de Sangue” (Rocco), pelo qual recebeu o Prêmio Jabuti.

    Foi torturado. Testemunhou as inúmeras torturas sofridas por Frei Tito ao nunca revelar aos militares o que sabia.

    Esteve ao lado de Carlos Marighella na guerrilha armada. Enfrentou os carrascos do regime militar e ajudou centenas de brasileiros a fugirem da morte anunciada. Estudou jornalismo, filosofia, antropologia e teologia.

    É ferrenho defensor dos direitos sociais e humanos e por esses trabalhos recebeu inúmeros prêmios.

    Diz que o contrário do medo é a fé, e não a coragem. E assim resistiu à repressão.

    Foi coordenador da ANAMPOS (Articulação Nacional de Movimentos Populares e Sindicais), participou da fundação da CUT (Central Única dos Trabalhadores) e da CMP (Central de Movimentos Populares).

    Conheceu o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva em 1977, na greve dos operários no ABC paulista, quando Lula era líder sindical.

    Em 2003 e 2004 atuou como assessor especial do presidente Lula e como coordenador de Mobilização Social do Programa Fome Zero.

    Autor de 60 livros, Frei Betto sabe exatamente o que é um golpe.

    frei-2Leia, a seguir, a entrevista:

    Jornalistas Livres – O senhor criticou a opção dos governos de Lula e de Dilma em “assegurar a governabilidade pelo mercado e pelo Congresso”. A crise que o governo está vivendo hoje nasce dessa mudança de posicionamento a partir de 2002?

    Frei Betto – Não só, mas também, pois o governo do PT não se empenhou em criar bases de sustentabilidade do projeto de desenvolvimento do Brasil. Adotou-se uma política econômica artificial, ancorada no consumo e na especulação, e não da produção e na valorização do mercado interno. Agora chegou a fatura…

    JL – O PT está pagando o preço por ter se distanciado dos movimento sociais? De que maneira isso se reflete no atual momento?

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    FB – O PT preferiu ficar de braços dados com o empresariado e não com os movimentos sociais, que sequer conseguiram suportar a participação no Conselhão. E em 13 anos de governo nenhuma reforma de estrutura, nem a política, nem a agrária, nem a tributária, para citar as mais urgentes. Hoje, os movimentos sociais já não têm suficiente capacidade de mobilização para, nas ruas, superar a da direita que se manifesta pelo impeachment. E a esquerda não aprende: insiste em convocar manifestações em dia de semana, enquanto a direita, mais hábil, o faz no domingo.

    JL – No final do ano passado o senhor previu que a pressão pelo impeachment iria paralisar o país, opor as pessoas e comprometer a economia. Estamos vivendo exatamente esse ciclo. Na sua opinião, há uma ameaça real à democracia?

    FB – Evidente. O impeachment a Dilma é um golpe branco, à semelhança dos que ocorreram recentemente em Honduras e no Paraguai. As instituições brasileiras parecem entrar em colapso. A Câmara e o Senado presididos por dois acusados de corrupção, o Judiciário dependurado em um juiz de 1a. instância (Sérgio Moro), a Polícia Federal reclamando porque o ministro da Justiça ameaça puni-la caso prossigam os vazamentos seletivos.

    JL – Por que o impeachment seria um golpe?

    FB – Primeiro, porque a direita não dorme. E não se conforma de não estar comodamente instalada no Palácio do Planalto. Segundo, porque o PT não cuidou de politizar a nação em 13 anos de governo. Daí o debate político ter decaído do racional para o emocional. Haja ódio…

    JL – Como o senhor vê a abordagem da Justiça ao ex-presidente Lula no âmbito da Lava Jato?

    “Ninguém está acima da lei, mas um homem que presidiu o Brasil por dois mandatos, tirou 45 milhões de pessoas da miséria e saiu do governo com mais de 80% de aprovação merecia mais respeito. A medida coercitiva que o prendeu em casa e o levou ao aeroporto de Congonhas (onde havia um jatinho da FAB pronto para transportá-lo a Curitiba…) foi típica da ditadura. Lula não era um foragido da Justiça.” Frei Betto

    JL – O que o senhor pensa sobre Lula ser ministro?

    FB – Acho um equívoco. Não é Lula ou qualquer pessoa que salvará o governo, é o próprio governo que enfia o pescoço na corda ao promover esse ajuste fiscal que penaliza sobretudo os mais pobres, não fazer a auditoria da dívida pública nem realizar reformas estruturais. Lula é uma “reserva” eleitoral do PT para 2018. Agora, se Dilma afundar ele afunda junto… E nada indica que ela esteja disposta a dar um cavalo de pau na economia.

    JL – O senhor conhece o Lula há muitos anos. O que o senhor acha da conduta ética e moral do ex-presidente?

    FB – Lula é uma pessoa íntegra.

    JL – Que parcela da população brasileira mais perde com o processo de impeachment e de criminalização do presidente Lula?

    FB – Os mais pobres, pois apesar das contradições e dos equívocos, nenhum governo de nossa história republicana investiu tanto no social como os de Lula.

    JL – Como o senhor vê a atuação da mídia tradicional no momento atual?

    FB – Ela está onde sempre esteve: confirmando o que disse o velho Marx no século XIX, de que o modo de pensar de uma sociedade é o modo de pensar da classe que domina essa sociedade. Não há imprensa neutra, há imprensa que se julga neutra, imparcial, livre. Mas como também disse Marx, ninguém é juiz de si mesmo.

  • Onde estavam os negros na Paulista?

    Onde estavam os negros na Paulista?

    Por Maria Carolina Trevisan, especial para os Jornalistas Livres

    Entre as milhares de pessoas que invadiram a avenida Paulista neste domingo (13/3), quase não havia negros. Assim como aconteceu há um ano, a grande maioria dos negros que foram ao coração de São Paulo – e a outras capitais brasileiras – estava trabalhando. Eram babás ou ambulantes (ou policiais militares). Esse quadro trata de reproduzir a posição subalterna dessa parcela da sociedade brasileira, desde a escravidão até hoje.

    brancos e negros

    Entre as demandas por honestidade, havia zero cartazes pedindo igualdade de direitos, cotas ou conquistas trabalhistas das empregadas domésticas. Ao contrário. O que se viu na avenida Paulista foi a representação do desejo da classe média alta e da elite branca do Brasil em manter seus privilégios. A manifestação está para a justiça social assim como a casa grande está para a senzala. Idêntico e escancarado.IMG_2016-03-13forcaProcure um negro | Foto: Christian Braga

    “Essa marcha não é somente contra a Dilma e a favor do impeachment. Ela é também contra os direitos humanos e as conquistas sociais”, define o administrador de empresas e educador negro Antonio Nascimento, militante de direitos humanos na Bahia.

    “Para mim, essas passeatas foram contra a possibilidade de um país mais justo, mas fingindo a moralidade”, completa Nascimento.

    Sob a cortina do combate à corrupção, o que se coloca é o desejo de uma elite e classe média brasileiras defendendo os próprios interesses. Não à toa, os atos deste domingo aconteceram em locais nobres das cidades: a orla da zona sul carioca, a Avenida Paulista, o Farol da Barra, em Salvador, ou a Praça da Liberdade, em Belo Horizonte. “A elite viu nesse governo a sustentação de seus privilégios sendo ameaçada. Não está preocupada com a moralidade ou com a honestidade porque sempre conviveu com governos desonestos.”

    Racismo explícito na avenida que pede Justiça | Foto: Edgar Bueno
    Racismo explícito na avenida que pede Justiça | Foto: Edgar Bueno

    Mas as manifestações foram muito além e deixaram escapar esse desejo. O que se viu em alguns lugares foram cenas de racismo explícito: um homem pintado de negro (os “blackfaces”, movimento teatral escravocrata que tem por objetivo ridicularizar a população negra) simulava uma “Forca da Inconfidência”.

    Senhoras, senhores e crianças brancas posavam ao lado dessa representação, sorrindo e sem se abalarem; em outra cena, um homem branco segurava um cartaz no qual se via a presidenta Dilma, pintada de negra, imitando o comediante negro Mussum, com os dizeres “Dilma Rouseffis, só no forevis”; e por fim, as dezenas de cenas de babás negras empurrando carrinhos de bebês brancos, com os patrões caminhando adiante.

    “Acho que a maioria das pessoas  não se deu conta do que está em jogo”, afirma a socióloga Marcia Lima, professora de “desigualdades raciais” na Universidade de São Paulo (USP). “O Brasil mudou. Temos uma reação conservadora às conquistas deste grupo [a população negra]”, explica Marcia.

    A população negra não é mais minoria no Brasil. Desde 2011, mais da metade dos brasileiros é negra (pretos e pardos, segundo o IBGE). Atualmente, corresponde a 53,6% da população total do Brasil. Significa dizer que mais de 110 milhões de pessoas não estavam retratadas nos atos pró-impeachment. “Andei duas horas na manifestação. Não tinha pobres nem negros”, constatou a advogada Eliane Dias, produtora do grupo de rap Racionais MC’s.

    “É uma luta de classes em que o negro não é bem quisto. Por isso, é uma grande contradição falar em Justiça nas manifestações”, diz Eliane.

    De fato, para falar em democracia, é preciso se referir a toda a sociedade. “É muita irresponsabilidade, por exemplo, simular o enforcamento de um homem negro no meio da Paulista. Vi várias famílias lá dando risadinha disso”, relata Eliane. Para ela, violência semelhante é levar uma babá negra para esse contexto. “É uma humilhação. Você coloca lá uma mulher negra, num domingo, num lugar onde não tem nenhum negro… Isso representa a submissão”, constata.

    choquemanifa13marco_SnapseedNo que se refere às questões raciais do país responsável pela maior e mais longa escravidão do mundo, nada mudou em um ano. As manifestações de março de 2015 ja mostraram como os defensores do impeachment são brancos. Esse cenário faz os versos dos Racionais cada vez mais contundentes e atuais:

    “Este é o Brasil que eles querem que exista: evoluído e bonito, mas sem negros no destaque”, Racionais MC’s, em ‘Voz Ativa’

     

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    Procure um negro na escada rolante do shopping na Paulista, durante o ato pró-impeachment.
    Vídeo: Fernando Sato

     

     

  • MORO E MILITARES VIRAM HEROIS DA CLASSE MEDIA NA TELA DA GLOBO: O ESQUENTA PRA MARCHA DA PAULISTA

    MORO E MILITARES VIRAM HEROIS DA CLASSE MEDIA NA TELA DA GLOBO: O ESQUENTA PRA MARCHA DA PAULISTA

    por Rodrigo Vianna, do blog Escrevinhador, para Jornalistas Livres

    Moro, o herói da Globo (um novo Collor?)
    Moro, o herói da Globo (um novo Collor?)

    O esquenta para as marchas golpistas começou nas páginas dos jornais paulistas. No decadente Estadão, um editorial mais violento do que o de 1964 criticava neste domingo os petistas, definidos como “quase marginais”, chamou sindicalistas de “turma de boas-vidas” e disse que seguidores de Lula são “desesperados” que atuam contra “a maioria de brasileiros honestos”.

    O Estadão se esquece que os honestíssimos Aécio, Agripino, Aloysio, Eduardo Cunha e Alckmin foram derrotados nas urnas em 2014? O jornal se perde em seu delírio decadente. O texto é claramente o arreganho autoritário de um pitbull desdentado que ainda se leva a sério.

    Na Folha, havia chance de garimpar algum humor. O impoluto Elio Gaspari dividia espaço com o jovial Kim Kataguri, na turma de analistas. Gaspari defendeu a Constituição e chamou de golpe o “semi-parlamentarismo” proposto por PMDB/PSDB, mas não se conteve e propôs a derrubada imediata da chapa Dilma/Temer para que se convoque nova eleição.

    Em suma, Gaspari fez o papel do semi-golpista. Já Kataguri não decepcionou: foi imbecil por inteiro. Usou o desenho animado dos power rangers (isso mesmo!!) como referência para o delírio golpista que escorria das páginas do jornal.

    Kataguri na Folha: o power ranger do golpe
    Kataguri na Folha: o power ranger do golpe

    Mas vamos ao que interessa: o “esquenta” promovido pela Globo na manhã de domingo, mais uma vez, não decepcionou.

    Logo cedo, a GloboNews usou uma espécie de “lente de aumento” para que não surgissem na tela os vazios que ainda eram evidentes no gramado em Brasília.

    Depois, deu voz para sua turma de repórteres bem ensaiados. O discurso de “milhares de famílias, marchando em paz contra a corrupção e o PT” (como se PT e corrupção fossem uma coisa só) dessa vez ganhou um adendo: “muitas pessoas trazem faixas em apoio ao juiz Sérgio Moro”.

    A tabelinha Globo/Moro ficou mais evidente que nunca.

    Nas telas e nas fotos enviadas pela web não faltavam as faixas de apoio a um golpe militar. Mas Moro era dominante: um herói de direita, impoluto, que a direita constrói passo a passoUm homem já perigoso para a democracia – justamente porque não se submete a ela.

    Em Salvador, a Globo foi obrigada a usar imagens fechadas porque mais uma vez havia minoria de brancos e ricos na orla.

    Em Brasília, por volta de 11h30, ainda eram evidentes grandes vazios no gramado em frente ao Congresso. Mas a quantidade de manifestantes parecia igualar os primeiros protestos de março de 2015.

    Globo usa lente de aumento para mostrar volume de manifestantes (que não era possível enxergar)
    Globo usa lente de aumento para mostrar volume de manifestantes (que não era possível enxergar)

    Recife e Maceió ganharam destaque na tela. De novo, eram manifestações de brancos e ricos, na orla dominada por prédios da oligarquia nordestina. Os repórteres chutavam números: “15 mil em Maceió”, contradizendo a imagem que mostrava 2 mil ou 3 mil pessoas marchando no bairro dos ricaços alagoanos.

    Em BH, a tradicional família mineira foi pra rua em número pouco superior ao das manifestações anteriores.

    O ponto fora da curva parecia ser o Rio de Janeiro, onde claramente (pelas imagens abertas da orla de Copacabana) a manifestação levou mais gente às ruas do que em março/agosto/dezembro de 2015.

    A Globo interrompia seu programa de Esporte a cada dez minutos para fazer o “giro pelo Brasil”. Alex Escobar, aquele mesmo que Dunga certa vez cobriu de palavrões numa coletiva da seleção, fazia cara de inteligente ao falar da “luta contra a corrupção”. Depois, voltava ao normal.

    Na Globo News, o esforço da comentarista era emocionante ao narrar as imagens de Brasilia: “a diferença dessa manifestação é que agora os políticos querem aparecer nas ruas, pra disputar o dia seguinte do impeachment”; ou então “vai-se aproximando a hora de decidir o que será do poder depois que Dilma cair”.

    O contra-ataque veio pelo céu
    O contra-ataque veio pelo céu

    É a tentativa de criar uma narrativa do “inevitável”.

    Nenhuma palavra sobre o envolvimento de Temer e Aécio na Lava-Jato. Nada. A Globo nitidamente tem pressa.

    Tudo isso era apenas o “esquenta” para o grande ato golpista: a passeata na avenida Paulista em São Paulo. Sim, a expectativa era de uma multidão pelo menos igual à que tomou as ruas um ano atrás.

    Olho pra tela, e depois vejo pela janela vizinhos na rua vestidos de amarelo. Ao meio-dia, a turma do “chega de PT” já estava se preparando para a marcha.

    A previsão é de “1 milhão de pessoas nas ruas”, berra o secretário de segurança (?) de Alckmin (aquele mesmo que lança a PM contra sindicalistas, aproveitando o clima de “prende e arrebenta” que o Estadão e a Globo tentam criar). Não cabe 1 milhão na Paulista. Mas isso é apenas um “detalhe”. A narrativa já está criada.

    O dia 13, até as 12h, não trouxe nada de novo: é o arreganho golpista da classe média que pretende produzir um novo 1964, em que a farda será substituída pela toga.

    A tranquilidade com que a Globo e os jornais paulistas tratam um golpe contra a democracia deve ser o grande combustível para que a reação aconteça no próximo dia 18. Sem cobertura da mídia, sem PM, sem editoriais – não importa.

    O dia 18 pode ter menos gente do que o dia 13 golpista. Não importa. Mas os setores organizados precisam mostrar aos jornais golpistas, aos Kataguris/power rangers, à Globo e à classe média odienta que o golpe não será um passeio no parque.

    ...manifestantes saudosos pedem volta a 1964
    Manifestantes saudosos pedem volta a 1964
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    Na avenida Paulista…