A gente tem aprendido sobre a sororidade – união e aliança entre mulheres baseada no companheirismo em busca de objetivos comuns. E temos praticado. Muito. A cada dia. Esse 8 de março com certeza foi diferente. As mulheres sorriam umas pras outras, mesmo não se conhecendo.
Foto: Maxwell Vilela/ Jornalistas Livres
Nesse dia Internacional delas, o chamado para as ruas ultrapassou a luta contra o machismo. E são tantas as pautas…
Em várias partes do mundo, mulheres têm se organizado e manifestado contra o sistema capitalista e a opressão do patriarcado. No Brasil, o golpe que rompeu com a democracia atingiu em cheio as mulheres. Enquanto estávamos ali na concentração na Praça da Liberdade, por volta das 3 da tarde, tentava me recordar do último 8 de março, em 2016. Sim, há um ano gritávamos nas ruas contra o golpe que passaria na Câmara dos Deputados em pouco mais de um mês: “Fica, Dilma! Fica, querida!”
Foto: Maxwell Vilela/ Jornalistas Livres
Alguém do Psol me lembrou que eles não. Eram pelas eleições gerais. “Não éramos pelo Fica Dilma porque acreditávamos que ela não tinha mais representatividade. Houve dois atos no ano passado aqui em Belo Horizonte no 8 de março, um pelo Fica Dilma e outro pela pauta das mulheres. Optamos pelo segundo. Mas eu achei muita sacanagem o que alguns setores do PT fizeram com a Dilma. Eles não compraram a bandeira do Fica Dilma”.
Muitos que deveriam ter “comprado” essa bandeira não o fizeram. Deu no que deu. O golpe passou e hoje, apesar de tantas conquistas a se ter, mulheres lutam por direitos básicos. A Reforma da Previdência, proposta pela PEC 287, prejudicará toda a sociedade, mas principalmente as mulheres, que mantêm jornadas duplas e às vezes triplas.
Foto: Lucas Bois/ Jornalistas Livres
O recado foi principalmente para a trabalhadora: “Trabalhadora, preste atenção! O Michel Temer só governa pra patrão”!
A pauta das mulheres não ficou de fora. Jamais. A luta é contra o patriarcado e o machismo, a violência contra as mulheres, e também contra o capital, a exploração, a transfobia, o racismo.
Foto: Maxwell Vilela/ Jornalistas Livres
Muitas mulheres foram lembradas hoje: as assassinadas, as agredidas, as caladas pela polícia. Uma diversidade de vozes invadiu as ruas. Pedidos de Fora Temer, de basta à violência e ao preconceito, de greve geral já. Eram brancas, negras, lésbicas, trans, crianças, idosas, homens. A forte chuva que caiu no fim da tarde, quando a marcha tinha deixado a Praça da Liberdade e alcançava o centro,
não impediu as mulheres de continuar a caminhada de luta.
Grande Ato em Bento Rodrigues, 05/11/2016, por Gustavo Miranda.
O dia amanheceu chuvoso em Mariana, MG. Não saia da memória a data fatídica: em 5 de novembro de 2016 completa-se um ano do crime da Samarco (Vale e BHP Billinton).
Um ano de impunidade, pode-se assim dizer com toda certeza.
Os participantes do 1° Encontro Nacional dos Atingidos, que aconteceu na Arena de Mariana entre os dias 3/11 e 5/11, acordaram cedo. Era preciso chegar até Bento Rodrigues, primeiro distrito destruído pelo rompimento da barragem de rejeitos de minério. O número oficial de vidas humanas é 19, mas movimentos sociais e ativistas contabilizam 21 mortes: do filho que a mãe abortou na lama e do atingido que morreu por depressão depois que perdeu tudo. Como alguém bem lembrou durante o ato em Bento Rodrigues, a lama segue matando, segue matando, segue matando…
Um ano de impunidade
Impunidade porque hoje já se sabe que a barragem romperia. O risco era real. Por isso, para a empresa Samarco, Bento Rodrigues seria perfeito para a construção de uma barragem de contenção. Isso ela quer fazer agora, com a construção do Dique S4 sobre o que restou do povoado. O possível enterro de vez da memória de quem nasceu e viveu ali até aquele fatídico de novembro, foi mencionado hoje com revolta. Realmente um escárnio para quem perdeu tudo e ainda está com a alma cheia de lama.
Grande Ato em Bento Rodrigues, 05/11,16, por Lidyane Ponciano/Sind-UTE MG e CUT MinasGrande Ato em Bento Rodrigues, 05/11,16, por Lidyane Ponciano/Sind-UTE MG e CUT Minas
“Tomamos banho, mas a lama não sai”. Era o que se via nas camisetas de ex-moradores de Bento Rodrigues. Muitos deles foram visitar o local da tragédia hoje, acompanhados por movimentos sociais e militantes, além da imprensa.
Dona Ermínia, ex-moradora, andando pelo povoado destruído, se lembrou de quem eram as casas ali debaixo de escombros e lama, de quem era os pés de jaboticaba. O filho tinha dito para ela não ir até Bento Rodrigues, ficar em Mariana, onde ela diz que não está vivendo e sim acabando com o resto dos dias. Dona Ermínia perdeu, além da casa, a neta de 5 anos, que foi arrastada pela lama. “Se a gente vir ou não vir, não sai da cabeça”.
Em Bento, as casas que não foram destruídas, estão abandonadas. O ato de hoje serviu para cobrar justiça pelo crime cometido pela Samarco e também para lembrar que água e energia não são mercadorias.
“Águas para vida, não para a morte”.
A Samarco segue impune enquanto os atingidos são responsabilizados pelo desemprego em Mariana. Os atingidos que tiveram de ir para cidade são olhados com preconceito pelos moradores. A empresa não parece levar a culpa e tampouco faz algo para melhorar a situação. Apenas 1% de lama foi removida. O rastro de destruição ainda é visível. Rio morto. Pessoas sem terra, sem casa, sem água, doentes.
1 Ano de Lama e Luta
21 cruzes. 21 mudas de árvores. Cruz e árvore plantadas juntas, próximas ao que já foi a escola da comunidade. Cada cruz representou uma vida que se foi e cada árvore representou uma nova vida, a ressureição que os atingidos esperam para Bento.
Grande Ato em Bento Rodrigues, 05/11/2016, por Gustavo Miranda.
Grande Ato em Bento Rodrigues, 05/11,16, por Lidyane Ponciano/Sind-UTE MG e CUT Minas
Hoje, pode -se dizer, Bento foi tomado pelo povo ! Um povo de luta , que não vai esquecer o crime da Samarco. A lama nos corpos é pra mostrar que ela ainda está impregnada, não só em Bento e em todo o leito do rio Doce, mas na memória de todos que viram aquele rompimento como ele deve ser considerado: um crime.
Na volta de Bento Rodrigues, os atingidos pararam na porta da Samarco e deixaram um recado: “não ficará impune. O povo está acordando. O povo está vendo que essa empresa vai pagar. Vai pagar centavo por centavo, o que deve às vidas que foram ceifadas. Deve ao rio inteiro que foi contaminado”, disse um interlocutor do MAB no portão de acesso à empresa.
Ato na porta da Samarco, 05/11/2016, por Gustavo Miranda.Ato na porta da Samarco, 05/11/2016, por Gustavo Miranda.
Os trabalhadores prostrados na porta da empresa, protegidos por uma grade de segurança, também foram lembrados de como são explorados por uma empresa que lucra muito e é assassina. Antes de partir, tocou-se uma sirene, sirene que não existia no dia do rompimento…
Ato na porta da Samarco, 05/11/2016, por Gustavo Miranda.
A semente é o primeiro elo da cadeia alimentar. É dela que tem origem todos os alimentos, digo os que estão sempre à mesa como o arroz, o feijão, o milho . A semente crioula é o tipo mais antigo, e é o natural. Ao contrário da semente transgênica, tão utilizada nos dias de hoje, a semente crioula não passou por nenhuma modificação genética por meio da interferência humana.
As sementes crioulas são sustentáveis, primeiro, porque não degradam o meio-ambiente. Segundo, porque dos alimentos produzidos a partir delas, pode-se produzir artesanatos. É o caso da palha de milho.
Foto: Gustavo Ferreira/ Sô Fotocoletivo
Ela permanece intacta e conservada em um paiol por até dois anos. Já a palha do milho transgênico não dura dois meses.
Mas o maior problema dos transgênicos é a destruição da natureza, com toda certeza. O problema é tão grave no Brasil que a água hoje é um bem ameaçado. Como bem disse Antônio Vicente, guardião de sementes, a falta de água “já doeu na pele, já queimou”.
Conhecimento. Outra palavra que tem tudo a ver com as sementes crioulas.
A alimentação adequada é um direito humano e social previsto na nossa Constituição Federal. Significa tanto que as pessoas devem estar livres da fome e da desnutrição mas também com acesso a uma alimentação adequada e saudável. O conhecimento começa aí. Na barraca das sementes crioulas, instalada na Feira de Artes e Cultura da Reforma Agrária do MST, que acontece em BH entre os dias 20 e 24 de julho, quem visita pode “conhecer” as sementes crioulas e ainda ter acesso a uma cartilha informativa, produzida pelo Conselho Nacional de Segurança Alimentar de Minas Gerais, o Consea.
Antônio é guardião de sementes crioulas há seis anos. Ele faz parte do Conselho Municipal em São João Del Rei, no Campo das Vertentes. Ele veio para o Festival da Reforma Agrária trocar sementes crioulas e partilhar conhecimento. Não imaginou que a troca seria tão profunda.
Trouxe sementes de milho, ervilha, feijão, arroz de vários tipos, quiabo, almeirão, jiló e outras.
Foto: Gustavo Ferreira/ Sô Fotocoletivo
Recebeu em troca de suas sementes as de mucumo, fava vinagre, moringa, que é uma árvore cheia de nutrientes, melancia comum, que seu Antônio queria muito, e mamão. A cada troca, vem o valioso conhecimento junto: do mamão por exemplo, ele não sabia que se retirava as sementes da segunda arremessa da colheita, e não da primeira.
A barraca das sementes crioulas está sempre cheia de gente. O que é bom e esperançoso. As pessoas querem o conhecimento. Muitas delas chegam a seu Antônio e vão perguntando: vende, né ? Ele, sempre simpático e atencioso, explica a tradição: “as sementes crioulas não podem ser comercializadas. A alimentação deve ser uma troca, como antigamente. Vamos começar de grão em grão. O dinheiro não tem poder, tem serventia. O poder é a semente, pois ela alimenta”.
Conforme explica seu Antônio, pra ser um guardião de sementes, tem que ter caráter e responsabilidade, e também o conhecimento. Segundo ele, guardar sementes é como um jogo: não se pode colocar todas as cartas na mesa.
Não há muitos guardiões de sementes. Mas o caminho está dado: é preciso recuperar a biodiversidade. Pra se ter uma ideia de como ela está ameaçada, o milho de uma semente transgênica demora dois meses para crescer, enquanto das sementes crioulas o tempo é da natureza: por volta de seis meses. Dá pra imaginar o tanto de água que se gasta para adiantar esse processo de produção, não é?
Foto: Gustavo Ferreira/ Sô Fotocoletivo
É por causa desse respeito à Mãe Terra que as sementes crioulas proporcionam, que é importante resgata-las. Há ainda muitas em extinção, que precisam ser recuperadas. Seu Antônio vai continuar na busca. E é cada surpresa boa: uma indiana descobriu 3 mil espécies diferentes de arroz: “Se tem isso de arroz, imagina quantas espécies de feijão não há?”, pergunta, com os olhinhos brilhando de satisfação.
O resgate das sementes crioulas é bom pra natureza e bom para todos os seres vivos que nela habitam: “você não consegue uma galinha de qualidade sem um milho de qualidade, um porco de qualidade sem um milho de qualidade, você não tem uma vaca ou um leite de qualidade se você não tem um milho de qualidade, e você não tem um cavalo bom pra andar se não tem o milho de qualidade. Antigamente eles falavam que o agrário tomava a terra do grande pra dar pro pequeno produzir. Hoje o agrário pra mim é o seguinte: quem trabalhar com a produção certa, sem veneno, com qualidade, e se seu produto tiver etiqueta, tem exportação. Os outros países querem. Se você não estiver preparado, você não vai. Lá fora não querem veneno, então nós não podemos deixar nosso país produzir e consumir veneno! Se estamos com dificuldade com alimentação dentro do nosso país, como vamos exportar? Primeiro nós temos que matar a fome de quem tem fome”.
Na sexta à noite Antônio estava muito animado. Havia preocupação com a grande saída das sementes, que podiam acabar antes do festival, mas a partilha realmente está valendo a pena. Ele havia ganhado mudas de ervas medicinais em troca de sementes. “Incrível como as sementes crioulas puxam as ervas medicinais”. Realmente, das sementes crioulas saem as melhoras coisas: alimentos saudáveis e saberes para todo mundo.
Entre uma intervenção artística e outra, aconteceu o seminário “Conjuntura Política Atual”, que integra a programação do Festival Nacional de Artes e Cultura da Reforma Agrária do MST, que acontece em Belo Horizonte até o próximo domingo. Antes do debate, que ocorreu no Minascentro, integrantes do MST e de outros movimentos marcharam pelas ruas do centro da capital mineira convidando a população para participar do festival e também denunciando o golpe em curso no país. “No poder só tem playboy. A crise é pros ricos, o pobre é que se fode”, cantavam os jovens do Levante Popular da Juventude.
Foto: Leandro Taques / Jornalistas Livres
Participaram da mesa o coordenador nacional do Movimento dos Trabalhadores Sem-Terra, João Pedro Stedile, e Beatriz Cerqueira, da Central Única dos Trabalhadores (CUT).
Foto: Leandro Taques / Jornalistas Livres
João Pedro começou sua fala dizendo que o atual modelo de desenvolvimento, que é o neodesenvolvimentista, está falido e precisamos superá-lo. Essa crise profunda que vivemos, que é política, econômica, social e ambiental, é como a dos anos 30, 60 e 90.
Foto: Maxwell Vilela/ Jornalistas Livres
“A burguesia vai tentar construir o modelo dela. Nós trabalhadores temos que construir o nosso. Eles (a burguesia) se mexem pra diminuir os salários, mandar embora os empregados e retirar direitos trabalhistas. O que está em jogo no governo de Temer são 220 bilhões de reais do orçamento da União, que antes iam pra educação, saúde, previdência. Eles fazem de tudo pra se apropriar desses recursos. Privatizar as empresas públicas que geram dinheiro é outro projeto: Furnas tá na lista, Cemig que se cuide. E o sonho deles é privatizar a Itaipu, maior hidrelétrica do mundo. E por fim, eles querem se apropriar, de maneira privada, dos recursos naturais, que são bens que a sociedade precisa pra viver melhor”.
O líder do MST continuou: “Eu espero que os operários se insurjam, porque eles vão perder tudo. Os capitalistas estão com medo pois nem eles sabem como sair da crise. O conhecimento é nossa principal arma se quisermos mudar o mundo”.
Seguida à fala de João Pedro, Beatriz Cerqueira disse que enquanto estávamos ali, a saúde, a educação e a previdência estão a caminho da privatização. “Seja no Congresso, seja em medidas provisórias, essa última muito utilizada pelo governo ilegítimo de Temer, estão em curso mudanças estruturais nesses três segmentos. A nossa primeira luta é contra o golpe. Eu não faço isso pela Dilma, ou pelo PT. Faço isso pela democracia, faço isso por 40 milhões que saíram da extrema pobreza; pelo dobro de jovens que estão hoje na universidade; pelo ensino profissionalizante; pelos médicos que chegaram onde nunca havia médicos. Não é possível o PT se aliar ao PSDB, já vimos que não. Essas eleições municipais têm que servir também para denunciar o golpe. Se o golpe passa no final de agosto, a classe da qual eu faço parte está ferrada. Não tem nada daquilo que está nas nossas pautas de educação”.
Foto: Maxwell Vilela/ Jornalistas Livres
Bia também fez uma crítica ao governo estadual do PT em Minas Gerais: “é preciso avançar mais nas pautas sociais”.
Em Minas Gerais, em dois anos, enquanto na educação a evolução salarial foi de 5.10%, a da Polícia Militar foi de 64%. Enquanto isso, na porta do Minascentro, onde acontecia o debate, dois trabalhadores em cima de uma moto, visivelmente da classe trabalhadora, passam xingando integrantes do MST de várias partes do país que estão em BH ! Esses dados tristes do estado, e essa postura comum de trabalhadores que não estão inseridos em movimento algum diz muito, não é?
É como disse Beatriz, “se as pessoas entendessem Marx, o mundo seria melhor”. Ela ressalta: “e até o pensamento crítico querem nos tirar, com o projeto Escola sem Partido.E volta querida sim, pois isso é uma resposta ao tchau querida, que nos mostrou que mulher não pode ocupar cargos políticos”.
Antes da mineração tinha amor. Depois da mineração há ilusão. Isso significa para Conceição do Mato Dentro muita gravidez indesejada, principalmente de adolescentes. Os moradores falam que a cidade viveu um “pico do peão”. Hoje, até pela queda no preço do minério, não se vê tantos trabalhadores. Mas dá pra imaginar a expressão “pico do peão”: muito homem atrás de mulher nas ruas. Muitas mulheres foram abandonadas, algumas com filhos. Os peões, na sua maioria, eram casados e voltavam para suas mulheres após o serviço prestado no município.
Fotografia: Sueli Santos
Antes da mineração, culturas tradicionais eram visíveis. Depois da mineração, a identidade da cidade parece ter se perdido. Não se vê nem as mulheres de Tabuleiro com suas chitas mais. Mas a falta de reconhecimento e pertencimento é bem pior: uma das maiores tradições da cidade, a farinha de mandioca, está ameaçada. Na comunidade do Sapo, por exemplo, que fica no distrito de São Sebastião do Bom Sucesso, plantar o alimento tem sido cada vez mais difícil.
O ar já não é mais o mesmo, e a água, nem tão abundante. (Nos locais onde há mineradora explorando, a água se torna um bem ameaçado, pois é muito utilizada no processo de lavagem do minério).
Antes da mineração as portas em Conceição viviam abertas. Hoje há medo e receio. Agora são milhares de desconhecidos. Contando a zona rural, que é imensa, Conceição do Mato Dentro tem 20 mil habitantes. Uma pequena cidade que carrega algumas características de grandes centros urbanos: além da violência doméstica e do abuso sexual, que são comuns a todo lugar, há guerra no tráfico, homicídios e roubos. Com a chegada de novos moradores, muitos deles passageiros, não é mais possível reconhecer todos os conceicionense, de modo que a vida em comunidade, em que todo mundo é amigo ou parente, não existe mais.
Fotografia: Sueli Santos
Antes da mineração a vida era simples. Depois da mineração ficou complexa. Pequenos empreendimentos, como a antiga padaria da família de Marina Oliveira, teve de fechar após várias gerações, pois não atendia ao gosto dos novos moradores da cidade.
O município virou refém da mineração, como conta a presidente da Câmara de Vereadores. Hoje a economia não se vê sem a receita dela. É como Mariana, também na região central de Minas, onde uma barragem de rejeitos de minério se rompeu em novembro passado. Essas cidades passam a depender quase que 100% da mineração, que apesar de ficar com as riquezas do lugar, não melhora a qualidade de vida dos moradores, como saúde, educação, lazer, cultura e arte.
O turismo, que sempre existiu no município, também ficou ameaçado. Moradores contam que a empresa, a Anglo Australiana, demorou para construir alojamentos, como prometeu. Os funcionários foram hospedados em hotéis, tirando assim a vaga dos turistas.
Antes da mineração todas as montanhas eram perfeitas. Depois da mineração, algumas já estão completamente lapidadas, e o meio-ambiente, por mais que neguem, está ameaçado.
A secretária de turismo do município afirma que a exploração de minério ocorre do outro lado das comunidades turísticas, como Tabuleiro, onde está a cachoeira com a maior queda d’agua de Minas Gerais. Mas um guia de lá confessou que não tem esperanças de que um dia o impacto não chegue ao local.
Como já dito, o ar em toda a cidade não é mais o mesmo após quase 10 anos de exploração de minério. Os moradores reconhecem que depois da mineração há mais acesso a um “desenvolvimento”, leia-se acesso a bens de consumo. Mas uma rápida conversa com qualquer morador que viveu o “antes e o depois da mineração”, pra saber da triste saudade de uma cidade sem exploração de minério.
No dia em que a ocupação da Funarte, (Fundação Nacional de Artes) em Minas Gerais, completou um mês de resistência , o MST e vários outros movimentos de trabalhadores rurais, lançaram o Festival Nacional de Artes e Cultura da Reforma Agrária. Foi uma anunciação do que será uma “grande feira” entre os dias 20 e 24 de julho na capital mineira: muito debate, culinária, comercialização de produtos orgânicos, e como não, cultura: poesia e muita música. Isso ficou claro durante o evento, que começou e terminou com intervenções artísticas.
Foto: Mídia NINJA
A festa acontecia na Funarte, ocupada há 30 dias por movimentos sociais e artistas contra o governo interino de Michel Temer. “30 dias de ocupação que se tornaram uma Vanguarda pela luta contra o golpe”, como disse o coordenador nacional do MST, João Pedro Stedile, o grande convidado da noite.
Foto: Mídia NINJA
Para o líder do maior movimento pela reforma agrária, o Brasil vive um período grave de crise, mas que é paradigmática, e não só do governo. Ele explicou. A crise é econômica, mas também social, ambiental: “Só vivemos crises parecidas na década de 30, depois em 60, que resultou no golpe. Depois tivemos uma na década de 80, e foi quando perdemos nosso projeto pelo voto de 89”. (Para quem não se lembra ou não ouviu falar, o Lula foi derrotado pelo Fernando Collor de Melo nas eleições para presidente e a Rede Globo foi uma grande responsável, ao editar de maneira grotesca e irresponsável o debate entre os dois candidatos a favor de Collor).
Stedile continuou: “essa crise é semelhante a esses períodos e não é grave. É econômica porque mostra um Estado burguês podre e falido; é social porque 50 mil jovens negros e pobres são mortos por ano e ninguém fala nada. Isso não é pauta da Globo; e é ambiental também. Os mineiros sabem bem, pelo crime de Mariana, que matou pessoas e um rio, de 700km, e fica por isso mesmo. É nessas circunstâncias de crise que a burguesia planeja golpe. Na agricultura temos a situação agravada por causa do agronegócio. Eles estão envenenado a população brasileira. O veneno não consegue produzir alimento com qualidade. Por isso dizemos que a reforma agrária não é mais camponesa, mas sim popular”.
Foto: Mídia NINJA
Todos ouviam atenciosos a fala de Stedile, que disse que a esquerda tem que fazer uma profunda autocrítica após mais esse golpe contra o povo brasileiro.
A Funarte MG Ocupada, resistindo 30 dias, decidiu naquele dia também mudar os rumos da luta. Para o movimento, mais que ocupar aquele espaço, é preciso ocupar toda a cidade com luta, e por isso a ocupação não seria mais permanente, e sim uma luta dialogando com toda a cidade: “Conclamamos a todas e a todos que protagonizaram essa luta a construírem conosco o Levante Nacional da Cultura para seguirmos em movimento!Estamos mais fortalecidos para essa grande tarefa. Continuaremos ocupando e resistindo contra o golpe e por nenhum direito a menos!”, diz a nota publicada na página da ocupação.
Foto: Mídia NINJA
O que temos que mudar ? Para João Pedro Stedile, os companheiros da Funarte nos ajudam: “estamos numa verdadeira trincheira pela Democracia, e a forma mais pedagógica e didática para defender ideias é a cultura.
Dilma vai voltar. Mas tem que voltar com outra estrutura, próxima ao povo”.